segunda-feira, 21 de maio de 2012

Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social

Lula Falcão no A VERDADE

Durante décadas, o Estado do bem-estar social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o capital na década de 80.

 
Agora, os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem discursos e  publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos sociais dos  governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre  os interesses da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.

Austeridade só para os trabalhadores

O fato é que um por um os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios.  Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é, milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.

FMI exige mais arrocho

Não bastasse, a última reunião do Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado. Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social, administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”. Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde, educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de pagamento das mensalidades.
Segundo  documento do Eurostat, mais de 115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27 Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano, milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos impostos.
Na realidade, todos os países que têm seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista, tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB em comparação com o ano passado.  Não bastasse, a dívida grega, apesar de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012.  Portugal, segundo o boletim do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.

Quem paga a conta?

Por outro lado, ao mesmo tempo em que aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430 bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise.  Esses 430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos povos que pagam impostos.  Os EUA não se comprometeram com nenhum centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em 2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10 bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e, agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a  US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um punhado de ricos.  Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300 milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe rica vive na fartura e no esbanjamento.

A repressão ao movimento operário e popular

Mas, por que as centenas de greves e de manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia, Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se transforma em prisão perpétua.  Essa, aliás, é uma política globalizada pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há 30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500 mil reais para sair da cadeiaNos EUA, em um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as  que mais registraram prisões.  Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”. “Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o início da crise.
A importância da repressão para manter o sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares, dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe operária.  Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).
De fato, para realizar uma revolução é necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto, só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou, como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio capitalismo forem derrotadas.   Propõem que o “estado de bem-estar social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento operário e popular.

Lula Falcão, membro do Comitê Central do PCR
(Publicado em A Verdade nº 139, maio de 2012)

Agora, todos são suspeitos…

John Pilger

 
Agora que os EUA estão em guerra permanente com o resto do mundo, todos estamos na linha de fogo. O que fazer então?

Todos são potenciais terroristas. Não interessa que se viva na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Austrália ou no Médio-Oriente. Na verdade, a cidadania foi abolida. Ligue-se o computador e o centro de operações de segurança nacional do Departamento de Estado pode verificar se se está a teclar não só “al-Qaeda”, mas também “exercício”, “furo”, “onda”, “iniciativa” ou “organização”, todas elas palavras proscritas. O anúncio pelo governo britânico de que pretende espiar todos os emails e chamadas telefónicas é coisa velha. O satélite aspirador conhecido por Echelon tem estado a fazer isso há anos. O que há de novo é estado de guerra permanente desencadeado pelos EUA e o estado policial que está consumindo a democracia ocidental.
O que fazer?

Através do espelho

Na Grã-Bretanha, há tribunais secretos a tratar de “suspeitos terroristas” sob instruções da CIA. O Habeas Corpus está moribundo. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que cinco homens, incluindo três cidadãos britânicos, podem ser extraditados para os EUA, embora apenas um deles tenha sido acusado de um crime. Todos têm estado presos durante anos ao abrigo do tratado de extradição 2003 EUA/RU, assinado um mês após a criminosa invasão do Iraque.
O Tribunal Europeu condenou este tratado como passível de conduzir a “castigos estranhos e cruéis”. A um dos homens, Babar Ahmad, foram concedidas a título de compensação £63.000 por 73 ofensas registadas sofridas sob custódia da Polícia Metropolitana. Uma das mais notórias foi abuso sexual, típica do fascismo. Outro dos homens é um esquizofrénico que teve colapso mental total e se encontra no hospital Broadmoor. Outro é um que corre risco de suicídio. Vão para a “Terra da Liberdade”, junto com o jovem Richard O’Dwyer, que enfrenta dez anos algemado e de fato-macaco laranja (farda prisional americana – N.T.) porque alegadamente infringiu o copyright americano na internet.
Da forma como a lei está a ser politizada e americanizada, estas coisas estranhas não são raras. Na elaboração da acusação contra um estudante universitário de Londres de nome Mohammed Gul, por disseminar “terrorismo” na internet, os júris do Tribunal de Recurso estabeleceram que “atos… contra as forças armadas de um estado em qualquer parte do mundo que procurem influenciar o governo e forem feitos com objetivos políticos” são agora crimes. É de chamar ao banco dos réus Thomas Paine, Aung San Suu Kyi e Nelson Mandela.
O que fazer?
O prognóstico é claro: a doença a que Norman Mailer chamou “pré-fascista” fez metástases. O procurador-geral dos EUA Eric Holder defende o “direito” do seu governo assassinar cidadãos americanos. Ao protegido Israel permite-se que aponte as armas nucleares ao Irão que não as tem. Neste mundo de espelhos, a mentira é generalizada. O massacre de 17 civis afegãos a 11 de março, incluindo pelo menos nove crianças e quatro mulheres, é atribuído a um soldado americano “canalha”. A “autenticidade” deste ponto de vista é garantida pelo presidente Obama que “viu um video” e o considera “prova concludente”. Uma investigação parlamentar afegã independente conseguiu testemunhas oculares que deram provas evidentes de pelo menos 20 soldados, auxiliados por um helicóptero, terem arrasado as suas aldeias, matando e violando: ainda que acessoriamente mais mortífero, um normal “raide noturno” das forças especiais US.
Pegue-se na tecnologia de matar dos jogos video – uma contribuição americana para a modernidade – e o comportamento é o mesmo. Mergulhadas nos valores da banda desenhada, fraca ou brutalmente treinadas, frequentemente racistas, obesas e chefiadas por uma classe de oficiais corrupta, as forças americanas transferem o homicídio doméstico para locais longínquos cujas desgraçadas lutas são incapazes de compreender. Uma nação que foi fundada com base no genocídio de uma população nativa dificilmente abandona o hábito. O Vietnam era “terra de índios” e os seus “ardis” e “chinesices” eram para serem “rebentados”.
O rebentar de centenas sobretudo mulheres e crianças na aldeia vietnamita de My Lai em 1968 foi também um incidente “canalha” e, com alguma irreverência, uma “tragédia americana” (título de capa da Newsweek). Apenas um dos 26 acusados foi condenado e mesmo esse foi deixado ir por Richard Nixon. My Lai está na província de Quang Ngai onde, conforme soube como reporter, se calcula que 50.000 pessoas tenham sido mortas por tropas americanas sobretudo nas chamadas “zonas de fogo livre”. Trata-se do modelo da moderna guerra. Tal como o Iraque e a Líbia, o Afeganistão é um parque temático para os beneficiários da nova guerra permanente da América: a NATO, as empresas de armamento e de alta tecnologia, os media e a indústria da “segurança” cuja contaminação lucrativa contagia a vida corrente. A conquista ou “pacificação” de território não interessa. O que interessa é a nossa pacificação, cultivar a nossa indiferença.
O que fazer?

Verdadeiros camaradas

A queda no totalitarismo tem marcos. Num dia destes, o Supremo Tribunal em Londres decidirá se o editor da WikiLeaks, Julian Assange, é extraditado para a Suécia. Caso este recurso final falhe, o facilitador do conhecimento da verdade a uma escala épica, sem acusação de qualquer crime, vai ter de enfrentar reclusão em isolamento e um interrogatório sobre alegações sexuais ridículas. Graças a um acordo secreto entre os EUA e a Suécia, pode ser “entregue” ao gulag americano em qualquer altura.
No seu próprio país, a Austrália, a primeiro-ministra Julia Gillard conspirou com aqueles de Washington a quem chama os seus “verdadeiros camaradas” para garantir que o seu concidadão seja vestido de fato-macaco laranja se se der o caso de voltar para casa. Em fevereiro, o seu governo escreveu uma “emenda WikiLeaks” ao tratado de extradição entre a Austrália e os EUA que torna mais fácil aos seus “camaradas” deitarem-lhe a mão. Deu-lhes inclusivamente o poder de aprovação sobre investigações de Liberdade de Informação, de forma a que o mundo exterior possa ser enganado, como é costume.
O que fazer?


Tradução: Jorge Vasconcelos

domingo, 20 de maio de 2012

Yes - Close to the Edge - 1972


1.- "Close to the Edge" (Jon Anderson/Steve Howe) - 18:41
a)"The Solid Time of Change"
b)"Total Mass Retain"
c)"I Get Up I Get Down"
d)"Seasons of Man"

2.- "And You and I" (Jon Anderson; Bill Bruford/Steve Howe/Chris Squire) - 10:08
a)"Cord of Life"
b) "Eclipse" (Jon Anderson/Bill Bruford/Steve Howe)
c) "The Preacher the Teacher"
d)"Apocalypse"

3.-"Siberian Khatru" (Jon Anderson/Steve Howe/Rick Wakeman) - 8:55
Jon Anderson – vocals
Steve Howe – guitars, vocals
Chris Squire – bass, vocals
Rick Wakeman – keyboards
Bill Bruford – drums, percussion

A Doutrina Espírita e as Transformações Sociais

  •  Maria Solange Guarino Tavares no PENSE

  • Objetivo:
    O objetivo deste trabalho é a discussão da participação da Doutrina Espírita nas Transformações Sociais, com os estudos de Allan Kardec, na França., ou seja a interação entre o social e o espiritual.

    Etimologia:
    Sociologia é um vocábulo composto:
    – da palavra latina societas (sociedade, socius = companheiro) e
    – da palavra grega logos (estudo, ciência).
    A Sociologia é, então, a ciência da sociedade ou da associação ou do companheirismo.
    Assim, a Sociologia é o estudo científico das formas fundamentais da convivência humana, ou ainda segundo, Santos, T M dos, citado por GREGÓRIO, em seu Manual de Sociologia, Sociologia é:
    – a ciência que tem por objeto o estudo dos fatos sociais;
    – um grande complexo de relações humanas ou;
    – um sistema de interação.

    O objeto da Sociologia é estudo dos fatos sociais, considerando-se como fato social:
    "O fato social são todas as formas de associações humanas e as maneiras de agir, sentir, e pensar, padronizadas e socialmente sancionadas; ou em uma palavra, os modos de ser, sentir, pensar e agir comuns aos grupos sociais".

    A Sociologia limita-se a estudar os fatos sociais tais como são e inteirar-se de como é a sociedade e não se propõe de como deve ser. Em síntese mostra o que é a sociedade e não como deve ser.

    Histórico:
    O homem é um animal social e a sociedade está em constante transformação que embora ocorram muito rapidamente, é possível historicamente registrar-se historicamente grandes mudanças sociais que marcaram época.

    Os períodos de transformações mais marcantes estão relacionados com as grandes descobertas ou com as revoluções nos paradigmas vigentes.

    A revolução tecnológica e industrial se iniciou com o domínio do fogo e das técnicas de agricultura, causando as primeiras grandes renovações no comportamento social do ser humano. A agricultura fixou o homem em pontos estratégicos, garantindo uma subsistência mais duradoura. Ao desfrutar de interesses comuns, ele se organizou socialmente e passou a defender com mais empenho o seu território.

    As descobertas de imprensa, da máquina a vapor, do motor a combustão, do rádio, do cinema, do telefone, da televisão, do computador entre outras provocaram transformações vultosas exigindo novas sistemáticas de organização para o trabalho e para a hierarquia da sociedade. Essas conquistas instrumentalizaram o homem, permitindo que ele multiplique sua força, amplie sua velocidade, economize seu tempo, difunda suas ideias, divulgue seus costumes, e enfim, concretize seus sonhos.

    A revolução dos paradigmas científicos ocorreu em épocas diversas, repercutiu também no comportamento e nos costumes das sociedades humanas. Tanto na Antiguidade Clássica quanto na Idade Média as relações sociais não chegavam a apresentar um "problema" a ser investigado. Além do mais o deve ser prevalecia sobre o que é.

    O surgimento da Sociologia só foi possível como resposta aos abalos provocados pela Revolução Industrial, pelas novas condições de existência por ela criadas.

    Num espaço de 150 anos, ou seja, de Copérnico a Newton, a ciência passou por notável progresso, mudando até mesmo a localização do planeta Terra no cosmo. Assim, as contribuições dos pensadores para a mudança do deve ser para o que é foram:
    – Nicolau Copérnico (1473-1543) desloca o centro da terra para o Sol.
    – Francis Bacon (1561-1626) diz que a teologia deve ceder lugar à dúvida metódica. Para ele a observação e a experiência ampliariam infinitamente o poder do homem e deveriam ser estendidas e aplicadas ao estudo da sociedade. Quis realizar experimentos a fim de descobrir e formular leis gerais sobre a sociedade.
    – Vico (1668-1744) expressa que o homem produz a própria história. Apoiando-se nesse ponto de vista, afirmava que a sociedade podia ser compreendida porque, ao contrário da natureza, ela constitui obra dos próprios indivíduos.
    – Montesquieu (1689-1755), iluminista, estabeleceu uma série de observações sobre a população, o comércio, a religião, a moral, a família etc. O intuito, ao estudar as instituições de sua época, era demonstrar que elas eram irracionais e injustas, que atentavam contra a natureza dos indivíduos e, nesse sentido, impediam a liberdade do homem.
    – Revolução Francesa (1789-1799) desorganiza o Estado tradicional.
    – Pensadores franceses como Saint-Simon, Comte, Le Play e outros concentrarão suas reflexões sobre a natureza e as consequências da revolução. A tarefa que esses pensadores se propõem é a de racionalizar a nova ordem, encontrando soluções para o estado de "desorganização" então existente. Mas para estabelecer a "ordem e a paz", pois é a esta missão que esses pensadores se entregam, para encontrar um estado de equilíbrio na nova sociedade, seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos sociais, instituindo, portanto, uma ciência da sociedade.

    Neste ponto, cabe lembrar que filósofos sociais como Voltaire, Montesquieu, Diderot, Rousseau(1995), Locke, Beccaria, desenvolveram os princípios ético-políticos da organização social democrática, os quais serviram de base para as lutas que deflagram a Revolução Francesa (1789). Sendo esta uma revolução tipicamente de classe na qual a Burguesia soube mobilizar as outras classes sociais (camponeses, proletários urbanos, nobres insatisfeitos, intelectuais etc.) em favor de seus objetivos e com o intuito de derrubar o “Ancien Regime”, a sociedade do arbítrio, dominada pela desigualdade política, pelo despotismo e pela tradição.

    Neste sentido, a experiência social da modernidade, fundada em pressupostos democráticos de igualdade, reciprocidade de direitos e deveres dos cidadãos perante a lei, liberdade econômica para empreender e gerir negócios, possibilidade de desenvolver habilidades técnicas no sentido do progresso individual e social, são desdobramentos político-sociais trazidos pela Revolução Francesa, e que tiveram sua origem nas concepções ideológicas do Iluminismo.

    O pensador Augusto Comte (1798-1857), criador do vocábulo "Sociologia", pretendeu oferecer uma coexistência pacífica entre a ordem dos conservadores e o progresso dos revolucionários.

    A criação da Sociologia tem o objetivo de separar o conhecimento da teologia e da metafísica, dando-lhe um caráter "positivo". O sentido positivo emprestado à nova ciência, fê-la distinto de outras, tais como a Economia, o Direito e a Política.

    Augusto Comte utiliza-se dos métodos já elaborados pelas ciências naturais e constrói comparativamente os fundamentos da Sociologia, estabelecendo leis invariáveis para a sociedade, da mesma forma que a física e a química. Mostra o que é a sociedade (ciência) e não o que deve ser (filosofia) e deu ênfase ao estado positivo, mas criou o religioso, obedecendo a hierarquia católica, com a diferença de que os seus deuses são os homens célebres que se foram, tais como Sócrates, Platão, César etc.

    São esse os Estados:
    – Teológico ou Fetichista, em que se nota a adoração de totens;
    – Metafísico ou Racional, em que a inteligência já pode tentar a especulação sobre as primeiras causas;
    – Científico ou Positivo, em que não se necessita de forças sobrenaturais, nem de deuses nem de anjos, porque dispõe de recursos para compreender a natureza.

    O Espiritismo de Allan Kardec aceita os três estados citados, mas nos diz que eles coexistem, inclusive, numa comunidade cientifica. Amplia a visão do fato social quando o inter-relaciona com a mediunidade.

    Enquanto para a Sociologia o "fato social" diz respeito ao presente (ela não cogita de Deus nem de Espíritos), para o Espiritismo ele tem uma dimensão cósmica, ou seja, há um entrelaçamento entre o aqui e o agora com o ontem e o amanhã, pois tudo se encadeia na natureza.

    A Sociologia observa, formula hipóteses, experimenta e tira conclusões dos fatos sociais. Não tem a incumbência de emitir juízos de valor. Diz-nos como são os fatos sociais e não como devem ser.

    A atualidade cultural representa um grande desafio à compreensão histórica e social de uma época. Afinal, trata-se da tentativa de “decifrar” os caminhos sociais e as tendências culturais de um período histórico, que em boa medida, é organizado no seu contexto de espaço e tempo. Tal empreendimento de estudo, diz respeito à necessidade de compreendermos o “momento histórico” em que vivemos e as diferentes modalidades de organização da vida nos mundos sociais contemporâneos ao nosso.

    Neste sentido, o contemporâneo é sempre plural, porquanto as tendências culturais de uma sociedade não se repetem necessariamente noutro contexto, podendo inclusive a pluralidade significar diferentes ritmos históricos, econômicos, sociais, comportamentais e éticos. Pode parecer estranho falar de atualidades culturais em termos de tendências plurais, sobretudo nestes tempos de globalização econômica e comunicacional.

    A questão da cultura contemporânea é uma preocupação generalizada da humanidade que experimenta o impacto das mudanças econômicas, tecnológicas, políticas e sociais. E não pode ser menos relevante para nós, espíritas, sobretudo quando consideramos que Allan Kardec, ao organizar o sistema teórico-metodológico do Espiritismo no século 19, manteve um diálogo cultural intenso com as principais tendências filosóficas e científicas do seu tempo, bem como propôs que o Espiritismo “lançasse luz sobre todas as questões da economia social”.

    Kardec em “O Que é o Espiritismo” e na “Revista Espírita” analisou inúmeros problemas filosóficos do seu tempo e esclareceu questões práticas, sociais, buscando apresentar a “Solução de alguns problemas com auxílio da Doutrina Espírita”. (O Que é o Espiritismo, cap.III, Allan Kardec), segundo SOUZA.

    As formas de organização do mundo social contemporâneo e as práticas culturais do nosso tempo têm sido definidas de muitas maneiras: pós-modernidade, sociedades-em-rede, sociedade pós-industrial, sociedade da informação e do conhecimento, sociedades de consumo, sendo que tais denominações foram elaboradas no contexto das mudanças porque passa o mundo na globalização.

    É possível identificar, no contexto da globalização econômica, o esvaziamento político-social de algumas categorias tipicamente modernas: o “estado-nação”, que enfraquecido, perde em controle econômico e fonte social de identidades coletivas; a crise da ciência moderna, enquanto razão universal, face à diversidade de tradições culturais não-ocidentais; o deslocamento do eixo da economia industrial para o âmbito da “informação”. O que se observa é um esforço dos cientistas sociais e historiadores em compreender as consequências políticas, culturais e éticas da formação de uma sociedade mundial.

    A cultura contemporânea em sua complexidade é simultaneamente tecnocientífica e mística, global e local, tecnológica e tradicional, democrática e fundamentalista, racional e dogmática. Assim sendo, ela reflete as novas maneiras de “organizar os mundos sociais” os quais estão ideologicamente fragmentados, esteticamente plurais, voltados ao espírito de “seita” em desfavor da “religião oficial”, economicamente integrados, interligados pelo regime tecnológico da comunicação em redes, com a hegemonia crescente da cultura de consumo e finalmente vivendo a crise de valores da atualidade: a perda das referências nacionais, ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas e éticas do nosso tempo. Nestas rápidas considerações, temos algumas características do cenário cultural contemporâneo.

    Na nossa época, a sociedade em que vivemos, continua sendo influenciada pelos ideais iluministas:
    – o sentido social de pertencimento,
    – as identidades culturais que partilhamos com os demais membros da comunidade, ainda são constituídas por influência da nacionalidade que nos abriga;
    – a imprensa, tornada possível pela reprodução tipográfica de Gutenberg, foi a principal responsável pela criação da “esfera pública burguesa”, este espaço democrático de livre intercâmbio de informações e troca de mercadorias;
    – o mercado e o comportamento econômico típicos da sociedade mundial, expansionista, integrada, interdependente, hegemônica, são aspectos que tem origem nos ideais do Pensamento Iluminista;
    – a crise do pensamento religioso, sua precária legitimidade nas modernas sociedades de consumo, remete ao processo de racionalização da vida social promovido pela ciência e técnica modernas;
    – a necessidade política da divisão, autonomia e equilíbrio dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário) como fator de manutenção do regime democrático, faz-nos voltar às páginas de “L’Esprit des Lois” do Barão de Montesquieu, este precursor iluminista da ciência política contemporânea;
    – o caráter secular do pensamento (a laicização da cultura), segundo os Iluministas, uma etapa necessária ao progresso da humanidade; finalmente,
    – a descoberta da “razão histórica” (“leis da história” que controlam o devenir) que nos levaria ao desenvolvimento econômico, social, político e individual, à plena realização da “natureza humana”, da sua racionalidade, do seu progresso intelectual.

    Pelo visto, a influência do Iluminismo sobre o mundo contemporâneo pode ser encontrada nos vários domínios da vida social. Nós, os cidadãos das sociedades democráticas, com seus parlamentos, seu estado de direito, sua economia de mercado, com o incrível avanço tecnológico que logramos, somos herdeiros dos chamados filósofos das luzes.

    Se por um lado é possível associar a herança cultural do Iluminismo ao progresso econômico e social, às liberdades políticas e conquistas democráticas, ao estado de direito, às luzes da razão e da técnica, ao declínio da concepção medieval do mundo (geocêntrica, teocêntrica, clerical, arbitrária), por outro lado, é necessário reconhecer o caráter secular (“desencantamento do mundo” - universo como máquina) da herança intelectual do Iluminismo.

    Em outras palavras, a racionalização da visão de mundo europeia que surge com o trabalho intelectual de iluministas como René Descartes, Francis Bacon, Galileu, Kepler, Newton, promoveu uma cultura baseada na “secularização da consciência”, na “geometrização do espaço” e no “mecanicismo científico”. Estes aspectos da herança iluminista refletem o rompimento com a Ideologia religiosa dominante e, por decorrência, a formação daquilo que foi celebrizado e mitificado na modernidade como sendo a “autonomia da razão”, as “luzes da razão”, uma concepção mecanicista, materialista e desencantada do mundo, da vida e do universo.

    Trata-se do esvaziamento da alma do mundo, da sua explicação por razões estritamente materiais, onde “a matéria explica a matéria” e o universo é unidimensional. Assim, a ciência moderna esta filha legítima do Iluminismo nasce do trabalho científico de Galileu, da aplicação do cálculo aos fenômenos astronômicos e da física clássica desenvolvida pelo físico inglês Isaac Newton. A partir deste modelo do universo regido por leis matemáticas é estabelecido o “materialismo científico”, a ciência objetivista e linear.

    As principais teorias e concepções científicas do século 19, o positivismo, o evolucionismo, o marxismo, tiveram a marca do legado iluminista, ao mesmo tempo progressista, racionalista e experimental. A imagem do mundo projetada por esta cultura científica não contemplava a possibilidade de qualquer realidade fora do domínio “material”. Ou seja, a “matéria objetiva” era a “única dimensão” que poderia ser explicada através do experimento em laboratório, da verificabilidade racional das causas dos fenômenos naturais, do controle de suas variáveis por meio do cálculo, da comprovação das leis que regem os fenômenos naturais, físicos, biológicos ou sociais.

    Neste contexto do século das luzes, na França onde o Iluminismo assumiu sua feição intelectual mais vigorosa, o Espiritismo é elaborado pelo iluminista-romântico Allan Kardec. No “Caráter da Revelação Espírita”, verdadeiro tratado de epistemologia do Espiritismo, Kardec define que a natureza deste último:
    “É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas”. (Kardec, 1990:20)

    Pelo que se observa neste trecho do capítulo I do livro “La Genèse, Les Miracles et Les Prédictions Selon le Spiritisme”, publicado em Paris aos 6 de janeiro de 1868, torna-se evidente a herança intelectual Iluminista do Espiritismo.

    Na segunda metade do século 19 — período do trabalho intelectual-espírita de Allan Kardec (1854 a1869) — já era do domínio científico as principais noções, metodologias e conceitos que foram trazidos pelo Iluminismo: a teoria do progresso da natureza humana, a racionalidade e a experimentação como métodos da Ciência, a racionalização da vida social, a noção de leis universais que regem o desenvolvimento da humanidade, o evolucionismo biológico, as noções de contrato social, educação racional, legalismo e estado de direito, justiça social, direitos individuais e outras.

    Conforme visto acima, Allan Kardec não apenas reconhecia o papel fundamental do método positivo no avanço e consolidação da ciência moderna, como também desenvolveu procedimentos para empregar tal método em seus estudos dos fenômenos espíritas. Vivendo à época da ciência positiva, contemporâneo de Augusto Comte, Kardec soube submeter à observação os fatos espíritas objetivos, à comparação, os dados e informações espirituais, aplicar o princípio classificatório na escala espírita, encontrar a causalidade racional dos fenômenos mediúnicos através de estudo rigoroso das suas várias hipóteses de explicação, manter os conceitos espíritas na racionalização lógica e coerente.

    Observando o aspecto metodológico do trabalho investigativo de Allan Kardec, é possível constatar a significativa influência das principais vertentes do pensamento iluminista (racionalismo, experimentalismo, evolucionismo) sobre o Espiritismo.

    Todavia, não apenas no método de elaboração o Espiritismo é herdeiro do pensamento iluminista, o é também em toda a teoria espírita. Em “O Livro dos Espíritos”, obra que contém a formulação da codificação kardeciana resumida em capítulos, encontramos a sua parte terceira dedicada exclusivamente às “Leis Morais”, todas elas concebidas, estudadas, utilizadas e defendidas pelo Iluminismo. Pensadores como Rousseau no seu “O Contrato Social”, Montesquieu em “O Espírito das Leis”, Maquiavel em “O Príncipe”, Descartes em “O Discurso do Método”, Voltaire, Diderot e muitos outros Iluministas escreveram sobre as “Leis históricas do devenir”, Leis da sociedade, Lei do Progresso, de Igualdade, de Liberdade, de Justiça e outras.

    A noção de Leis da História, do desenvolvimento da humanidade, do aperfeiçoamento racional da natureza humana, do progresso da sociedade, foram ideias fundamentais ao pensamento e práxis do movimento intelectual e político das Luzes. A Visão que o Espiritismo proporciona da evolução da humanidade é, neste sentido das leis, iluminista, uma abordagem não teológica do progresso, que rompe com a ideia da suposta intervenção constante e pessoal de Deus na História.

    Ao contrário disso, o Espiritismo assume uma feição naturalista, isto é, concebe a evolução da vida e da humanidade por meio de leis naturais, entre elas a reencarnação e a influência recíproca dos diferentes planos da vida. A Teologia conheceu a sua maior crise na modernidade exatamente porque ignorava as leis naturais, todas elas divinas e progressivamente conhecidas pela humanidade.

    Portanto, o caráter iluminista do Espiritismo aparece no seu método, na sua compreensão da transformação da sociedade através da mudança do nível de consciência e da irresistível força do progresso (moral, social, antropológico), bem como no conhecimento racional das leis espirituais, sua aplicação no campo psicológico, das crenças, dos usos sociais, das instituições e dos valores econômicos, políticos e culturais.

    Em verdade, Allan Kardec, respirando o clima cultural da França do século das luzes, soube transcendê-lo. Trabalhando com um modelo epistemológico que estava à frente de seu tempo, Kardec desenvolveu, no diálogo com os espíritos, uma racionalidade aberta, complexa, integrada, que reunia interpretações filosóficas, dados objetivos da ciência de sua época, relatos etnográficos dos espíritos, empatia espiritual e a vivência de uma consciência religiosa autêntica e profunda.

    Enquanto o modelo da ciência positiva instaurou o império da “razão objetiva”, unidimensional e mecanicista, passando a considerar todo o conhecimento religioso um fóssil do passado, Allan Kardec, no intercâmbio com os “mortos”, descobrira formas de vida e matéria em outras frequências e planos. Deste diálogo com o desconhecido, foi possível desfazer o aparente abismo da transcendência.

    Desta forma, Allan Kardec com sua infidelidade ao paradigma cientificista da sua época, soube construir uma nova ciência, uma nova linguagem, que em muito superou os condicionamentos da ciência newton-cartesiana. Afinal, descrever formas de matéria cujo grau de eterização rompia com a física corpuscular de Newton, em pleno século 19, significou avançar na direção de uma Concepção Quântica do Universo.

    Sendo assim, o Espiritismo é por um lado iluminista, em seu conhecimento racional das leis que regem a evolução bio-psico-sócio-espiritual do gênero humano e por outro, é herdeiro da tradição filosófica do Romantismo, reencantando o mundo com os valores espirituais, com o amor e a fraternidade universais, com o significado profundo de cada nível evolutivo, em cada reencarnação, em cada ser, em toda individualidade, em diferentes esferas e manifestações da vida, na grande teia do universo que não é outra coisa senão o pensamento de Deus.

    O Espiritismo nasceu com a modernidade, no berço cultural da nova civilização industrial e democrática, na França da segunda metade do século 19 e, por consequência, disso traz em sua identidade a marca cultural desse contexto, sua síntese e superação. Graças ao espírito transcendental do pensamento de Kardec, a metodologia original que desenvolveu no estudo dos fenômenos espirituais (análise sintética, interface entre racionalidade e transcendência, verificação experimental e diálogo transcendental com os espíritos, análise dos fatos mediúnicos e interpretação complexa dos fenômenos espirituais em suas múltiplas dimensões), foi possível ao construtor do Espiritismo uma atitude intelectual autônoma face às limitações do materialismo filosófico e científico (Marxismo e Positivismo), ao dogmatismo religioso e a crença tradicionalista na fé cega (cristandade tradicional), SOUZA.

    A busca pelo desenvolvimento, seja dos países capitalistas ou mesmo ditatoriais, consiste em criar um complexo industrial sob o controle do Estado e suas burocracias; mantido pelos verdadeiros intelectuais que auxiliam no desenvolvimento da ciência, tecnologia, produz a literatura, a arte que domina os meios de comunicação.

    Os complexos industriais, estatais e “intelectuais” constituem a força dominante dos países nesse século com a predominância em alguns dos governos, da força estatal e em outros das corporações industriais e até mesmo do aparelho militar.

    Independentemente do rótulo de democracia capitalista ou socialista que detenham, todos buscam expandir seus domínios políticos , econômicos e sociais e com isso explorar sem medidas a natureza, os outros países e os seres humanos com características de expansão e exploração.

    O objetivo do desenvolvimento é o de conseguir um tipo de vida que se convencionou chamar de “boa vida”, que se caracteriza por:
    – eliminar os trabalhos braçais, pesados ou sujos, bem como o caminhar;
    – utilizar: roupas, aparelhos para o conforto extremo, inclusive na presença de alterações climáticas( conforto material );
    – privacidade no sentido de evitar as coisas de uso coletivo, eliminando a diversidade e encorajando os indivíduos a encapsular-se nos grupos iguais, da mesma classe social, profissão, raça, religião e/ou retirar-se em família;
    – amar o diferente, o estrangeiro, ouvir novas ideias, exigir um esforço de tolerância para o qual não se é educado;
    – em relação à segurança utilizar todo um aparato militar, seguro de vida e outros que preservam esse conforto, a privacidade, e o trabalho não braçal de forma a manter-se cada vez mais preservado tudo aquilo que as pessoas conseguiram ou a maioria, sendo a segurança direcionada para a elite ou para a maioria da população relacionada ao enfoque político de cada país e/ou grupo social.

    Foram as estruturas sociais que estabeleceram ao longo da história, através da força e da imposição, o cultivo de metas e valores, os quais estruturam a ideologia dessa mesma sociedade.

    A estrutura ideológica das sociedades do final do século 20, tem por base os seguintes princípios:
    – hierarquia entre os países, os povos e as famílias; aos superiores cabe o domínio, a decisão, a imposição de seus interesses, os quais, irradiam suas determinações para a base ou periferia;
    – progresso pelo crescimento, expansão e exploração leva à crise, conflitos e guerras;
    – conhecimento considerado verdadeiro, é obtido de forma dedutiva, dicotômica e atomística, as coisas são analisadas separadamente;
    – as relações pessoais são verticais e hierárquicas, competitivas e exploratórias;
    – as relações com a natureza são de dominação e exploração.

    O mau desenvolvimento dos países se reflete na sociedade, nos seres humanos, na natureza, nas estruturas comerciais e na sobrevivência.

    Na Sociedade:
    A superprodução, com a mecanização, a informatização e a falta de abastecimento, leva consequentemente ao desemprego, ao trabalho reduzido e à ociosidade. A distribuição é desigual, há injustiça por sexo e idade, os custos recaem sobre os mais pobres.
    As instituições e empresas tendem à centralização, ao aumento, tornando-se setorizadas. Promovem a autoexploração, as pessoas trabalham mais, não participam das decisões, não avaliam os resultados e só executam ordens, além de trabalharem acima da sua capacidade física e mental e, consequentemente, ficam esgotadas e doentes.
    O espectadorismo se reflete no isolamento da juventude e da velhice. As pessoas são mantidas como espectadores no esporte, só assistindo, na arte, vendo, nada para participar, realizar, conviver, ser envolvido.
    Em relação à cultura, a qual domina e é imposta, levando ao desprezo das culturas próprias dos povos indígenas e minorias, isto leva a eliminá-las ou destruí-las.

    Nos Seres Humanos:
    – o corpo: mergulhado no sistema social, trabalhando em serviços desinteressantes, desestimulantes e sem convivência afetiva, desenvolve doenças próprias do sistema como: moléstias cardiovasculares; câncer, enfermidades crônicas, agravadas pela falta de exercícios físicos e alimentação incorreta.
    – a mente: propícia a desordens mentais, suicídios e enfermidades crônicas.
    – o espírito: em consequência da despersonalização imposta pelo trabalho, pela falta de convivência entre as pessoas, especialmente de idades variadas e diferentes grupos sociais, étnicos e culturais, apáticos, com desesperança, refletem a falta de sentido na vida.

    Na Natureza:
    A destruição dos ecossistemas, pela falta de respeito às limitações naturais na busca pelo desenvolvimento, destrói e maltrata a terra, que perde a capacidade de reconstituição e torna a vida consequentemente impossível aos serem que a habitam.

    Nas Estruturas Comerciais Mundiais:
    Considerando que a sociedade deve perpetuar a sua hierarquia e reproduzir o seu sistema de expansão e exploração, mantendo-os, cria-se, através de marketing agressivo, necessidades para os povos dependentes e para o homem em sua individualidade. Ficando o consumidor a serviço da produção, ou seja, com o objetivo de aumentar as suas necessidades para alimentar o sistema. Assim, a ideia de que a produção e o consumo sejam decisivos a partir das necessidades reais das pessoas é uma ideia considerada subversiva, pois levaria a uma gestão econômica de que o máximo das necessidades se fizesse com um mínimo de trabalho, de capital e de recursos naturais.
    Fazer mais e viver melhor com menos, com produtos duráveis que poderão ter por muito tempo, daria ao ser humano possibilidades de se desenvolver como pessoa, ao invés de se preocupar em ter mais coisas e/ou coisas novas, segundo necessidades criadas artificialmente.

    Na Sobrevivência:
    As crises mundiais, segundo o modelo econômico que produzem discrepâncias derivam:
    – da grande produção, sem mercado;
    – da ameaça da competição entre países ou instituições;
    – das guerras de comércio, que fomentam guerras locais com motivos religiosos ou não.

    Propostas de mudanças na resolução de sintomas ou problemas criados pelo desenvolvimento que busca essa “boa vida”, surgem na estrutura social para resolvê-los, mas sem mudar de paradigma, ou seja, mantendo o par: expansão x exploração, reforçando a estrutura e a ideologia.

    As bases para as soluções são tentadas pelos governos socialistas ou capitalistas, com pequenas diferenças quanto à ênfase em um ou outro tipo de solução, que apenas mascaram ou encobrem os problemas.

    O poder tem sido exercido quase sempre de maneira autoritária, centralizadora, subjugando povos inteiros e manipulando a consciência humana, impondo regras para os costumes e os comportamentos sociais.

    Mesmo assim, e apesar disso, o livre-arbítrio e a liberdade individual têm sido o ideal e a esperança desejada por todos os povos e, sempre que essas condições deixaram de ser respeitadas, ultrapassando-se o grau de liberdade, o direito de cada um e as tradições de cada povo, o Homem se aviltou e a suja sociedade sucumbiu.

    Talvez, angustiado pela sua fragilidade e perplexo diante da Natureza que o cerca, o homem desenvolveu um caráter místico e transcendente. Ao criar suas tradições e crenças religiosas, ele estabeleceu regras que disciplinaram a ética e a moral fazendo-o distinguir o comportamento certo do errado e o objeto sagrado do profano.

    Porém, a maioria das religiões que deveriam abrir a mente humana favorecendo as conquistas espirituais para todos, quase sempre, se constituiu em doutrinas sectárias que estabeleceram limites rígidos de liberdade física e psicológica. E, quase todas, criaram um sistema de troca de favores com Deus ou com suas divindades, ignoraram o princípio de igualdade entre os homens perante Deus, estabelecendo um sistema hierárquico entre seus sacerdotes e uma escala de privilégios entre seus seguidores.

    Por isso, ainda hoje, o fanatismo religioso serve de argumento para oprimir e segregar a mulher nos países muçulmanos, para separar em dezenas de grupos o mesmo povo na Índia, ou para guerrear e matar na Palestina.

    Na atualidade, uma transformação social profunda através da religião só ocorrerá quando cada um por si mesmo realizar sua reforma interior. O homem terá que desenvolver sua segurança através da sua autoconfiança. Ele terá que se libertar das amarras culturais e dos preconceitos, de mitos, crendices e dos estigmas sociais. Ele terá que saber que pode aprender de tudo, mas só deverá vivenciar o melhor.

    Ele terá que evoluir por experiência própria e decidir por si mesmo os seus caminhos e as suas companhias. Suas relações com seus semelhantes e com o meio onde respira a vida deverão ser de cordialidade, de cooperação, de parceria solidária uns com os outros.

    Por enquanto, o homem ainda vive e convive com os mesmos costumes primitivos que colocam uns contra os outros, na disputa do poder, na ostentação de valores materiais ou na permissividade de vícios ou paixões sem limites.

    Nas últimas décadas, transformações sociais gigantescas e rápidas ultrapassaram qualquer previsão calculada e atropelaram qualquer controle político ou cultural. Curiosamente, ao lado de ganhos tecnológicos espantosos, o homem atual vive um paradoxo de perdas morais. Dispondo de conhecimentos para alimentar todos os que têm fome, ele se entrega à fartura, aumentando a mortalidade pela obesidade por comer demais. Contando com pílulas para controlar a concepção, ele descontrola a licenciosidade sexual e aumenta o número de adolescentes grávidas. Conhecendo as drogas que sanearam a loucura, esvaziando os hospícios, aumentam os que consomem drogas na rua, exigindo, pela violência, que os que são sadios se tranquem em casa para não morrerem.

    Decodificando o DNA para identificar com precisão a paternidade, desconhecemos qualquer código moral que nos oriente no que fazer com milhares de embriões de proveta, que permanecerão sem pais. Mesmo conhecendo os primores da técnica cirúrgica que embeleza, optamos, muitas vezes, por matar um feto malformado.

    O mesmo “laser” que “opera” na sala de cirurgia, para salvar vidas, é usado para matar nas “operações de guerra”.

    A televisão, que difunde cultura e divertimento, ensina as técnicas para matar, os golpes para roubar, as mentiras para enganar, estimula o sexo sem compromisso e exalta a família dissoluta, desunida, sem raízes e que debocha das tradições.

    O computador hoje está no endereço de todas as casas, a Internet destina a correspondência a todos os cantos da Terra, mas o homem parece que perdeu o endereço da sua consciência, do seu Deus e possivelmente do seu futuro.

    Permanecemos com a mesma fragilidade de antes porque sabemos escrever apenas a estória do nosso ontem. Já desvendamos milhões de anos sobre o nosso comportamento social, na mais remota Antiguidade e nos dias contemporâneos, mas somos incapazes de determinar com certeza como será nosso próximo minuto, e menos ainda o nosso amanhã.

    Resta-nos a esperança de uma nova era de transformações sociais mais profundas, que está para ocorrer com base nos valores transcendentes do ser humano, e com direito a todos de usufruí-la.

    Herculano Pires, em “O Espírito e o Tempo”, diz: “O Espiritismo não é nem pretende ser uma religião social, pelo que não disputa um lugar entre as igrejas e as seitas, mas quer ajudar as religiões a completarem a sua obra de espiritualização do mundo”.

    As mudanças radicais que colaboram para o acelerado avanço das tecnologias provocam e continuam gerando mudanças no perfil das pessoas, pelo estonteante desenvolvimento das mesmas e do acelerado volume de informações a que se tem presenciado.

    A antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar ao imaginário, modos de conhecimento e estilos de regulação social, ainda pouco estabilizados, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade inventado, segundo Pierre Lévy, em “As Tecnologias da Inteligência”.

    As tecnologias da informação, certamente, têm uma participação importante no processo de aumento do nível de informação que as pessoas atualmente têm apresentado a algumas décadas, o que pode facilitar o acesso e aumentar o esclarecimento de uma parcela da sociedade sobre certos princípios religiosos que pressupõem a abolição do raciocínio e do livre-arbítrio. O que poderá colaborar para um aprofundamento sobre o Espiritismo, por parte daquele que se dizem espíritas e também atrair outros que têm alguma informação sobre o caráter racional do Espiritismo.

    A sociedade da informação seria uma resposta à dinâmica da própria sociedade, dentro de um enfoque sistêmico, onde a interdisciplinaridade é fundamental.

    Sabe-se que os centros espíritas recebem muitos aflitos, domesticados e assustados com todo esse processo de desenvolvimento e esclarecimento, muitas vezes não coerentes com as formações específicas das religiões no mundo e, principalmente, no Brasil.

    Diante desse “público”, o Espiritismo deve estar preparado para apresentar, através do diálogo, seus princípios verdadeiros, ou melhor, a conduta do verdadeiro espírita: aquele que abraça uma religião em profundidade mas sem ter a garantida da salvação pela obediência, sendo ele responsável pela própria sorte.

    “O atendimento fraterno se caracteriza por aquela recepção que sabe ouvir, entender e encaminhar de forma positiva e sem promessas, ofertando a doutrina do Espiritismo que esclarece e conforta, mas sem obrigar ninguém a seguir esta ou aquela recomendação, decisão essa de foro íntimo de cada um”.

    Para esse atendimento são necessários: Boa vontade; ouvidos para ouvir; conhecimento doutrinário; conhecimento do centro espírita, noções de psicologia, falar apenas quando necessário, incentivando-o a conhecer a doutrina. Aqueles, em sua maioria, cidadãos conscientes que aceitam, em poucas palavras, reconhecer que toda a sua sorte presente é o resultado de suas obras passadas e que a condição de seu futuro, sob as regras do livre-arbítrio, dependem igualmente de suas ações.


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    Fonte: União das Sociedades Espíritas (USE) de Ribeirão Preto-SP. Material de apoio a palestras, coordenado pelo departamento de orientação doutrinária.
    URL: [http://www.userp.org.br/roteiros_2007.asp]

    Maria Solange Guarino Tavares, dirigente da USE de Ribeirão Preto-SP, possui graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professora titular da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro e professora titular da USP.
    E-mail: marciacr@eerp.usp.br

    Economia do que? Não em Educação


    Educacao-ch O educador Walter Takemoto rebate Gustavo Ioschpe que escreveu artigo no qual afirmava que aumentar salário de professor não significa melhora na qualidade da educação.

    Por Walter Takemoto na CAROS AMIGOS

    O Sr. Gustavo Ioschpe em entrevista ao portal Terra no dia 27 de abril (leia aqui) ao comentar as greves de professores em defesa do piso salarial nacional declarou que reajustar os salários do magistério não significa que a educação no país vai melhorar: aumentar salário de professores não é um caminho para a melhoria da qualidade da educação, afirmou ele. O Sr. Ioschpe, especialista e mestre em economia da educação nos EUA, declarou ainda "É surpreendente e decepcionante que o País perca tanto tempo com uma discussão que toda a experiência internacional e brasileira já demonstrou ser infrutífera."

    "Discuto essa questão com os professores para que compreendam a armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da qualidade da escola pública brasileira"

    Em encontros com professores eu costumo afirmar que reajustar os salários não significa que a aprendizagem dos alunos irá melhorar automaticamente, ou seja, se o magistério receber um reajuste de 100% não ocorrerá um impacto imediato de 100% na aprendizagem de matemática, ou nem mesmo de 10%. Pois, caso isso ocorresse, poderíamos concluir que antes os alunos não aprendiam por uma decisão deliberada dos professores, como forma de protesto pelos baixos salários. E isso seria criminoso, por representar destruir o futuro de milhões de crianças e adolescentes (a grande maioria pobres), que não possuem nenhuma responsabilidade pelas decisões dos gestores e governantes.
    Uma atitude desse tipo seria comparável ao médico que deixa parte dos seus pacientes morrerem por falta de tratamento para protestar contra o salário pago pelo SUS. Ou o engenheiro que sabota a construção do prédio para exigir aumento de salário, e coloca em risco a vida dos moradores.
    Discuto essa questão com os professores para que compreendam a armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da qualidade da escola pública brasileira. Essa vinculação é que abre espaço para que especialistas como o Sr. Ioschpe ofereçam os argumentos necessários para os que querem jogar sobre os salários pagos ao magistério o mal uso dos recursos destinados à educação.
    E ai aproveito para perguntar ao Sr. Ioschpe: se reajustar os salários não vai elevar a qualidade da educação no país, mantê-los em níveis aviltantes vai contribuir para melhorar? As experiências educacionais internacionais que o senhor tanto estudou, comprovam que pagar baixo salário melhora a educação mais do que pagar salários dignos profissionalmente?
    Diz, ainda, o Sr. Ioschpe na entrevista “...trabalham em uma escola cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões e com férias mais longas, e ganha aquilo que é de se esperar para o seu nível de formação e carga horária. Enquanto não superarmos esses estereótipos e mistificações, a discussão nacional não vai pra frente. Estamos discutindo falsos problemas".
    De quais professores fala o Sr. Ioschpe? Dos que trabalham em escolas privada consideradas de excelência, que atende parte da elite

    "Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus desdobramentos"

    brasileira, que cobram mensalidades dos seus alunos que é muito superior ao que ganha na média o professor da escola pública, ou do custo aluno/ano estabelecido pelo FUNDEB?
    Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus desdobramentos.
    Segundo o censo escolar de 2009 do MEC/INEP, o Brasil conta atualmente com 1.882.961 professores atuando na educação básica.
    Do total de professores da educação básica 63,8% atuam em um único turno, que são os que o Sr. Ioschpe diz que “atuam em uma escola e cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões”, argumento que utiliza para defender que o salário pago aos docentes é compatível com o mercado. Na grande maioria esses docentes são os professores dos anos iniciais do ensino fundamental, contratados para uma jornada semanal de trabalho de 20 a 25 horas semanais, o que dificulta que possam acumular um outro contrato. São professores unidocentes ou polivantes, ou seja, são responsáveis por alfabetizar e ensinar todos os conteúdos curriculares para, em média, 35 crianças. São esses professores responsáveis, em grande parte, pelo futuro escolar dessas crianças, pois profissionalmente são responsáveis pelo complexo processo de alfabetização e letramento dos alunos, que muitos dos chamados especialistas em educação desconsideram quando se referem aos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
    E se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que passe a considerar em suas análises futuras: alfabetizar e ensinar 35 crianças é considerar que cada uma delas aprende em um processo e ritmo diferentes das demais, não sendo possível parametrizar e modelar técnicas que possibilitem ensinar todas ao mesmo tempo e do mesmo jeito, por mais que queiram impor essa concepção determinados especialistas.
    Os professores dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) são os professores especialistas, que em grande parte ministram uma única disciplina. Do total de professores dessa etapa da educação básica 66,3% atuam em até 5 turmas, ou seja, são responsáveis por ensinar para, em média, 175 alunos de escolas diferentes. E 17,8% dos professores atuam em mais de 9 turmas, o que representa ensinar para no mínimo 315 alunos!

    "E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações diferentes a cada dia"

    Será que o Sr. Ioschpe tem noção do que significa ter sob sua responsabilidade por volta de 250 alunos por semana? Organizar aulas, materiais, lidar com problemas dos alunos e os próprios problemas, improvisar diante da falta de recursos, se locomover de uma escola a outra, conviver com os problemas sociais da comunidade que atravessam os muros da escola e muitas vezes explodem na sala de aula, entre outros que desafiam a resistência pessoal e profissional dos docentes?
    E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações diferentes a cada dia, pois a complexidade das relações que se estabelecem entre professor-aluno, aluno-aluno e os fatos sociais locais ou não, interferem decisivamente na dinâmica das mesmas e, portanto, no contexto da sala de aula?
    Não quero aqui ser leviano e comparar o salário que é pago ao professor com o de outros profissionais, pois correria o risco de ser inconsequente.
    Importa dizer, como apontam pesquisas internacionais que o Sr. Ioschpe parece consultar e dar credibilidade, que o professor brasileiro recebe um dos piores salários pagos ao magistério no mundo, inclusive comparando com países com PIB mais baixo.
    E, por outro lado, em todo o mundo governantes e pesquisadores afirmam que a educação, principalmente a formal, é o principal recurso do qual dispõe a humanidade para fortalecer a democracia, implementar um modelo de desenvolvimento sustentável e mais justo socialmente, e reduzir as diferenças existentes entre os países e povos ricos e pobres.

    Fundamental

    Se a educação possui essa importância global, aqui no Brasil os governantes e os empresários dizem que o crescimento econômico verificado nos últimos anos não se sustentará sem que ocorra a melhoria efetiva da qualidade das escolas públicas, formando alunos que atendam aos desafios impostos pela competitividade da globalização e do mercado. São interesses fundamentalmente empresariais e econômicos, mas que demonstram o quanto a educação está no centro dos interesses de todos os setores sociais.
    Se a educação é fundamental para o país, estamos falando, portanto, dos professores das escolas públicas, aos quais o governo federal garantiu em lei um piso salarial nacional que no inicio de 2012 deveria ser de R$ 1.451,00 para uma jornada de 40 horas semanais e que, infelizmente, muitos governantes não cumprem o que determina a lei.

    Leis descumpridas

    O que diz o Sr. Ioschpe sobre os governantes que não cumprem a lei federal que determina o piso salarial como o menor salário a ser pago a um professor de escola pública? Nada! Se os governos estaduais e municipais cumprissem a lei do piso, inclusive criando planos de cargos, carreiras e remuneração que valorizem efetivamente o profissional da educação, não estaríamos aqui discutindo os salários aviltantes e nem os professores precisariam recorrer à greve, que sabemos o quanto é desgastante para o magistério e para os alunos e seus familiares. Bastaria os governantes fazerem o mínimo: cumprir a lei federal que instituiu o piso nacional como o menor salário a ser pago aos professores das escolas públicas que o desejo do Sr. Ioschpe seria atendido!
    E ai poderíamos estar discutindo outras questões que estão associadas à qualidade da escola pública, como:
    - qual o currículo adequado para os cursos de formação inicial de professores, que efetivamente garanta aos futuros profissionais o conhecimento didático necessário para que possam ensinar com qualidade a todos os alunos;
    - quais são as estratégias formativas mais adequadas, que possam substituir os estágios como hoje são desenvolvidos em grande parte das instituições formadoras, para que os futuros professores possam se apropriar da cultura escolar e profissional, na perspectiva de contribuir para que a escola possa se transformar em uma organização social flexível e permeável;
    - construir um amplo movimento de educadores, não subordinado aos órgãos governamentais, que debata nas escolas e comunidades o projeto educativo para o país que possa efetivamente orientar as políticas educacionais que são fundamentais para que a escola pública possa ser de qualidade;
    - debater com as comunidades, sindicatos, conselhos escolares, do Fundeb, e outras instituições e movimentos interessados em discutir a educação, quais devem ser as prioridades para investimentos dos recursos destinados à educação e que estão associados a qualidade do ensino e da aprendizagem.

    Debates

    Esses, e muitos outros temas, devem fazer parte permanentemente dos debates entre os profissionais da educação, e seus sindicatos, pois quem faz a educação são aqueles que cotidianamente estão nas escolas e salas de aula, portanto são os que podem, e devem, estar a frente das definições das políticas educacionais do nosso país. Caso contrário, veremos sempre os especialistas dizendo o que é importante para a educação, um pequeno grupo planejando as políticas educacionais e as prioridades para o país, alguns determinando como e quando serão implementadas, os educadores nas escolas executando o que mandaram ser feito, e os milhões de alunos sofrendo os efeitos perversos do que se decidiu em algum lugar distante das escolas.
    Isso não significa, como tenta nos fazer crer o Sr. Ioschpe, que a discussão salarial é perda de tempo, ou que os professores estão satisfeitos com a remuneração que recebem, e que falar em desinteresse pelo magistério é bobagem. Em todo o país grande parte dos professores são contratados em caráter precário, muitos lecionam disciplinas para as quais não foram formados em decorrência da dificuldade das secretarias de contratar professores habilitados em diversas especialidades, como física, química, matemática, biologia, entre outras. Por outro lado, como especialista em economia da educação deveria saber que quanto mais atrativos são os salários e os benefícios oferecidos, maior é a capacidade de se atrair e reter os profissionais mais qualificados. Não é por outro motivo que algumas das chamadas escolas privadas de excelência chegam a pagar salários superiores a R$ 10.000,00 mensais.

    Medidas concretas

    Finalizando, é preciso que a importância que se atribui à educação se converta em medidas concretas, valorizando a escola pública e seus educadores na mesma proporção da responsabilidade que se deposita na instituição escolar e seus profissionais. Da mesma forma que se avalia o professor e seus alunos, por meio das avaliações externas de desempenho, é preciso que a sociedade avalie os gestores, as políticas e as prioridades que definem, os modelos de gestão que adotam para o sistema de ensino e as relações que estabelecem com os educadores e as comunidades. Se a qualidade da educação tem como centro a escola pública (o que significa seus profissionais e alunos), é preciso não perder de vista que ela integra um sistema e, portanto, sofre as consequências das decisões que são tomadas no órgão central, que muitas vezes trata o desempenho escolar como responsabilidade única e exclusiva dos seus profissionais.
    Se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que saiba: muitos professores estão cansados, desiludidos de tanto ouvir que a educação é prioridade, e não perceberem essa importância se transformar em ações efetivas que mudem a realidade das escolas e salas de aula. Ou investimentos efetivos na valorização do trabalho que desenvolvem. O que garante os avanços que a escola pública vem tendo nos últimos anos é que, apesar de tudo que ao longo da história as elites e os governantes fizeram no nosso país para reduzir a qualidade da escola pública quando esta se tornou acessível para todos os pobres e excluídos, ainda existem muitos professores que teimam em militar pela profissão docente e a resistir por acreditarem que é possível uma outra escola pública. Diferente daquela que projeta o Sr. Ioschpe.



    Walter Takemoto é educador

    sábado, 19 de maio de 2012

    64 anos do Nakba: A limpeza étnica da Palestina e as responsabilidades ocidental e brasileira

    Por Idelber Avelar na REVISTA FORUM

    Imagens do êxodo palestino em 1948

    I -Palestina Árabe

    A derrota que os árabes impuseram ao domínio bizantino na Palestina, confirmado entre os anos 633 e 638 da era cristã, foi bem recebida pela população local, tanto por cristãos como por judeus e samaritanos, que ainda eram grupos numericamente importantes na região. Estes últimos grupos tinham todos os motivos para preferir a organização árabe, vítimas que já eram da intensa perseguição cristã, que só pioraria com os séculos (aliás, no início do período árabe na Palestina—que se estenderia pelos próximos 1.300 anos–, uma pequena população judaica voltaria a se estabelecer em paz em Jerusalém, depois de 500 anos de ausência, que datavam da sangrenta expulsão que os romanos lhe haviam imposto no segundo século da era cristã). O período árabe também foi bem recebido pelos cristãos da região, que “eram arameus [e] não ficaram incomodados pela organização árabe, pois a etnia era semelhante, de origem semítica”, não tendo eles “motivos para gostar da administração bizantina, de origem romana, não semítica”1. Na Palestina árabe, apesar de um imposto específico para judeus e cristãos, eles gozavam de proteção como “Povos do Livro”, e a atmosfera não tinha muito em comum com o regime de terrorífica perseguição que se instalaria nas regiões controladas pelo Cristianismo. A Sura 2 de Maomé explicitamente rejeita a conversão e o proselitismo violento: “Não obrigueis ninguém em assuntos de religião”. A violência sectária só voltaria a se disseminar na Terra Santa com as empresas cristãs de conquista conhecidas como Cruzadas, a primeira das quais foi proclamada pelo Papa Urbano II em 1095 e resultou no estabelecimento do “Reino de Jerusalém”, em 1099, uma fortaleza de reduzidas relações com seu entorno árabe, ironicamente semelhante, neste aspecto, ao enjaulamento que as construções israelenses ilegais hoje impõem a Jerusalém.
    As cruzadas à Palestina enfrentariam os muçulmanos locais aos invasores cristãos, com a pequena população judaica da região frequentemente lutando ao lado daqueles contra estes, como em 1099, em Jerusalém, e em 1100, em Haifa. No século XII, na época da Segunda Cruzada, os muçulmanos se reunificam politicamente sob o comando do General Saladino, curdo nascido em Cairo. Saladino recupera Damasco (1174), Acre, Jafa, Beirute, e a própria Jerusalém, em 1187. Na Terceira Cruzada, Ricardo Coração de Leão derrotaria Saladino, forçando-o a negociar e celebrar o tratado de paz que “abriu caminho a um período de calmaria militar e tolerância religiosa na Palestina”2, permitindo aos cristãos visitar os lugares sagrados. A Quarta Cruzada (1199) planejava tomar o Egito por mar, mas fez um desvio para a região da atual Turquia, instalando o Império Latino de Constantinopla. A Palestina só voltaria a ser afetada pela Cruzada de Federico II que, conhecedor da língua árabe, foi capaz de “obter do sultão a entrega pacífica, embora condicionada, de várias terras e das cidades de Belém, Nazaré e Jerusalém, onde o imperador entrou e foi coroado em 1229”3. Já em 1244, Jerusalém voltaria ao poder dos árabes, e o último reduto cristão na Palestina, São João de Acre, cairia em 1291. O controle de toda a área entre o Jordão e o Mar Mediterrâneo—os atuais territórios de Israel e da Palestina Ocupada—permaneceria em mãos árabes até a invasão turco-otomana, em 1517. Mesmo durante o período marcado pela sua incorporação ao Império Turco-Otomano (de 1517 até 1917, com uma interrupção egípcia durante a década de 1830), a Palestina manteria sua enorme maioria árabe, organizada segundo laços sociais bem arraigados na região, que o império turco não alteraria significativamente.
    As sucessivas demonstrações de desmemória na política ocidental para o Oriente Médio contrastam com o forte arraigo que certos eventos históricos possuem na reminiscência das massas árabes. Em 1993, acusado de estar celebrando com os israelenses, em Oslo, um tratado que não concedia nada aos palestinos e o instalava na posição de cão de guarda de Israel, o líder Yasser Arafat insistia, um pouco pateticamente (dadas as condições em que negociava), que ele não celebraria qualquer paz, mas “a paz de Saladino”. O leitor dos EUA não tinha a menor noção do que se referenciava ali, mas o povo árabe não deixava de notar a ironia involuntária da impotente insistência de Arafat na menção a Saladino. Antes de entrar no período histórico que imediatamente influencia o curso dos acontecimentos que nos ocupam, portanto, é boa ideia lembrar alguns fatos que se desprendem desse esquemático sumário de alguns séculos de história palestina. Inicia-se no século VII uma intensa arabização da região, que já era visível em séculos anteriores a Maomé, mas que solidifica suas raízes com a chegada dos árabes a Jerusalém, em 638, e a construção da mesquita Al-Aqsa. Durante os próximos 1.300 anos os árabes serão a grande maioria em toda a região da Palestina. No período das Cruzadas, estima-se que havia em torno de 1.000 famílias judias na região.4 Em 1914, já depois das primeiras ondas migratórias estimuladas pelo sionismo, a Palestina (ainda, naquele momento, sob domínio otomano) tinha uma população de 657.000 árabes muçulmanos, 81.000 árabes cristãos e 59.000 judeus.5 De acordo com o censo da Palestina de 1922, feito pelos britânicos, a população era 78% muçulmana, 9,6% cristã (árabe, claro) e 11% judaica. No entanto, no jornalismo “ponderado” sobre a região, mesmo depois de 60 anos de limpeza étnica e 43 anos de ocupação ilegal, você verá desinformados funcionários da grande mídia dissertando, “mui ponderadamente”, sobre os “direitos” dos dois povos sobre a Palestina.
    O domínio otomano sobre a Palestina dura de 1517 a 1917, com uma interrupção de 10 anos de administração egípcia na década de 1830. A submissão ao império turco não altera de forma significativa o regime de posse baseado na renda agrícola das terras, já visível no período do sultanato, anterior aos otomanos. Esse sistema relativamente descentralizado de vilas e aldeias, com arrecadação por senhores de terras e trabalho de cultivo por lavradores, arraiga-se na região e ajuda a explicar o terror dos palestinos com—e sua impotência para se defender contra—a violenta campanha de confisco de terras e separação de raças que se inicia com o armamento dos sionistas, nas décadas que antecedem a fundação do estado de Israel. Nas primeiras décadas do século XX, o sionismo armado traria à região um modelo eminentemente europeu de organização territorial e compreensão do espaço, caracterizado pela acumulação, posse e construção de barrreiras fronteiriças. Munidos desse olhar que historicamente relativiza os fatos, nos preparamos para explicar alguns “mistérios” que cercam a história recente: como foi possível que metade de uma população árabe palestina que já se media em bem mais de um milhão tenha sido expulsa tão rapidamente por algumas dezenas de milhares de colonos sionistas? Como foi possível que o nascente estado judeu tenha adquirido uma supremacia tão incontestável no conflito com seus vizinhos árabes e com os palestinos? Para repetir a pergunta que abre um artigo já clássico de Walid Khalidi: Por que os palestinos foram embora?6Observando a realidade relativamente fluida de comunicação entre as aldeias árabes, a intensa organização acumuladora de terras e de armas entre os colonos sionistas e o papel das grandes potências–particularmente da Grã-Bretanha—no processo, começamos a vislumbrar a explicação, que só se completará, claro, com um estudo do que aconteceu em 1948. A compreensão dessa diferença nos regimes de posse da terra, no entanto, é parte da explicação da vitória sionista. Essa explicação, aliás, não tem a menor necessidade de recorrer a estereótipos antissemitas do judeu mais esperto ou conspirador, nem a estereótipos antissemitas do árabe mais atrasado ou indolente, nem a falsificações da mitologia oficial israelense, que repetiram durante décadas que os palestinos saíram voluntariamente ou obedecendo a misteriosas ordens radiofônicas dos próprios árabes, mentiras já cabalmente corrigidas pela própria historiografia israelense.
    531 aldeias palestinas foram destruídas no Nakba

    II – Da Declaração de Balfour (1917) à Palestina do Mandato Britânico (1922-48)

    Quando se estuda o processo histórico pelo qual se chegou à atual, desastrada situação na Terra Santa, salta aos olhos a responsabilidade das potências ocidentais que, ao longo do século XX (para nos atermos à história mais recente), jogaram um jogo duplo, perigoso e marcado pela reversão do que se havia dito antes. Pensando em seu próprio interesse e em completa desconsideração pelo destino de milhões de civis inocentes, a Grã-Bretanha literalmente toca fogo na região, ao fazer promessas contraditórias aos povos árabes e ao movimento sionista. O reino de Sua Majestade não possui sequer a desculpa de que se tratava de uma causa nobre. Era 1916 e 1917, e tratava-se da consolidação de sua coalizão na Primeira Guerra Mundial. Ao contrário da Segunda Guerra, defensável como reação legítima à agressão nazi-fascista, a Primeira é um típico conflito napoleônico-clausewitziano moderno, um choque entre impérios. A Turquia, aliada dos alemães, mantinha a Palestina árabe sob o seu império otomano (como se viu acima, um jugo relativamente frouxo, onde a vida palestina seguia com considerável autonomia, situação que nem de longe tinha nada em comum com o horror das posteriores expulsão e ocupação israelenses). Interessada em atrair os árabes, a Grã-Bretanha promete para depois da guerra, em correspondência oficial entre Sir Henry Mac Mahon e o xeque Hussein, de Meca, a criação de um estado independente nas províncias do império turco em que se falava o árabe. A luta dos árabes contra a dominação otomana acabaria sendo decisiva para a vitória de seus aliados britânicos naquele front. Toda a evidência histórica demonstra que as lideranças árabes esperavam que os britânicos cumprissem sua palavra e confirmassem o estado árabe independente depois da guerra. Não foi o que aconteceu.
    Ter prometido algo aos árabes não impediu que a Grã-Bretanha celebrasse com a sua aliada França um tratado contraditório com a promessa anterior. Os acordos de Sykes-Picot, de 1916, entre Grã-Bretanha e França, reservavam aos franceses a Síria e o Líbano. Em 1917, as forças otomanas se rendem ao general britânico Allenby em Jerusalém e em 1918 se confirma o fim do regime otomano na Palestina. O Tratado de Versalhes, de 1919, selaria o arranjo de Sykes-Picot entre França e Grã-Bretanha, deixando aos britânicos a área da Jordânia (então chamada de Transjordânia), do Iraque e da Palestina. A Liga das Nações, fundada depois da guerra, avalizaria esse arranjo, segundo o qual as duas potências ocidentais se responsabilizariam por um “mandato” temporário sobre essas regiões, até a sua independência formal. Em 22 de julho de 1922, a Liga das Nações aprova o mandato britânico na Palestina, que deixaria como legado o progressivo armamento dos colonizadores sionistas e a catástrofe palestina de 1948.
    Ao mesmo tempo em que prometia independência aos árabes, o império britânico fazia sua famosa promessa ao movimento sionista internacional, a Declaração de Balfour (1917), patentemente contraditória com a promessa feita aos árabes e com o próprio arranjo subjacente a Sykes-Picot e a Versalhes. Enviada pelo secretário exterior britânico Arthur James Balfour ao Barão Rotschild, para transmissão à Federação Sionista da Grã-Bretanha e da Irlanda, a declaração mudaria a história do Oriente Médio: “O governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e usará seus melhores esforços para facilitar a realização desse objetivo, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judias existentes na Palestina, ou os direitos e status político desfrutados por judeus em qualquer outro país”. Apesar de que a declaração mencionava a preservação de todos os direitos da população nativa, é evidente que “Balfour não tinha nenhum interesse em consultar os árabes da Palestina acerca de seu futuro”7. Em suas memórias, Lloyd-George, primeiro-ministro em 1917, se refere à declaração como uma recompensa a Chaim Weizmann, um dos líderes sionistas mais importantes daquele momento (depois primeiro presidente de Israel) e químico que havia desenvolvido um método de sintetizar a acetona na produção de pólvora. A declaração também está inserida na tentativa de mobilizar as comunidades judaicas da Rússia e dos EUA no apoio aos esforços de guerra britânicos, e termina sendo um enorme estímulo ao movimento sionista. Depois da vitória aliada, o próprio Chaim Weizmann participaria da Conferência de Paz de Paris, em 1919, clamando por uma “Palestina tão judia como a Inglaterra é inglesa”8, num momento em que os judeus representavam não mais que 10% da população da Palestina. No ano seguinte, fundava-se na Palestina a Hagana, organização paramilitar judaica depois responsável pelo extermínio ou limpeza étnica de centenas de aldeias palestinas.
    Só depois de três décadas (1880-1910) de migração, compra de terras e armamento sionistas é que aparecem os primeiros registros de preocupação entre as lideranças palestinas. Em 06 de maio de 1911, o palestino e membro do parlamento otomano, Said al-Husayni, apontava que “os judeus planejam criar um estado na área que incluirá a Palestina, a Síria e o Iraque”9. Segundo o historiador israelense Ilan Pappe, já entre 1905 e 1910 há alguma evidência de discussão, entre líderes palestinos, do fenômeno do sionismo como movimento político que acumulava poder e terra. Mas só a partir da queda do regime otomano na Palestina (1917) e o começo do período britânico (ocupação em 1918, mandato da Liga das Nações em 1922), o movimento sionista se lançaria paulatinamente a um plano de limpeza étnica dos árabes. Ali passa a ser visível a preocupação sistemática e, por vezes, o pânico das lideranças palestinas com as ondas migratórias, a acumulação de terras e a violência física que se iniciava. Mas ao longo das duas últimas décadas do século XIX e das duas primeiras do século XX, a imigração sionista não esteve entre as grandes preocupações dos palestinos.
    Campo de refugiados Nahr al-Barid, Líbano, inverno de 1948

    Na década de 1920, os palestinos representavam ainda uma maioria de 80% a 90% na região. A tentativa inglesa de construir estruturas paritárias que reconciliassem as promessas contraditórias feitas por eles ao povo árabe e ao movimento sionista encontrou compreensível resistência entre os palestinos, que “se recusaram, no começo, a aceitar a sugestão britânica de paridade, especialmente uma paridade que os colocava na prática em desvantagem—o que incentivou os líderes sionistas a endossarem-na”10. Começa a se desenhar ali um paradigma que seria reconhecível até os dias de hoje: 1) instala-se uma mediação ocidental que recomenda uma solução patentemente favorável ao sionismo; 2) os árabes protestam, apontando, como no caso em questão, que a paridade entre um povo que representa 90% da população e outro que totaliza 10% contraria o mais elementar princípio da democracia; 3) a liderança sionista, com intenso trabalho de relações públicas, manifesta concordância tática com a solução apresentada, sabendo que a recusa árabe os coloca na posição de, ao mesmo tempo, aceitar um plano e não se comprometer com ele; 4) enfraquecidos politica e militarmente, os representantes árabes voltam atrás e aceitam a solução originalmente apresentada pela potência ocidental; 5) ante a concordância árabe com o plano, é a vez da liderança sionista dizer que a solução lhe é inaceitável, o que lhe permite arrastar o impasse e, a partir de sua posição de força, aboncanhar mais e mais, ao mesmo tempo em que adia outra vez uma solução definitiva; a vitória não impede que a liderança sionista prolongue o impasse, reinstalado por um aumento das suas exigências; 6) esse prolongamento faz com que todo o ciclo se reinicie, com mais concessões árabes e mais impasse, até o ponto a que chegamos hoje, em que a população palestina já não tem o que oferecer, exceto alguma forma mágica de desaparição. Esse filme se repete com macabra previsibilidade, ante o olhar conivente das potências cúmplices (Grã-Bretanha e, depois, os EUA), desde 1928, vinte anos antes da fundação do estado de Israel. É a data em que as lideranças palestinas, “apreensivas com a crescente imigração judia ao país e com a expansão de seus assentamentos colonizadores, concordam com a fórmula [paritária] como uma base para as negociações”11. É a data em que os sionistas já não a aceitam e os britânicos permanecem de braços cruzados. Esses mesmos sete passos se repetirão em 1947-48, no episódio que os apologistas da ocupação israelense descrevem como o momento em que as Nações Unidas ofereceram um plano de partição “que os judeus aceitaram e os árabes recusaram”. Já veremos adiante todo o contexto que essa frase omite.
    Entre 1924 e 1928 chegam mais 67.000 judeus (metade dos quais oriundos da Polônia), elevando a população judaica para 16% do total da Palestina do Mandato. Naquele momento, os judeus são donos de 4% da terra na Palestina. O censo de 1931 registra uma população de 1,03 milhão de almas, 16,9% judeus. A não implementação, por parte da Grã-Bretanha, da fórmula paritária que ela própria havia proposto, leva à rebelião árabe de 1929, o primeiro grande sinal de descontentamento com a política imposta no Mandato. Imagine um povo que representa quase 85% da população se rebelando, em sua própria terra, para ter a paridade que lhe havia sido proposta com os outros 15% que acabavam de chegar. Agora imagine que a autoridade administrativa responsável pela proposta se beneficiara da colaboração desse povo, como aliado seu, numa guerra mundial, e que a moeda de troca oferecida por essa colaboração não era paridade nenhuma, mas um estado seu, autônomo, em suas terras. Com isso você terá os elementos centrais para entender a primeira rebelião de desobediência civil árabe na Palestina moderna. Os confrontos em torno ao Muro das Lamentações em 1929 levam à morte de 133 judeus e 116 árabes, a maioria por mãos inglesas.12 Em 1931, funda-se o Irgun, outra organização paramilitar judia que se caracterizaria pelos ataques sangrentos aos árabes.
    Ao se completar uma década e meia da queda do regime otomano e uma década da implantação do Mandato Britânico na Palestina, vão se configurando os elementos que produziriam a tragédia: 1) o fim da ameaça otomana ao sionismo, que depois de 15 anos já não tem que temer qualquer eventual expulsão sua da Palestina vinda do regime de Istambul; 2) o pesado armamento de grupos paramilitares sionistas como a Hagana e o Irgun, que vão acentuando a escolha por conquista e violência; 3) a perplexidade das lideranças palestinas, arraigadas em séculos de organização social descentralizada e não equipadas por sua experiência para se contrapor de forma efetiva à ofensiva territorial e armamentista do sionismo; 4) a incapacidade de setores das elites árabes de perceber a natureza do fenômeno sionista, vendo-o muito mais como uma “tentativa irresponsável por parte da Europa de transferir ao país o seu povo mais pobre e sem estado”13; e evidentemente 5) a subida ao poder do Partido Nacional Socialista alemão, que em menos de uma década alçaria 19 séculos de antissemitismo a níveis jamais vistos, com a intensa campanha de perseguições, agressões bélicas e matanças que culmina, já numa Europa em guerra, com o genocídio de 6 milhões de judeus.
    Poster da organização paramilitar judaica Irgun, 1937

    Qual é, então, a Palestina que assiste à invasão hitlerista da Polônia que dá início à Segunda Guerra Mundial em 1939? Robert Fisk acerta ao descrevê-la como presa a uma “atmosfera de suspeita, paranóia e intenso sofrimento”, tanto para árabes como para judeus, “os primeiros com medo de a Grã-Bretanha acabar autorizando a fundação do estado israelense em suas terras, e os segundos observando a aniquilação de sua raça na Europa”14. Não há dúvidas de que, na medida em que vão ficando visíveis as dimensões do Holocausto judeu na Europa, reforça-se a percepção sionista de que a implantação de seu estado na Palestina é uma questão de sobrevivência. Mas antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial, em 1938, a voz de historiadores como George Antonius já se levantava contra a eventual “resolução” do problema às custas dos árabes palestinos:
    O tratamento dado aos judeus da Alemanha e outros países europeus é uma vergonha para seus autores e para a civilização moderna; mas a posteridade não exonerará nenhum país que não consiga enfrentar sua parte dos sacrifícios necessários para aliviar o sofrimento e a angústia dos judeus. Impor a maior parte da carga à Palestina árabe é uma miserável forma de esquivar-se das responsabilidades que deveriam recair sobre todo o mundo civilizado. Também é moralmente vergonhoso. Nenhum código moral pode justificar a perseguição de um povo em uma tentativa de pôr fim à perseguição de outro. O remédio para a expulsão dos judeus da Alemanha não deve ser buscado na expulsão dos árabes de sua pátria; e também não se conseguirá o alívio da angústia dos judeus às custas da angústia de um povo inocente e pacífico.15
    Seria difícil formular o protesto em termos mais claros e moralmente firmes que os de Antonius. Suas palavras datam de 1938 e são, portanto, anteriores à guerra e aos horrores dos fornos crematórios nazistas; precedem, em uma década inteira, a fundação do estado de Israel e a expulsão de 750.000 palestinos de suas terras. Mais de sete décadas depois de enunciadas, elas ainda ecoam em sua atualidade e retidão ética.

    III – A responsabilidade da diplomacia brasileira no Nakba: Oswaldo Aranha

    Antes de transferir a questão da Palestina às mãos das Nações Unidas, em fevereiro de 1947, os ingleses apresentaram a proposta de um estado binacional, rejeitada pelos sionistas. Na mitologia oficial israelense, é frequente a referência à rejeição árabe do plano de partição apresentado pela ONU em 1947, mas é muito menos comum qualquer menção à rejeição sionista do plano inglês de um estado binacional. Já antes da transferência da questão à ONU, a liderança sionista tinha bastante claro que a Grã-Bretanha saía da Segunda Guerra Mundial como uma potência de segunda ordem, muito mais interessada, portanto, em abandonar o imbróglio da Palestina que em ajudar a resolvê-lo. Também já estava claro para os sionistas que só restavam os britânicos entre eles e a execução do plano de limpeza étnica, e que a saída britânica da região era iminente. O imperialismo ocidental mais uma vez largava um desastre de sua criação nas mãos de uma população nativa não equipada para resolvê-lo. Qualquer semelhança com o Iraque atual não é mera coincidência.
    O Brasil também tem sua responsabilidade histórica no arranjo que produz a catástrofe palestina. Foi Oswaldo Aranha, diplomata brasileiro, quem presidiu as discussões que levariam à fundação do estado de Israel. Até mesmo a hagiográfica biografia de Aranha escrita pelo norte-americano Stanley Hilton dá alguma ideia do que foram as manobras do diplomata brasileiro. Convocado pelo general Dutra em 1947, Aranha seria o representante brasileiro no Conselho de Segurança da recém fundada Organização das Nações Unidas. Depois, seria eleito presidente da sessão especial da Assembleia Geral encarregada de discutir o problema da Palestina. Aranha prometeria aos representantes árabes “plena liberdade de discussão” do tema, logo depois que a Assembleia rejeitara uma proposta árabe para que se incluísse na agenda a questão da independência da Palestina. Não foi o que aconteceu. Ante a observação do Grã Mufti de Jerusalém, de que “os judeus queriam se apoderar da Palestina para sua maior expansão na região”, Aranha retrucou que “a opinião do Mufti não me interessa”16. A recomendação do comitê enviado à Palestina foi favorável ao ponto de vista sionista, ou seja, a partilha, por uma maioria de sete votos (num total de onze). Mas na Asssembleia Geral, vinte países se abstiveram e a recomendação não teve os dois terços necessários. Hilton relata que os últimos dias de novembro foram de crescente tensão, e que apesar das declarações públicas de Aranha, de que não exerceria nenhuma influência, sua atuação nos bastidores era fortemente alinhada com os sionistas, fato reconhecido por Abba Eban, membro da equipe negociadora da Agência Judaica na ONU17.
    Quando a liderança sionista percebe que ainda não detinha a maioria, inicia uma manobra pelo adiamento da votação. Aranha “inteirado da situação, usou de sua autoridade para ajudar: quando terminaram alguns discursos protelatórios encomendados, anunciou ‘com irreverência’ que, sendo período de férias nos Estados Unidos, seria justo que a Assembleia o respeitasse e suspendeu a sessão”18. Quando se reabriram os trabalhos, no dia 29 de novembro, eram os árabes que sentiam que haviam perdido terreno. Tentaram adiar o voto. Aranha ignorou uma moção do Irã, que pedia um reexame da questão palestina e um adiamento dos trabalhos para janeiro de 1948. Aranha, que tinha “a mão mais rápida no martelo que já vi”, segundo a expressão de Abba Eban, procedeu a conduzir a votação, que aprovou a partição da Palestina por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções. Note-se aí, claro, a limitada representatividade da ONU naquele momento anterior à descolonização na África e Ásia. Os árabes, num padrão que se repetiria ao longo do anos, deixaram o espaço livre para os sionistas ao se retirarem do recinto. Chaim Weizmann, que seria o primeiro presidente de Israel, testemunhou a Aranha que “a sessão da Assembleia não poderia ter terminado com esta decisão histórica [...] se não fosse vosso esforço persistente e vossa devoção como presidente”19.
    Musa Kazim al-Husseini, ex-prefeito de Jerusalém, espancado por tropas inglesas

    Em 29 de novembro de 1947, quando a ONU adotou a resolução de partição da Palestina, os árabes representavam dois terços da população da região. Eles eram aproximadamente 90% no início do Mandato Britânico, em 1922. A partição proposta pelo Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP, pela sigla em inglês) concedia ao terço judeu nada menos que 56% do território, deixando aos dois terços árabes somente 44% da terra. Por pressões do Vaticano e das nações católicas, a resolução da partição reservava à cidade de Jerusalém (de população de 200.000 pessoas, divididas mais ou menos igualmente entre árabes e judeus) a condição de área internacionalmente governada. A divisão demográfica dos dois putativos países era bizarra: no estado árabe, deveriam viver 818.000 palestinos, hospedando 10.000 judeus. No estado judeu, viveriam 438.000 palestinos entre 499.000 judeus. Esse estado detinha a esmagadora maioria das terra férteis e, das 1.200 aldeias palestinas, aproximadamente 400 estavam incluídas em seu interior, sob soberania sionista20. Elaborada pelo UNSCOP, cujos membros não sabiam muito sobre a Palestina, a partição se transformaria na Resolução 181 da ONU. Não é de se estranhar que a liderança palestina do momento a rejeitasse. Com o boicote palestino ao UNSCOP, com certeza um erro político grave, a liderança sionista, de ampla superioridade bélica, se viu livre para dominar também o jogo diplomático.
    A amarga ironia da história, quando a vemos do ponto de vista árabe, é que, como já argumentou a própria historiografia israelense (Simcha Flapan, por exemplo), se os palestinos tivessem aceitado a partição, a liderança sionista com certeza a teria rejeitado21. Basta examinar as comunicações entre Ben-Gurion e a hierarquia sionista para ver como a rejeição árabe ao plano de partição permitiu ao sionismo aceitá-lo publicamente e ao mesmo tempo trabalhar contra ele. Logo depois da adoção da Resolução 181, Ben-Gurion afirmava ao círculo da liderança sionista que a rejeição árabe ao plano significava que “não há fronteiras territoriais para o futuro estado judeu” e que as fronteiras “serão determinadas pela força e não pela resolução de partição” (p.37). Respondendo a um líder sionista e ministro do exterior (Moshe Sharett) acerca das possibilidades de defender o seu território, Ben-Gurion afirmava: “seremos capazes não só de nos defendermos, mas de infligir golpes letais aos sírios em seu próprio país—e tomar a Palestina como um todo” (p.46). Essas comunicações, disponíveis para consulta nos próprios arquivos israelenses, demonstram claramente que a liderança sionista viu o plano de partição como uma conquista tática, que colocava em definitivo sobre a mesa a legitimidade de um estado judeu na Palestina e estabelecia um trampolim para conquistas posteriores. Essas conquistas, é certo, foram facilitadas pelo perplexo boicote palestino ao Comitê da ONU. Reitere-se, então, que as citações de Ben-Gurion acima são parte de uma ampla documentação que prova que a liderança sionista jogou um jogo duplo e não se comprometeu com a partição como fórmula definitiva. Isso jamais é mencionado pelos apologistas da ocupação de Israel que repetem a consigna de que “os judeus aceitaram a partição de 1947 e os árabes a rejeitaram” como justificativa dos crimes cometidos por Israel em 2010, e bem além dos limites dessa partição.
    Antes de descrever a expulsão dos palestinos de suas terras, mais um elemento do xadrez político legado pelo Mandato Britânico deve ser explicado: o acordo sionista-jordaniano que deixa os palestinos sem o apoio do principal exército árabe na Guerra de 1948 e à mercê do superior poder bélico sionista. Aliada dos ingleses na Primeira Guerra Mundial, a família real Hashemita havia recebido os reinos da Jordânia e do Iraque como recompensa por seus serviços. O que passou a ser conhecido como Transjordânia “era um pouco mais que um principado desértico e árido ao leste do Rio Jordão, cheio de tribos beduínas e aldeias circassianas” (p.43). As férteis terras da Palestina situadas a oeste do Rio Jordão, no que hoje é conhecido como Cisjordânia (ou seja, o grosso do território do que é, legalmente, a Palestina atual), passaram a ser objeto da cobiça da família real Hashemita. Havia poucos judeus ali, e entre 1946 e 1947 a realeza jordaniana e a liderança sionista chegaram um acordo: os jordanianos não interfeririam na guerra árabe-israelense que se avizinhava—promessa que os jordanianos cumpriram—e a região da Cisjordânia seria anexada pelo reino dos Hashemitas, sem interferência sionista—promessa que os israelenses quebraram em 1967, ao ocupar o território e mantê-lo sob seu controle, picotagem policial e colonização armada até hoje. Também ali se instalaria um paradigma repetido incontáveis vezes desde 1948. Acuados pelo poder superior dos sionistas, as elites árabes vizinhas rifavam os palestinos, deixando-os entregues à própria sorte num jogo no qual não tinham nenhuma chance. É mais um elemento da tragédia do Oriente Médio.
    Revisando os diários de Ben-Gurion e os arquivos israelenses posteriores à partição, o historiador Ilan Pappe encontra certa surpresa e júbilo entre a liderança sionista com o caráter limitado da reação palestina ao recorte de suas terras. Seguindo-se à Resolução 181, os palestinos se limitam a convocar uma greve geral de três dias, durante a qual a repressão inglesa foi duríssima. As revoltas árabes que aconteceram entre 1936 e 1939 deram também à organização paramilitar judia Hagana sua primeira experiência na execução das táticas militares aprendidas com a Grã-Bretanha. A destruição da liderança política palestina seria decisiva para o rumo posterior dos acontecimentos. O quadro que precede a guerra de 1948 é de intenso armamento sionista, coincidindo com um momento de particular fragilidade da liderança palestina, destroçada pela repressão britânica à revolta de 1936-39. No jogo diplomático, começa a pesar a consciência culpada da Europa, em choque com as dimensões gigantescas do Holocausto judeu, recém perpetrado. Quebrar as promessas feitas aos árabes era preço relativamente pequeno para expiar, às custas de outrem, a culpa européia pelo judeocídio. No xadrez político da região, o acordo sionista-jordaniano neutralizava o principal exército árabe. Em pânico com os constantes ataques dos grupos paramilitares judeus (Hagana, Irgun e Stern), a população autóctona, já em 1947, começa a perceber o poderio sionista como uma força imbatível. Estava aberto o caminho para a limpeza étnica da Palestina.

    IV – A preparação da expulsão

    Toda sorte de distorções e mitos já foram circulados sobre o que aconteceu na Palestina entre o final de 1947 e o começo de 1949. Na mitologia oficial israelense, no senso comum, no jornalismo mais venal ou preguiçoso, nas Wikipédias e até mesmo em livros embalados como se fossem de pesquisa historiográfica séria, essas distorções foram sedimentando uma coleção de narrativas que recorrem a falsificações não raro contraditórias entre si: 1) que o povo palestino como tal não existia; 2) que ele existia mas que saiu voluntariamente de suas terras em 1948; 3) que não saiu voluntariamente, mas que tampouco foi vítima do sionismo, pois abandonou suas aldeias atendendo a ordens radiofônicas dos próprios árabes; 4) no ramo da pseudo-historiografia sem-vergonha, paga para mentir, já apareceram até livros sobre como os palestinos não eram tão antigos assim na região, já que eles teriam chegado também em imigração recente. Essas diferentes versões da mitologia oficial vão se sucedendo ou se combinando, a gosto do freguês, formando uma geleia geral de enganação empacotada. Acompanham-na algumas frases que, até corretas em si mesmas, omitem um universo de contexto que lhes transforma o sentido, como é o caso de “os sionistas aceitaram a partição proposta pela ONU, os árabes, não”, analisado acima, e “a guerra de 1948 foi iniciada pelos palestinos”, mantra que é essencial em todo mascaramento do processo.
    Expulsão em aldeia palestina durante o Nakba

    Como se sabe agora, a liderança militar sionista ficou surpresa com o caráter limitado dos protestos palestinos que se seguiram ao decreto da partição, em novembro de 1947. Afinal de contas, seu território havia sido rachado com uma comunidade minoritária de colonos, que receberam não só um naco de 56% do território, desproporcional à sua representação na população, mas um naco que continha pelo menos 400 aldeias palestinas, nas quais 800.000 palestinos deviam seguir vivendo sob soberania imposta e recém chegada. Ao longo dos dias que se seguem à partição, o comando sionista se reúne para encontrar formas de ataque possíveis, ante a ausência de pretextos. Os arquivos estudados por Ilan Pappe, das reuniões a liderança judaica na Palestina, dão amplo testemunho do planejamento da limpeza étnica. Os fazendeiros dos Kibbutzim transformavam suas cooperativas em postos militares, enquanto nas aldeias palestinas a vida seguia seu curso, no qual a “normalidade era a regra e a agitação a exceção”, segundo os informes do próprio Palti Sela, membro de uma unidade de inteligência sionista. Ao longo do mês de dezembro de 1947, anterior à guerra propriamente dita, as aldeias palestinas sofrem uma campanha de terror e intimidação das organizações paramilitares judias que representam o primeiro capítulo da limpeza étnica da Palestina.
    A linguagem da ameaça foi prática comum naquele momento, como mostra o exemplo citado por Ilan Pappe, de panfletos lançados às aldeias sírias e libanesas na fronteira palestina: “Se a guerra for levada até você, ela causará expulsão massiva de aldeões, com suas mulheres e crianças … haverá matança sem piedade, sem compaixão” (p.56). Lembremos que nesse momento o sionismo já possui um mapa completo das aldeias palestinas, incluindo-se informação sobre água, possíveis defesas e indivíduos vinculados à resistência árabe durante os protestos de 1936-39. Esse mapeamento seria chave na destruição das centenas de aldeias palestinas e na expulsão de centenas de milhares de habitantes autóctonos da região No mês de dezembro se disseminam as ações que a Hagana chamava de “reconhecimento violento” (hassiyur ha-alim): invadir uma aldeia à noite, instaurar toque de queda, atirar em qualquer um que ouse sair de casa, permanecer durante algumas horas e ir embora. A aldeia de Deir Ayyub foi uma das vítimas de dezembro de 1947. Com aproximadamente 500 habitantes, ela acabava de comemorar a abertura de uma escola. Foi invadida por tropas judaicas que passaram a atirar indiscriminadamente nas casas. Deir Ayyub ainda seria atacada três vezes antes de ser destruída em sua totalidade em abril de 1948 (p.56). No nordeste da Galileia, na aldeia de Khisas, algumas centenas de muçulmanos coexistiam pacificamente há tempos com uma centena de cristãos. Até que no dia 18 de dezembro de 1947, tropas judaicas a invadiram e passaram a explodir casas durante a noite, provocando a morte de quinze aldeões, pelo menos cinco crianças. Ações como estas proliferaram ao longo de dezembro de 1947, e não costumam ser mencionadas pelos que justificam as atrocidades de Israel com o argumento de que “os palestinos iniciaram a guerra” em janeiro de 1948.
    As ações de expulsão da população anteriores à declaração formal de guerra em janeiro de 1948 não se limitaram às aldeias pequenas. Na cidade de Haifa, principal porto da Palestina, 75.000 palestinos “foram submetidos a uma campanha de terror instigada conjuntamente pelo Irgun e pela Hagana. Como haviam chegado em décadas recentes, os colonos judaicos construíram suas casas no alto das montanhas. Viviam topograficamente acima dos bairros árabes e podiam disparar e lançar morteiros contra elas. Começaram a fazê-lo com frequência a partir do começo de dezembro. Usaram também outros métodos de intimidação: as tropas judaicas rolavam barris cheios de explosivos, e enormes bolas de aço, na direção das áreas residenciais árabes, lançavam óleo misturado com combustível nas estradas, que aí incendiavam. Os residentes palestinos, aterrorizados, corriam para fora de suas casas para tentar apagar o fogo, e aí passavam a ser alvo de rajadas de metralhadora” (p.58). A descrição documentada do que aconteceu em Haifa em dezembro de 1947 é importante porque a cidade é, com frequência, mencionada como exemplo de que as lideranças judaicas insistiram para que os palestinos ficassem e eles saíram “voluntariamente”.

    V – Epílogo e promessa

    Não está contada aqui, evidentemente, nada da história do Nakba propriamente dito. Para se entender a monstruosidade a que foi submetida o povo palestino, há que se conhecer os quatro planos de limpeza étnica da Palestina elaborados pela liderança sionista desde antes da II Guerra Mundial. O Plano A, também conhecido como “Plano Elimelech”, toma seu nome do líder do comandante da Hagana que, em 1937,  já elaborara, a pedido de Ben-Gurion, um projeto de limpeza étnica a ser executado no momento em que os ingleses abandonassem a Palestina. O Plano B foi escrito em 1946 e ambos depois se fundiram no Plano C, que previa: a) assassinatos seletivos da liderança política palestina; b) destruição da infraestrutura de transporte palestina; c) sabotagem específica às fontes de sustento da população nativa, como os moinhos; d) ataques escalonados às aldeias; e) bombardeios de ônibus, cafés, locais de reunião. O fundamental desse plano é mantido no projeto que é efetivamente executado, o Plano D (Dalet), anterior à guerra de 1948, e que previa a sistemática expulsão do povo palestino de suas terras.
    O Plano Dalet já é consenso entre a liderança sionista em Dezembro de 1947, antes da oficialização da guerra. Ao cabo do processo de limpeza étnica, espantosamente curto e brutal, mais da metade da população palestina nativa (pelo menos 750.000 pessoas) foi expulsa, 531 aldeias foram destruídas e onze bairros urbanos foram esvaziados de sua população, um crime contra a humanidade de enormes proporções, ainda hoje negado e envolvido em falsificação. Hoje, os refugiados e seus descendentes vivem esparramados por, em números aproximados, Jordânia (2 milhões), Líbano (430.000), Síria (480.000), além de 800.000  que são parte da população palestina que mora sob ocupação militar israelense na Cisjordânia (2,3 milhões) e outro 1,1 milhão que vive sob bloqueio (e frequente bombardeio) militar israelense em Gaza. Outros 1,2 milhão de palestinos vivem como cidadãos de segunda classe em Israel. O melhor guia do Nakba é o livro de Ilan Pappé, The Ethnic Cleansing of Palestine, infelizmente ainda inédito em português. Pretendo publicar num futuro próximo, aqui pela Editora Publisher, um breve livro que contará um pouco dessa história.  Se você lê inglês e se interessa pelo acompanhamento diário do horror, sugiro o site Electronic Intifada.
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    Referências fotográficas: aqui e aqui.  
    Referências bibliográficas: otoRe.N
    1 Aragão, Maria José. Israel x Palestina: Origens, História e Atualidade do Conflito (Rio de Janeiro: Revan, 2006), p. 23-4.
    2 Aragão, p. 32.
    3 Aragão, p. 33.
    4 Heynick, Frank. Jews and medicine, An Epic Saga, KTAV Publishing House, Inc., 2002 p.103.
    5 McCarthy, Justin. The Population of Palestine. (Nova York: Columbia UP, 1990), p. 37-8.
    6 Khalidi, Walid. “Why did the Palestinians leave?” Journal of Palestine Studies 34.2 (2005): 42-54. Ver também Benny Morris, The Birth of the Palestinian Refugee Problem Revisited (Cambridge: Cambridge UP, 2004). 
    7 Fisk, Robert. A grande guerra pelo Oriente Médio. Trad. Sandra Dolinsky (São Paulo: Planeta, 2007), p. 432.
    8 Pappé, Illan. The Ethnic Cleansing of Palestine (Oxford: OneWorld, 2006), p. 283.
    9 Pappe, p. 11.
    10 Pappe, p. 14.
    11 Pappe, p.14.
    12 Pappe, p. 283.
    13 Pappe, p.12.
    14 Fisk, p.511.
    15 Antonius, George. Arab Awakening: The Story of the Arab National Movement (Londres: International Book Center, 1938), p. 387.
    16 Hilton, Stanley: Oswaldo Aranha: Uma biografia (Rio de Janeiro: Objetiva, 1994), p. 439.
    17 Eban, Abba. Personal Witness: Israel Through My Eyes (Nova York: Putnam’s Sons, 1992).
    18 Hilton, p. 456.
    19 Hilton, p. 459.
    20 Pappe, p. 34-5.
    21 Flapan, Simcha. The Birth of Israel: Myths and Realities (Nova York: Pantheon, 1987).