Júnia Gouvêa e Jorge Luís Martins no CORREIO DA CIDADANIA |
Abril de 2012 corre o risco de ficar na memória como o momento de um
revés importante para a classe trabalhadora brasileira. Realizaram-se no
Rio de Janeiro e em Sumaré (São Paulo), na segunda quinzena do mês
passado, dois encontros de diferentes dimensões, composição e grau de
unidade, mas com o mesmo e trágico significado: a consolidação da
divisão do movimento sindical combativo brasileiro em duas organizações
diferentes.
No Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de abril, sob a justa bandeira da
luta contra a criminalização dos movimentos sociais, encontraram-se
cerca de 500 lutadores da atual Intersindical, das correntes MTL e MES,
TLS (Trabalhadores na Luta Socialista) e Unidos para Lutar do PSOL, além
de MAS (Movimento Avançando Sindical). Ao fim da reunião, além de
votarem um calendário indicativo de lutas e um programa para a ação,
resolveram criar “uma mesa de diálogo permanente” entre as correntes que
“não estão em nenhuma central”.
Em São Paulo, entre 28 e 30 de abril, a CSP-Conlutas, na qual têm
folgada maioria os sindicatos e oposições dirigidos ou influenciados
diretamente pelo PSTU, reuniu em seu 1º Congresso Nacional 1.800
delegados, de diversos sindicatos, movimento popular e estudantil. Além
de separados, nenhum dos dois encontros deu sinal, nenhum tímido sinal,
de lamentar a divisão de 2010 e ensaiar algum gesto de reaproximação,
ainda que cuidadosa.
É indiscutível que ambos os encontros, pelo simples fato de reunirem
dirigentes e lutadores e permitirem pautas comuns e um mínimo de
articulação entre estados e categorias, tiveram resultados pontuais
positivos para alguns setores. Afinal, alguma articulação é melhor do
que nenhuma. O Congresso da CSP-Conlutas e o Encontro dos Lutadores
realizado no Rio de Janeiro, por certo, sem entrar no mérito, aprovaram
resoluções importantes. Mas é preciso fazer uma avaliação política do
significado da divisão (comparando-se os dois encontros com um encontro
unitário, se tivesse ocorrido), diante da força do sindicalismo oficial
cooptado pelos governos Lula-Dilma.
A CSP-Conlutas se consolida também como um importante setor do
movimento combativo. Mas sua maioria, do PSTU, foi a principal
responsável pelo episódio que impôs a divisão no Conclat de Santos, há
dois anos. O congresso de Sumaré teve, agora, a oportunidade de esboçar
um gesto pela unidade, quando a representante do Andes-SN propôs que se
rediscutisse a questão do nome da central – o lamentável mote da divisão
em Santos – e a direção da CSP-Conlutas; no entanto, negou-se a dar
este passo e sequer chegou a esboçar um balanço do Conclat, como se este
simplesmente jamais tivesse acontecido. O mesmo se deu na reunião do
Rio de Janeiro. Nenhuma referência ao Conclat, nenhum balanço, nenhuma
resolução sinalizando sequer a necessidade genérica da unidade do
sindicalismo combativo. Assim, lamentavelmente, começa a se cristalizar
entre os lutadores desses dois setores históricos da resistência
combativa a lógica da divisão como algo inevitável.
Assim, os dirigentes da esquerda socialista, sejam do PSTU, sejam das
correntes do PSOL, sejam do PCB, sem falar evidentemente da ASS – todos
do mesmo e importantíssimo campo político nesse debate de recomposição
necessária –, levam para o terreno do movimento sindical a experiência
de divisão, que já estão implementando há algum tempo no âmbito da
participação eleitoral. Ou seja, também no terreno das lutas, deixam a
bandeira socialista pulverizada em várias alternativas e enfraquecida
aos olhos dos trabalhadores e do povo. Pois não é verdade que dá na
mesma estarmos divididos ou não. Todos os que militam no cotidiano dos
movimentos sabem bem que a divisão é um obstáculo real, que, dividido, o
movimento perde amplitude e potencialidade. Basta ver o último 1º de
maio, onde, depois de mais de uma década em que a esquerda socialista
esteve unificada, se dividiu em duas manifestações, o que é mais um
desastre e vitória da fragmentação em curso.
Há, no entanto, algo mais grave quando a divisão acontece na
organização sindical dos trabalhadores. Não somente porque se torna um
obstáculo a mais, além do patronal e seus ataques, às vitórias da
classe. Quem está ignorando ou menosprezando a divisão da classe, e mais
ainda investindo nela, está fazendo exatamente o planejado pelos
governos patronais desde FHC, passando por Lula e agora Dilma – cuja
política é uma central para cada partido. Está, portanto, adaptando-se à
“institucionalidade sindical” desejada por governos e patrões,
iniciando um amoldamento ao regime do movimento sindical combativo.
O retrocesso, de 2010 para cá, no caminho da unidade dos socialistas e
ativistas combativos numa mesma organização sindical é tão mais grave
quanto mais se é consciente das lutas que podem vir por aí. Afinal, quem
garante, diante do atual quadro internacional, que o crescimento e
estabilidade de hoje se manterão? Quem garante que, no primeiro sinal de
desequilíbrio nas contas e lucros, dona Dilma, banqueiros, industriais
etc. não venham mais uma vez descontar nos nossos empregos, salários,
pensões, aposentadorias, orçamentos da educação e saúde? Prestemos
atenção na Europa...
Nesse quadro particularmente difícil, cabe aos militantes e dirigentes sindicais conscientes desse fracionamento nocivo se negarem a cristalizar a divisão.
É necessária uma intensa batalha de convencimento político de todos os
setores combativos para tentar reverter essa situação. Primeiro
incentivando as lutas e sua unificação, independentemente da força da
esquerda socialista que conduza cada conflito. E também defendendo ou
voltando a defender, em todos os espaços em que nossas entidades
participem, a construção de uma central sindical antigovernamental e
unitária, compreendendo que as organizações atuais do movimento sindical
e popular são todas insuficientes para o enfrentamento necessário ao
capital e seus governos (razão pela qual devem ter todas um caráter
transitório). Importante lembrar que várias categorias profissionais já
aprovaram resoluções neste sentido no último período, o que ainda não
tem sido capaz de sensibilizar a cúpula sindical das organizações.
Não é de forma alguma impossível reverter a divisão. Não é nada
impossível retomar desde já a luta pela unidade da classe, pela base,
nas mobilizações já em curso, e com uma plataforma política comum.
Afinal, grande parte das resoluções do encontro do Rio coincide com a
maior parte das resoluções do Congresso da CSP-Conlutas. Um movimento
nacional pela base, pela unidade, com essa plataforma comum, pode ser um
forte pólo de atração para uma nova geração de trabalhadores que estão
começando a se mobilizar.
A natureza e o perfil das grandes mobilizações ocorridas na Europa e
no mundo árabe mostram o quanto o capitalismo é questionado e quanto é
possível um novo mundo – socialista quem sabe. Mas, para que esse novo
mundo se construa, a classe trabalhadora precisa se constituir em si, na
luta unitária, e para si, na consciência da sua força independente. É
esse o sentido histórico da luta pela unidade.
Júnia Gouvêa é trabalhadora da previdência social; Jorge Luís Martins é advogado trabalhista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Movimento sindical dá um passo à frente e dois para trás
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terça-feira, 22 de maio de 2012
O que é a Syriza, a esquerda que pode chegar ao poder na Grécia
Em
2001, o movimento altermundista atingia um dos seus pontos mais altos,
com centenas de milhares de europeus nas ruas de Gênova contra os
senhores do mundo que eram hóspedes de Berlusconi na cúpula do G8. A
repressão policial demorou anos a ser condenada na justiça italiana, mas
as cúpulas passaram a realizar-se ainda mais às escondidas.
A mobilização grega para esse protesto foi uma das primeiras tarefas do Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que agrupava várias correntes que já se tinham encontrado noutras lutas, como a oposição à intervenção militar no Kosovo, as privatizações ou a legislação antiterrorista que ameaçava as liberdades civis na Grécia. O "Espaço" foi também determinante para organizar o Fórum Social Grego em 2003.
A figura de referência do "Espaço" era Manolis Glezos, o conhecido resistente ao nazismo que em maio de 1941 subiu à Acrópole e tirou de lá a bandeira da suástica, no que ficou conhecido como o primeiro ato de resistência do povo de Atenas contra a ocupação da cidade no mês anterior. Glezos foi o candidato da aliança eleitoral promovida pelo "Espaço" em 2002 à super-autarquia de Atenas-Piraeus, obtendo 10,8% dos votos. Dez anos depois, voltou a aparecer ao lado de Alexis Tsipras na campanha da Syriza em Atenas antes de encerrar a campanha eleitoral.
A coligação Syriza apresenta-se pela primeira vez a votos com programa eleitoral próprio nas legislativas de 2004 e consegue passar a barreira dos 3% para eleger seis deputados, todos pertencentes à corrente maioritária, o Synaspismos. A coligação conseguiu sobreviver à tensão interna com a substituição da liderança do Synaspismos no fim desse ano e ganhou novo fôlego com a organização do Fórum Social Europeu em Atenas dois anos depois.
2006 foi também ano de eleições autárquicas, com um jovem de 32 anos sendo lançado para a disputa eleitoral em Atenas com o objetivo de abrir o movimento às novas gerações. Alexis Tsipras, líder estudantil nos anos 90 e responsável pelo setor juvenil do Synaspismos, repetiu o resultado de Glezos quatro anos antes e tornou a Syriza na terceira força política na capital grega.
As eleições seguintes (legislativas em 2007 e 2009 e europeias de 2009) vieram confirmar a coligação como uma força ascendente no panorama político nacional, ao mesmo tempo que registaram um alargamento das forças que compõem a coligação. Alexis Tsipras sucedeu a Alekos Alavanos na liderança do Synaspismos e tornou-se líder parlamentar após as eleições de 2009. No ano seguinte enfrentou uma cisão importante no seu partido, que retirou quatro dos treze deputados da coligação para formarem um novo partido, a Esquerda Democrática.
A luta persistente contra a austeridade do governo da troika e os efeitos desastrosos das políticas da crise impostas pela direita e pelo PASOK, bem como a atitude de abertura para a unidade da esquerda por um governo de alternativa aos diktats de Berlim e Bruxelas, tudo isso ajudou a catapultar a Syriza para a primeira linha da oposição na Grécia. Ao contrário do KKE, que se entricheirou na sua linha política nacionalista e cujas práticas sectárias no movimento dos trabalhadores e nas lutas populares não tem paralelo hoje na Europa, a Syriza conseguiu nos últimos anos alargar a sua base de apoio também entre os Indignados da Praça Syntagma e transmitir ao povo grego a esperança de que é mesmo possível derrotar a troika e evitar o colapso do país.
Atualmente, fazem parte da Syriza doze organizações. A corrente maioritária é o Synaspismos, uma antiga coligação entre comunistas que se transformou em partido na sequência da purga de 45% do Comitê Central do PC grego após o fim da URSS. As outras organizações são a AKOA (Esquerda Comunista Ecológica e Renovadora, membro observador do Partido da Esquerda Europeia); DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, próxima da tendência trotskista internacional IST, fundada por Tony Cliff); DKKI (Movimento Democrático Social, corrente que saiu do PASOK em 1995); KOE (Organização Comunista da Grécia, de inspiração maoísta, integrou a Syriza em 2007); Kokkino (Vermelho, corrente de inspiração trotskista); Ecosocialistas da Grécia; Cidadãos Ativos (corrente fundada pelo herói da Resistência Manolis Glezos); KEDA (Movimento pela Esquerda Unida na Ação, cisão do PC grego em 2000); Rizospastes (Radicais, cisão dos Cidadãos Ativos, sublinham o patriotismo no discurso); Omada Roza (Grupo Rosa, esquerda radical); e APO (Grupo Político Anticapitalista, corrente de inspiração trotskista).
Para além destas organizações e partidos, e principalmente durante este ano, o Syriza tem sido apoiada por pessoas com diferentes experiências de militância. Nesta campanha para as eleições de 6 de Maio, as mais fortes na polarização contra a troika, deram a cara pela coligação antigas figuras do PASOK como a ex-deputada e atleta olímpica Sofia Sakorafa - que acabou por ser a candidata mais votada – ou Alexis Mitropoulos, responsável pelo desenho das leis laborais nos anos 80. Também Stathis Kouvelakis, professor de Filosofia no King´s College em Londres e Despina Spanou, dirigente do sindicato da função publica Adedy, deram o seu apoio à Syriza nesta campanha.
A mobilização grega para esse protesto foi uma das primeiras tarefas do Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que agrupava várias correntes que já se tinham encontrado noutras lutas, como a oposição à intervenção militar no Kosovo, as privatizações ou a legislação antiterrorista que ameaçava as liberdades civis na Grécia. O "Espaço" foi também determinante para organizar o Fórum Social Grego em 2003.
A figura de referência do "Espaço" era Manolis Glezos, o conhecido resistente ao nazismo que em maio de 1941 subiu à Acrópole e tirou de lá a bandeira da suástica, no que ficou conhecido como o primeiro ato de resistência do povo de Atenas contra a ocupação da cidade no mês anterior. Glezos foi o candidato da aliança eleitoral promovida pelo "Espaço" em 2002 à super-autarquia de Atenas-Piraeus, obtendo 10,8% dos votos. Dez anos depois, voltou a aparecer ao lado de Alexis Tsipras na campanha da Syriza em Atenas antes de encerrar a campanha eleitoral.
A coligação Syriza apresenta-se pela primeira vez a votos com programa eleitoral próprio nas legislativas de 2004 e consegue passar a barreira dos 3% para eleger seis deputados, todos pertencentes à corrente maioritária, o Synaspismos. A coligação conseguiu sobreviver à tensão interna com a substituição da liderança do Synaspismos no fim desse ano e ganhou novo fôlego com a organização do Fórum Social Europeu em Atenas dois anos depois.
2006 foi também ano de eleições autárquicas, com um jovem de 32 anos sendo lançado para a disputa eleitoral em Atenas com o objetivo de abrir o movimento às novas gerações. Alexis Tsipras, líder estudantil nos anos 90 e responsável pelo setor juvenil do Synaspismos, repetiu o resultado de Glezos quatro anos antes e tornou a Syriza na terceira força política na capital grega.
As eleições seguintes (legislativas em 2007 e 2009 e europeias de 2009) vieram confirmar a coligação como uma força ascendente no panorama político nacional, ao mesmo tempo que registaram um alargamento das forças que compõem a coligação. Alexis Tsipras sucedeu a Alekos Alavanos na liderança do Synaspismos e tornou-se líder parlamentar após as eleições de 2009. No ano seguinte enfrentou uma cisão importante no seu partido, que retirou quatro dos treze deputados da coligação para formarem um novo partido, a Esquerda Democrática.
A luta persistente contra a austeridade do governo da troika e os efeitos desastrosos das políticas da crise impostas pela direita e pelo PASOK, bem como a atitude de abertura para a unidade da esquerda por um governo de alternativa aos diktats de Berlim e Bruxelas, tudo isso ajudou a catapultar a Syriza para a primeira linha da oposição na Grécia. Ao contrário do KKE, que se entricheirou na sua linha política nacionalista e cujas práticas sectárias no movimento dos trabalhadores e nas lutas populares não tem paralelo hoje na Europa, a Syriza conseguiu nos últimos anos alargar a sua base de apoio também entre os Indignados da Praça Syntagma e transmitir ao povo grego a esperança de que é mesmo possível derrotar a troika e evitar o colapso do país.
Atualmente, fazem parte da Syriza doze organizações. A corrente maioritária é o Synaspismos, uma antiga coligação entre comunistas que se transformou em partido na sequência da purga de 45% do Comitê Central do PC grego após o fim da URSS. As outras organizações são a AKOA (Esquerda Comunista Ecológica e Renovadora, membro observador do Partido da Esquerda Europeia); DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, próxima da tendência trotskista internacional IST, fundada por Tony Cliff); DKKI (Movimento Democrático Social, corrente que saiu do PASOK em 1995); KOE (Organização Comunista da Grécia, de inspiração maoísta, integrou a Syriza em 2007); Kokkino (Vermelho, corrente de inspiração trotskista); Ecosocialistas da Grécia; Cidadãos Ativos (corrente fundada pelo herói da Resistência Manolis Glezos); KEDA (Movimento pela Esquerda Unida na Ação, cisão do PC grego em 2000); Rizospastes (Radicais, cisão dos Cidadãos Ativos, sublinham o patriotismo no discurso); Omada Roza (Grupo Rosa, esquerda radical); e APO (Grupo Político Anticapitalista, corrente de inspiração trotskista).
Para além destas organizações e partidos, e principalmente durante este ano, o Syriza tem sido apoiada por pessoas com diferentes experiências de militância. Nesta campanha para as eleições de 6 de Maio, as mais fortes na polarização contra a troika, deram a cara pela coligação antigas figuras do PASOK como a ex-deputada e atleta olímpica Sofia Sakorafa - que acabou por ser a candidata mais votada – ou Alexis Mitropoulos, responsável pelo desenho das leis laborais nos anos 80. Também Stathis Kouvelakis, professor de Filosofia no King´s College em Londres e Despina Spanou, dirigente do sindicato da função publica Adedy, deram o seu apoio à Syriza nesta campanha.
Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado
Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA | ||||||||||||||||||||
Em qualquer direção que se olhe o cenário da educação no Brasil, há
algum projeto “salvador” que serve como uma espécie de barreira a
dificultar uma análise objetiva da realidade. Como em uma batalha, esses
inúmeros projetos funcionam como proteção dos muitos flancos frágeis de
nossa política educacional. Qualquer análise crítica pode ser
“respondida” apontando-se para algum desses projetos e afirmando-se que
ele permitirá superar o problema analisado, bastando esperar. E sempre
que um projeto se mostra inoperante, outro surge para ocupar seu lugar.
Um desses projetos, o Ensino à Distância (EaD) em nível superior, é
apresentado como uma solução, em especial para a falta de professores no
país. Entretanto, como veremos, é, de fato, um enorme problema.
O EaD cresceu de forma muito expressiva ao longo da década de 2000, passando de pouco mais do que seis mil vagas
para 1,7 milhão de vagas em 2010, número praticamente igual ao de
concluintes do ensino médio, que foi da ordem de 1,8 milhão em 2010 (1).
Não há nenhum sentido nisso, ainda mais se considerarmos que o número
de vagas em cursos presenciais é muito superior ao número de formados no
ensino médio. Quem ganha com isso é certamente o setor privado, que
detém mais do que 97 % das vagas em EaD, conquistando, assim, um enorme
poder de barganha e de pressão sobre ações que eventuais órgãos de
controle do sistema educacional possam vir a ter no futuro para corrigir
a distorção criada.
Quem oferece EaD e para que áreas?
Nos processos de estudo, ensino e aprendizado, não devemos abrir mão
de nenhuma possibilidade: aulas expositivas, laboratórios, estudos
individuais ou em grupo, apostilas, listas de exercício, visitas a
museus, consultas a bibliotecas etc. Os instrumentos de ensino à
distância, sejam na forma de emails, telefonemas, sites, vídeos, sons,
ambientes virtuais, blogs etc., também podem e devem ser usados.
Portanto, não há nada contra o ensino à distância como um instrumento a
mais que possa favorecer o processo de aprendizado.
No entanto, isso que foi dito acima nada tem a ver com a forma que o
EaD se instalou no Brasil: entre nós, o EaD não é algo a mais para se
oferecer aos educadores e educandos, mas algo que pretende substituir o
ensino presencial, em especial no que diz respeito à formação de
professores.
De fato, a maior parte das vagas oferecidas no EaD é na área de
Educação (36% delas), que inclui a formação de professores nas diversas
modalidades. A área de Gerenciamento e Administração ocupa o segundo
lugar, com 31% das vagas, apesar de uma das distorções do sistema de
ensino superior brasileiro ser exatamente o fato de a proporção de
estudantes e formados nessas áreas ser excessivamente alta quando
comparada com o que ocorre nos demais países. Ciências Sociais,
Computação, Serviço Social e Contabilidade têm, cada uma, cerca de 5%
das vagas.
Áreas com maior prestígio social e maior controle por parte de
conselhos de classe e de outros órgãos ou ministérios além do MEC (como
ocorre com cursos na área de saúde) têm uma participação nas vagas bem
menor ou mesmo nula. Assim, a área de Engenharia, apesar da importância
da profissão para o desenvolvimento do setor produtivo, a reconhecida
carência desses profissionais e a grande procura por parte dos
estudantes, tem menos do que 1% das vagas oferecidas em EaD. Enfermagem
também tem menos do que 1% das vagas e Odontologia e Medicina, nenhuma.
Evidentemente, poder-se-ia argumentar que é natural que Medicina e
Odontologia sejam incompatíveis com o EaD por exigirem uma experiência
prática com pessoas; mas o mesmo argumento não valeria para Enfermagem? E
para professores, cuja totalidade da vida profissional será em contato
direto com pessoas (os estudantes), o argumento não seria ainda mais
forte? E para professores nas áreas de Biologia, Física e Química, como
formá-los sem um intenso contato com práticas experimentais e de
laboratório?
Não restam dúvidas de que as proporções das vagas oferecidas em EaD
não estão relacionadas às necessidades nacionais de profissionais, mas,
sim, são em número tão maior quanto mais frágil e menos controlada é a
profissão e mais “vendável” for o curso.
A quem se destina o EaD no Brasil, hoje
As argumentações em defesa do EaD no Brasil são baseadas em uma série
de erros de avaliação ou de desconhecimento do por quê a realidade é
como é. Uma constante nas justificativas do EaD é a necessidade de
professores no país, em especial de professores para o ensino médio e as
séries finais do ensino fundamental. A premissa é correta: realmente,
faltam professores em salas de aula, em especial nas escolas públicas, e
os que atuam são sobrecarregados. Mas qual a causa disso? É realmente a
falta de professores formados ou a impossibilidade de formá-los em
cursos presenciais?
A resposta a essa última pergunta é não. Não é verdade que não
existam professores em quantidade suficiente para atender à demanda:
eles e elas existem, mas cerca de um milhão de pessoas com cursos de
licenciatura estão fora das salas de aula. Esse número de professores
que não se dedicam ao ensino corresponde a cerca de 70% das pessoas que
concluíram cursos de licenciatura nos últimos 25 anos e que, portanto,
estão na idade profissionalmente ativa. E a explicação para esse fato é
fornecida pelas condições de trabalho, pelo baixo prestígio da
profissão, pelo desrespeito profissional que sofrem até mesmo por parte
das pessoas responsáveis pela execução das políticas educacionais do
país e pelas condições salariais.
Há apenas duas únicas áreas em que o número de professores é inferior
à demanda: Física e Química. Mas, mesmo nessas duas áreas, há um enorme
número de professores formados fora das salas de aula. Grande parte
deles poderia ser incorporada ao quadro de professores ativos caso
houvesse melhores condições de trabalho. Se na média de todas as áreas
cerca de 70% dos licenciados formados não dão aulas, em Física esse
percentual chega a 75% e em Química, a 80%.
A falta de professores não é, portanto, devido a uma real
inexistência de pessoas formadas e nem mesmo falta de vagas em cursos de
licenciatura presenciais ou de jovens interessados pela profissão.
Mesmo nas duas áreas citadas acima, Química e Física, além de haver um
grande número de formados fora das salas, há uma possibilidade de
formação de um número significativamente maior em cursos presenciais. A
procura de jovens por cursos superiores que levem à formação de
professores nas áreas de Física e Química é maior do que a média de
todas as profissões: como mostra a tabela, mais de 60% das vagas
oferecidas nos cursos de formação de professores de Física e Química são
ocupadas, porcentagem significativamente superior à média em todas as
áreas, da ordem de 51%. O problema surge posteriormente, no abandono
durante o curso: enquanto a relação entre concluintes e ingressantes é
52% em todas as áreas, em Física e Química as relações são de 26% e 38%,
respectivamente. Conclusão: há jovens interessados; entretanto, e
possivelmente alertados pelas condições salariais e de trabalho que
encontrarão pela frente, grande parte deles abandona seus sonhos. E,
finalmente, como já dito, cerca de 75% a 80% dos formados estão fora das
salas de aula.
Portanto, se conseguíssemos preservar boa parte desses candidatos a
professores de Química e Física, em poucos anos superaríamos a
deficiência de professores nessas áreas, um tempo certamente inferior ao
tempo já decorrido desde que experiências com EaD, como a Universidade
Aberta do Brasil (federal) ou a Univesp (no estado de São Paulo),
começaram a ser implantadas.O problema de formação de professores,
portanto, é bem diferente daquele que os defensores do EaD dizem que
esse sistema solucionará.
Talvez o EaD seja um bom exemplo de uma coisa que acontece
freqüentemente no Brasil: quando um problema é localizado, ao invés de
se tratar de resolvê-lo ou, pelo menos, reduzi-lo, tenta-se tirar
proveito dele. Assim, há um enorme interesse por parte das instituições
de ensino privado no sentido de explorar as possibilidades mercantis do
EaD. E, para isso, nada melhor do que disfarçar esse interesse na forma
de uma preocupação social, a formação de professores.
Mais justificativas falsas em defesa doEaD
Embora seja o setor privado o grande beneficiário do EaD, o setor
público tem colaborado, e muito, para defendê-lo e, ao oferecer, ele
mesmo, cursos a distância, acaba por legitimar esse tipo de ensino.
Vejamos alguns argumentos usados pelo setor público para defender o EaD.
Nos discursos e documentos, além dos argumentos relacionados à falta
de professores, aparecem argumentos econômicos. Um deles, usado pelo
governo estadual paulista e publicado na página eletrônica da então
existente Secretaria de Ensino Superior, afirmava que o estado de São
Paulo “investe 10% de sua receita líquida na educação superior”,
argumento que soa forte para justificar o EaD, em especial junto a uma
população que tem pouca familiaridade com os temas relacionados aos
detalhes dos orçamentos públicos e dos orçamentos das universidades.
Levando em conta esses detalhes, verifica-se que os investimentos em
ensino de graduação são inferiores à terça parte daquele valor! Ou seja,
aquela é uma informação simplesmente falsa.
Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD
baseia-se na hipótese de que as pessoas não têm acesso à educação
presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está
sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o
problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial,
não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra
razão equivalente. A principal razão para explicar a “dificuldade de
acesso” é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no
Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes
matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em
bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de
qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente.
Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos
superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados
instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar
cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do
que oferecer EaD.
Alguns problemas do EaD (2)
O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre
eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de
iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos
em nível de pós-graduação. No EaD, muito provavelmente os estudantes
também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário
contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e,
muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao
freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns,
por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais
das universidades.
No ambiente universitário presencial ocorre uma série de atividades
extremamente importantes para a formação geral, tais como seminários,
debates, cursos de extensão, diversas programações culturais, além da
possibilidade de se freqüentar uma enorme gama de disciplinas. Essas
atividades, bem como as aulas práticas e de laboratório, são
inexistentes ou muito raras no EaD.
O ambiente universitário oferece oportunidades importantes para
estudantes provenientes dos segmentos menos favorecidos (e que serão os
principais usuários do EaD), como, por exemplo, o acesso a práticas
esportivas, alimentação subsidiada, atendimento médico e odontológico,
entre várias outras. No EaD, essas coisas ou não existem ou são de
difícil acesso.
O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra,
majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral,
um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos
favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo
simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes
ficam imersos em um — e apenas um — assunto, são fundamentais no
processo ensino e aprendizado.
Adotar o EaD como substituto do ensino presencial poderá comprometer
gravemente a qualidade da formação dos profissionais de que o país
precisa. Os diversos países que usam o EaD, em proporções muito
inferiores àqueles números citados anteriormente, o fazem direcionando
essa forma de ensino àqueles que realmente não podem ter acesso ao
ensino presencial, como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de
locomoção, aqueles que trabalham em tempo integral (estes últimos,
sobretudo nos países e em cursos nos quais a educação superior é
exclusivamente, ou quase exclusivamente, em tempo integral), militares
engajados, entre outros. No Brasil, entretanto, tem se adotado o EaD em
substituição ao ensino presencial, o que poderá comprometer gravemente a
qualidade da formação inicial dos profissionais, em especial se o
profissional assim “formado” tiver que atuar na “formação” de outros
profissionais, como é o caso do professor.
Em particular, formar professores por meio do EaD poderá comprometer
duas gerações, a dos próprios professores formados e a de seus alunos.
Além disso, contribuirá ainda mais para um rebaixamento dos critérios
que a sociedade tem para julgar o que é e o que não é educação superior e
ensino universitário.
Como transformar solução em problema
Atualmente, o Brasil tem um número de doutores já superior a 100 mil e
talvez perto de 200 mil mestres que não completaram o doutoramento,
perfazendo um total de 300 mil pessoas preparadas para a docência em
nível superior. Esses profissionais têm plenas condições de contribuir
com um ensino superior presencial de qualidade e o fariam com
competência, pois foi para isso que se formaram. Entretanto, grande
parte desse contingente é subutilizada, em especial os que concluíram a
pós-graduação mais recentemente. Perder a oportunidade de associar o
interesse e a capacidade de trabalho dessas pessoas às necessidades e
possibilidades do país é um erro duplo: a um mesmo tempo, desperdiçamos
os esforços feitos para formar essas pessoas e ofereceremos um ensino
superior, via EaD, precário. Descartarmos a possibilidade de aproveitar
os quadros já formados em nosso ensino superior presencial e
enveredarmos pelo caminho do EaD não parece muito inteligente.
Os países desenvolvidos que adotam o EaD o fazem como algo adicional
à educação presencial, não como algo que a substitua. E as elites
certamente não optam pelo ensino à distância, nem para a formação de
seus jovens nem para a escolha dos profissionais que as assistem. E,
também certamente, as profissões de maior prestígio social jamais
considerariam a hipótese de optar pelo EaD.
Resolver velhos problemas é bem melhor do que criar novos
Atualmente, quase a metade dos jovens é obrigada a abandonar a
educação básica antes da conclusão. Como menos da metade dos que a
concluem o fazem no período diurno, podemos estimar que não mais do que
um em cada quatro jovens termina a educação básica com as condições
mínimas necessárias para a continuidade de seu processo educativo. Se,
além desses fatores, considerarmos a precariedade das escolas públicas
na maior parte dos casos, onde está a enorme maioria dos jovens que
terminam a educação básica, concluímos que a fração de jovens que
completa o ensino médio com bases suficientemente sólidas para continuar
seus estudos é muito pequena. Dentro dessa dura realidade, o EaD nada
resolverá. Ao contrário, oferecer EaD a um contingente de jovens que, já
nas atuais circunstâncias, tem dificuldades em entender o que é um
ensino universitário contribuirá para rebaixar ainda mais os critérios
do que sejam um sistema e um processo educacional de formação humana,
técnica, cultural, científica e social.
Oferecer uma aparente alternativa, na verdade um desvio, levará a
reduzir, ainda mais, o aproveitamento da capacidade intelectual de
nossos jovens e não resolverá o problema da exclusão, apenas mudará a
forma pela qual ela ocorre. Não é preciso ser um especialista em Brasil
para perceber que o EaD é destinado aos mais pobres e cujos filhos terão
professores formados, também, à distância.
Com certeza, não é isso que queremos. Tendo deixado o EaD aparecer
nessa quantidade, descontroladamente e quase totalmente dominado pelo
setor privado mercantil, passamos a ter mais uma tarefa pela frente:
lutar para reverter essa situação.
E cabem algumas perguntas finais. Por que os órgãos responsáveis
permitiram que o EaD atingisse as enormes proporções que atingiram? Por
que governos legitimam o EaD da forma que fazem?
Notas:
(1) Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica e da Educação Superior, Inep, 2010
(2) Muitos dos argumentos desta
seção foram levantados pelo grupo de trabalho de política educacional da
Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp - Seção
Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade.
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Militante dos seringais fala da luta em defesa da floresta e políticas atuais
Por Flavia Alli
Especial para Caros Amigos
Osmarino
Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve
presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e
enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população
acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos
embates na Floresta Amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à
destruição da região pelas madeireiras desde a década de 1970. Cercado
por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência,
organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o
capitalismo.
Osmarino viajou pelo Brasil nesse semestre em um circuito de debates e
palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas
passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos
povos indígenas e nativos. Denunciou a compra
de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde
de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo
Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da
organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e o
fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na
luta de classes.
Na entrevista abaixo, Osmarino Amâncio fala da luta na defesa da
floresta e suas dificuldades, de agronegócio como política de estado e
do trabalho junto aos seringueiros.
Em relação à organização dos
trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas,
no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques
que ele vem apresentando junto à burguesia?
Osmarino Rodrigues - Primeiro
são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o
sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito
para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e
informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio
que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente
só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a
parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a
falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito
fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série
do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora
resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de
mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo
que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária
adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não
reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de
propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o
Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela
Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem
criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam
colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado
para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode
mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão
criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da
reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as
barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para
facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das
ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova
política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios
naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos
trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente é uma
“bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de
farinha e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão
proibindo de fazer ramais para escoação do produto dentro da reserva; e
ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito
acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se
você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se
você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como
concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer
plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho
especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das
madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma
política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio
Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto.
Tem-se um grande investimento do BNDES e do Banco Interamericano do
Desenvolvimento (BID) para as barragens na Amazônia, para o programa de
manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região
tem mais de 20 megaprojetos que vai (sic) detonar com aquele bioma! Se
não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das
multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está
sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o
etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também
atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que
corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação.
Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que
precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de
fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um
empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a
legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de
Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a
pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa
a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política
“auto-sustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para
você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco
genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela
região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!
O governo e as empresas têm muito
dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na
Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervido
na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?
Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Mas,
eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem
vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na
floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar
anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só
as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a
febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro
consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o
seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que
consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um
dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por
tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte... Mas, ele
convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade,
estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade
que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos
sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de
desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o
governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma
central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da
classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e
enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais.
Essas são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às
universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e
intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas nossas ideias e
documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGs, como USAID, WWF,
Greenpeace - todas as entidades que defendem o desenvolvimento
sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível
evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à
política do mercado de carbono, por exemplo, que libera para o Norte e
os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) continuarem poluindo no resto
do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes
plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e
dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na
Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa
região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de
subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal
empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados
por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região
“fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar
“fogo zero” quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa
do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida e queimar o
seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos.
Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos
igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa
sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através
do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando
essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil
ficam sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é
muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos
trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação,
um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão
sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar
um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas
governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela
região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada;
e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um
processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a
gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos
expulsos e eles farão toda a destruição na Amazônia.
Como é feita a cooptação dos
trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e
qual a interferência na luta de classes?
Osmarino - Essa “compra” das
pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia,
para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no
governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores,
dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores
para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje
estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam
vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a
pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa
estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão
assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabem que qualquer
“deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é
tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os
parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos
comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo
madeireiro, ficar contra o movimento e defender o governo. Nós estamos
resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT
teríamos um alívio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra
os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT
obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência,
disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram
demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um
golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou
a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de
floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha,
atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.
A aprovação do Novo Código Florestal
vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica,
ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política
existente no país há décadas?
Osmarino - O Novo Código
Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas
multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do
desmatamento que foi feito e consolidado a proposta da economia verde,
facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais
do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição
financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor
o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas
do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o
etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que
garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na
Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou
de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais
etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o
poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia.
Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a
Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos
seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho
deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de
Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para
desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos e ao fim deste prazo,
após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30
anos. Então, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai
destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a
população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior
ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 quilômetros quadrados que serão
inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão
ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o
problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma;
investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do
desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código
Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do
hidronegócio.
Nesse cenário, de que modo tem se dado a
repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada
massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?
Osmarino - Primeiro, eles tentam
usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por
trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação” para convencer
os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É
a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e
mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos,
obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada e
sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que
eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens
quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses
jovens ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo e também
impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos,
pois não podem mais se relacionar por serem acusados de estupradores. A
justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações
sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta
é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade. Eles confundem a
população e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros
também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais
(Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc.) que eles criminalizam. Outras leis,
como a questão da prostituição infantil têm sido usadas para este fim.
Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o
governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem
100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos
social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai
se aproveitar da juventude e como o estado vai evitar o estupro e a
barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como
exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações
dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos
centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa
institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que
não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde,
transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que
nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um
despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas,
para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade
capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos
que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que
colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes
para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de
riqueza na mão de poucas pessoas.
Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?
Osmarino - Virou uma doença! As
pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada
na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é
diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações
futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a
fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem
gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a
natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da
floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas - e tampouco a
energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta
para o manejo - sendo que ela é fonte de renda da população local -, é
ela que evita, também, o aquecimento global, desequilibra ambiental e
socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta
como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e
muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional
daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão
com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o
Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi
a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas
Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de
exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira
“legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos
proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito
milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A
MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no
governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o
agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no
Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente.
Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial
natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência
pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem
implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o
exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da
floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio+20 nesse cenário?
Osmarino - A Rio+20 será para
selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia
sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos,
que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro,
sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A
Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de
ONGs e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é
uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da
natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é
direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje
uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e
privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa
proposta que será selada na Rio+20. Essa é uma discussão que vem desde a
década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia
contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O
agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a
soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda
de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos
meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência,
da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso,
mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No
entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o
seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na
região.
Qual projeto que você acredita que
falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos
populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino - O que todo mundo tem
que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve
aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado!
Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe
trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa
sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária.
Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das
populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de
banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca
precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo
indígena é uma nação... índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente
precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema
capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das
universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma
sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que
implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na
elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do
calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar
deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada
realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos
aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável - um
projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais,
pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos
que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na
internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então
passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser
preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos
cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a
depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A
indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula
tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no
entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra
da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos
que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é:
discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e
da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se
rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos
que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da
educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a
capacidade de mobilização que precisamos.
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social
Lula Falcão no A VERDADE
Durante décadas, o Estado do bem-estar
social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos
burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a
propriedade privada dos meios de produção e o lucro
podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de
padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade
social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise
econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a
demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e
aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por
ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de
exploração para o capital na década de 80.
Agora,
os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem
discursos e publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos
sociais dos governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a
incompatibilidade entre os interesses da classe capitalista de obter
lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da
sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do
bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso
crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de
enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem
precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e
manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.
Austeridade só para os trabalhadores
O fato é que um por um os direitos que
os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de
luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a
mando da União Europeia, do Banco
Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão
implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem
pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e
tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar
um salário menor pela força de trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um
empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada
a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário
mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de
empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos
Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a
mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os
salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas
estão sendo sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um
técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que
além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos
trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão
do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias
da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos
aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios. Até na
Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União
Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24
anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre
os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos
estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o
desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais
levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas
quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens
que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou
vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm
emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens
forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é,
milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam
desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos
meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se
entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico
de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam
desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl
Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de
1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador
assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.
FMI exige mais arrocho
Não bastasse, a última reunião do
Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de
abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos
da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e
evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das
Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países
europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado.
Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social,
administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que
poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”.
Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica
FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um
serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para
que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto
pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica
sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde,
educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o
número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições
humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de
estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de
pagamento das mensalidades.
Segundo documento do Eurostat, mais de
115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27
Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e
exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda
maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano,
milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e
centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o
Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de
euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos
devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a
proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a
Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas
de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a
Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos
impostos.
Na realidade, todos os países que têm
seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de
tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista,
tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há
cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB
em comparação com o ano passado. Não bastasse, a dívida grega, apesar
de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões
de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012. Portugal, segundo o boletim
do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o
consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo
sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua
história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.
Quem paga a conta?
Por outro lado, ao mesmo tempo em que
aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro
público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430
bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise. Esses
430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos
povos que pagam impostos. Os EUA não se comprometeram com nenhum
centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em
2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10
bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e,
agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe
pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o
FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para
evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a
US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a
que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe
capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo
deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um
empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões
ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos
exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo
dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal
no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e
cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é
sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital
financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital
bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a
moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas
fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos
e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total
impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e
da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um
punhado de ricos. Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300
milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da
população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe
rica vive na fartura e no esbanjamento.
A repressão ao movimento operário e popular
Mas, por que as centenas de greves e de
manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que
conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia,
Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da
Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram
força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os
trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na
Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma
trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos
protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são
realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou
vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso
político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o
equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se
transforma em prisão perpétua. Essa, aliás, é uma política globalizada
pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da
Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há
30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500
mil reais para sair da cadeia. Nos EUA, em
um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a
dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de
estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de
Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os
maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as que mais registraram
prisões. Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram
depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar
centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos
EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa
que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso)
restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma
multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas
nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo
o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos
confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu
adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e
fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior,
Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor
uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”.
“Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a
exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do
Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários
protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o
início da crise.
A importância da repressão para manter o
sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à
Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das
verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos
populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com
os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de
armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com
o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo
(Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares,
dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças
dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede
que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos
partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe
operária. Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a
simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda:
o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm
subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma
demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).
De fato, para realizar uma revolução é
necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade
da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto,
só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as
concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou,
como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar
como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio
capitalismo forem derrotadas. Propõem que o “estado de bem-estar
social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores,
esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer
moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar
algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam
ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como
revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar
com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de
maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas
revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento
operário e popular.
Lula Falcão, membro do Comitê Central do PCR
(Publicado em A Verdade nº 139, maio de 2012)
Agora, todos são suspeitos…
John Pilger
Agora que os EUA estão em guerra permanente com o resto do mundo, todos estamos na linha de fogo. O que fazer então?
Todos
são potenciais terroristas. Não interessa que se viva na Grã-Bretanha,
nos Estados Unidos, na Austrália ou no Médio-Oriente. Na verdade, a
cidadania foi abolida. Ligue-se o computador e o centro de operações de
segurança nacional do Departamento de Estado pode verificar
se se está a teclar não só “al-Qaeda”, mas também “exercício”, “furo”,
“onda”, “iniciativa” ou “organização”, todas elas palavras proscritas. O
anúncio pelo governo britânico de que pretende espiar todos os emails e
chamadas telefónicas é coisa velha. O satélite aspirador conhecido por
Echelon tem estado a fazer isso há anos. O que há de novo é estado de
guerra permanente desencadeado pelos EUA e o estado policial que está
consumindo a democracia ocidental.
O que fazer?
O que fazer?
Através do espelho
Na Grã-Bretanha, há tribunais secretos a tratar de “suspeitos
terroristas” sob instruções da CIA. O Habeas Corpus está moribundo. O
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que cinco homens,
incluindo três cidadãos britânicos, podem ser extraditados para os EUA,
embora apenas um deles tenha sido acusado de um crime. Todos têm estado
presos durante anos ao abrigo do tratado de extradição 2003 EUA/RU,
assinado um mês após a criminosa invasão do Iraque.
O Tribunal Europeu condenou este tratado como passível de conduzir a “castigos estranhos e cruéis”. A um dos homens, Babar Ahmad, foram concedidas a título de compensação £63.000 por 73 ofensas registadas sofridas sob custódia da Polícia Metropolitana. Uma das mais notórias foi abuso sexual, típica do fascismo. Outro dos homens é um esquizofrénico que teve colapso mental total e se encontra no hospital Broadmoor. Outro é um que corre risco de suicídio. Vão para a “Terra da Liberdade”, junto com o jovem Richard O’Dwyer, que enfrenta dez anos algemado e de fato-macaco laranja (farda prisional americana – N.T.) porque alegadamente infringiu o copyright americano na internet.
Da forma como a lei está a ser politizada e americanizada, estas coisas estranhas não são raras. Na elaboração da acusação contra um estudante universitário de Londres de nome Mohammed Gul, por disseminar “terrorismo” na internet, os júris do Tribunal de Recurso estabeleceram que “atos… contra as forças armadas de um estado em qualquer parte do mundo que procurem influenciar o governo e forem feitos com objetivos políticos” são agora crimes. É de chamar ao banco dos réus Thomas Paine, Aung San Suu Kyi e Nelson Mandela.
O que fazer?
O prognóstico é claro: a doença a que Norman Mailer chamou “pré-fascista” fez metástases. O procurador-geral dos EUA Eric Holder defende o “direito” do seu governo assassinar cidadãos americanos. Ao protegido Israel permite-se que aponte as armas nucleares ao Irão que não as tem. Neste mundo de espelhos, a mentira é generalizada. O massacre de 17 civis afegãos a 11 de março, incluindo pelo menos nove crianças e quatro mulheres, é atribuído a um soldado americano “canalha”. A “autenticidade” deste ponto de vista é garantida pelo presidente Obama que “viu um video” e o considera “prova concludente”. Uma investigação parlamentar afegã independente conseguiu testemunhas oculares que deram provas evidentes de pelo menos 20 soldados, auxiliados por um helicóptero, terem arrasado as suas aldeias, matando e violando: ainda que acessoriamente mais mortífero, um normal “raide noturno” das forças especiais US.
Pegue-se na tecnologia de matar dos jogos video – uma contribuição americana para a modernidade – e o comportamento é o mesmo. Mergulhadas nos valores da banda desenhada, fraca ou brutalmente treinadas, frequentemente racistas, obesas e chefiadas por uma classe de oficiais corrupta, as forças americanas transferem o homicídio doméstico para locais longínquos cujas desgraçadas lutas são incapazes de compreender. Uma nação que foi fundada com base no genocídio de uma população nativa dificilmente abandona o hábito. O Vietnam era “terra de índios” e os seus “ardis” e “chinesices” eram para serem “rebentados”.
O rebentar de centenas sobretudo mulheres e crianças na aldeia vietnamita de My Lai em 1968 foi também um incidente “canalha” e, com alguma irreverência, uma “tragédia americana” (título de capa da Newsweek). Apenas um dos 26 acusados foi condenado e mesmo esse foi deixado ir por Richard Nixon. My Lai está na província de Quang Ngai onde, conforme soube como reporter, se calcula que 50.000 pessoas tenham sido mortas por tropas americanas sobretudo nas chamadas “zonas de fogo livre”. Trata-se do modelo da moderna guerra. Tal como o Iraque e a Líbia, o Afeganistão é um parque temático para os beneficiários da nova guerra permanente da América: a NATO, as empresas de armamento e de alta tecnologia, os media e a indústria da “segurança” cuja contaminação lucrativa contagia a vida corrente. A conquista ou “pacificação” de território não interessa. O que interessa é a nossa pacificação, cultivar a nossa indiferença.
O que fazer?
O Tribunal Europeu condenou este tratado como passível de conduzir a “castigos estranhos e cruéis”. A um dos homens, Babar Ahmad, foram concedidas a título de compensação £63.000 por 73 ofensas registadas sofridas sob custódia da Polícia Metropolitana. Uma das mais notórias foi abuso sexual, típica do fascismo. Outro dos homens é um esquizofrénico que teve colapso mental total e se encontra no hospital Broadmoor. Outro é um que corre risco de suicídio. Vão para a “Terra da Liberdade”, junto com o jovem Richard O’Dwyer, que enfrenta dez anos algemado e de fato-macaco laranja (farda prisional americana – N.T.) porque alegadamente infringiu o copyright americano na internet.
Da forma como a lei está a ser politizada e americanizada, estas coisas estranhas não são raras. Na elaboração da acusação contra um estudante universitário de Londres de nome Mohammed Gul, por disseminar “terrorismo” na internet, os júris do Tribunal de Recurso estabeleceram que “atos… contra as forças armadas de um estado em qualquer parte do mundo que procurem influenciar o governo e forem feitos com objetivos políticos” são agora crimes. É de chamar ao banco dos réus Thomas Paine, Aung San Suu Kyi e Nelson Mandela.
O que fazer?
O prognóstico é claro: a doença a que Norman Mailer chamou “pré-fascista” fez metástases. O procurador-geral dos EUA Eric Holder defende o “direito” do seu governo assassinar cidadãos americanos. Ao protegido Israel permite-se que aponte as armas nucleares ao Irão que não as tem. Neste mundo de espelhos, a mentira é generalizada. O massacre de 17 civis afegãos a 11 de março, incluindo pelo menos nove crianças e quatro mulheres, é atribuído a um soldado americano “canalha”. A “autenticidade” deste ponto de vista é garantida pelo presidente Obama que “viu um video” e o considera “prova concludente”. Uma investigação parlamentar afegã independente conseguiu testemunhas oculares que deram provas evidentes de pelo menos 20 soldados, auxiliados por um helicóptero, terem arrasado as suas aldeias, matando e violando: ainda que acessoriamente mais mortífero, um normal “raide noturno” das forças especiais US.
Pegue-se na tecnologia de matar dos jogos video – uma contribuição americana para a modernidade – e o comportamento é o mesmo. Mergulhadas nos valores da banda desenhada, fraca ou brutalmente treinadas, frequentemente racistas, obesas e chefiadas por uma classe de oficiais corrupta, as forças americanas transferem o homicídio doméstico para locais longínquos cujas desgraçadas lutas são incapazes de compreender. Uma nação que foi fundada com base no genocídio de uma população nativa dificilmente abandona o hábito. O Vietnam era “terra de índios” e os seus “ardis” e “chinesices” eram para serem “rebentados”.
O rebentar de centenas sobretudo mulheres e crianças na aldeia vietnamita de My Lai em 1968 foi também um incidente “canalha” e, com alguma irreverência, uma “tragédia americana” (título de capa da Newsweek). Apenas um dos 26 acusados foi condenado e mesmo esse foi deixado ir por Richard Nixon. My Lai está na província de Quang Ngai onde, conforme soube como reporter, se calcula que 50.000 pessoas tenham sido mortas por tropas americanas sobretudo nas chamadas “zonas de fogo livre”. Trata-se do modelo da moderna guerra. Tal como o Iraque e a Líbia, o Afeganistão é um parque temático para os beneficiários da nova guerra permanente da América: a NATO, as empresas de armamento e de alta tecnologia, os media e a indústria da “segurança” cuja contaminação lucrativa contagia a vida corrente. A conquista ou “pacificação” de território não interessa. O que interessa é a nossa pacificação, cultivar a nossa indiferença.
O que fazer?
Verdadeiros camaradas
A queda no totalitarismo tem marcos. Num dia destes, o Supremo
Tribunal em Londres decidirá se o editor da WikiLeaks, Julian Assange, é
extraditado para a Suécia. Caso este recurso final falhe, o facilitador
do conhecimento da verdade a uma escala épica, sem acusação de qualquer
crime, vai ter de enfrentar reclusão em isolamento e um interrogatório
sobre alegações sexuais ridículas. Graças a um acordo secreto entre os
EUA e a Suécia, pode ser “entregue” ao gulag americano em qualquer
altura.
No seu próprio país, a Austrália, a primeiro-ministra Julia Gillard conspirou com aqueles de Washington a quem chama os seus “verdadeiros camaradas” para garantir que o seu concidadão seja vestido de fato-macaco laranja se se der o caso de voltar para casa. Em fevereiro, o seu governo escreveu uma “emenda WikiLeaks” ao tratado de extradição entre a Austrália e os EUA que torna mais fácil aos seus “camaradas” deitarem-lhe a mão. Deu-lhes inclusivamente o poder de aprovação sobre investigações de Liberdade de Informação, de forma a que o mundo exterior possa ser enganado, como é costume.
O que fazer?
No seu próprio país, a Austrália, a primeiro-ministra Julia Gillard conspirou com aqueles de Washington a quem chama os seus “verdadeiros camaradas” para garantir que o seu concidadão seja vestido de fato-macaco laranja se se der o caso de voltar para casa. Em fevereiro, o seu governo escreveu uma “emenda WikiLeaks” ao tratado de extradição entre a Austrália e os EUA que torna mais fácil aos seus “camaradas” deitarem-lhe a mão. Deu-lhes inclusivamente o poder de aprovação sobre investigações de Liberdade de Informação, de forma a que o mundo exterior possa ser enganado, como é costume.
O que fazer?
Tradução: Jorge Vasconcelos
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