A
crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas parecem
reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída em uma
sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do lar ou
na busca por um lugar ao sol
|
por Mona Cholllet no LeMondeBrasil |
Nos últimos meses, parece que os cineastas franceses assumiram a missão
de mostrar às jovens das classes médias e populares como superar o
destino que as espera: estudos inúteis, ou nenhum estudo, seguidos de
uma longa vida de trabalho ingrato por um salário irrisório. Contudo,
trata-se menos de encorajá-las a fazer uma leitura política de sua
situação que de afirmar a existência de ricos e pobres hoje, ontem e
amanhã. A pobreza é tratada como um dado estável da história da
humanidade – ou mais ou menos estável, pois ninguém tem dúvida de que,
recentemente, os mais pobres estão se tornando mais pobres, e os mais
ricos, mais ricos. Isso faz suspeitar que haja certos mecanismos
políticos operando nesse cenário, mas repeti-los pode revelar um
populismo de mau gosto, sobretudo se você for uma linda jovem, que
horror! Ademais, por que mergulhar em reflexões extenuantes se a
natureza deu-lhe todo o necessário – um corpo jovem, sedutor e saudável –
para superar essa situação?
Em dezembro, estreou na França o filme 17 filles [17 meninas],
de Delphine e Muriel Coulin. Inspirado na história real de 18
estudantes norte-americanas que engravidaram ao mesmo tempo em 2008, foi
transposto para o universo francês da cidade de Lorient e interpreta o
acontecimento de maneira fortemente idealizada. As diretoras
apresentaram a gravidez adolescente como uma rebelião romântica contra o
universo opressivo de pais e professores, e colocaram em cena atrizes
magras e lindas, filmadas com beleza e fascinação.1
Afirmar o caráter “subversivo” da maternidade precoce implica ocultar
as campanhas de prevenção existentes há anos nos Estados Unidos e, em
menor medida, na Europa. Após o filme norte-americano Juno, de 2007, as transmissões de Teen mom(Mãe adolescente) e 16 and pregnant(16 anos e grávida), na MTV; 16 ans et bientôt maman(16 anos e logo mamãe), no M6; ou Clem, maman trop tôt!(Clem, mamãe muito cedo) e Ados et déjà mamans(Adolescentes
e já mães), no TF1, são testemunhas da estetização desse problema
social. Na França, em 2011, o videoclipe da canção Aurélie, de
Colonel Reyel, teve 23 milhões de visitas no YouTube e fez a alegria
daqueles que se opõem à interrupção voluntária da gravidez (IVG):
“Aurélie tem apenas 16 anos e espera um bebê/ Seus amigos e parentes
aconselham o aborto/ Ela não está de acordo, ela quer fazer as coisas
diferentes/ Ela diz que está pronta para ser chamada de ‘mamãe’”.
Apesar dessa atmosfera cultural, por enquanto os números seguem
estáveis: na França, são registrados alguns milhares de maternidades
precoces por ano – dez vezes menos que nos Estados Unidos. Por outro
lado, o lar representa uma ocupação atrativa para mulheres de todas as
idades perante os baixos salários e meias jornadas do mercado de
trabalho; para as mulheres de hoje, assim como para as da década de
1970, emprego não é sinônimo de independência financeira.
Depois da mãe precoce, aparece a prostituta. Em fevereiro, estreou Elles
[Elas], de Malgoska Szumowska, filme de ficção sobre a prostituição
estudantil – um fenômeno em expansão a ponto de algumas faculdades
lançarem campanhas internas de prevenção. Uma das heroínas paga aluguel,
está fazendo cursinho e não tem tempo de estudar porque chega esgotada
do trabalho em um restaurante de fast-food; a outra desembarca
de sua Polônia natal e depara com o preço do aluguel de um quarto em
Paris. Por acaso, as duas percebem que homens endinheirados podem
repartir um pouco de suas fortunas em troca de momentos de cumplicidade
carnal e intimidade. Em definitivo, o mundo não parece tão ruim.
Ambas são convocadas para uma pesquisa da revista Elle e
entrevistadas por uma jornalista (Juliette Binoche) cheia de
preconceitos, que não conhece o prazer erótico. O filme perpetua as
representações misóginas inerentes à prostituição: o burguês frustrado é
um ser sensível e triste, com esposa e filhos; a burguesa frustrada,
por outro lado, é uma sombra brutalizada, uma criatura grotesca. Única
responsável por seu fracasso, falta com seus deveres mais sagrados.
Diante de suas interlocutoras, a jornalista percebe que ela “não
compreende bem o tema sobre o qual as jovens falam sem dificuldade: dar
prazer”. Note-se: dar, e não receber.
As cenas com os clientes são cheias de humanidade tocante, excessos
charmosos, transgressões quentes e canções de amor com violão. Ao mesmo
tempo, quando lançava sua própria linha de lingerie, a ex-prostituta de
luxo Zahia Dehar, que em 2009 foi o “presente de aniversário” do jogador
de futebol Franck Ribéry, era manchete do Next, suplemento de moda do Libération
(4 fev. 2012). O estilista Karl Lagerfeld acreditava que ela se
inscrevia “na linha de cortesãs francesas”, uma “tradição puramente
nacional que o mundo inteiro admirou e copiou”. A jornalista
ex-prostituta entendia sua história como um “imenso respiro” em uma
sociedade “condenada à era dos herdeiros”: não, o elevador social não
está bloqueado...
Se nem todas as mulheres se deixam seduzir por esse “conto moderno”
(título do perfil da ex-prostituta), todas são convidadas com uma
insistência particular a comportar-se como objeto mais que sujeito. Os
critérios estéticos e as roupas que definem a qualidade “sexy” são
sugeridos desde a mais tenra idade, e em geral com grande adesão: a moda
e a beleza representam, ao mesmo tempo, a passagem para a ascensão
social e a entrada em um universo de sonhos.2
Assim, a crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas
parecem reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída
em uma sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do
lar ou na busca por um lugar ao sol (a panóplia da mulher fatal). Lado
mãe ou lado prostituta, essa feminilidade se define em função das
necessidades e expectativas dos outros. Aquelas que se conformam com
essa condição reprimem seus próprios desejos, opiniões e ambições
íntimas. “Bem longe do ideal das lutadoras de outrora, das mulheres
livres, das intelectuais e mulheres de poder, a feminilidade hoje parece
responder a apenas um atributo – a sedução – e ter um único objetivo – a
maternidade. Os homens e as crianças primeiro!”, escreve Maryse
Vaillant,3 que enxerga uma persistente censura intelectual sobre a sexualidade de suas semelhantes. Em Next,
Zahia conta que quando criança, na Argélia, era a “primeira aluna da
classe”. Adorava matemática e sonhava em ser “piloto de avião”.
Exercer uma profissão por gosto, existir socialmente por outras
competências além da maternidade, da sexualidade e da sedução, e
conquistar a independência financeira dormindo apenas com quem se quer:
ser mulher, sobretudo se não se nasce em berço de ouro, significa lutar.
Mas, atualmente, nem isso parece ser um objetivo.
Mona Cholllet é autora de Rêves de droite (Sonhos de direita), Paris, editora Zones, 2008.
Ilustração: Natalia Forcat 1 Cf. “17 filles et pas mal d’objections” [17 meninas e muitas objeções], 1º jan. 2012, Peripheries.net. 2 Cf. Beauté fatale. Les nouveaux visages d’une aliénation féminine [Beleza fatal. As novas faces da alienação feminina], Zones/La Découverte, Paris, 2012. 3 Maryse Vaillant, Sexy soit-elle. Propos sur la féminité [Sexy seja ela. Proposta sobre a feminilidade], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2012. A única ressalva é que a autora opõe as evoluções atuais a uma feminilidade “autêntica”, que, em última instância, também está relacionada a outra série de clichês. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
A mãe e a puta estão de volta
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Do Homossexualismo ao direito de ser livre
Do Homossexualismo ao direito de ser livre
por: Anderson Castro e Tiago Silveira - Juventude do PSTU
O dia 17 de maio entrou para o
calendário do movimento LGBT’s como o Dia Internacional de Combate a
Homofobia. Esse é o dia em que a OMS (Organização Mundial da Saúde)
retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais
(homossexualismo). Direito, esse, conquistado com muita luta e
organização de LGBT’s para exercer sua sexualidade. Num breve histórico
da luta dos homossexuais pela igualdade de direitos, vemos uma constante
ofensiva ideológica, no sentido da preservação de uma moral que
discrimina e oprime mulheres e homens no capitalismo. A luta contra as
fogueiras, contra legislações que condenavam e perseguiam, a luta contra
os campos de concentração que torturavam e matavam. Podemos aqui citar
inúmeras perseguições aos que “saiam do padrão”.
No século XX, a Revolução Russa foi
onde mulheres e homens tiveram a mais importante vitória na luta pela
igualdade, sendo o momento em que os homossexuais tiveram a equidade dos
seus direitos, abolindo toda e qualquer legislação que condenava,
mulheres e homens, por atos sexuais. Também marco da luta contra a
opressão e discriminação aos homossexuais foi o 28 de junho de 1969,
quando gays, lésbicas e travestis rebelaram-se contra a repressão
policial, tomaram as ruas, tombaram e incendiaram carros, levantaram
barricadas e transformaram o Bar Stonewall - NY (onde a revolta teve
início) em “marco zero” da luta contra a homofobia, influenciados pelo
maio de 68.
No Brasil dos anos 80, quando o país
era estremecido pelas greves do ABC paulista, cerca de 50 homossexuais
entraram com faixas e cartazes em plena greve dos metalúrgicos apoiando a
luta da classe trabalhadora elxs foram aplaudidos pelos mais 100mil
operários, num gesto que demonstra que a luta dos explorados e oprimidos
deve ser uma só.
Criminalização da Homofobia Já!
Vivemos uma ofensiva brutal por parte
dos setores mais reacionários e conservadores de nossa sociedade. Vimos
no governo Lula, a falsa campanha “Brasil sem Homofobia” que em nada
diminuiu as agressões e mortes de homossexuais no Brasil. Hoje estamos
no segundo ano do mandato de Dilma e não foram poucos os “Bolssonaros”
que apareceram por ai. Iremos para 10 anos de um governo de “Frente
Popular” e hoje somos o país campeão mundial de violência homofóbica.
São cerca de 250 assassinatos por anos, e os números só crescem. Apenas
em janeiro de 2012 foram 36 mortes. Mesmo assim presenciamos “acordões”
como o de Marta Suplicy (PT/SP) com os senadores Marcelo Crivella
(PRB-RJ), ligado à Igreja Universal, e Demóstenes Torres (DEM-GO), líder
do DEM no senado, que fizeram a mutilação do Projeto de Lei 122/06 que
criminalizaria a homofobia, retirando ponto importantes como a proteção à
demonstração pública de afeto e a criminalização do discurso
homofóbico. Não podemos esquecer também do veto do “Kit Anti-Homofobia”,
que iria incentivar o debate na escola no sentido de conscientizar e
apresentar a questão da sexualidade desde a infância.
Paridade de direitos entre homossexuais e heterossexuais!
O PSTU defende o casamento Gay, nos
termos da Constituição Federal de 1988 que mostra, no parágrafo primeiro
do artigo 226, que o casamento não é religioso, “é civil e gratuita a
celebração”, um procedimento jurídico ministrado num cartório por um
juiz de paz. Também defende o direito à adoção, o acesso ao crédito por
casais do mesmo sexo, licença-maternidade e paternidade, creches,
reconhecimento do nome social de travestis e transgêneros em documentos e
órgãos públicos e privados, uma rede de saúde 100% pública e laica que
atenda às especificidades dos LGBT’s. Exige também a retirada da
resolução da Anvisa que proíbe homossexuais de doarem sangue, a inclusão
da educação sexual nas escolas e cursos de formação de professores e a
criminalização da homofobia.
O dia 17 de maio deve ser marcado como
um dia de luta contra a opressão e discriminação à Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transgêneros. O dia de erguer a bandeira da
paridade de direitos entre homossexuais e heterossexuais. Para nós, a
defesa incondicional da mais ampla liberdade de expressão sexual é parte
da luta pela construção de um verdadeiro socialismo.
No dia 12 de Junho a ANEL, o
DCE/UFRGS, e outros coletivos irão organizar o 2° Beijaço em Porto
Alegre, Participe de mais um Ato em defesa da igualdade, Contra a
Homofobia!
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quarta-feira, 16 de maio de 2012
O cenário eleitoral em Bagé=Rs hoje
Benedito Tadeu César * no SUL21
Contando com o 17º eleitorado e o 31º PIB do Rio Grande do Sul, Bagé
terá uma de suas eleições municipais mais disputadas dos últimos anos. O
grande arco de alianças partidárias, encabeçado pelo PT e que garantiu a
este partido a vitória em três eleições seguidas e o governo municipal
desde o ano 2000, foi rompido.
Desentendimentos partidários, ocorridos ao longo da atual gestão e
que atingiram seu auge no final de 2011, provocaram a saída de três dos
sete vereadores eleitos pelo PT em 2008, todos antigos integrantes do
bloco político do ex-prefeito Luiz Fernando Mainardi, do PT, o grande
articulador político no município.
Em decorrência destes fatos, duas grandes alianças estão sendo
gestadas no município neste momento, com a possibilidade de polarizar as
eleições. De um lado, o prefeito petista e candidato à reeleição Luis
Eduardo Colombo dos Santos, o Dudu, e de outro, a vereadora mais votada
no município, Adriana Lara Dias, eleita em 2008 pelo PT e hoje no PTB.
Uma terceira via foi esboçada, mas, ao que parece, não se articulou.
Dudu tenta se reaproximar de Mainardi e procura atrair o maior número
de partidos para sua coligação eleitoral. No momento, oito legendas
apoiam sua candidatura: PT, PSB PCdoB, PR, PRB, PPL, PSC e PV. Adriana
Lara tem como certo, até aqui, o apoio de sete partidos. Além do PTB,
também PDT, PSD, PMN, PHS, DEM e PPS. PMDB e PP ainda não se definiram.
Não está certo se lançam candidatura(s) própria(s) ou se apoiam Dudu ou
Adriana. Tudo dependerá das negociações da vaga do candidato a
vice-prefeito, das nominatas de vereadores e dos acordos programáticos
que forem fechados.
Pesquisas realizadas durante o ano passado e que são as únicas
publicadas sobre as preferências dos eleitores de Bagé até o momento,
apontaram resultados contraditórios. A primeira delas, realizada no final setembro e de responsabilidade do Instituto Kepeler e do Sul21,
indicava vantagem de 12,8 pontos percentuais de Dudu Colombo sobre
Adriana Lara na menção espontânea e rigoroso empate técnico nos dois
cenários estimulados testados. A segunda pesquisa,
realizada pelo Instituto Methodus no início de novembro a pedido da
Associação dos Jornais do Interior (ADI) e publicada pelo Jornal
Minuano, apontava empate técnico entre Dudu e Adriana na menção
espontânea e uma vantagem de 18,3 pontos percentuais de Adriana sobre
Dudu na menção estimulada.
As pesquisas tinham metodologias, amostras e margem de erros semelhantes, sendo que a Kepeler/Sul21
entrevistou 400 eleitores residentes em Bagé e apresentou margem de
erro admitida de cinco pontos percentuais para mais ou para menos e a
pesquisa Methodus/ADI entrevistou 300 eleitores e considerou admissível
uma margem de erro de 5,5 pontos percentuais. Além das diferenças de
resultados apontados acima, outra disparidade chama a atenção: na
pesquisa Kepeler/Sul21, apenas 23,5% dos entrevistados
declararam não ter candidato preferido na menção espontânea, enquanto na
pesquisa Methodus/ADI, 62% afirmaram não ter candidato escolhido.
Aparecia, ainda, na pesquisa Kepeler/Sul21, na menção espontânea, a referência ao ex-prefeito Luiz Fernando Mainardi como o preferido de 18,8% dos eleitores.
Independente de quem esteja na frente hoje, se Dudu Colombo ou
Adriana Lara, o que só poderá ser constatado por novas pesquisas, o que
se pode afirmar é que a eleição para a Prefeitura Municipal de Bagé de
2012 terá um cenário diferente dos anteriores. O bloco
político-partidário articulado por Fernando Mainardi foi desfeito, mas,
ao que parece, o apoio do ex-prefeito será decisivo para definir o
resultado das urnas.
. oOo.
* Benedito Tadeu César
é cientista político, mestre em antropologia social e doutor em
sociologia pela UNICAMP. Foi professor nas universidades federais do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e do Espírito Santo (UFES). Fundador e primeiro
coordenador do LABORS-IFCH (Laboratório de Observação Social) do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. Ex-coodenador do
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. Consultor e
analista político, especialista em pesquisas e comportamento
político-eleitoral.
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terça-feira, 15 de maio de 2012
A crise e os sindicatos (Ricardo Antunes)
Este texto,
do professor Ricardo Antunes, foi publicado em 1993, na revista
Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo. Foi escrito em meio à
arrancada neoliberal no Brasil. Assim como o texto do teórico Ernest Mandel,
precisa ser avaliado dentro de um contexto histórico, no entanto, será
que muitas críticas contidas no artigo não poderiam ser perfeitamente
aplicáveis à CUT e ao movimento sindical nos dias de hoje?
Boa leitura:
A crise e os sindicatos
Por Ricardo Antunes
As perspectivas generosas de emancipação
humana, tão caras a Marx, foram ou estão sendo pouco a pouco trocadas
pelos valores da acomodação social-democrata. Ao movimento sindical
impõe-se a decisão: vamos elaborar um programa de emergência para gerir a crise do capital sob sua ótica ou avançar na elaboração de uma alternativa?
A crise que atinge o mundo do trabalho, seus
organismos sindicais e partidários é de proporções ainda não de todo
assimiladas. Sua intensidade e agudeza devem-se ao fato de que,
simultaneamente, atingiu a materialidade e a objetividade do
ser-que-vive-do-trabalho. Não foram poucas as transformações vivenciadas
nesta última década, atingindo centralmente os países capitalistas
desenvolvidos, mas com repercussões fortes, decorrentes da mundialização
e globalização do capital, no conjunto de países do Terceiro Mundo,
especialmente aqueles intermediários, com um significativo parque
industrial, como é o caso do Brasil.
Indico, a seguir, alguns elementos que, no seu
conjunto, compõem a causalidade deste quadro agudamente crítico: a
automação, a robótica e a microeletrônica possibilitaram uma revolução
tecnológica de enorme intensidade. O taylorismo e o fordismo já não são
únicos, convivendo, no processo
produtivo do capital, com o “toyotismo”, o “modelo sueco”, entre
outros. Tais mudanças têm consequências diretas no mundo do trabalho,
especialmente na classe operária. A flexibilização da unidade fabril, a
desconcentração da produção, a arrasadora desregulamentação dos direitos
do trabalho, os novos padrões de gestão e “envolvimento” da força de
trabalho, como os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ),
experimentados no Japão – em realidade uma apropriação do fazer e saber
do trabalho, sob o comando manipulatório do capital dos nossos dias,
levando o estranhamento do trabalho (no sentido marxiano) ao seu limite –
tudo isso, feito sob um “inquestionável domínio” da “produtividade” e
da “modernidade social”, acabou afetando a forma de ser do proletariado
fabril, tradicional. A classe-que-vive-do-trabalho metamorfoseou-se.
Se já não bastassem estas transformações, a crise
atingiu diretamente a subjetividade do trabalho, sua consciência de
classe, afetando seus organismos de representação, dos quais os
sindicatos e os partidos são expressão. Os primeiros, os sindicatos,
foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais
atada ao imediatismo, à contingência, regredindo em sua já limitada
ação de defesa de classe no universo do capital. Gradativamente foram
abandonando seus traços anticapitalistas visando preservar a jornada de
trabalho regulamentada, os demais direitos sociais já conquistados e,
quanto mais a “revolução técnica” do capital avançava, mais lutavam para
manter o mais elementar e defensivo dos direitos da classe
trabalhadora, sem o qual sua sobrevivência está ameaçada: o direito ao
trabalho. ao emprego.
É nesta contextualidade adversa que se desenvolve o sindicalismo de
participação em substituição ao sindicalismo de classe. Participar de
tudo …. desde que não se questione o mercado,
a legitimidade do lucro, o que e para quem se produz, a lógica da
produtividade, a sacra propriedade privada, enfim, os elementos básicos
do complexo movente do capital. As perspectivas generosas da emancipação
humana, tão caras a Marx, foram ou estão sendo pouco a pouco trocadas
pelos valores da acomodação social-democrata. Entre o estrago neoliberal
e a bancarrota do Leste Europeu (equivocadamente assimilada por enormes
contingentes da esquerda como o “fim do socialismo e do marxismo”), o
universo político e ideológico do mundo sindical de esquerda, incapaz de
buscar novas alternativas socialistas, refundidas, redescobertas e
radicais, se insere cada vez mais na preservação do chamado welfare state,
no universo da ação social-democrata. A luta pelo controle social da
produção, presente com intensidade nos anos 60/70 e em tantos outros
momentos da luta dos trabalhadores, parece cada vez mais distante. O
moderno é o mercado, a produtividade, a integração, a negociação, o
acordo, a conciliação, a concertação.
Incapaz de apreender a amplitude e a dimensão da
crise do capitalismo, postado numa situação desfavorável que lhe obsta a
possibilidade de visualizar e agir para além do capital, o
sindicalismo, em seus traços e tendências dominantes, conduzido pelo
ideário que tem conformado suas lideranças, a cada passo dado recua a um
patamar anterior, assemelhando-se a um indivíduo que, embora pareça
caminhar para frente, desce uma escada de costas, sem visualizar o
último degrau e menos ainda o tamanho do tombo. Cada vez mais atuando
sob o prisma institucional, distanciando-se dos movimentos sociais
autônomos, o sindicalismo, vive uma brutal crise de identidade. Penso
que se trata mesmo da mais aguda crise no universo do trabalho, com
repercussões fortes no movimento dos trabalhadores. A simultaneidade da
crise, tanto na materialidade quanto na subjetividade da
classe-que-vive-do-trabalho, a torna muito mais intensa. Quais foram as
consequências mais visíveis destas transformações?
No que diz respeito ao mundo do trabalho, as
respostas são complexas e envolvem múltiplas processualidades que aqui
somente podemos indicar, de modo a tentar configurar um esboço
explicativo para a crise que assola a classe trabalhadora e em
particular o movimento sindical. É visível a redução do operariado
fabril, industrial, gerado pela grande, indústria comandada pelo binômio
taylorismo-fordismo, especialmente nos países capitalistas avançados.
Porém, paralelamente a este processo, verifica-se uma crescente,
subproletarização do trabalho, através da incorporação do trabalho
precário, temporário, parcial etc. A presença imigrante no Primeiro
Mundo cobre fatias dessa subproletarização. Ora se confundindo, ora se
diferenciando desta tendência. há um fortíssimo processo de
terceirização do trabalho, que tanto qualifica como desqualifica e com
certeza desemprega e torna muito menos estável a condição operária.
Deslancha o assalariamento dos setores médios, incorpora-se o trabalho
das mulheres no processo produtivo. Há qualificação em vários setores,
como no ramo siderúrgico, acarretando, enquanto tendência, um processo
de intelectualização do trabalho industrial (o trabalhador como
“supervisor e regulador do processo de produção”, conforme a antecipação
genial de Marx nos Grundrisse), e desqualificação em outros, como no
mineiro. A processualidade é complexa e multiforme e tem como resultado
uma classe trabalhadora mais heterogeneizada,fragmentada e
complexificada.
O sindicalismo não permaneceu inume a estas tendências: diminuíram as
taxas de sindicalização, na(s) últimas) década(s) nos EUA, Japão,
França, Itália, Alemanha, Holanda, Suíça, Reino Unido, entre outros
países. Com o aumento do fosso entre operários estáveis e precários,
reduz-se fortemente o poder dos sindicatos, historicamente vinculados
aos primeiros e incapazes, até o presente, de incorporar os segmentos
não estáveis da força de trabalho. Houve, na década de 80, redução do
número de greves em vários países do centro. Aumentaram os casos de
corporativismo, xenofobia, racismo, no interior da própria classe
trabalhadora. Tudo isso permite constatar que o movimento sindical
encontra-se numa crise de proporções nunca vistas. Que atingiu com
intensidade, na década de 80, o sindicalismo nos países avançados e que,
na virada de 80 para 90, tocou diretamente os países subordinados,
especialmente aqueles dotados de um parque produtivo relevante, como o
Brasil. Quando se reflete sobre as transformações vivenciadas no
sindicalismo nos países centrais e seus paralelos com aquele praticado
no Brasil, é preciso fazer as devidas mediações. Participamos de um
contexto econômico, social, político e cultural que tem traços
universais do capitalismo globalizado e mundializado, mas que tem
singularidades que, uma vez apreendidas, possibilitam resgatar aquilo
que é típico deste canto do mundo e, desse modo, reter a sua
particularidade. Trata-se, portanto, de uma globalidade desigualmente
combinada, que não deve permitir uma identificação acrítica ou
epifenomênica entre o que ocorre no centro e nos países subordinados.
O nosso sindicalismo viveu, na década de 80, ora no
fluxo, ora no contrafluxo das tendências acima descritas. Diria que, na
contabilização da década, seu saldo foi muito positivo. Houve um enorme
movimento grevista; ocorreu uma expressiva expansão do sindicalismo dos
assalariados médios e do setor de serviços; houve continuidade no avanço
do sindicalismo rural, em ascenso desde os anos 70; surgiram centrais
sindicais, como a CUT; procurou-se, ainda que de maneira muito
insuficiente, avançar nas tentativas de organização nos locais de
trabalho, debilidade crônica do nosso movimento sindical; efetivou-se um
avanço na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos, onde
sobressai a presença organizacional dos funcionários públicos; houve
aumento nos níveis de sindicalização, configurando-se um quadro
nitidamente favorável para o novo sindicalismo ao longo da última
década.
Porém, paralelamente a este processo, nos últimos
anos da década de 80 acentuaram-se as tendências econômicas, políticas e
ideológicas que inseriam o nosso sindicalismo na onda regressiva. A
automação, a robótica e a microeletônica, desenvolvidas dentro de um
quadro recessivo intensificado, desencadearam um processo de
desproletarização de importantes contingentes operários, de que a
indústria automobilística é um exemplo forte. As propostas de
desregulamentação, de flexibilização, de privatização acelerada, de
desindustrialização, tiveram no neoliberalismo do projeto Collor forte
impulso.
Esta nova realidade arrefeceu e acuou o novo sindicalismo que se encontrava, de um lado, frente à emergência de um sindicalismo neoliberal, expressão da nova direita, sintonizada com a onda mundial conservadora, (dê que a Força Sindical é o melhor exemplo) e de outro, frente às próprias lacunas teóricas, políticas e ideológicas no interior da CUT. Estas lacunas lhe dificultavam enormemente o avanço qualitativo, capaz de transitar de um período de resistência, como nos anos iniciais do novo sindicalismo, para um momento superior, de elaboração de propostas econômicas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento capitalista aqui existente, que pudessem contemplar prioritariamente o amplo conjunto de nossa classe trabalhadora. Neste caso, além da combatividade anterior, era necessária a articulação de uma análise aguda da realidade brasileira com uma perspectiva crítica e anticapitalista, de nítidos contornos socialistas, de modo a dotar o novo sindicalismo dos elementos necessários para resistir aos influxos externos, à avalanche do capital, ao ideário neoliberal, no lado mais nefasto e, ainda, à acomodação social-democrática, que apesar de sua crise no centro, aumentou fortemente seus laços políticos e ideológicos com o nosso movimento sindical, apresentando-se cada vez mais como a única alternativa possível para se combater o neoliberalismo.
Esta nova realidade arrefeceu e acuou o novo sindicalismo que se encontrava, de um lado, frente à emergência de um sindicalismo neoliberal, expressão da nova direita, sintonizada com a onda mundial conservadora, (dê que a Força Sindical é o melhor exemplo) e de outro, frente às próprias lacunas teóricas, políticas e ideológicas no interior da CUT. Estas lacunas lhe dificultavam enormemente o avanço qualitativo, capaz de transitar de um período de resistência, como nos anos iniciais do novo sindicalismo, para um momento superior, de elaboração de propostas econômicas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento capitalista aqui existente, que pudessem contemplar prioritariamente o amplo conjunto de nossa classe trabalhadora. Neste caso, além da combatividade anterior, era necessária a articulação de uma análise aguda da realidade brasileira com uma perspectiva crítica e anticapitalista, de nítidos contornos socialistas, de modo a dotar o novo sindicalismo dos elementos necessários para resistir aos influxos externos, à avalanche do capital, ao ideário neoliberal, no lado mais nefasto e, ainda, à acomodação social-democrática, que apesar de sua crise no centro, aumentou fortemente seus laços políticos e ideológicos com o nosso movimento sindical, apresentando-se cada vez mais como a única alternativa possível para se combater o neoliberalismo.
Não é preciso dizer que o quadro hoje é agudamente
crítico. O sindicalismo da Força Sindical, com forte dimensão política e
ideológica, preenche o campo sindical da nova direita, da preservação
da ordem, da sintonia com o desenho do capital globalizado, que nos
reserva o papel de país montador, sem tecnologia própria, sem
capacitação científica, dependente totalmente dos recursos externos.
Na CUT o quadro também é de grande apreensão. Ganha
cada vez mais força, dentro da Articulação Sindical, a postura de
abandono de concepções socialistas e anticapitalistas, em nome de uma
acomodação dentro da ordem, daquilo que, dizem, é o possível. O culto à
negociação, às câmaras setoriais, ao programa econômico para gerir pelo
capital a sua crise, está inserido num projeto de maior fôlego, cujo
oxigênio é dado pelo ideário e pela prática social-democrática. Trata-se
de uma crescente definição política e ideológica no interior do
movimento sindical. É uma postura cada vez menos respaldada numa
política de classe. E cada vez mais apoiada numa política para o
conjunto do país, o país integrado do capital e do trabalho.
No campo que se reconhece como socialista e anticapitalista no interior da CUT, as dificuldades também são de grande monta. Como é possível resistir a uma onda tão intensa? Como é possível elaborar um programa econômico alternativo que incorpore os milhões de trabalhadores que não participam do mercado e que vivem da miséria da economia informal? Como é possível gestar um novo modelo econômico que elimine definitivamente a superexploração do trabalho? Quais são os contornos básicos desse modelo econômico alternativo, cuja lógica deverá iniciar o desmonte do padrão de acumulação vigente no país? Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico, mas o faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida em nosso país? Como é possível um caminho alternativo que recupere valores socialistas originais, verdadeiramente emancipadores? Que não aceite uma globalização e uma integração impostas pela lógica do capital, integradora para fora e desintegradora para dentro? Como é possível, hoje, articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho? Em outras palavras, como superar um caminho meramente doutrinário e buscar a difícil e imprescindível articulação entre os interesses imediatos e uma ação estratégica, de longo prazo, de clara conformação anticapitalista? São, como se pode perceber, desafios enormes.
No campo que se reconhece como socialista e anticapitalista no interior da CUT, as dificuldades também são de grande monta. Como é possível resistir a uma onda tão intensa? Como é possível elaborar um programa econômico alternativo que incorpore os milhões de trabalhadores que não participam do mercado e que vivem da miséria da economia informal? Como é possível gestar um novo modelo econômico que elimine definitivamente a superexploração do trabalho? Quais são os contornos básicos desse modelo econômico alternativo, cuja lógica deverá iniciar o desmonte do padrão de acumulação vigente no país? Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico, mas o faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida em nosso país? Como é possível um caminho alternativo que recupere valores socialistas originais, verdadeiramente emancipadores? Que não aceite uma globalização e uma integração impostas pela lógica do capital, integradora para fora e desintegradora para dentro? Como é possível, hoje, articular valores inspirados num projeto que olha para uma sociedade para além do capital, mas que tem que dar respostas imediatas para a barbárie que assola o cotidiano do ser que vive do trabalho? Em outras palavras, como superar um caminho meramente doutrinário e buscar a difícil e imprescindível articulação entre os interesses imediatos e uma ação estratégica, de longo prazo, de clara conformação anticapitalista? São, como se pode perceber, desafios enormes.
Se, entretanto, consegui traçar um quadro crítico
aproximado, o desafio mais urgente do nosso sindicalismo pode ser assim
sintetizado: como se efetiva, no contexto de uma situação defensiva, uma
ação sindical que dê respostas às necessidades imediatas do mundo do
trabalho, preservando elementos de uma estratégia anticapitalista e
socialista?
Recorro a uma síntese que me parece feliz, para expor o “espírito” da resposta que me parece possível indicar:
“Sob pena de divisão, desmoralização e derrotas
certas, o movimento operário não pode se contentar em opor à crise a
simples proclamação da necessidade de uma luta anticapitalista de
conjunto. A crise confronta os trabalhadores com problemas concretos
angustiantes: dispensas, perdas de empregos, fechamento de empresas,
ataques aos salários e à assistência social, aceleração dos ritmos,
ataques aos direitos sindicais e políticos conquistados. Recusar o
combate defensivo, através de reivindicações imediatas, sob pretexto de
que não há saída no quadro do capitalismo, é condenar toda a classe
operária à impotência… Não há melhor meio para desencadear um combate
geral do que alguns combates parciais plenamente coroados de sucesso,
que demonstrem na prática, aos trabalhadores, que eles podem defender o
emprego, os salários e os direitos conquistados.
Mas é verdade que todo sucesso em um combate defensivo será frágil e
provisório. É verdade que a longo prazo a lógica do capital se imporá,
na medida em que continuamos no regime capitalista. Essa lógica do
capital coloca-se de forma especial contra a classe operária em um
período de desemprego massivo e de depressão econômica. Por isso, todo
combate defensivo deve se integrar em uma estratégia anticapitalista de
conjunto, que procure efetivamente favorecer a mobilização do operariado
por reivindicações transitórias, que sejam contrárias às causas
fundamentais do mal que o atinge”. (Ernest Mandel, “O movimento operário
diante da crise”, A crise do capital, Editora da Unicamp).
Que caminho vamos adotar: negociar dentro da ordem ou
contra a ordem? Elaborar um programa de emergência para gerir a crise
do capital sob sua ótica ou vamos avançar na elaboração de um programa
econômico alternativo, formulado sob a ótica dos trabalhadores, capaz de
responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho, mas tendo
como horizonte uma organização societária fundada nos valores
socialistas e efetivamente emancipadores? Pode-se responder que para
tanto é preciso muito mais que a ação sindical. É verdade. Mas pode-se
responder que a ação sindical no Brasil dos nossos dias seguramente
auxiliará, numa ou noutra direção, o que lhe confere uma enorme
responsabilidade. E que não se pode permitir a omissão de todos aqueles
que estão envolvidos na luta dos trabalhadores.
Ricardo Antunes é professor de Sociologia do Trabalho na Unicamp.
Original em: Teoria e Debate
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Sindicatos promovem ato para criticar 500 dias de Dilma e Tarso
Rachel Duarte no SUL21
Ao completar 500 dias, as gestões da presidenta Dilma Rousseff (PT) e
do governador gaúcho Tarso Genro (PT) receberam críticas públicas de
sindicatos de diversas categorias em um ato unificado realizado no Rio
Grande do Sul. A manifestação ocorreu em frente ao Palácio Piratini
desde as primeiras horas desta segunda-feira (14) e durou toda a manhã. O
carro de som e centenas de manifestantes fecharam a Rua Duque de Caxias
e gritavam palavras de ordem cobrando compromissos de campanhas dos
gestores públicos e criticando medidas adotadas pela União e o governo
Tarso em relação aos servidores públicos.
Diversos cartazes expressavam problemas comuns na esfera federal e
regional, na avaliação dos sindicatos. Como o não cumprimento dos
índices mínimos constitucionais em saúde e educação. No âmbito nacional,
os protestantes acusavam o governo Dilma de desonerar a folha de
servidores e priorizar terceirizações e privatizações nas ações de
gestão. Já no caso do governo gaúcho, a cobrança era pelo não pagamento
das RPVs, elevados juros do Banrisul, sucateamento do Instituto de
Previdência do RS (IPE) e o já conhecido grito dos professores pelo não
pagamento do piso nacional do magistério.
“O Tarso que tanto quis subir nos caminhões dos movimentos sociais
durante a campanha eleitoral, completa 500 dias do segundo ano de
mandato com reajustes e aumentos de Cargos em Comissão e benefícios de
isenções fiscais para os empresários”, comparou o presidente da
Associação dos Servidores da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do
Sul – ASCE, Érico Côrrea.
A mini-reforma da previdência apresentada pelo executivo gaúcho ainda
no ano passado e que foi novamente enviada para aprovação do
legislativo gaúcho, alterando aumentando a alíquota da previdência para
13,5%, também esteve na lista de reinvidicações levadas na porta do
governador Tarso Genro.
“Um, dois, três, quatro, cinco, mil. Ou param as reformas ou paramos o
Brasil”, gritavam os servidores oriundos de diversas localidades do
estado. Os líderes do ato salientavam dos microfones do carro de som às
12 horas de luta de algumas classes trabalhadoras que vieram de São
Borja e outros locais distantes de Porto Alegre. Aos que entravam no
Palácio Piratini, os manifestantes mandavam recados ao governador. “CCs
entram a essa hora para trabalhar
(quase 10 horas). Operários estão de pé desde as 5 da manhã. E, os
reajustes só saem com muita luta”, disse a porta-voz do carro de som.
Contra auxílio-moradia de juízes
O recente reajuste aprovado no Tribunal de Contas do Estado do Rio
Grande do Sul (TCE-RS) que permite o pagamento de auxílio-moradia aos
juízes ainda não foi digerido pelo Sindicato dos Servidores da Justiça
no RS (Sindjus-RS). Presentes no ato, os sindicalistas criticaram o
direito concedido aos magistrados de receber R$ 115 mil de auxílio
moradia. O valor é distribuído de forma parcelada ao longo dos meses
sobre um salário que já está dentre os mais altos do Estado.
“Enquanto isso nos sobra o arrocho salarial, um rombo na previdência e
rotineiras práticas de assédio moral no judiciário. Somos explorados
com um volume de demandas humanamente impossível de vencer nos cartórios
na mesma velocidade que os despachos são feitos nos gabinetes dos
juízes. Recorrentes casos de lesões físicas por esforço repetido são
registrados e nos acusam de fazer corpo mole para o trabalho”,
exemplificou o sindicalista Osvaldir da Silva.
Um governo ainda fora da lei
A principal motivação do ato unificado de algumas centrais sindicais
foi atender a convocação do Cpers/Sindicato que organizou um dia
estadual de paralisação para esta segunda-feira (14). A data é
considerada marco por completar 500 dias do governo gaúcho, que ainda
não cumpre os critérios da Lei Nacional do Piso do Magistério no estado.
Uma solução parcial e provisória para adequar o Rio Grande do Sul à
lei federal assinada por Tarso Genro quando era ministro da Justiça foi
proposta pelo governo estadual no final de abril. Em acordo com o
Ministério Público Estadual do RS, a proposta foi o pagamento de uma
parcela complementar a 20 mil professores que ainda não recebem R$
1.451, valor estipulado como piso nacional da categoria. “Eles sentam às
escondidas e depois apresentam um acórdão já assinado e homologado e
explicando como eles pretendem fazer para não pagar o piso e atacar as
nossas carreiras. Servidores do MP com salários de R$ 24 mil se acharam
no direito de sentar com o goverandor para definir como um governo não
cumprirá uma lei que irá afetar e trazer consequências para os
trabalhadores”, acusou a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira.
Como a medida proposta como pagamento parcial do piso não irá incidir
sobre o plano de carreira do magistério, Rejane alegou que o sindicato
dos professores não irá permitir “que um órgão público como o MP-RS, que
deveria garantir a legislação, se atrele ao executivo para legitimar
artimanhas para o descumprimento da lei do piso”.
De acordo com a legislação federal, em seu artigo quinto, o piso deve
ser reajustado anualmente tendo como base o custo por aluno do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb). Entretanto, o governo gaúcho sempre
reitera que o piso dos professores deve ser corrigido pela variação da
inflação, calculada pelo INPC.
Para ilustrar o discurso dos dirigentes sindicais, falas do
governador Tarso Genro quando ainda era candidato nas eleições de 2010,
em debates com as categorias, foram reproduzidos no carro de som. “Eu
estou formalmente, politicamente e moralmente comprometido com o piso
salarial dos professores”, ouvia-se Tarso dizer em uma dessas gravações,
onde o agora governador acrescentava que “a lei que instituiu o piso
teve o seu parecer de constitucionalidade no ministério da Justiça,
quando eu era ministro, e essa lei leva a minha assinatura”.
Ao final da reprodução da fala de Tarso Genro um coro de vaias foi feito em frente ao Palácio Piratini.
“É um governador que não honra o que disse e escreveu ao Cpers. Que
vergonha para o nosso estado ter um governador que coloca um conjunto de
projetos em regime de urgência para evitar debate com o serviço
público. Por isso que estamos aqui para marcar os 500 dias de um governo
fora da lei que não cumpre o que prometeu. Se alguém tinha ilusão que
este governo iria ser de palavra, agora já sabe”, afirmou Rejane.
Ao final do protesto, os manifestantes soltaram balões pretos
simbolizando o luto em relação aos 500 dias dos governos Dilma e Tarso.
Antes de deixar os materiais e voltar aos municípios de origem, os
sindicalistas se comprometeram em retornar ao Palácio Piratini para
novas manifestações. Por parte do Cpers, no dia 30 de maio está
organizada uma redução nos horários nas escolas estaduais.
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segunda-feira, 14 de maio de 2012
“A Dilma vai vetar”, diz ministro do Desenvolvimento Agrário
Samir Oliveira no SUL21
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), é categórico
ao afirmar que a presidente Dilma Rousseff (PT) irá vetar o novo
Código Florestal que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 25
de abril. “A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a
discussão”, assegura o petista nesta entrevista ao Sul21.
Pepe garante que o texto não permanecerá intocado. “O Código
Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um
veto total, ou um veto parcial”, comenta.
O ministro considera que há dois extremos nesse debate: o dos
ruralistas que somente querem flexibilizar a legislação e o dos
ambientalistas que defendem o que ele chama de “conservacionismo
elitista”. Pepe diz que o governo federal não está comprometido com
nenhuma dessas duas agendas.
Nesta entrevista ao Sul21, o ministro fala também
sobre as perspectivas para a reforma agrária no país e critica a
proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere responsabilidade
sobre a titulação de terras indígenas ao Congresso Nacional.
“Além de anistiar grandes desmatadores, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande”
Sul21 – Como o senhor avalia o texto do novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados?
Pepe – A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a
discussão. Parte do texto final aprovado é consenso entre Câmara e
Senado. O texto do Senado é muito mais equilibrado, mas algumas coisas
aprovadas representam avanços importantes. Há uma legislação bastante
protetora para aquilo que não foi desmatado. As disposições permanentes
têm pontos muito positivos. E tem um capítulo inteiro sobre a
agricultura familiar que é importante que seja preservado. Se o veto for
total, zera todo esse avanço. Mas também há aspectos extremamente
negativos, como a parte que previa a recomposição de áreas de
preservação que foram devastadas. Queremos que haja recomposição e
admitimos que ela tenha diferenciações. O agricultor que possui até
quatro módulos fiscais não pode ter o mesmo tratamento de quem tem 400
módulos. Defendemos que até quatro módulos fiscais haja diferenciação
nas exigências de recomposição de reserva legal. O Senado também tinha
entendido assim, mas a Câmara botou isso a perder. Além de anistiar
grandes desmatadores, o que é inadmissível, e prever que não haverá
recomposição nenhuma em determinadas áreas de preservação permanente, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande.
Sul21 – Então o texto final terá artigos vetados pela presidente?
Pepe – O Código Florestal não será sancionado da forma
como a Câmara aprovou. Terá ou um veto total, ou um veto parcial. Há
dois extremos nocivos a esse debate. O primeiro é o polo que defende as
piores práticas agropecuárias, é a turma da motosserra. Mas no outro
polo, há um ambientalismo que defende um conservacionismo elitista. Não
entendem que a parte ambiental precisa estar ligada à inclusão social de
assentados, de quilombolas, de comunidades de povos tradicionais e de
pequenos agricultores. Não concordamos com esse conservacionismo
elitista que desconsidera a dimensão social vinculada à ambiental. Esse
ambientalismo conservador e elitista não é o nosso
horizonte. Queremos denunciar esse tipo de gente, que muitas vezes está
a serviço de interesses daqueles que querem mercantilizar a natureza,
colocando papeis financeiros para especular na Bolsa. Aí os países em
desenvolvimento se limitam a vender serviços ambientais enquanto as
nações ricas podem desmatar e comprar esses papeis de serviços.
Sul21 – O senhor assumiu no dia 14 de março. Quais são as metas do ministério para este ano?
Pepe – A prioridade é fortalecer os instrumentos de apoio e
fomento à agricultura familiar. Dos 5,1 milhões de estabelecimentos
rurais no Brasil, cerca de 4,3 milhões são unidades produtivas de
agricultores familiares. Elas representam 84% dos estabelecimentos e
ocupam 74% da mão de obra no meio rural. Há propriedades familiares já
bem desenvolvidas e inseridas no mercado, com capacidade de
comercialização e produção, mas que precisam do nosso apoio. E há também
as propriedades que ainda estão em desenvolvimento.
Sul21 – Que tipo de apoio o governo federal dá a esses produtores?
Pepe – Queremos fortalecer os instrumentos de acesso a crédito, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar),
que tem financiamento para custeio de safra e para investimentos. Há
também os instrumentos de apoio à comercialização. Queremos consolidar a
Rede Brasil Rural, que é uma plataforma eletrônica que viabiliza que as
cooperativas e associações de produtores cadastrem seus produtos. Já
temos mais de 400 cooperativas cadastradas e um universo grande de
fornecedores de insumos participando. Além disso, queremos fortalecer a
assistência técnica da extensão rural, que é muito importante para o
desenvolvimento produtivo das propriedades. E há os programas de
garantias de preços mínimos, que são importantes para dar estabilidade a
essa parcela de agricultores familiares que já está numa situação
desenvolvida ou em desenvolvimento.
“O Estado brasileiro, ao longo da história, assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza”
Sul21 - E que tipo de assistência pode ser dada às famílias que tentam chegar a esse estágio?
Pepe – Há uma parcela da agricultura familiar que vive na
extrema pobreza. Para isso temos o programa Brasil Sem Miséria, que é
coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Como metade das 16
milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza vivem no meio
rural, uma parte do programa fica sob nossa responsabilidade. Estamos
antecipando todas as metas de 2013 para 2012. São metas de atendimento a
famílias com assistência técnica diferenciada e continuada, e um
subsídio de fomento para atividade produtiva com fornecimento de
sementes. Começou ano passado no Nordeste, mas vamos atender também o
Sul e o Sudeste, desde que os estados entrem com a assistência técnica.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, já acertamos com o governo. Nossa
meta era atender três mil famílias, mas o Estado nos disse que tem
condições de atender 6 mil famílias.
Sul21 – Como estão as demarcações e desapropriações para a reforma agrária no país?
Pepe – A reforma agrária é um instrumento de
combate à extrema pobreza no campo. A agricultura familiar tem um papel
importante no projeto nacional de desenvolvimento, porque distribui
melhor a renda, ocupa mais gente no campo e produz 70% dos alimentos no
país. Criou-se a ideia que só o agronegócio exporta e é responsável pela
balança comercial brasileira. O peso do setor agrário nas exportações
brasileiras foi de 36% do total exportado em 2011. Nesse montante, 28% é
relativo à agricultura familiar na base. Temos que pensar em uma
estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar para que ela
exporte ainda mais. Há um grande mercado a ser conquistado nos Estados
Unidos e na Europa. Segmentos das classes médias e altas desses países
querem comprar produtos feitos de forma justa e sustentável. Países com
menor capacidade estão ocupando esse nicho.
Sul21 – E como estão as demarcações de terras atualmente?
Pepe – Não temos contingenciamento de recursos orçamentários
para obtenção de terras. Temos condições de executar todo o orçamento –
previsto em R$ 106 milhões. Já liberamos R$ 200 milhões em Títulos da
Dívida Agrária (TDAs) para que o Incra possa encaminhar o pagamento de
decretos de desapropriação. Liberamos também R$ 44 milhões para
pagamento de benfeitorias de imóveis cujas TDAs já estavam lançadas. Só
com essa liberação, já atendermos 11 mil famílias. Estamos mudando o
processo para fortalecer a infraestrutura dos assentamentos, começando
pela moradia. Historicamente, a moradia entrava no crédito de habitação
do Incra. O valor era R$ 15 mil por família, com três anos de carência e
17 anos para pagar. Mas temos o Minha Casa, Minha Vida, que financia
residências no valor de R$ 25 mil e tem 96% de subsídio. Não há por que
não colocarmos esse programa nos assentamentos. Iremos atender melhor e o
assentado irá gastar menos. Aceitamos discutir com os movimentos
sociais do campo uma nova metodologia do crédito de instalação. Estamos
debatendo uma melhor maneira, não formatamos nada ainda, mas vai haver
uma mudança. Queremos também levar os programas Água Para Todos e Luz
Para Todos para dentro dos assentamentos. Não há por que o Incra assumir
o financiamento dessas infraestruturas se existem programas que podem
arcar com esses custos. Com isso o Incra pode usar seus recursos para
priorizar outras questões fundamentais.
Sul21 – Como conciliar a realização de novos assentamentos com a melhoria dos já existentes?
Pepe – Tem anos que assentaram 100 mil famílias, mas davam
terra sem infraestrutura. Temos um passivo social a ser resgatado. Há
assentamentos que se desenvolveram, exportam e possuem tecnologia
aplicada. Mas há um número expressivo de assentamentos com famílias que
vivem na linha da pobreza. O Estado brasileiro, ao longo da história,
assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza. A estratégia do
Brasil Sem Miséria é recuperar as estruturas desses locais. Vamos
reconhecer que assentados da reforma agrária também são cidadãos que
precisam ter acesso aos programas do governo federal. Não podemos achar
que só o Incra tem responsabilidade de resolver essas questões.
“A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas”
Sul21 – O MST diz que o governo federal possui um teto de até
R$ 100 mil para desapropriações de terras. Os Sem-Terra alegam que isso
faz com que 90% das propriedades permaneçam intocáveis.
Pepe – Não há nada que defina a existência de um teto de R$ 100
mil. Mas é verdade que, quando se vai desapropriar uma terra, o custo
dela interessa. Quando o poder público vai desapropriar uma área para
construir uma escola ou fazer um projeto habitacional, o preço da terra é
levado em consideração. E, eventualmente, se a terra é muito cara, se
opta por outro lugar. Na reforma agrária não pode ser diferente. O valor
por hectare e o custo por família assentada são elementos importantes. O
administrador precisa zelar pelo princípio da economicidade. Isso não
significa dizer que se vá deixar de comprar terras. Mas também não
iremos comprar terras que custem R$ 30 mil por hectare. Assim como não
iremos comprar uma propriedade que custe R$ 2 mil por hectare e jogar as
famílias num local onde não há estrada, água ou luz. É preciso bom
senso.
Sul21 – O que encarece o custo das desapropriações?
Pepe – Há um processo de encarecimento do preço da terra no
Brasil. Precisamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que questiona a medida
provisória que estabeleceu que os juros compensatórios de uma terra
desapropriada seriam de 6% e não de 12% – fixados por uma jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça. Nenhum fundo de investimento remunera a
esse valor. O Judiciário brasileiro estabelece juros compensatórios
numa desapropriação de terras que remunera muito mais do que qualquer
aplicação no sistema financeiro. É possível especular muito mais tendo
uma terra desapropriada do que no mercado financeiro. Isso é um absurdo.
O governo, há muitos anos, fez uma medida provisória fixando os juros
em 6% e houve uma Adin que foi acolhida pelo STF em caráter liminar.
Continua-se pagando juros compensatórios de 12% e o julgamento do mérito
é aguardado há mais de 10 anos. Isso impacta o orçamento do Incra.
Quando o proprietário de uma terra não concorda com a avaliação do
Incra, o Judiciário demora cinco anos para decidir quanto é o preço de
uma terra desapropriada. Nesse meio tempo, o governo fica pagando 12% de
juros compensatórios. É óbvio que isso diminui a capacidade do Estado
brasileiro de desapropriar áreas para fins de reforma agrária. O
orçamento não é um elástico que pode ser esticado. Precisamos que o
Supremo julgue essa Adin. Se a taxa Selic está em 9%, por que os juros
compensatórios são 12%?
Sul21 – Qual sua posição sobre PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional a titulação de terras indígenas?
Pepe – A PEC 215 é uma reação dos setores mais retrógrados e
conservadores que querem impedir o reconhecimento por parte do Estado
brasileiro dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Temos uma
posição contrária a essa PEC e defendemos a constitucionalidade do
decreto que regulamenta a demarcação e o reconhecimento dos territórios
quilombolas, que está sendo julgado pelo STF. A turma da casa grande,
que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária,
articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os
direitos dos quilombolas e dos povos indígenas.
Sul21 – Há também a PEC do trabalho escravo, que propõe o confisco das propriedades que utilizem mão de obra escrava.
Pepe – Queremos que seja aprovada. O trabalho escravo é uma
abominação. Quem utiliza trabalho escravo na produção precisa ter suas
terras desapropriadas para que elas cumpram uma função social.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
O BOM EXEMPLO PORTUGUÊS
Com a descriminalização, mortes relacionadas às drogas caíram 50%
O
governo de Portugal não planeja voltar atrás. Apesar da Holanda ser o
país europeu mais associado à legislação liberal de drogas, já faz 10
anos que Portugal se tornou a primeiranação europeia a dar o passo
corajoso de descriminalizar a posse de todas as drogas dentro de suas
fronteiras – de maconha até heroína, e tudo o mais. Esta medida
controversa entrou em vigor em junho de 2001 em resposta às
crescentesestatísticas de HIV/AIDS.
Enquanto
muitos críticos do país pobre e amplamente conservador atacavam a
mudança radical na política de narcóticos, temendo que levasse a um
turismo de drogas e ao mesmo tempo agravasse a já assustadora alta taxa
de uso de drogas pesadas no país, um relatório publicado em 2009 pelo
Cato Institute contauma história diferente. Glenn Greenwald, o advogado e
autor que conduziu a pesquisa, disse à Time: “A descriminalizaçãodas
drogas em Portugal tem sido um sucesso estrondoso. Ela permitiu que o
governo português pudesse gerenciar e controlar a questão muito melhor
do que praticamente todos os outros países ocidentais”.
Em
2001, Portugal tinha o índice mais alto da União Europeia de vírus HIV
entre usuários de drogas injetáveis – incríveis dois mil novos casos por
ano, em um país com população de somente 10 milhões. Apesar da
controvérsia previsível, o governo português sentiu que não havia
nenhuma outra forma com a qual poderia efetivamente dominar este
problema crescente. Enquanto nos Estados Unidos os pedidos por
descriminalização total das drogas ainda são descartados como uma
espécie de preocupação marginal, os portugueses decidiram fazê-lo, e têm
silenciosamente lidado com isso há uma década. Surpreendentemente, a
maioria dos relatórios confi áveis parecem apontar que a
descriminalização tem sido um sucesso impressionante.
Programas de tratamento
O
DEA (Drug Enforcement Administration), órgão que centraliza o combate
às drogas nosEUA, vê esta questão de uma maneira diferente. Portugal,
eles afirmam, era um desastre, com taxas de heroína e HIV fora do
controle. “A população viciada de Portugal e os problemas que acompanham
o vício continuam a crescer”, afi rma o DEA. “Em um esforço para
reduzir o número de dependentes no sistema prisional, o governo
português tem promulgado algumas políticas radicais nos últimos anos com
a eventual descriminalização de todas as drogas ilícitas em julho de
2001”.
Contudo,
a situação é outra, como explica Greenwald: ao libertar seus cidadãos
do medo da perseguição e prisão por uso de drogas, Portugal melhorou
drasticamente sua habilidade em encorajar os dependentes a recorrerem ao
tratamento.
“Os
recursos antes destinados para a perseguição e prisão dos viciados em
drogas estão agora disponíveis para prover programas de tratamento para
eles”, diz. Sob o sistema perfeito, o tratamento também seria
voluntário, mas como alternativa à prisão, o tratamento obrigatório
economiza dinheiro.
Mas, por ora, “a maioria dos Estados da União Europeia tem taxas de
consumo de drogas que são o dobro ou o triplo das taxas portuguesas
pós-descriminalização”, diz Greenwald.
Para
aqueles que procuram dicas de como o governo dos Estados Unidos pode
enfrentar seu problema doméstico de drogas, os números portugueses são
atraentes. Após a descriminalização, Portugal acabou vendo-se com a
menor taxa do uso de maconha por pessoas acima de 15 anos da União
Europeia: por volta de 10%. Compare isso com os 40% de pessoas acima de
12 que fumam maconha regularmente nos Estados Unidos, um país com
algumasdas leis antinarcóticos mais punitivas no mundo desenvolvido. O
uso de drogas de todos os tipos diminuiu em Portugal: o uso na vida
entre adolescentes de 12 a 15 anos caiu de 14,01% para 10,6%. O de
heroína na vida entre jovens de 16-18 anos caiu de 2,5% para 1,8%. E
aquelas taxas horríveis de infecção do vírus HIV que causou, em primeiro
lugar, a mudança? Astaxas de infecção de HIV dentre os usuários de
droga caiu incríveis 17%, enquanto as mortes relacionadas às drogas
foram reduzidas para mais do que a metade.
“Não
há dúvidas de que o fenômeno do vício esteja em declínio em Portugal”,
disse João Goulão, presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência,
numa entrevista coletiva que marcou o décimo aniversário da lei.
Tradução: Jessica Grant
Segunda Guerra Mundial: vitória do socialismo
Por Osvaldo Bertolino no GRABOIS
Há
exatos 67 anos, à meia-noite de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões
silenciaram fogo na Europa pela primeira vez desde 1939. Estava
encerrada a mais sangrenta guerra de todos os tempos. A grande vítima e o
grande vitorioso do conflito foi o socialismo.
Não deixarei o Volga! Não sairei de lá! Os gritos de Adolf Hitler,
tomado por um acesso de cólera, eram a expressão do desastre causado
pela sua ordem de manter o 6º Exército ao redor da simbólica cidade
soviética de Stalingrado. A derrota nazista naquele local representou
uma reviravolta na Segunda Guerra Mundial e um êxito incalculável dos
comunistas em todo o planeta.
A reviravolta se consolidaria em janeiro de 1942, quando o Exército
Vermelho lançou a ofensiva geral em uma ampla frente e em alguns setores
avançou mais de 400 quilômetros para o ocidente, afastando a fera
nazista que rugia às portas de Moscou. Os comunistas soviéticos,
artífices da vitória, ganharam enorme prestígio internacional. A
importância militar e política fora gigantesca — pela primeira vez
durante toda a guerra o exército nazista sofria uma derrota séria.
Poucos meses antes, em 7 de novembro de 1941 — 24º aniversário da
revolução socialista de 1917 —, o líder revolucionário Josef Stálin
dissera ao Exército Vermelho e aos guerrilheiros comunistas que o mundo
via neles “a força capaz de destruir as hordas rapaces dos invasores
alemães”. Adolf Hitler, o senhor absoluto de Berlim, determinara que em 2
de outubro seria desencadeada a grande ofensiva. Tufão era o seu nome
em código, um verdadeiro ciclone que devia abater-se sobre os
soviéticos, destruindo as últimas forças combatentes diante de Moscou e
fazendo desmoronar a pátria do socialismo.
Tudo para frente, tudo para a vitória!
A
história não conhecia guerras libertadoras como aquela. Já nos
primeiros movimentos, ficara demonstrado que na União Soviética os
combates seriam diferentes dos que ocorreram na Europa. Além das
debilidades daqueles exércitos, o trabalho de sapa dos colaboracionistas
fora determinante para o avanço alemão. No país socialista, as bases
sociais para a organização de contrarrevolucionários não existiam mais —
ao contrário do que ocorreu na guerra civil, após a Revolução de 1917.
Os soviéticos, com o lema “Tudo para frente, tudo para a vitória!”,
estavam conscientes do que representava aquela guerra. Em muitos locais
os combatentes deixaram inscrições de loas à pátria gravadas nas ruínas.
Eram exemplos do elevado moral comunista, que levaram os Estados Unidos
e a Inglaterra a declarar, em 22 de junho de 1941, que estavam
dispostos a prestar ajuda à União Soviética. Havia, até então, uma
passividade das potências ocidentais. Para as velhas senhoras da Europa e
seu aliado norte-americano, o problema de Adolf Hitler era com os
soviéticos.
Em janeiro de 1933, quando se tornou chanceler alemão, Adolf Hitler já havia publicado sua plataforma política. Era o livro Mein Kampf (Minha Luta),
um best-seller que naquele tempo contava com mais de um milhão de
exemplares vendidos. Nele, estavam claras as idéias do novo chanceler
alemão: ódio aos comunistas, aos judeus, aos eslavos, aos proletários,
etc. Logo, a venda da obra nazista explodiria. "Com exceção da Bíblia,
nenhum outro livro foi tão vendido durante o regime nazista", escreveu
William L. Shirer no livro Ascensão e Queda do 3° Reich, parcialmente traduzido para o português pelo histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil, Pedro Pomar.
Na obra, Hitler expôs com clareza o modelo de governo que ele queria
implantar na Alemanha. A "nova ordem" que o líder nazista pretendia
impor ao mundo tinha no Estado de seu país — que um dia se tornaria "o
soberano da terra" — o alicerce para uma ditadura absoluta. A "nova
ordem" nazista também teria uma "ideologia universal". Para tanto,
segundo Minha Luta, a Alemanha deveria ajustar contas com a
França, "o inexorável e mortal inimigo do povo alemão". Hitler
considerava esse passo decisivo como meio para mais tarde "dar ao nosso
povo a expansão que venha a ser possível alhures".
Estratégia nazista
Ele
estava dizendo que a Alemanha tinha como alvo final a União Soviética.
"A Alemanha deve expandir-se para o Leste, em grande medida às custas da
Rússia", escreveu. No primeiro volume de Minha Luta, Hitler discorreu longamente sobre o problema do "espaço vital" — Lebensraum,
em alemão. "Se na Europa de hoje falarmos em terras, haveremos de ter
em mente apenas a Rússia e as nações vizinhas a ela subordinadas",
afirmou o líder nazista. Ele perseguiria esse objetivo até à morte. Para
Hitler, o destino tinha sido generoso ao entregar a região à direção
dos comunistas — o que, segundo sua teoria, era o mesmo que entregá-la
aos judeus.
A estratégia nazista estava clara. Primeiro, era preciso aniquilar a
França apenas como condição para o avanço de seus exércitos rumo ao
Leste. No decorrer da guerra, essa promessa foi fielmente executada.
Hitler tomou a Áustria, a região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, e a
parte ocidental da Polônia. Em setembro de 1938, os líderes da Alemanha,
Inglaterra e França assinaram o "Pacto de Munique", permitindo ao
exército alemão iniciar sua marcha para a Tchecoslováquia. A ameaça à
União Soviética estava mais perto do que nunca.
Segurança coletiva
Logo
depois da ocupação nazista da Tchecoslováquia, a União Soviética propôs
uma conferência das seis potências (Alemanha, Itália, França,
Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética) para debater formas de
evitar futuras agressões. Mas a proposta foi considerada "prematura". Os
movimentos no xadrez político ocidental deixavam claro a intenção de
manter a União Soviética fora do concerto das potências européias.
Moscou voltou a acenar, em vão, com um pacto de assistência mútua com a
França e a Inglaterra. Esses movimentos evoluíram para a aproximação
entre União Soviética e Alemanha.
Discursando no VIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética,
em março de 1939, Josef Stálin disse que Inglaterra e França haviam
abandonado o princípio da segurança coletiva, com a finalidade de
orientar os Estados agressores para "outras vítimas". Stálin advertiu
que os países ocidentais estavam empurrando os alemães ainda mais para o
Leste, prometendo-lhes uma presa fácil. Segundo o líder soviético, os
princípios orientadores do país socialista eram o de seguir uma política
de paz, de fortalecimento das relações econômicas com todos os países e
não permitir que a União Soviética fosse arrastada para conflitos pelos
provocadores de guerra.
O recado foi entendido em Berlim. A Alemanha tinha interesse em atacar a
Polônia sem temer uma intervenção soviética. As conversações evoluíram
para o pacto de não-agressão mútua. Quando Hitler invadiu a Polônia, a
União Soviética movimentou suas tropas para os Estados Bálticos. A etapa
principal do pacto estava vencida. A Alemanha nazista preparava "uma
campanha rápida" para "esmagar a União Soviética". Em junho de 1941, um
ano depois da queda da França, as tropas nazistas atacaram o país
socialista. Um general alemão disse que a guerra estaria ganha em
catorze dias.
Chegada da reviravolta
A batalha de Stalingrado representou a chegada da reviravolta. Dali
para diante, o poder de Hitler declinaria, minado pela crescente
contra-ofensiva soviética. Um representante do "Ministério para os
Territórios Ocupados do Leste", criado pelo governo nazista, disse na
ocasião que os soviéticos "estavam lutando com excepcional bravura e com
espírito de renúncia, nada mais visando que o reconhecimento da
dignidade humana". O resultado seria o esmagamento da máquina de guerra
criada por Hitler.
Em junho de 1944, as forças anglo-americanas atacaram na frente
ocidental. A muralha nazista foi rompida em poucas horas. À meia-noite
de 8 para 9 de maio de 1945, os canhões silenciaram fogo na Europa pela
primeira vez desde 1939. O fim da contenda entre nazistas e soviéticos
chegou quando as tropas motorizadas do Exército Vermelho capturaram o
coração da cidadela nazista — Berlim. Um soldado anônimo hasteou a
bandeira vermelha no topo do Reichstag. Em 2 de setembro de 1945, os
japoneses renderam-se a bordo do encouraçado norte-americano Missouri,
ancorado na baía de Tóquio. Era o fim de uma luta que se iniciara em
meados de 1937, na China, expandindo-se mais tarde para praticamente
todo o Pacífico.
A bandeira da liberdade e da democracia passou a flutuar por toda a
Europa e em boa parte do mundo. O resultado da guerra fez com que o
socialismo ganhasse muito respeito. Na luta pela existência, os povos
aprendem a conhecer seus amigos e a reconhecer os seus inimigos. O
socialismo bateu de frente com a Alemanha nazista e foi a principal
barreira ao III Reich sonhado por Adolf Hitler. No combate, emergiu a
União Soviética na sua verdadeira estatura e significação, com seus
líderes, sua economia, seu exército, seus povos e, segundo o então
secretario de Estado norte-americano, Cordell Hull, “a quantidade épica
de seu fervor patriótico”.
A ordem de Adolf Hitler
Quando
o Exército Vermelho empurrava as tropas nazistas para fora do
território soviético, em fevereiro de 1942, o general Douglas Mac
Arthur, que assinaria a rendição dos japoneses, disse: “Durante a minha
vida eu participei de numerosas guerras e testemunhei outras tantas,
assim como estudei pormenorizadamente as campanhas dos principais cabos
de guerra do passado. Em nenhuma delas observei tão eficiente
resistência (…). A escala e grandeza desse esforço assinala-o como o
maior feito militar em toda a história.”
Segundo William L. Shirer, o tratamento aos prisioneiros de outros
países, especialmente britânicos e americanos, era relativamente mais
suave. “Havia, vez por outra, casos de assassínios e massacre deles, mas
isso, geralmente, era devido ao excessivo sadismo e crueldade de certos
comandantes”, escreveu ele. Quando a maré da guerra começou a virar
contra Hitler, com a contra-ofensiva soviética iniciada na batalha de
Stalingrado, o líder nazista ordenou o extermínio dos “comandos” aliados
capturados, especialmente no ocidente. “Doravante, todos os inimigos em
missões denominadas ‘de comando’, na Europa e na Ásia, (…) devem ser
mortos até ao último homem”, dizia a ordem de Hitler.
Canhões de grande calibre
É
impossível calcular o volume de perdas econômicas causadas pela guerra.
Quanto à perda de vidas, há uma estimativa, embora longe de ser exata.
Morreram cerca de 50 milhões de pessoas, fardadas ou não. Uma média de
8,3 milhões por ano de luta. Tomada em seu conjunto, a Segunda Guerra
Mundial é um fato sem paralelo na história. Nunca tantos países haviam
se envolvido num conflito armado. Nunca se produziu tanto armamento.
Raramente se aplicou tanta pesquisa e dinheiro no desenvolvimento de
equipamentos militares.
A guerra começou numa época em que os exércitos ainda usavam cavalos.
Quando terminou, os caças a jato já voavam. No final da década de 30, as
armas mais destrutivas ainda eram os canhões de grande calibre. Meia
dúzia de anos mais tarde o planeta tomava contato com as armas nucleares
e com os mísseis balísticos. O mundo não poderia ser o mesmo após o
término da Segunda Guerra Mundial.
O julgamento de Nuremberg
No
dia 20 de novembro de 1945, 21 acusados nazistas sentaram no banco dos
réus no Palácio da Justiça, em Nuremberg, Alemanha, para o julgamento
por crimes de guerra. Outro acusado, Martin Bormann, foi acreditado como
morto. Pela primeira vez, ocorria um julgamento internacional. Para
isso, foi criado o Tribunal Militar Internacional (TMI), que combinou
elementos do direito anglo-americano e das leis civis do continente
europeu, formado pelas quatro potências aliadas: União Soviética,
Inglaterra, França e Estados Unidos.
Em agosto de 1945, os aliados reuniram-se em Londres para assinar o
acordo que criou o TMI e acertar as regras do julgamento. O documento,
conhecido como “Carta de Londres”, tem uma característica salutar: a
ausência de palavras como “lei” ou “código”, num esforço para lidar com
aquela questão delicada de forma eficiente.
A “Carta de Londres” criou as regras dos processos de julgamento e definiu os crimes a serem tratados: assassínio, extermínio, escravização, deportação, atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra e perseguição política, racial, ou religiosa. Os réus foram acusados de exterminar milhões de pessoas e espalhar a guerra na Europa.
A “Carta de Londres” criou as regras dos processos de julgamento e definiu os crimes a serem tratados: assassínio, extermínio, escravização, deportação, atos inumanos cometidos contra alguma população de civis antes ou durante a guerra e perseguição política, racial, ou religiosa. Os réus foram acusados de exterminar milhões de pessoas e espalhar a guerra na Europa.
O julgamento de Nuremberg
Os
processos de Nuremberg certificaram o nascimento do direito
internacional. O TMI faria ainda outros julgamentos, principalmente de
médicos que realizaram experimentos brutais, e criou um documento que
ficou conhecido como “Código de Nuremberg” — considerado um marco na
história da humanidade por estabelecer uma recomendação internacional
sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos.
Logo no início dos trabalhos, o juiz norte-americano Robert Jackson,
que atuou como promotor-chefe da acusação, declarou: “Não devemos
esquecer que os parâmetros pelos quais julgamos hoje estes acusados são
os parâmetros pelos quais a história nos julgará amanhã. Passar a estes
acusados um cálice envenenado é pôr esse cálice em nossos próprios
lábios. Devemos observar em nossa conduta tal imparcialidade e
integridade que a posteridade possa elogiar este julgamento por ter
cumprido as aspirações da humanidade de que se faça justiça”. A duras
penas, o mundo chegava a um ponto decisivo: o que fazer depois daquele
conflito gigantesco?
Fenda no governo brasileiro
No
Brasil, a Segunda Guerra Mundial abriu uma fenda no governo, que se
estendeu depois que, em 7 de dezembro de 1941, realizou-se na cidade do
Rio de Janeiro a Conferência de Chanceleres das Américas em apoio à
entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ali se
descortinaram caminhos políticos para o progresso do movimento
patriótico e antifascista.
O país estava chocado com o torpedeamento de vários navios da Marinha
brasileira por submarinos alemães e o governo reagia timidamente devido
às suas diferenças internas — o ministro da Guerra, general Eurico
Gaspar Dutra — que viria a ser o sucessor de Getúlio Vargas na
Presidência da República e aliado incondicional dos Estados Unidos no
nascedouro da “Guerra Fria” —, e o aparelho repressivo chefiado por
Filinto Muler eram abertamente a favor da Alemanha. Mas a pressão
popular levaria, finalmente, o governo a declarar guerra ao Eixo
nazi-fascista no dia 22 de agosto de 1942.
Manifestação organizada pelo Partido Comunista do Brasil na Praça da Sé, em São paulo, comemora derrota do nazi-fascismo
Outra manifestação da divisão no governo ocorreu quando os estudantes
organizaram uma “passeata antitotalitária” no dia da Independência dos
Estados Unidos, 4 de julho, que contou com o apoio do ministro das
Relações Exteriores, o chanceler Osvaldo Aranha, e a repulsa de Filinto
Muller. O chefe da repressão tentou impedir a passeata, desacatou o
ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, foi preso e
demitido. Em consequência do episódio, foram demitidos também Francisco
Campos, ministro titular da Justiça, e Lourival Fontes, diretor do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Felisberto Batista
Teixeira, diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi
outro afastado.
Organização da FEB
Os
avanços das forças soviéticas, que impulsionavam a luta democrática em
todo o mundo, refletiram fortemente no Brasil. O Partido Comunista do
Brasil se empenhou com tenacidade na luta anti-fascista e propôs a
organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaria em
Nápoles, Itália. Com essa finalidade, o Partido abriu duas frentes de
trabalho — reforçou a União Nacional dos Estudantes (UNE) e relançou a
Liga da Defesa Nacional, entidade fundada em 1916 no Rio de Janeiro
pelos intelectuais Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, sob a
presidência de Rui Barbosa.
No dia 28 de novembro de 1943, o governo decidiu organizar a FEB.
“Fomos os primeiros a reivindicar a participação militar do Brasil e o
fizemos de maneira consequente”, segundo o histórico dirigente comunista
João Amazonas. As Comissões de Ajuda, criadas às centenas em todo o
território nacional, angariaram donativos, realizaram conferências e
promoveram comícios populares. Todo esse trabalho foi coroado com a
organização da FEB.
O desembarque do primeiro escalão da FEB em Nápoles, Itália, em 17 de
julho de 1944, coroou o trabalho abnegado daqueles brasileiros que
olhavam para o futuro e imaginavam o país livre da ditadura do Estado
Novo e das ameaças nazi-fascistas. O Partido Comunista do Brasil
mobilizou forças e organizou grandes ações em favor desse objetivo. E,
após o término da guerra, enfrentaria seus efeitos.
Denúncia de Maurício Grabois
No
dia 9 de outubro de 1946, o líder da bancada do Partido Comunista do
Brasil na Assembléia Constituinte, Maurício Grabois, ocupou a tribuna
para denunciar o perigo que a guerra ainda representava. Ele reagiu,
indignado, às palavras de Gilberto Freyre (UDN-PE) que, “em nome da
consciência universal cristã”, protestou contra a pena de morte imposta
aos criminosos nazista julgados em Nuremberg. Grabois disse: “A
clemência para com esses bandidos nazistas em Nuremberg poderá
significar, para o futuro, a morte de milhões de homens livres.”
O líder da bancada comunista também denunciou a proibição da entrada de
judeus no Brasil pelo governo do general Dutra. “Ainda ressoa o eco das
bombas da última conflagração e os mesmos preconceitos, as mesmas
perseguições, ainda persistem no cenário mundial”, disse Grabois. “Hoje,
após a derrota do nazi-fascismo, vemos se levantar as tentativas dos
imperialistas norte-americanos e seus aliados para reacender a fogueira
ateada por Hitler”, afirmou.
Nascimento da “Guerra Fria”
A
guerra mostrou ser um negócio lucrativo. Durante os anos da Primeira
Guerra Mundial, estima-se que os monopólios americanos obtiveram um
lucro líquido de US$ 38 bilhões. Durante a Segunda Guerra Mundial, o
lucro líquido foi de US$ 53 bilhões. Logo, uma violenta tempestade se
formaria debaixo da calma aparente do pós-Segunda Guerra Mundial.
Enormes áreas coloniais e semicoloniais do globo, agitadas com as novas
esperanças de liberdade pelo exemplo da vigorosa vitória das forças
democráticas, estavam despertando e ameaçando subverter a pesada
estrutura do imperialismo. A revolução socialista cintilaria na China e
começava a irromper na Coreia.
Eram acontecimentos anunciados como o fim dos tempos, obras de uma
“conspiração moscovita”. O mundo capitalista, que se debatia nas garras
da crise antes do início da Segunda Guerra Mundial enquanto a União
Soviética embarcava em uma era de progresso, armava-se febrilmente para
impedir o avanço do socialismo. O mito-propaganda da “ameaça comunista”
trazia de volta o rame-rame dos velhos chavões que inundaram o mundo
pelas ações do nazi-fascismo no entreguerras. Era o surgimento da nova
face do anticomunismo, a “Guerra Fria”.
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Editor do Portal Grabois
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