domingo, 26 de fevereiro de 2012

O capitalismo em crise e os meios de superá-la


Tenho uma recomendação a fazer a quem luta pelo socialismo. A todos e todas sem exceção. Este é um bom momento para estudar o capitalismo realmente existente. Abandonemos as fantasias cordatas: é mesmo útil saber em que mundo é que se tem os pés assentados, conhecer o poder e as ambições do capital, reconhecer as dificuldades e a vertigem da grande depressão. E, já agora, começar por ler o que a finança escreve sobre si própria. Não há melhor professor do que a realidade. O artigo é de Francisco Louçã.

Em 2009, o Financial Times publicou uma série de artigos de debate sobre um tema comum: o “futuro do capitalismo”. A crise financeira anterior e a recessão desse ano de 2009 levaram o jornal a convidar especialistas, governantes e analistas a discutirem este tema. Três anos depois, o mesmo diário convida-nos a lermos um novo debate, desta vez sobre “o capitalismo em crise”. A mudança do enunciado do tema é por si só reveladora da aflição.

O FT foi fundado em 1888, há portanto 124 anos. Vende agora mais de dois milhões de exemplares por dia, é impresso em 24 cidades pelo mundo fora, é um colosso no mundo digital – é simplesmente o jornal financeiro mais influente do mundo. Podemos tomá-lo como um indicador seguro das tendências ideológicas, das inquietações e das preocupações do mundo financeiro, assim como da evolução da economia e dos seus tomadores de decisão.

Assim, o debate sobre “o capitalismo em crise”, que se tem estendido por Janeiro e Fevereiro, é, a todos os títulos, um retrato das perturbações financeiras e políticas de 2012. Nele participam predominantemente economistas conservadores como Kenneth Rogoff, do FMI, mas também anteriores ou atuais governantes dos Estados Unidos e do Reino Unido (um ex-ministro do ex-presidente Clinton, Robert Reich; o ministro das finanças inglês, George Osborne), governantes de outros países, o movimento Occupy London (citando o ultra-conservador Friedrich Hayek como autoridade literária!), o líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, um banqueiro chinês, Qin Xiao, ou comentadores célebres como Martin Wolf. No final de Janeiro, a revista Newsweek juntou-se também ao debate e publicou um dossier sobre “como remendar o capitalismo”, no mesmo tom.

Neste artigo, limito-me a reportar os temas principais destes debates e a identificar alguns dos seus argumentos, porque eles nos fornecem um guia interessante para a crise atual, nas suas certezas como nas suas hesitações. Parto de uma constatação: vale a pena ler esses textos e pensar sobre eles, porque são um retrato da perturbação que se está a viver. Nos mercados, nas ideias, nas políticas, nos alinhamentos sociais.

Perdoar-me-á o leitor ou a leitora, mas até estou convencido de que esse jornal, porta-voz da finança internacional, se dedica com mais profundidade à análise de algumas das falhas do capitalismo do que os advogados europeus da austeridade, as agências internacionais ou as doutrinas estabelecidas. Se bem que esteja por isso interessadíssimo na nova teoria que descobriu a sua Coreia do Norte na Islândia, o farol luminoso da meia-austeridade e o lugar onde o FMI seria cordato a orientar uma coligação encantadora, peço licença para ouvir antes os representantes do capitalismo em crise.

O debate do Financial Times (e da Newsweek) merece essa atenção, porque revela um sistemático trabalho de desmantelamento dos mitos do capitalismo, o que sugere antes de mais que os defensores do castelo são os primeiros a reconhecer as fragilidades da muralha. De fato, destes artigos resultam argumentos sobre quatro grandes brechas deste capitalismo da era da globalização.

Primeira brecha: o capitalismo cresceu e a desigualdade cresceu mais ainda.
O capitalismo foi um enorme sucesso social à custa de uma enorme tragédia social. Revolveu as entranhas do mundo: “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, escreviam Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848. O capitalismo mudou tudo. Destruiu e construiu. E cresceu: segundo os cálculos de Angus Maddison, citados pela Newsweek, o produto mundial cresceu sete vezes desde o ano 1 da nossa era até 1820, ao longo de dezoito séculos, e cresceu setenta vezes nos dois séculos seguintes, até hoje – quase cem vezes mais depressa. A aceleração do tempo do capitalismo é retratada por este crescimento alucinante.

Só que o crescimento foi sempre desigual e é cada vez mais desigual nos dias de hoje. Diz a Newsweek: em 2010, os rendimentos dos administradores das grandes empresas norte-americanas foram 28% superiores aos do ano anterior (uma média de 10,8 milhões de dólares cada), cerca de 325 vezes mais do que média dos seus trabalhadores. Quanto mais grave a crise, mais crescem os rendimentos do topo. O Financial Times testemunha o mesmo, com dados ingleses: o rendimento dos administradores das cem principais empresas, as do índice FTSE100, era em 1980 cerca de 14 vezes a mediana dos salários das suas empresas e, trinta anos depois, passaram a ser cerca de 75 vezes essa mediana.

George Osborne, o ministro das finanças do governo conservador britânico, bem pode dizer que esta desigualdade é o resultado de estupidez e que não concorda que os bancos paguem bónus aos administradores que os conduziram a uma especulação sem freio e a uma crise grave. O facto é que o capitalismo passou a ser um sistema que promove e recompensa o fracasso.

Segunda brecha: a segunda grande depressão mobiliza o autoritarismo social contra alguns dos fundamentos da civilização.

Dois dos participantes do debate do Financial Times argumentam que este modelo de recompensa do fracasso é o resultado de um erro estrutural, porque o capitalismo sabe criar e vender mercadorias, mas não sabe criar e distribuir eficientemente os bens públicos. Vejamos onde nos leva este argumento.

Os bens públicos são a civilização: bens tão diferentes como a segurança, defesa, saúde, educação, segurança social, regulação do trânsito, respeito pela liberdade religiosa ou de não ter religião, liberdade de opinião e de imprensa, direito de manifestação, capacidade eleitoral ativa e passiva, justiça ou investigação científica fundamental, não são produzidos pelas empresas nem resultam diretamente de processos de acumulação de capital. Resultam de decisões políticas que são condições para a vida social, que podem portanto favorecer a acumulação de capital mas que lhe cobram uma prestação: o Estado faz-se pagar por estes serviços e a isso chama-se impostos.

Para Kenneth Rogoff, um economista que fez a sua carreira no FMI e que agora se dedica à análise das crises financeiras ao longo do tempo, o capitalismo é simplesmente pouco eficiente na geração de bens públicos e é por isso que tem de existir o Estado (a tese não é dele e é antiga, mas tem o seu fundamento). Martin Wolff, um dos mais reconhecidos comentadores do Financial Times, escreve que esses bens públicos são ainda mais difíceis de produzir na sociedade da globalização, mesmo que sejam fundamentais para criar ordem na sociedade. Dá-nos o seguinte exemplo da segurança: numa época anterior ao capitalismo, a segurança era garantida por bandidos que aterrorizavam a sua região mas impediam que outros a pilhassem, e a isso chamou-se feudalismo. Depois, a revolução industrial expandiu o Estado de muitas formas; uma delas foi assegurando um modo de segurança às pessoas. Nessa segurança foi incluída, mais recentemente, a garantia dada pelos economistas de que haveria estabilidade econômica: os mercados seriam inerentemente estáveis e a estabilidade seria um bem público garantido automaticamente pelo funcionamento do mercado. Mas, como vimos – e toda a gente se pode aperceber no contexto da grande depressão – os mercados, pelo contrário, criam instabilidade e desigualdade.

A conclusão é minha: se isto é assim, aqui temos a explicação para o autoritarismo social que cresce com as soluções liberais durante a depressão, em particular com a economia da dívida – os bens públicos são desgastados ou destruídos, em nome de um processo de acumulação acelerado que atinge esses fundamentos da civilização. Só o autoritarismo pode permitir impor a perda dessas referências civilizacionais que são as bases da democracia representativa. O “capitalismo em crise” é portanto parteiro da democracia em crise.

A agressividade capitalista na desagregação das funções sociais do Estado é notória em alguns dos contributos para este debate, mas sobretudo na de Qin Xiao, que foi presidente da China Merchants Group e do China Merchants Bank, e que escreve no Financial Times a propósito do seu país: o Estado “deve deixar de interferir nos preços e transações de mercado e retirar-se da regulação da terra, trabalho, energia e preços dos minérios, como dos preços do capital. Deve reformar os monopólios e privatizar eficientemente as empresas públicas”. É um distinto e oficialíssimo banqueiro chinês a escrever o receituário liberal mais tradicionalista.

Terceira brecha: a propriedade não determina a economia, mas há um poder invisível que decide.

Há ainda um outro fator de perturbação que preocupa muitos dos participantes neste debate que estou a citar: a mudança de rosto do capitalismo. Desde a revolução industrial, o capitalismo tinha um centro, os grandes monopólios nacionais e depois as grandes empresas transnacionais. Como nos lembra a Newsweek, os fundadores da teoria econômica consideravam que esses centros eram perigosos: Adam Smith afirmava que a Companhia das Índias Orientais tinha privilégios “prejudiciais a todos os títulos”. Mais perigosos se tornaram, então, quando deixam de ser visíveis.

O Financial Times discute este efeito de desaparecimento dos capitalistas, comparando os administradores de hoje com as grandes dinastias que fizeram a indústria ou a finança modernas: os capitalistas tradicionais, como os Arkwright (um dos inventores e empresários da revolução industrial britânica) e os Rockefeller (um dos grandes financeiros norte-americanos) já não sobrevivem no mundo que criaram; são superados por outros decisores, uma casta de administradores omnipotentes. A propriedade dispersa-se tanto mais quanto mais se concentra o seu poder, e existe uma cabeça que fala por ela, uma nova burocracia. É assim que o FT a descreve: “Os titãs modernos baseiam a sua autoridade e influência na sua posição numa hierarquia, e não na propriedade do capital. Obtiveram as suas posições através das suas competências em política organizacional, do mesmo modo tradicional em que os bispos e generais ganham posições numa hierarquia eclesiástica ou militar” (11 Janeiro).

Estes novos generais e bispos moram nas finanças. Gerem massas colossais de poupanças e de capital, recebem os seus prêmios em função de aplicações de curto prazo, manipulam as contas e as economias para se recompensarem a si próprios, como se queixam Rogoff, o homem do FMI, ou Ed Miliband, o chefe dos trabalhistas britânicos. A especulação deixou por isso de ser uma forma de gerir crédito e de distribuir rendimentos e mais-valias entre os proprietários do capital, passou a ser uma forma de acumular capital em prejuízo dos sectores submetidos da população e mesmo de parte das classes proprietárias.

Ora, a finança tornou-se soberana. Regista o jornal: entre 1977 e 2010, o volume das operações bancárias com câmbios subiu 23000% e os negócios com moedas e títulos de dívida representam agora 80% dos lucros dos maiores bancos. É contra os Estados que se faz a acumulação de capitais, que é sempre protegida pelos Estados. O que tem uma consequência, que não é identificada pelo debate nas páginas que estou a citar: a expropriação do trabalhador, agora como pagador de impostos, torna-se a chave dos rearranjos propostos na vertigem liberal. A captação de impostos para serem absorvidos pela economia da dívida, criando rendas garantidas a longo prazo, tornou-se assim uma forma predominante de apropriação de valor. A isso chama-se, como todos sabemos, “reformas estruturais”.

Quarta brecha: a crise financeira é também uma crise de legitimidade.

No quarto ano da crise – a que alguns economistas começaram a chamar a “segunda grande depressão” – há dois pilares da hegemonia do capitalismo que têm sido atingidos, segundo o debate do FT.

O primeiro desses pilares é a credibilidade social do mercado e do capital como centro diretor da sociedade. O capitalismo tem sido apresentado como uma meritocracia auto-regulada mas, como vimos, os autores que escrevem no FT perderam a fé e descobriram que a capacidade de afetação de recursos e de incentivos por estes mercados é pelo menos deficiente.

Ora, mesmo nos setores mais conservadores, essa descrença está a ir muito longe: a ideia do mercado dominador é agora considerada repugnante. O exemplo mais esclarecedor é o da campanha eleitoral entre os republicanos norte-americanos, em que se destaca um facto sublinhado tanto pelo jornal como pela revista que estou a citar: Mitt Romney, candidato de referência de uma parte da direita republicana, é insultado pelos seus adversários mais conservadores e mais radicais na defesa do liberalismo … porque triunfou no mundo dos negócios. Romney fez carreira e fortuna a dirigir uma empresa de capital de risco, a Bain Capital, que, como é natural, acumulou os seus lucros com base na perda de outros acionistas, empresários ou trabalhadores. O mercado foi usado por Romney para enriquecer, arruinando outros: um exemplo de sucesso, portanto. Mas esse sucesso é agora o seu prejuízo político, usado contra si pelos seus próprios adversários dos mesmos setores da direita, que o acusam de ganancioso (FT, 14-15 Janeiro). O capitalismo tem má fama. A sua aceitação popular está em queda, conclui o FT (9 Janeiro).

Outra expressão dessa desconfiança popular é a sondagem mundial da GlobeScan sobre a credibilidade de economia de mercado, que revela uma perda importante de apoio nos EUA, sendo esse resultado superado pelo maior apoio social do capitalismo … na China.

O segundo dos pilares em crise é a própria credibilidade da teoria econômica em que assenta o neoliberalismo. Como lembra a Newsweek, a teoria econômica tem sido a religião secular da modernidade. É certo: se identificarmos as principais características dessa religião, constatamos que ela desenvolve uma liturgia tranquilizante (os seus textos sagrados), cria um corpo de sacerdotes (os economistas doutrinários) e um conjunto de regras de comportamento imperativo (as regras de mercado). Todos se baseiam num embuste.

A liturgia é uma mistificação: os modelos de análise da economia exigem que os agentes econômicos (que são todas as pessoas, sejam empresários ou assalariados) saibam tudo sobre o futuro e possam assim determinar com toda a certeza o futuro mais promissor. Na era da incerteza, a teoria garante os melhores resultados no pressuposto de que todos têm acesso a uma certeza transcendente.

Os sacerdotes não sabem: com a divulgação recente das minutas dos debates na cúpula da Reserva Federal norte-americana em 2006, ficou-se a saber que o governador, Ben Bernanke, quis registar o seu pensamento dizendo que “Penso que é improvável que o crescimento seja descarrilado pelo mercado imobiliário”. Um ano depois, o mercado imobiliário chamava-se subprime e a finança caía como um castelo de cartas (ainda está a cair). Benanke continua no seu lugar.

E, finalmente, as leis não funcionam. E não funcionam no sistema financeiro, antes de mais. Um artigo do FT, com algum humor, cita um estudo antigo da universidade de Berkeley (existem outros ainda mais sarcásticos), que comparou os resultados de previsões financeiras feitas por macacos que fazem marcas ao acaso num quadro de empresas cotadas na Bolsa, com as sérias previsões feitas por distintos analistas financeiros. Os macacos ganharam (16 Janeiro).

Se a liturgia, os bispos (ou os generais desse poder burocrático) e as leis não funcionam, o que é que funciona? A resposta dada por alguns dos artigos citados é simples. Funciona o autoritarismo. O que nos dá uma lição: segundo estes seus estudiosos e defensores, o capitalismo em crise é o mais perigoso.

Por tudo isto, tenho uma recomendação a fazer a quem luta pelo socialismo. A todos e todas sem exceção. Este é um bom momento para estudar o capitalismo realmente existente. Abandonemos as fantasias cordatas: é mesmo útil saber em que mundo é que se tem os pés assentados, conhecer o poder e as ambições do capital, reconhecer as dificuldades e a vertigem da grande depressão. E, já agora, começar por ler o que a finança escreve sobre si própria. Não há melhor professor do que a realidade.

(*) Deputado, dirigente do Bloco de Esquerda (Portugal), professor universitário.

Artigo publicado originalmente no portal Esquerda.net

A matança como política na Síria


Bachar Al-Assad não quer saber de “primavera árabe” em suas terras. Até aqui, conseguiu fazer isso graças ao poderoso regime policial no qual se apóia, à inoperância das Nações Unidas, à tibieza da Liga Árabe, à hipocrisia da comunidade internacional e ao apoio explícito da Rússia e da China. Pequim e Moscou, que ditam hoje os destinos da Síria, desbarataram o plano de intervenção da Liga Árabe enquanto que a grande maioria dos dirigentes ocidentais parece ter perdido a língua e as boas intenções. O artigo é de Eduardo Febbro.


Os herdeiros do terror seguem o rumo de seus mentores. O presidente sírio Bachar Al-Assad é uma cópia de seu pai, Hafez Al-Assad. Pai autocrata e torturador de seu povo, seus traços e os do regime se refletem no filho que o substituiu na liderança do país em junho de 2000. Ambos sufocaram rebeliões internas arrasando cidades inteiras ante o manso olhar da comunidade internacional. Dois nomes distintos e 30 anos separam o horror de Assad pai e do Assad Filho: Hama para Hazfez Al-Assad, Homs para Bachar. Estas duas cidades sírias, quase fronteiriças, viveram sob o jugo das bombas e da intervenção das forças especiais.

Em fevereiro de 1982, o regime de Hafez Al-Assad enfrentou uma revolta armada na cidade de Hama protagonizada pela Irmandade Muçulmana, o grupo religioso que surgiu no Egito nas primeiras décadas do século XX e cuja influência se expandiu por toda a região. Hafez de Hama um exemplo para aqueles que tivessem a intenção de imitar os habitantes de Hama: quebrou a revolta em duas fases: primeiro mandou bombardear a cidade com armas pesadas e logo depois fez entrar as forças especiais para que limpassem, rua por rua e casa por casa, a insurreição popular. Assassinatos de crianças, violação massiva de mulheres, torturas, saques: o balanço daqueles dias “exemplares” deixou um saldo entre 10 mil e 35 mil mortos.

Três décadas depois, o descendente de Hafez Al-Assad repete a experiência em Homs: bombardeios com artilharia pesada, uso de unidades especiais, morte e destruição, especialmente no bairro de Baba Amro, onde vivem mais de 30 mil pessoas de confissão sunita hoje totalmente cercadas pelos tanques de Bachar Al-Assad. O ditador sírio sequer concedeu ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha a possibilidade de evacuar os feridos. A revolta síria segue o movimento que iniciou no início do ano passado às margens do Mediterrâneo com as explosões populares que derrubaram dinossáuricos poderes na Tunísia, Egito e Líbia. Bachar não quer “primavera árabe” em suas terras.

Ele pode fazer isso graças ao poderoso regime policial no qual se apóia, à inoperância das Nações Unidas, à tibieza da Liga Árabe, à hipocrisia da comunidade internacional e ao apoio explícito da Rússia e da China. Estas duas potências membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas se opõem a qualquer resolução que condene a Síria ou conduza a um apoio a oposição síria (muito dividida) agrupada no Conselho Nacional Sírio. Pequim e Moscou desbarataram o plano de intervenção da Liga Árabe enquanto que a grande maioria dos dirigentes ocidentais parece ter perdido a língua e as boas intenções.

Onde estão agora os salvadores do mundo? O que houve com as vozes de Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, o herói das decepções estropiadas, o primeiro ministro britânico e tantos outros que, no ano passado, não duvidaram em usar os aviões e canhões da OTAN para atacar a Líbia e derrubar o coronel Kadafi? Agora que, semana após semana, o regime sírio de Bachar Al-Assad assassina seu povo a portas fechadas em que se converteram todas aquelas ilustres palavras que justificaram que a Líbia recebesse um tapete de bombas.

A pergunta é extensiva aos progressistas do mundo: onde estão as forças de esquerda que se escandalizaram com os bombardeios da OTAN na Líbia e agora parecem emudecidas, como se a moral e os valores valessem em um território e não no outro. A União europeia se limitou a impor um ridículo embargo de armas. Washington, por sua vez, dá a impressão de flutuar em um mar de ignorância e indecisões. No entanto, ninguém pode ignorar o que ocorre: a internet, as redes sociais e os telefones celulares oferecem a cada dia um apavorante desfile de imagens e testemunhos sobre a metodologia da família Assad: governar com o terror e a matança.

A reunião realizada na Tunísia com os “Amigos da Síria”, com a meta de elaborar um marco de ação para conter o regime sírio e pactuar uma transição apenas desenhou um plano para criar hipotéticos corredores humanitários. “Haverá forças opositoras cada vez com mais capacidade”, disse na Tunísia a Secretária de Estado norteamericana Hilary Clinton. A responsável estadunidense esboça assim uma provável entrega de armas à oposição ao regime de Bachar Al-Assad. Mas Moscou e Pequeim se negam a contemplar qualquer ação militar ou fornecimento de armas e se opõem a aprovar qualquer plano de transição que inclua a saída do presidente Bachar Al-Assad.

Para completar a tragédia, ao ONU nomeou o ex-secretário geral das Nações Unidas e prêmio Nobel da Paz em 2011, Kofi Anan, para negociar o fim da violência na Síria e a promoção de uma “solução pacífica” para a crise interna. O ex-secretário geral da ONU tem um passado tão prestigioso quanto maculado por um dos maiores escândalos internacionais que atingiram a ONU: sob seu mandato, a ONU organizou no Iraque o famoso programa “Petróleo por alimentos”. Trata-se de uma trama mafiosa e corrupta na qual estão envolvidos Estados, corporações, ministros ocidentais, bancos, altos funcionários da ONU e até o próprio filho de Anan, Kojo, ligado a uma empresa suíça que fornecia serviços dentro deste plano.

Esse é o mediador da comunidade internacional. O regime sírio mata e se diverte brincando de democracia. Ao mesmo tempo em que promove matanças em Homs, Damasco entrou em um processo de reformas internas cujo eixo é o referendo constitucional de 26 de fevereiro e as eleições legislativas que o seguirão. Mas desde a ditadura do partido Baas instaurada em 1963, a Síria não conheceu nenhuma eleição democrática propriamente dita. A República da Síria está governada pelo partido Baas – que chegou ao poder com um golpe de Estado – cujos responsáveis pertencem quase todos à minoria alauita. Em 2000, Bachar Al-Assad introduziu reformas no sistema político. Levantou a proibição que pesavam sobre alguns partidos e aproveitou a decadência do partido Baas para dar espaço à Frente Nacional Progressista (FNP), onde estão agrupados vários partidos entre os quais figuram alguns que estavam proibidos sob o mandato do pai de Bachar.

Mas a democracia é uma ficção: a grande maioria das decisões é tomada no interior do circulo constituído pelo exército e pelo partido Baas. Em 2000, o Ocidente apostou em Bachar Al-Assad. Viu nele um homem jovem, formado em Londres, um reformista pan-árabe carregado de valores democráticos que ia modernizar um país sufocado pela polícia secreta e pela repressão. A política de matança como princípio orientador demonstra que nada mudou, que a herança paterna persiste e se desenrola com tanta mais impunidade na medida em que as novas cartas da geopolítica mundial mudaram o peso dos atores tradicionais: Pequim e Moscou ditam hoje os destinos da Síria. A história, entretanto, agregou mais um nome à extensa lista de cidades mártires que constituem a memória do horror do poder contra os povos: Homs.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Uma bela crítica de Mauricio de Souza sobre a ilusão do PIG...

O Mito da Caverna – Platão 

Do BLOG DO MORAIS




"CHE, UN HOMBRE NUEVO" GANHA O PREMIO DE MELHOR DOCUMENTÁRIO NO FESTIVAL DE CINEMA DE MONTREAL

"CHE, UN HOMBRE NUEVO" é um documentário com criação e direção de Tristan e Carolina Scaglione sobre a vida e obra de Ernesto Guevara. A intenção dos seus autores foi a de gerar uma viagem através da memória, do pensamento e da poesia do bravo guerrilheiro. Pela  primera vez na historia, sua mulher Alina  y Cay seus filhos cedem a documentação mais intima com a qual ninguem antes havia tido contato. Escritos, gravações e narrações literárias que Che nos apresenta em suas dimensões mais poéticas e humana.Por sua vez, o Governo Cubano disponibiliza mais de 20 horas de imagens inéditas até agora nunca vistas.

"CHE, UN HOMBRE NUEVO" é uma co-produção entre Argentina (Universidad Nacional del Gral San Martín y el INCAA), Cuba (Centro de estudios Che Guevara y el ICAIC) e España (Golem). Além disso ainda conta com a participação da Televisão Espanhola.

Situação pré-revolucionária na Grécia

250321_grecia_lutaEsquerda Marxista - [Alan Woods] Alan Woods avalia a luta de classes na Grécia e conclui que a situação está caminhando na direção da revolução, mas há que superar as direções atuais que se recusam a avançar na via da tomada do poder e pôr fim ao capitalismo.

A crise grega alcançou agora o ponto de situação pré-revolucionária. No domingo, vimos a maior manifestação da história da Grécia. Centenas de milhares de pessoas se reuniram para protestar contra o acordo reacionário diante do Parlamento em Atenas. Ali se encontrava o verdadeiro rosto do povo grego: trabalhadores e estudantes, aposentados e lojistas, jovens e velhos que vieram às ruas para expressar sua raiva.

Há muita emoção com relação ao alto preço que o país está sendo obrigado a pagar por seu segundo bail-out [operação de salvamento financeiro], uns 130 bilhões de euros de empréstimo da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, destinados a evitar a ameaça de bancarrota e a saída do euro. No entanto, o suposto empréstimo e o pacote de austeridade incluíram mais 3,3 bilhões de euros em salários, pensões e aposentadorias e reduções de postos de trabalho somente para este ano, juntando à dor de quatro anos de recessão, salários mais baixos e maior desemprego.

A pressão sem misericórdia exercida pela União Europeia já reduziu os padrões de vida até os ossos, mergulhando o país em recessão profunda. O desemprego decolou para mais de um milhão. O indicador oficial de 21% subestima a extensão do problema. Ele não leva em consideração o grande número de trabalhadores gregos que estão teoricamente empregados, mas que não recebem o pagamento durante semanas ou mesmo meses.

Cortes nas pensões e aposentadorias no total de 300 bilhões de euros; redução de 22% no salário mínimo (32% para os que têm idade abaixo de 25 anos) e a extinção de 150 mil empregos no setor público até 2015 golpearão cada uma das famílias gregas. Os hospitais estão ficando sem remédios. Os salários e as pensões e aposentadorias foram esfacelados. O ânimo do povo está chegando ao desespero.

Naturalmente, as medidas de austeridade não afetam os ricos. Eles têm contas em paraísos fiscais e enviaram seu dinheiro para fora do país. Toda a carga dos aumentos de impostos cai sobre os ombros dos pobres, dos aposentados e pensionistas, dos trabalhadores e dos pequenos comerciantes. O povo grego está sendo desafiado com reduções ainda maiores nas pensões e aposentadorias, nos salários e com uma maior queda do nível de vida, e sua paciência se esgotou.

Os sacrifícios que envolvem os termos do mais recente pacote de austeridade enfureceram os sindicatos e os trabalhadores, enquanto que as exigências, feitas pelos alemães, de medidas ainda mais duras como condição para a Grécia continuar como membros da zona do euro, provocaram furor público. O sentimento incendiário da indignação finalmente transbordou no domingo, quando o mais recente e mais depravado pacote de austeridade foi colocado para aprovação do parlamento grego. O pacote foi aprovado em meio a uma das mais graves cenas de violência já vistas nas ruas de Atenas. Dezenas de milhares de pessoas sitiaram o Parlamento grego em manifestações militantes.

A repressão estatal

Os protestos de rua começaram em Atenas, mas imediatamente se espalharam a outras cidades gregas, incluindo Salonika, Patras, Rhodes, Corfu e Creta. Em Creta dez mil pessoas marcharam ao centro de Iraklion, onde ocuparam os estúdios de televisão, entoando palavras-de-ordem.
O governo e as forças do estado reagiram com violência sem precedentes atacando os manifestantes com cassetetes, granadas de efeito moral e gás lacrimogêneo asfixiante. Os manifestantes lutaram com bravura, arremessando as latas de gás lacrimogêneo de volta sobre a polícia e lançando pedras e improvisados coquetéis Molotov. Estes manifestantes não eram todos anarquistas, como a mídia asseverou. Muitos eram jovens enfurecidos com a conduta provocativa da polícia que lançou suas motos sobre a multidão.

O sentimento era de fúria. As manifestações e os protestos foram realizados em muitas cidades, acompanhados por ocupações de prefeituras e prédios dos governos regionais. A situação nas ruas era insurrecional. Na noite da segunda-feira, um dia depois das grandes demonstrações, o povo atacou os escritórios de um vice-ministro do PASOK em Patras, e um escritório de LAOS [o partido de direita], em Agrínio.

Os quatro mil homens da polícia antidistúrbios assaltaram os manifestantes em Atenas no domingo. No fim do dia, o centro estava como uma zona de guerra. As ruas estavam polvilhadas de vidro e de pedras. Cerca de 45 pessoas foram feridas e prédios do centro de Atenas, incluindo cafés e cinemas, foram incendiados por coquetéis Molotov lançados por manifestantes mascarados. Isto interessa ao governo, que está tentando justificar seu apoio ao plano de austeridade alegando que a alternativa é o "caos".

Lucas Papademos, o primeiro-ministro não eleito, falou ao Parlamento: "Vandalismo e destruição não têm lugar em uma democracia e não serão tolerados. Apelo ao povo para mostrar calma. Nestes tempos cruciais, nós não temos o poder de nos darmos ao luxo deste tipo de protesto. Penso que todos sabem o quanto a situação é séria".

Estas declarações cheiram à hipocrisia. É evidente por si próprio que a violência nas ruas foi deliberadamente provocada pelas forças repressivas do estado, precisamente com o objetivo de criar um clima de medo e instabilidade. O próprio governo é responsável por isto.

O ministro das Finanças, Evangelos Venizelos, lançou um desesperado pedido de apoio antes de votar à meia-noite: "Nós devemos mostrar que os gregos, quando são chamados a escolher entre o ruim e o pior, escolhem o ruim para evitar o pior".

Mas nenhuma das supostas soluções da burguesia pode deter a queda. A Grécia não pode pagar suas dívidas. Ela agora paga 33% de juros sobre os empréstimos externos. Isto significa que ela entrou em uma espiral declinante, um processo impossível de ser detido em que a causa se torna efeito e o efeito, causa: mais cortes significarão uma crise mais profunda, mais desemprego e mais baixo padrão de vida.

Isto, por sua vez, significará menos arrecadação de impostos e maior déficit público, que somente pode ser financiado com novos bail-outs [operações de salvamento financeiro], que conduzirão a novas exigências de cortes e assim por diante. É como cair em um Buraco Negro, do qual nada pode escapar – nem mesmo raios de luz.

Crise política

Em mensagem televisiva dirigida à nação no sábado à tarde, o primeiro-ministro Papademos explicou os custos da rejeição do pacote. Ele disse que isto "colocaria o país em uma aventura desastrosa" e que "criaria condições de caos econômico incontrolável e explosão social".

Ele acrescentou: "O país seria aspirado no turbilhão da recessão, da instabilidade, do desemprego e da prolongada miséria e isto, mais cedo ou mais tarde, levaria o país a sair do euro".
Tudo isto é provavelmente verdade, mas não ajuda em nada para persuadir o povo grego a cortar ele mesmo a própria garganta, para que outros não necessitem levar a cabo esta dolorosa operação.

Há oposição em massa ao plano de austeridade. De acordo com as pesquisas de opinião, 90% do povo se opõem a ele. A despeito disto, o gabinete grego aprovou o pacote na sexta-feira, mas somente depois que seis de seus membros tinham renunciado.

LAOS, o pequeno partido nacionalista de direita, encabeçado por Giorgios Karatzaferis, retirou apoio, mas com os dois principais partidos continuando a defender as medidas draconianas, o primeiro-ministro Lucas Papademos estava antecipando a vitória da aprovação parlamentar.
Pelo que se revelou, cada um dos partidos da coalizão se dividiu e está em crise. Vinte e dois parlamentares foram expulsos do PASOK por votarem contra o plano, e mais nove, que se abstiveram, foram punidos. Vinte e um parlamentares foram expulsos do conservador Partido da Nova Democracia. O segundo maior grupo no parlamento é agora o grupo "independente" dos 64 parlamentares expulsos.

O que tudo isto revela? Somente isto: este desacreditado parlamento não representa o povo. As pesquisas mostram quedas radicais no apoio tanto ao PASOK quanto à Nova Democracia. O apoio ao PASOK mesmo antes da votação de domingo era de somente 8-9%. Agora terá de cair ainda mais.
Nada foi resolvido por esta votação. O governo ainda tem que atender aos duros termos e condições relativas ao empréstimo e tem um prazo até a próxima sexta-feira para entrar em acordo com os donos de títulos e reembolsar consideráveis 14,4 bilhões de euros de obrigações até a data limite de 20 de março.

Todos os comentaristas sérios agora assumem que no final a Grécia será forçada a deixar a zona do euro e, provavelmente, a União Europeia. Planos de contingência para um retorno ao dracma já foram redigidos em Atenas, Berlim e Bruxelas. É somente questão de tempo.

Os indicadores revisados para 2011 mostram que a economia se contraiu em 6,8%, mais do que antes se pensava, sendo que este número foi de 7% no último trimestre de 2011 em termos anualizados.
Mesmo se todas as disposições do último plano de austeridade fossem implementadas, elas não resolveriam o problema do déficit. As estimativas originais eram de que estas medidas reduziriam o déficit de 160% do PIB (o nível atual) para (ainda muito altos) 120%. Mas as últimas estimativas indicam que, mesmo se o plano fosse realizado (o que é improvável), o déficit ainda se manteria em 136% em 2020.

A despeito disto, os comissários da União Europeia, liderados por Angela Merkel, permanecem implacáveis. Mesmo os profundos cortes acordados com o governo em Atenas não os satisfazem. O ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaeuble, declarou numa entrevista ao jornal Welt am Sonntag: "As promessas dos gregos não são mais suficientes para nós".
E acrescentou: "A Grécia necessita fazer seu dever de casa para se tornar competitiva, seja em conjunção a um novo programa de resgate seja por outro caminho que nós realmente não queremos tomar".

Os líderes da Alemanha não aceitam as medidas mais recentes como uma boa moeda. Eles querem um acordo assinado pelos partidos do governo de que estas medidas serão executadas independentemente dos resultados das eleições que estão sendo convocadas para abril. Eles também querem caucionar o dinheiro que seria posto em um fundo especial fora do controle da Grécia, de modo que os credores sejam reembolsados primeiro e somente se sobrar dinheiro os gastos governamentais poderiam ser feitos.

Eles também exigem que os gregos devam chegar a mais 325 milhões de euros no valor dos cortes. Berlim também exige maiores esclarecimentos sobre como a Grécia irá reduzir seus custos laborais em 15%. Em outras palavras, eles querem tirar sangue de uma pedra.
Esta amigável intervenção alemã não ajudou em nada Mr. Papademos, cujo governo está agora como um barco naufragando sobre as rochas no mar alto. A infame Troika queria a continuação de seu governo até o final do ano. Em vez disso, já se encontra em processo de decomposição.
Da mesma forma que os demais planos dos dirigentes da EU, a coligação de "unidade nacional" está a se desfazer rapidamente. Os burgueses já não controlam mais os acontecimentos. Pelo contrário, são os acontecimentos que os controlam.

Novas eleições serão convocadas para abril. Não sabemos quem vencerá, mas podemos dizer quem perderá. Há um sentimento de ira dirigido contra todos os partidos da atual coalizão. Todos os partidos estão em crise. As eleições, na melhor das hipóteses, produzirão ainda fracos governos pró-austeridade, provavelmente encabeçados pelo conservador partido da Nova Democracia. Isto não resolverá nada e levará a mais revoltas. Coalizões instáveis cairão uma após outra.

Uma situação pré-revolucionária

Lênin assinalou há muito tempo que existem quatro condições para uma situação revolucionária: 1) a classe dominante deve estar dividida e em crise; 2) a classe média deve estar vacilando entre a burguesia e a classe trabalhadora; 3) as massas devem estar preparadas para lutar e fazer os maiores sacrifícios para tomar o poder; e 4) um partido e uma liderança revolucionários dispostos a levar a classe trabalhadora à conquista do poder.

Na Grécia no presente momento todos estes fatores existem exceto o último. A classe dominante grega está em crise. Ela não tem nenhuma solução ao presente impasse. Seus líderes são um quadro de impotência e indecisão. Eles estão sendo espremidos entre duas gigantescas pedras de moinho: de um lado, a impiedosa pressão do Capital internacional; de outro, a feroz resistência das massas.
A crise da classe dominante reflete-se nas crises e divisões em cada um dos partidos governamentais. Já quarenta parlamentares foram expulsos por não votarem pelo plano de austeridade. Mas medidas disciplinares de nada servirão. É como ocultar as fendas em uma parede causadas por um movimento sísmico massivo das placas tectônicas. O presente governo carece de toda legitimidade aos olhos das massas. Ele é um governo dos bancos que não foi eleito por ninguém.

O ódio aos banqueiros e aos ricos em geral é universal. O sentimento geral de revolta se espalhou à classe média que vê seus padrões de vida vir a baixo: os pequenos negociantes, que foram empurrados à bancarrota; os funcionários públicos, que perderam seus empregos; os motoristas de táxi, que enfrentam a ruína. Não é verdade que a classe média esteja vacilando entre a burguesia e o proletariado. A classe média grega está sendo forçada pela dura realidade a tomar o caminho da revolução.

E a classe trabalhadora? Nos últimos dois anos, o proletariado da Grécia revelou enorme militância e determinação. Houve 17 greves gerais e numerosas manifestações e protestos de massa de todos os tipos. Cabe a pergunta: o que mais podemos exigir da classe trabalhadora? O que mais podemos esperar?

É certo que a greve geral de 48 horas convocada pelas lideranças sindicais na última semana não foi um grande êxito. Indica isto que o sentimento da classe trabalhadora está esfriando? Significa isto que as massas estão se reconciliando com o inevitável, e que a burguesia teve êxito em restabelecer o equilíbrio necessário? Pelo contrário, o velho equilíbrio social e político foi completamente destruído na Grécia. E não será restaurado nem fácil nem rapidamente.

Como se explica a reduzida resposta ao chamado de uma greve geral de 48 horas? A resposta é bem simples: os trabalhadores gregos entenderam que greves de um ou de dois dias nada resolvem. Existem determinadas situações em que as greves e demonstrações de massa podem forçar um governo a mudar sua política. Mas a situação atual não é uma dessas situações.

A crise é demasiado profunda para permitir à burguesia alguma margem de manobra. Ela não abandonará o curso da ação que, de alguma forma, lhe está sendo ditado por Berlim e Bruxelas.
Os líderes sindicais na Grécia – como todos nos demais países – não entendem a seriedade da situação. Embora se considerem realistas supremos, são, na realidade, os mais cegos dos cegos. 

Vivem do passado que já se dissipou nas névoas da história.

Os líderes sindicais imaginavam que, com um pequeno espetáculo de oposição, poderiam persuadir a burguesia a estabelecer alguns compromissos com eles. "Afinal, somos moderados, e não revolucionários". Mas, em vez de compromissos, todos eles receberam um chute no meio dos dentes.
A verdade é que os líderes sindicais usaram a tática de um dia de greve geral como meio conveniente de permitir que as massas dissipassem vapor. Um dia de greve geral é apenas uma demonstração. Pode ser usada para mobilizar a classe e até mesmo para atrair as camadas mais atrasadas e inertes. Nas ruas, os trabalhadores sentem seu poder coletivo e sua confiança aumenta.

Este é o lado positivo de um dia de greve geral. Mas, se a mesma coisa se repete indefinidamente, sem mostrar resultados concretos, os trabalhadores se cansarão dela. Eles podem ver que todas estas greves os fizeram perder dinheiro, mas também podem ver que não tiveram êxito em seus objetivos. 

Concluem que alguma forma mais poderosa de ação é necessária. Mas, que espécie de ação é esta?
Aqui, a questão da liderança adquire importância decisiva. Os métodos puramente sindicais não podem resolver o problema, porque a natureza do problema não é sindical, e sim política. É uma questão de classe contra classe, de trabalhadores contra patrões, de ricos contra pobres: em última análise, é uma questão do poder estatal.
A tática de greves gerais de um ou dois dias está completamente desgastada. A única possibilidade agora é uma greve geral total para derrubar o governo. Mas uma greve geral total não é mais apenas uma demonstração. Ela coloca a questão fundamental: Quem é o amo da casa? Quem manda: vocês ou nós? Em outras palavras, ela coloca a questão do poder.

Esta é uma questão que nenhum dos atuais líderes da Esquerda está preparado para colocar. Eles temem explicar ao povo da Grécia o que o povo da Grécia necessita saber: que nenhuma solução para os problemas da Grécia é possível enquanto o poder estiver nas mãos de um bando de ricos parasitas: banqueiros, capitalistas, latifundiários e magnatas do comércio.
É impossível curar um câncer com uma aspirina. O que se necessita é de um genuíno governo de Esquerda – um governo dos trabalhadores que esteja preparado para expropriar os banqueiros e os grandes capitalistas gregos e estrangeiros, e que introduza uma economia nacionalizada e planificada, sob o controle e a administração democráticos da classe trabalhadora.

A fim de libertar a economia grega do estrangulamento do Capital externo, todas as dívidas devem ser repudiadas e deveria existir um monopólio estatal do comércio externo. Medidas revolucionárias drásticas deveriam ser tomadas contra os especuladores e as pessoas que enviam suas fortunas para o exterior.

Estas são as condições iniciais, sem as quais nenhuma solução é possível. Contudo, mesmo estes passos não serão suficientes. Sob as condições modernas, nenhum país pode se salvar sobre linhas puramente nacionais. O socialismo em um só país é uma utopia reacionária, como o revela a experiência da URSS e da China. Uma Grécia socialista lançaria um apelo aos trabalhadores da Europa para seguirem seu exemplo: desfazerem-se do jugo do Capital e se unirem em uma Federação Socialista Europeia, construída sobre os alicerces sólidos da igualdade e da solidariedade.

O único obstáculo entre a classe trabalhadora e o poder é a ausência de liderança. As pesquisas indicam que os partidos da Esquerda (Synaspismos, KKE e a Esquerda Democrática) têm mais de 40% de apoio. Isto revela que a classe trabalhadora está olhando para a Esquerda para que resolva seus problemas. Mas as táticas sectárias impedem-nos de se unir para a ação. O KKE se recusa a se engajar com outros partidos da Esquerda. Chegou a apelar por demonstrações separadas no domingo.
Este erro é fatal. A classe trabalhadora exige ações unitárias contra a classe capitalista, e uma política genuinamente socialista! O que se necessita é da aplicação de uma política leninista da Frente Única. Tal política e programa seriam suficientes para varrer os partidos burgueses à lata de lixo da história de onde vieram.

Deixem que a nossa bandeira seja a do socialismo e do internacionalismo proletário. Este é o único caminho à frente para os trabalhadores da Grécia, da Europa e de todo o mundo.

Traduzido por Fabiano Adalberto

A latitude humana do sétimo continente de Michael Haneke

O SÉTIMO CONTINENTE - 1989

Der Siebente Kontinent, 1989
Legendado, Michael Haneke
        Créditos: Convergência Cinefila
 
Classificação: Excelente

Formato: AVI
Áudio: alemão
Duração: 104 min.
Tamanho: 700 MB
Servidor: Mediafire (4 partes) e 4Shared (torrent) 

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SINOPSE
Georg e sua esposa Anna percebem o quanto suas vidas são isoladas e monótonas quando sua filha Eva, em uma tentativa desesperada para conseguir atenção, passa a fingir estar cega. A família decide então alterar sua realidade e mudar para a Austrália.

Fonte: Cineplayers
The Internet Movie Database: IMDB


ANÁLISE

Atenção: A análise contém spoilers

A latitude humana do sétimo continente de Michael Haneke



Na seqüência final do celebre documentário Arquitetura da destruição (1992), o diretor Peter Cohen conclui em poucas palavras, toda a abrangência do dilema que circunda a sua obra documental e mais precisamente, todo o problema filosófico que envolve a ascensão do nazismo na Alemanha. Cohen se pergunta sobre a árdua tarefa de se definir o nazismo em termos tradicionalmente políticos, devido à diversidade de sua dinâmica que extrapola tais perspectivas. O nazismo segundo Cohen, se define por termos estéticos que tem como única ambição o “embelezamento violento do mundo”. Os campos de extermínio estariam muito mais ligados a uma espécie de assepsia estética e biológica da cultura humana, do que propriamente vinculados à extinção dos inimigos políticos do regime.
Seriam necessárias milhares de páginas e centenas de pensadores pós e pré segunda guerra, para que esse fenômeno calcado na beleza e na barbárie pudesse ser entendido com o mínimo de coerência. Porém, é louvável a capacidade que a poesia e a ficção, longe do rigor teórico ou documental, têm para nos atingir ao trabalhar sobre esse mesmo âmbito conceitual do autoritarismo. Sem sombras de dúvidas, no cinema contemporâneo, ninguém o fez e o faz, tão bem quanto o diretor austríaco Michael Haneke.
Um constante crítico do autoritarismo e um questionador do existencialismo humano. Assim poderia ser definido boa parte do trabalho desse que é um dos maiores gênios do cinema contemporâneo. Após receber dezenas de prêmios e ter praticamente cinco de seus filmes premiados com a Palma de Ouro em Cannes, Michael Haneke merece uma determinada atenção desde a sua primeira obra para o cinema, O Sétimo Continente de 1989.
Michael Haneke
Aclamado por filmes como Violência Gratuita (1997), Professora de Piano (2001), Caché (2003) e A Fita Branca (2009), foi depois de dirigir vários filmes para a televisão – muitos deles baseados em obras literárias – que a partir de sua primeira produção para o cinema, Haneke inaugurou sua vertente conceitual. Filme que deu vida a um traço autoral sistematizando uma crítica brilhante que parte de união precisa do formalismo de sua linguagem cinematográfica com o debate sobre os extremos do racionalismo.
Em O Sétimo Continente, Michael Haneke dá início ao que viria ser conhecido como a sua Trilogia da Era do Gelo Emocional (também chamada de Trilogia da incomunicabilidade ou Trilogia da glaciação’), seguido pelo O Vídeo de Benny (1992) e 71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso (1994). Ambas, obras de menos relevância em sua filmografia, mas que já nos permite traçar o perfil de Michael Haneke como o cineasta mais cruel e violento de nossos tempos, quiçá, da história do cinema mundial. O porquê de tamanha consideração me encarrego de esclarecer um pouco mais adiante, primeiro vamos ao filme.
O Sétimo Continente é baseado na história real de uma família de classe média austríaca constituída por Georg, um engenheiro, a sua esposa Anna, oftalmologista, e a sua filha Eva. Diante de uma vida normal cercada por uma rotina comum a qualquer ambiente doméstico, a família decide mudar-se para a Austrália em busca de recomeço. Porém, tal mudança nada mais seria que um pretexto social para a execução de um plano metódico onde o casal resolve dar cabo de suas próprias vidas, levando consigo a sua filha.

Representando os últimos anos de vida da família, que vão de 1987 a 1988, o filme é cercado da reconstrução de atividades cotidianas que acabam por remeter ao tédio e a insatisfação. Diante da ordem do tédio, pequenos e simbólicos gestos começam a se manifestar, como no caso da pequena Eva que no ambiente escolar simula ter sido arrebatada por uma cegueira espontânea, nada mais do que uma forma de expressar sua carência afetiva e requerer a atenção dos pais e colegas. Os pais, imersos na rotina também vivem certo dilemas, como o incomodo psicológico que Georg se submete, pelo simples fato substituir com mais eficiência um colega de trabalho a beira de sua aposentadoria.
O esvaziamento das relações humanas é a tônica do filme, a coexistência impessoal no quotidiano dos personagens e as relações de rotina, consumo e distanciamento transparecem na composição formal dos planos de Michael Haneke. Eis o grande dom de um diretor, transformar sentimentos e conceitos em imagens, muito se manifesta na composição e na montagem. O Sétimo Continente tem um tratamento único dentre os filmes de Haneke, tal formalismo procede em suas obras seguintes, mas nenhum alcança tamanha sistematização quanto nesse filme. Um típico exemplar do “estilo alemão” de se dirigir que faz lembrar muitas vezes, os documentários de seu contemporâneo, Harun Farocki.
Ao ler qualquer sinopse do filme, alguns poderiam acreditar que O Sétimo Continente expõe os dramas de uma família que acabam por derrocar em um suicídio coletivo. Porém, tal leitura seria um grande equivoco, pois nenhum “drama” é representado, os atos e incômodos são singelos, o filme é claro e prático o que faz da morte algo ainda mais violento. Michael Haneke é visceral, porém da forma mais sóbria possível. Os seus filmes são extremamente cruéis sem nenhum tipo de apelo estético ou glamorização da violência. Não há inocentes em suas histórias, tanto o que é narrado quanto a sua maneira de narrar põem em jogo as relações de cumplicidade.

A racionalidade e a falta de sentido da vida contemporânea são armas nas mãos de Haneke. A sua frieza narrativa, como por exemplo, as cenas onde a família planeja e executa a destruição de todos os seus bens antes de se matarem, são cenas que embriagam os expectadores com tamanha demonstração de brutalidade por parte de pessoas tão comuns. É terrível ver a violência, porém, é ainda mais terrível quando essa é cometida por um semelhante que não carregue consigo a herança de nenhuma relação maniqueísta. Eis a grandeza da crítica que esse filme representa ao desconstruir a moralidade e todos os excessos de valores racionais, ao mesmo tempo se apropriando dessa mesma maneira e ver e representar o mundo.
Freud certa vez afirmou que abolição da fronteira entre o humano e o não-humando carregava consigo o que ele determinou como “pulsão de morte”. Segundo o pensador tal característica, comum ao gesto e à arte grotesca, determina um processo de dessubjetivação que solapa o racionalismo e gera uma pulsão de morte. Michael Haneke propõe uma visão sobre o outro lado da moeda trazendo a pulsão de morte não para o contexto do grotesco ou das dualidades do ser humano, mas sim, para o contexto da clareza da orientação racional e do processo de desilusão gerado pela incapacidade de alterar a ordem do mundo. Diante daqueles que crêem que a pulsão de morte manifesta-se apenas no sombrio da existência humana, Haneke apenas traduz para o cinema o que todo processo racional acabou por manifestar como um dos seus possíveis legados, o suicídio e a descrença. Nesse seu caso, um suicídio enquanto um ato estético.
Por mais que se trate de um filme tomado por uma ordem niilista, é possível enxergamos uma profundidade que se aproxima de uma espécie de “embelezamento violento do mundo”. Algo que esteja além simplesmente dos meandros do esvaziamento racional dos sentidos existenciais. Talvez a metáfora do sétimo continente e do ritual de passagem -representado no filme pelo lava-jato fundindo assepsia e lágrimas – signifique uma representação da possibilidade de um lugar melhor. E não estou falando de uma concepção metafísica, mas sim, de quão melhor a existência humana poderia ser, se determinados traços da humanidade fossem diferentes. A descrença nesse caso, nada mais seria do que a manifestação, violenta e estética, da crença na possibilidade de um mundo mais digno.



Análise retirada do site sopadecinema