quinta-feira, 31 de maio de 2012

A luta de classe é sempre pedagógica

Elaine Tavares - Adital

A greve dos trabalhadores do transporte público foi uma linda lição de luta de classe que durou três dias em Florianópolis. Nesses momentos de ruptura da ordem estabelecida é que se pode ver como todo esse pacto que os ditos liberais fazem de "colaboração e parceria” com os trabalhadores se traduz em nada. Basta que os trabalhadores exijam um direito, melhores salários e melhores condições laborais e o empresariado arreganha os dentes, acompanhado de toda a mídia comercial, mais os poderes da república. Tudo vira contra a luta dos trabalhadores. E eles ainda passam pelos grandes vilões.
Quem mora numa cidade grande, sabe. O trânsito mata. Não só por conta da violência dos acidentes, mas pelo caos diário que provoca estresse e selvageria. Nesse universo, um motorista de ônibus, que faz dezenas de viagens, iguais e repetitivas, está submetido a forte pressão. Não é à toa o pedido de redução de carga horária para seis horas. E a resposta dos empresários? "Isso é impossível, vamos ter de contratar mais gente!”. Mas, ora, e isso não é bom? Mais emprego, mais "colaboradores”? Pois ninguém fala sobre isso. A imprensa, feito papagaio, se limita a reproduzir à exaustão os argumentos pífios dos empresários.
Em todos os canais de televisão foram convidados os empresários do transporte, os lojistas, especialistas em economia e o festival de bobagens se espraiou. Reclamações indignadas dos comerciantes que estavam perdendo dinheiro. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Declarações indignadas dos empresários do transporte sobre o prejuízo à cidade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Também a população era incitada a dar sua opinião, com os telefones abertos, para que reclamassem à vontade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores.
Uma reportagem da RBS mostrou um repórter, dentro de uma empresa de ônibus, no interior de um veículo que tentava furar o cerco que os grevistas faziam em frente ao portão. O espetáculo da defesa do direito daquele trabalhador específico que queria trabalhar, e não podia. Uma minoria entre os motoristas e cobradores, mas foi o que recebeu os holofotes. A maioria dos trabalhadores que enfrenta o trânsito maluco de uma cidade que prioriza o carro não teve sua história contada. As duas seriam boas histórias, as duas, e não apenas um lado da moeda.
Não teve repórter na casa de um motorista mostrando seu cotidiano, sua vida na periferia, seu acordar de madrugada, seu medo de assalto nos madrugadões, o sacrifício para criar os filhos. Não. A dor era a dos empresários que, desgraçadamente, estavam tendo prejuízos por conta do fato de que os trabalhadores estavam exigindo direitos.
Também os números eram manipulados na cara dura. "Os empresários estão dando aumento de 7%, o que querem mais?”, diziam os comentaristas, arvorados subitamente de defensores da ordem e das gentes. Mentira. A proposta era de recomposição salarial de quatro e pouco, mais dois de aumento real. Os mesmos comentaristas, inflamados diante da ousadia dos trabalhadores não eram capazes de falar que em Florianópolis são apenas cinco empresas que cobrem o serviço de transporte, que há um monopólio de linhas, que as gentes não têm opção, que nunca houve licitação para a contratação das empresas, que tem gente graúda da política com ações nessas empresas. Nenhuma confrontação de dados sobre os lucros das empresas, do que a prefeitura joga de dinheiro público no serviço privado. Nada. Hélio Costa foi o único que fez alguma pergunta incômoda ao representante dos empresários, mas acabou incorporando o discurso de que o caos era culpa dos trabalhadores.
O prefeito Dario Berger, como sempre, foi um fiasco, agindo como se a prefeitura não tivesse nada o que fazer diante da "violência” imposta pelos trabalhadores. Seu único arroubo foi dizer que mandaria punir os donos de vans que estariam cobrando a mais dos quatro reais autorizados pela prefeitura. E nenhum repórter ou comentarista para questionar essa omissão.
A procuradoria foi rápida em dar seu parecer, lançando uma nota digna de "nota”. Chegou a propor a demissão de 10% dos trabalhadores de cada empresa, como medida de punição aos trabalhadores em luta. E a nota era lida e relida, como se fosse a verdade verdadeira. Lembrei-me do dia em que entramos na Justiça com pedido de suspensão do show do Bem Harper, no Campeche, que estava sendo proposto em uma área de preservação permanente. Nenhuma palavra da "justiça”. Contra os ricos não há ação "punitiva”. Não há. É fácil ser valente diante daqueles que só têm os "seus corpos nus”, como diria o grande contador de histórias do povo, o repórter Marcos Faerman.
Mas essa gente aguerrida fez a sua luta. Mostrou que esse papo de conciliação entre capital e trabalho não existe. Não há como existir. Os trabalhadores estarão sempre em busca de melhoria no seu fazer cotidiano que, dentro do capitalismo, sempre será de exploração. É uma corda esticada no limite. E nesse cabo de guerra, os empresários nunca – eu disse nunca – serão bonzinhos. Cada pequeno avanço só vem com luta, luta forte, luta renhida. Assim, quando a luta de uma categoria se faz, o certo mesmo é haver a união de classe. Os trabalhadores todos, juntos, apoiando a luta daqueles que tiveram coragem de fazê-la.
Aí, agora, os papagaios dos poderosos já estão atuando ideologicamente. Os trabalhadores venceram essa queda de braço, arrancaram mais uma coisinha dos patrões. Isso não pode ficar impune. Então, o braço duro da vingança vem com força. Já começam a falar em aumento da tarifa. E aí, a culpa será de quem? Dos trabalhadores que lutaram. Falar-se-á em conluios, em tramoias entre o sindicato dos trabalhadores e os patrões. Dir-se-á que foi tudo armado, que era jogada. E mais uma vez os trabalhadores serão punidos, porque ousaram lutar e vencer.
Então, quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. A greve é a expressão da luta de classe. A greve é a ruptura da ordem que impõe a exploração aos trabalhadores. A greve é um dos poucos recursos de força que os trabalhadores têm para negociar. Ela é necessária para que os direitos avancem. Se vier aumento, não é por causa da greve. É porque os empresários não querem diminuir em um centavo sequer os seus lucros. Então, eles, não satisfeitos em sugar os trabalhadores, ainda sugam o povo. Se vier aumento, a causa é a ganância pelo lucro, a omissão de uma prefeitura que não se importa com os cidadãos.
E se ele, o aumento, de fato vier? Então, será hora de a população aprender com os motoristas e cobradores. Lutar e vencer!

Elaine Tavares
Jornalista do Instituto de Estudos Latino-americanos

Pluralismo restrito

Enquanto o Brasil cresce e atrai imigrantes, São Paulo repete com os bolivianos do século 21 o preconceito contra os nordestinos do século 20

Por: João Peres na REDE BRASIL

Pluralismo restrito
(Foto: Gerardo Lazzari)

Os irmãos Mamani sofrem da sina do mal viver. Uns nasceram na Bolívia, outros vieram ao mundo no Brasil. Não importa: os traços andinos, o jeito tímido e a pele morena são pecados suficientes para dar-lhes, em vida, o direito ao calvário. Não há idade para começar a pagar penitência. É o despertar dos colegas à intolerância ao diferente o que sela a sorte desses meninos e meninas.
Jeferson, de 16 anos: “A maioria dos brasileiros não fala com a gente. E tudo o que acontece é nossa culpa. Falam que a gente só traz cocaína para cá”
Laura*, de 11 anos, vive distante do mundo colorido de seus ancestrais. “Não quero mais ir para a escola”, diz, envergonhada, sem fitar os olhos alheios, na casa em que vive, uma mistura de oficina de costura e moradia. Ultrapassado um pesado portão de ferro, revelam-se uma escadaria íngreme e, logo adiante, uma construção inacabada dividida em três pisos, todos habitados por várias famílias. A mãe trabalha das 7h às 22h30, de segunda a sexta, e faz umas horinhas no sábado em uma sala quente, de telhas plásticas, um ventilador ruidoso e luminárias amarradas por barbantes, prontas para despencar. Os problemas de Laura aumentaram no ano passado, quando passou a ser xingada dentro e fora da sala de aula. E também na rua de casa, onde é agredida fisicamente, o que torna as saídas cada vez mais escassas. “Falam que não gostam de bolivianos. A professora não faz nada”, queixa-se. Como ocorreu aos mais velhos, tomam-lhe o dinheiro do lanche. Como lhe ocorreu, contra o irmão de 7 anos, Álvaro*, atiram maçãs.Também batem e roubam. 
A família Mamani, na verdade, não é uma triste exceção. “Boliviano, vai para casa. Você veio aqui roubar meu emprego” é o resumo do ideário que move os xenófobos de São Paulo. “Preconceitos que se encontram na rua estão na escola de maneira bastante evidente. Muitos professores moram no bairro e acabam por reproduzir o discurso”, afirma a pesquisadora Giovanna Modé, responsável pela tese de mestrado “Fronteiras do direito humano à educação”. 
BOLIVIA
(Foto: Gerardo Lazzari)
Bullying racial: Com tantos ataques, os irmãos Laura e Álvaro não querem mais ir à escola
A São Paulo do século 21, sempre orgulhosa de sua vanguarda, sai na frente outra vez ao tratar os bolivianos de agora como os nordestinos de outrora. “À medida que o Brasil se consolida como polo regional, naturalmente nossas fronteiras vão receber um contingente cada vez maior de estrangeiros. É uma inversão da história”, afirma o promotor Eduardo Valério, do Ministério Público Estadual em São Paulo. Em janeiro, ele enviou ofício à prefeitura da capital e ao governo do estado em que questiona quais políticas públicas específicas são oferecidas aos imigrantes bolivianos, calculados em 150 mil pessoas. Há trabalhos de esclarecimento na área de saúde? Assistência social voltada aos que chegam? Reforço de aulas de português nas escolas? Valério continua a esperar por uma resposta. “É o momento de mostrarmos que no Brasil se acolhe o estrangeiro com respeito aos direitos humanos”, adverte.

Bahia ou Bolívia?

“Cabeça chata” era a expressão generalizadora da segunda metade do século 20 em São Paulo. Trazia implícito um pacote de adjetivos: lento, vagabundo, burro, incompetente, todos em oposição a uma suposta aptidão paulistana ao trabalho e ao sucesso individual. O “Bahia”, designação para todos os migrantes nordestinos, deu lugar ao “Bolívia”. “Vocês são índios. Sai daqui” é frase comum aos ouvidos de Cristina Rivas, de 27 anos, há 20 em São Paulo. Um preconceito mal resolvido se soma a outro. Os traços similares aos de grupos indígenas brasileiros rendem aos bolivianos chegados à cidade uma série de preconceitos: sujo, preguiçoso e bêbado. “As crianças viam a gente como se fosse um bicho diferente”, lembra. “Como eu era tímida, nem falava. Não conseguia aprender porque tinha medo de perguntar.”
Problema parecido passou Carla Yanapa, hoje com 19 anos. Chegou ao Brasil com 9, já na 4ª série, e logo contou com a compreensão das professoras para a fase de adaptação: “Vai escrever ou não vai escrever?” Em seguida, tomava “ponto negativo” por não conseguir redigir nada em português. Foi na marra, no passeio com o tio pelo bairro, no diálogo com a televisão, que ela aprendeu a se virar. “As professoras davam indireta de que boliviano não toma banho.” Quando mudou para outra escola, passou a contar com a ajuda dos docentes. Mas, aí, eram os colegas que não davam sossego. “Empurravam, quebravam minha presilha de cabelo.”
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(Foto: Gerardo Lazzari)
 Em oficinas de costura improvisadas, trabalha-se das 7h30 às 22h30. Muitas crianças acompanham os pais
Giovanna Modé analisou um universo estimado em quase 1.500 bolivianos que estudam na rede pública em São Paulo. Eram raras as iniciativas de dar reforço escolar aos recém-chegados e de respeitar o tempo de adaptação a um novo país. Muitos dos imigrantes estão, na verdade, em um segundo momento de mudança. Primeiro, deixaram o interior da Bolívia, muitas vezes falando pouco de castelhano – a língua mais usada é o aimara –, e se mudaram de La Paz, com 900 mil habitantes, para uma selva de 11 milhões de almas. “Não existe política pública no sentido de reconhecer as particularidades da população”, aponta a hoje integrante da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação. No caso de Carla, a persistência e a vontade de ajudar os pais a terem uma vida melhor acabaram prevalecendo, e este ano ela começou a cursar Jornalismo. 
Mas a cidade que recebe a todos de braços abertos tem os punhos cerrados para os bolivianos. A cada cinco palavras ditas por María Sosa*, uma é medo. Outra é insegurança. Desde que apanhou, em novembro do ano passado, raramente ultrapassa o portão de casa. A filha, Jimena*, havia se transformado em alvo predileto das “brincadeiras” na classe. Um dia, colocaram em sua mochila objetos de outra menina, que logo a acusou de ladra. 
Chamada à escola, María deparou com o pai da suposta vítima, que, ao notar sua origem, se transformou: “Seu lixo, boliviana de merda, vem aqui no meu país me roubar. Merda de boliviana”. A diretora pediu a María que esperasse na sala ao lado até que o senhor se acalmasse, mas, ao primeiro sinal de distração, ele correu atrás dela, puxou-a pelos cabelos e passou a arrastá-la pelo chão aos gritos de “boliviana de merda, vai embora”. 
A única coisa em que o agressor acertou foi ao dizer que a agredida, por ser boliviana, jamais conseguiria puni-lo. Ao tentar o apoio da Polícia Militar, da Polícia Civil e da diretoria da unidade, só encontrou quem a desencorajasse a levar o caso adiante. Passou, então, a ter medo e, após dez anos em São Paulo, vive da porta para dentro. “Minha mãe me levava no parque, no zoológico”, lamenta Jimena, de olhos doces e fala mansa. “Ela ficou mais nervosa depois daquilo, briga comigo.” A família espera apenas o término do ano letivo para regressar a La Paz. 


Problemas invisíveis

Se na educação os problemas se multiplicam, eles aparecem também na saúde e na assistência social. “O ilegal não quer ser notado”, diz Deisy Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e atuante na área da integração sul-americana. E mesmo o legal enfrenta problemas: a Cristina tocou trabalhar na costura, outro pacote preconcebido por São Paulo ao boliviano. “Eu me preparei bem, fiz cursos, mas nas empresas não aceitam estrangeiros.” 
Estrangeiros, aceitam. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, 70.524 autorizações de trabalho foram concedidas a naturais de outros países em 2011, 14 mil a mais que no ano anterior e 36 mil a mais na comparação com 2008. “Acreditamos no mito de que somos um país aberto. A imigração bem-vinda é a branca, associada a um trabalho de formação do país”, diz Deisy. “O governo brasileiro dificulta a regularização. Não regularizar o imigrante é excluí-lo da vida social.” 
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(Foto: Gerardo Lazzari)
Sina Cristina vive há 20 anos em São Paulo, mas ainda é vítima de preconceito. Só consegue trabalho nas oficinas de costura
Trancados em oficinas, muitas vezes submetidos a jornadas extenuantes, de segunda a sábado, não têm acesso a fontes de informação. “Nos países de origem não há saúde pública. É importante informá-los”, diz o coordenador-geral do Centro de Apoio ao Migrante (Cami), Roque Patussi. “Um dos fatores que afastam o estrangeiro do posto de saúde é o medo de não ser compreendido.” Ele sugere campanhas no rádio e panfletos em castelhano como forma de contar aos bolivianos que os direitos humanos básicos são, afinal, universais e não dependem de documentação. Faltaria, ainda, combinar com os servidores públicos, que muitas vezes desconhecem a obrigação do atendimento ao estrangeiro. 
A advogada especializada em Direito Sanitário Tatiana Chang Waldman fez um levantamento com 28 mulheres bolivianas. Delas, três não haviam utilizado o sistema público de saúde. A dificuldade em ausentar-se do trabalho, o idioma e as diferentes relações culturais com o tratamento médico foram detectados como motivos para a frequência relativamente baixa de consultas. Três em cada quatro entrevistadas disseram haver diferenciação no tratamento – “olham feio”, “gritam” e “não têm paciência” foram alguns dos relatos. Para a pesquisadora, porém, a percepção sobre o preconceito no atendimento de saúde pode ser fruto de situações vividas em outras partes da cidade.
“Por que não se faz um trabalho na Kantuta?”, questiona Patussi, fazendo referência à praça adotada pela comunidade na zona norte paulistana. Aparentemente, não se vê muito glamour nos encontros de bolivianos. Em 24 de janeiro, a festa de Alacitas, tradicional celebração andina, tomou a rua Coimbra, na zona leste. Mas rapidamente apareceu a Guarda Civil Metropolitana, força de repressão municipal, para tentar barrar a reunião sob a alegação de irregularidades. Isso na véspera do aniversário do município, ocasião na qual vídeos e fotos exaltam uma vocação pluralista. “Somos descendentes dos incas. As pessoas veem que não somos daqui”, constata Marcelo Laura, há 18 anos no Brasil, hoje dono de um negócio de comidas típicas. Nada próximo do folclore do Bexiga, a Bela Vista, reduto italiano, ou da harmonia da Liberdade, de chineses e japoneses, ambos com festas promovidas pela administração municipal.


Anistia incompleta

O governo federal abriu em 2009 uma anistia aos estrangeiros. Na primeira fase, inscreveram-se 45 mil pessoas, mas, na hora de fazer a conversão ao visto permanente, dois anos depois, apenas 18 mil conseguiram. O problema principal, exposto ao secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, foi o tratamento pouco amável da Polícia Federal. Abrão assumiu o esforço de amenizar as exigências, mas esbarrou na atuação dos agentes federais. 
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(Foto: Gerardo Lazzari)
Na tentativa de regularizar a situação, Elizabeth e Rober foram enganados por um falso advogado. Tiveram de pagar uma multa de R$ 4.200 à PF e ainda estão sem documentos 
A intransigência do órgão levou Elizabeth Espinoza e o marido, Rober Chuquimia, a cair no conto do vigário. Passando-se por advogado, um homem cobrou R$ 1.000 para ensinar o caminho da regularização. Por fim, tiveram de desembolsar R$ 4.200 à PF, o golpista sumiu e os papéis ainda não saíram. Toda vez que procuram alguma luz entre os servidores da polícia, recebem a recomendação de esperar. Sem dinheiro no bolso, com três filhos para sustentar, não conseguem voltar para a Bolívia nem viver em São Paulo.
Também convidada a sair foi Yeda*, mãe dos sete irmãos Mamani. O mais velho, de 19, deixou os estudos. A violência atrapalha igualmente os irmãos do meio. “Foi terrível”, lembra Jeferson*, de 16, sobre o dia em que bateram no primo. Andar pela rua é sinônimo de ser assaltado. “Tudo que acontece é nossa culpa. Falam que a gente só traz cocaína para cá.”
Para piorar, em dezembro o marido de Yeda deixou a família. Laura dorme pouco e, quando o faz, tem pesadelos. “Não tenho mais família. Quero ir para o orfanato. Aqui está ruim. Na escola está ruim.” A mãe recebe, em média, R$ 3 por peça costurada, o que toma uma hora e meia de trabalho. Sem o marido, não dá conta das despesas. Espera angariar R$ 1.400 para levar a família de volta. “A inclusão é boa para todos. É a convivência que faz a diferença para uma sociedade mais justa e igualitária”, diz Giovanna Modé. Se depender do senso de justiça de alguns órgãos públicos, o promotor Valério continuará a esperar sentado. Se depender da ajuda dos vizinhos, Yeda pode começar a rezar para Pachamama. 

* Nomes fictícios

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Música dos sumérios, egípcios e gregos antigos

No SUL21

Se alguém reclamasse que temos postado pouca música antiga, eu teria que aceitar a crítica. Então, pago parcialmente a dívida com um disco muito especial. Dizem que se trata de uma das melhores recriações da música antiga. Ou da pré-antiga… Porque estamos falando em até 1000 anos antes de Cristo. A avaliação dos musicólogos sobre este trabalho é a mais favorável possível.
Ah, talvez seja importante dizer que ouvi o CD e gostei muito.

Music of the Ancient Sumerians, Egyptians & Greeks

Music from c. 1950 B.C. to 300 A.D.
A.D. é Anno Domini ou depois de Cristo
(Including the world’s oldest notated music)
performed on voice, lyres, kithara, pandoura, double reed pipes,
flutes & other ancient instruments.
1. Musical Excerpts….Anon. (2nd c. AD)
2. Lament…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
3. Fragment 1…Anon. (2nd c. AD)
4. Paean…Anon. (3rd or 4th c. AD)
5. Trochaic fragment….Anon. (3rd c. AD)
6. Four settings of a line from “Epitrepontes” by Menander…Anon.(3rd c.AD)
7. Excerpts mentioning Eros and Aphrodite…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
8. Musical excerpt…Anon. (3rd c. AD)
9. Hypolydian excerpt…Anon. (2nd or 3rd c. AD)
10. Fragment 3…Anon. (3rd c. AD)
11. A zaluzi to the gods…Anon. (c. 1225 BC)
12. Hurrian Hymns 19 and 23…Anon. (c.1225 BC)
13. Hurrian Hymns 13 and 12…Urhiya/Anon. (c. 1225 BC)
14. Hurrian Hymn 2…Anon. (c. 1225 BC)
15. Hurrian Hymn 8…Urhiya (c. 1225 BC)
16. Hurrian Hymn 5…Puhiya(na) (c. 1225 BC)
17. Hurrian Hymns 4, 21 and 22… Anon. (c. 1225 BC)
18. Hurrian Hymns 7 and 10…Anon. (c. 1225 BC)
19. Hurrian Hymns 16 and 30…Anon. (c.1225 BC)
20. Musical Instructions for “Lipit-Ishtar, King of Justice” (c. 1950 BC)
21. Trumpet call…Anon./Plutarch
22. Isis sistrum rhythm…Anon./Apuleius
23. Theban banquet scene…Anon. (14th c. BC)
24./25. Harp pieces (A) (B)…Anon. (7th or 6th c. BC)
Gayle Stuwe Neumann (strings, voice, percussion)
Philip Neuman (winds, strings, percussion, voice)
Ensemble De Organographia

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE


Um músico sumério toca uma lira 11 cordas

Renascimento da esquerda dá nova esperança à Europa, diz líder comunista francês


Pierre Laurent, líder do PCF, aposta nas legislativas e vê Frente de Esquerda longe do governo Hollande
Luiza Duarte/Opera Mundi


O secretário-geral do PCF, Pierre Laurent, que comanda também a coligação de esquerda europeia

“Uma vitória que lança uma nova esperança na França e na Europa”. É assim que Pierre Laurent, secretário-geral do PCF (Partido Comunista Francês) e presidente do PGE (Partido da Esquerda Europeia), composto por 26 partidos europeus, avalia a eleição do socialista François Hollande à presidência francesa no último dia 6 de maio, colocando fim a um domínio eleitoral de três mandatos de direita.

Jornalista de formação, Laurent dirigiu o diário francês de esquerda L'Humanité por quase dez anos e se diz muito satisfeito com o desempenho da Frente de Esquerda (coligação formada pelo PCF com o Partido de Esquerda) e de seu candidato, Jean-Luc Mélenchon, que obteve 11,1% dos votos no primeiro turno.

O dirigente concedeu uma entrevista a Opera Mundi na histórica sede do PCF, em Paris, projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer entre os dois turnos da eleição presidencial.

Enquanto a nova gestão socialista já anuncia as primeiras medidas após a posse do governo no último dia 15, as outras correntes de esquerda redefinem estratégias e concentram forças para as eleições legislativas, que serão realizadas entre os dias 10 e 17 de junho.

***

Opera Mundi: Logo depois do anúncio dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial que indicou a disputa final entre Hollande e o presidente Nicolas Sarkozy, da UMP (União por um Movimento Popular),  Mélenchon comunicou o apoio da Frente de Esquerda a Hollande sem contrapartida. Por que não houve negociação para formar uma aliança?
Pierre Laurent: A primeira razão é que não tínhamos a menor dúvida de que era preciso derrotar Sarkozy no segundo turno. Para nós, não era uma questão condicionar nosso engajamento de  livrar o país da direita. Queríamos que nosso chamado fosse claro e sem ambiguidade sobre essa questão.

A segunda é que a eleição presidencial é seguida por outra muito importante, a legislativa. A maioria parlamentar que vai acompanhar o novo presidente será decidida nesse momento e a Frente de Esquerda irá com as mesmas propostas que defendeu  na presidencial. Não iremos renunciar. Só depois das duas eleições é que veremos os contornos possíveis da maioria e o lugar ocupado pela Frente de Esquerda.

OM: Então não podemos pensar em uma participação do PCF no governo Hollande?
PL: Realizaremos uma conferência nacional do PCF na semana seguinte à legislativa para avaliar a situação e tomar uma decisão definitiva. Na situação atual, Hollande anuncia que o governo deverá botar em prática apenas seu programa de governo e nada além.

Nós temos desacordos importantes com essas propostas e a ambição de mudar as coisas com a legislativa. O resultado que obtivemos na presidencial nos dá um peso importante na futura maioria, queremos ampliar o placar e mudar essa situação. A vitória do PS não poderia ser possível sem a Frente de Esquerda. Só no final de junho vamos avaliar se os socialistas aceitam considerar temas importantes para nós, relativos aos salários, criação de empregos no serviço público, indústria nacional e reorientação da política europeia.

Atualmente temos muitas diferenças com o programa presidencial de Hollande para governar nessa situação, mas temos ambição de mudar esse contexto.

OM: Não houve nenhum gesto do PS para integrar propostas da FE?
PL: Não. Por enquanto, Hollande diz que apenas o seu programa será aplicado.

OM: E qual será a estratégia da Frente de Esquerda daqui para frente?
PL: Com Sarkozy derrotado, nós entramos em um período totalmente novo. Os que votaram com a esquerda esperam muitas mudanças sobre as grandes questões sociais, sobre a redução da desigualdade que explodiu ao longo dos últimos cinco anos e também em termos de direito, liberdades e política europeia. Há muita expectativa.

Espero que continuemos na maioria parlamentar com uma bancada da Frente de Esquerda reforçada. Também continuaremos presentes nas mobilizações sociais que acontecem no país, vamos continuar levando essas propostas de mudança e faremos de tudo para que o novo governo as considere. Nossa estratégia será de mobilização popular cada vez mais importante e longa. Não queremos que a mobilização que foi a característica de nossa campanha se interrompa com a eleição, a fim de garantir que a política do novo governo vá de encontro as nossas propostas. Essa batalha não irá se encerrar na esquerda não importa qual seja o governo.

OM: Qual a avaliação o senhor faz do desempenho nessas eleições? Por que a Frente de Esquerda não conseguiu integrar partidos de extrema-esquerda como o NPA (Novo Partido Anti-Capitalista) e o LO (Luta Operária)?
PL: Nós fazemos uma avaliação extremamente positiva da campanha. O conjunto de votos das forças de esquerda, que soma os Ecologistas, o PS e a Frente é muito elevado comparado às eleições precedentes. Esse progresso se  deve ao progresso da Frente de Esquerda. Fomos a força mais dinâmica e a que mais progrediu na esquerda, graças ao projeto unitário que implantamos. Conseguimos em três anos, quando criamos a Frente, unir forças que estavam dispersas e que se juntaram para renovar o projeto.

É também o resultado de um programa que foi elaborado depois de muito debate nos país. Chamado de “O humano primeiro (L’humain d’abord, em francês)”, ele é uma ruptura forte com a lógica liberal que foi aplicada nesses últimos 20 anos. Esse programa teve um impacto muito grande no debate político. Hoje, há uma dinâmica social entorno da Frente.

O PCF, que é um dos criadores da Frente, está extremamente satisfeito desse balanço. Tentamos unir todas as forças disponíveis vindas de todas as famílias da esquerda, mas algumas como a direção  do NPA e da LO não quiseram. Eles obtiveram resultados muito baixos por causa disso, o isolamento deles não foi compreendido nem por seus próprios militantes. Hoje, a maioria dos militantes NPA abandonou essa organização para integrar a Frente. Os que ainda não fizeram o farão, porque a dinâmica da Frente de Esquerda é muito atrativa.

“Primavera do Quebec” sacode província canadense em defesa do acesso democrático à educação

 Ana Cristina Carvalhaes  no CORREIO DA CIDADANIA 


Claro que os processos de mobilização ampla sempre impressionam, em particular aos que simpatizam de antemão... De qualquer modo, não é exagero afirmar que há algo de novo no reino do Primeiro Mundo. No Quebec, a província mais populosa e mais rica do industrializado Canadá, uma greve começou estudantil e se tornou a maior mobilização popular do pós-guerra.

Os mais de 7 milhões de habitantes do Quebec são descendentes de colonizadores franceses, em contraste com as outras nove províncias anglófonas do país. 82% dos quebequianos são franco-canadenses e 10% anglo-canadenses. A província é de tradição ultracatólica e conservadora: até os anos 60, a Igreja Romana monopolizava a educação, por força da constituição provincial. À Universidade superelitista chegavam 3% dos jovens francófonos do lugar e não mais que 11% dos anglos.

Nos revolucionários anos 60, com o Partido Liberal do Québec (tido como progressista) no poder, a educação passou à responsabilidade do Estado provincial, que mantém os liceus secundários e universidades. Os liberais são os mesmos que, liderados pelo premiê Jean Charest, hoje enfrentam as passeatas e panelaços da rebelião. Nas Universidades, estuda-se em troca de uma taxa anual chamada de “direitos de escolaridade” ou simplesmente frais (custos), que começou nos 500 dólares canadenses (R$ 1.000 de hoje) ao ano e veio aumentando e se congelando de acordo com a correlação de forças.

É o equivalente à "tuitions" das universidades privadas norte-americanas. (Não é exatamente a soma das mensalidades das privadas brasileiras, porque inclui impostos.) Pois o governo de Monsieur Charest decidiu, em 2010, que a partir de 2012 até 2017 haveria um aumento progressivo da taxa, dos atuais 2.168 dólares canadenses (cerca de R$ 4.200) ao ano para o equivalente a R$ 7.300, o que significa 75% de aumento em cinco anos.

Como essas cifras anuais podem até parecer pouco para os castigados estudantes de escolas privadas no Brasil, é bom ressaltar os seguintes dados: dois terços dos universitários quebequianos não moram com os pais, 80% estudam e trabalham em regime parcial, 40% não recebem ajuda alguma da família e os outros 60%, além de ajuda, se endividam para bancar os estudos. Porque quase todos precisam de período integral, ou quase isso, para concluir os cursos.

Segundo o IBGE deles, a Statistique Canada, o aumento de 200% nos custos de estudos entre 1995 e 2005 fez saltar de 49% a 57% a proporção de secundaristas que desistem da universidade. Outro detalhe interessante: o mercado de empréstimos para pagar as "frais" criou, com a financeirização, uma bolha especulativa com papéis lastreados em empréstimos estudantis... Os analistas norte-americanos se arrepiam só de pensar...

Pois bem, enquanto o governo liberal preparava o pacotaço, as organizações estudantis preparavam a greve, que começou em 13 de fevereiro deste ano. Em 22 de março, uma data "nacional" quebequiana (com tradição de luta por autonomia frente ao governo central do Canadá), aconteceu a maior passeata da história de Montreal, a maior cidade da província. Incapaz e refratário a negociar, o governo liberal começou a ver cair mais rapidamente sua maioria nas pesquisas (até abril a opinião pública do Quebec ainda estava bem dividida em torno da necessidade do aumento das taxas).

Àquela altura, os estudantes já passavam a contar com o apoio de pais, mães, avós em passeatas diárias. Artistas, esportistas, personalidades, sindicatos e OAB local aderiram. Os jovens grevistas inventaram umas incríveis passeatas noturnas nas cidades quebequianas, com muitos tambores, cornetas e os indefectíveis paninhos vermelhos grudados nas lapelas. Em 13 de abril, o sindicato docente de uma das maiores universidades, Université du Québec en Outaouais (UQO), votou em assembléia partir para "ação direta" em defesa dos estudantes contra a polícia, o que desencadeou uma onda de adesões de professores. (Quem vir os vídeos das marchas no youtube vai identificar os docentes vestidos com trajes de “segurança” das manifestações.)

Acuado, Charest não teve melhor idéia do que fazer aprovar agora em maio, no parlamento provincial, que controla, uma Lei que restringe o direito de manifestação, impedindo aglomerações públicas de mais de 10 pessoas sem aviso prévio de 8 horas e licença da polícia, vetando reuniões a menos de 50 metros das universidades e proibindo o uso de máscaras, sob pena de multas altíssimas. A aprovação da lei foi o estopim de uma nova fase do movimento: os dirigentes chamaram a população a apoiar as passeatas, cada vez mais radicalizadas, com enfrentamentos, pedradas e pauladas com a repressão, com o barulho das panelas. As mesmas panelas do Chile de Allende e da Argentina do argentinazo.
O concerto das caçarolas
O Quebec vive há semanas um imenso e ininterrupto panelaço. A nova fase tirou da paralisia as velhas gerações. O movimento hacker Anonymous perpetrou uma invasão dos sites do ministério da Educação e do governo do Quebec. E a moçada autodenominou sua rebelião Primavera do Quebec, em analogia com a Primavera Árabe.

Este é um vídeo do movimento que se tornou um viral no mundo anglo-saxão, lindíssimo:

No dia 23 passado, depois de tentar excluir uma organização estudantil da mesa de negociações, a ministra da Educação caiu. Começaram sinais de concessões mínimas por parte do governo. Mas a radicalização do movimento parece estar impedindo os negociadores estudantis de qualquer recuo. E agora as ruas exigem a revogação da Loi 78, a que restringiu o direito de manifestação e expressão.

As principais organizações dos estudantes são a Federação dos Universitários do Quebec (FEUQ), a Federação dos Secundaristas (FECQ), e a interessante Classe, sigla em francês de Coalizão Ampla da Associação por uma Solidariedade Sindical Estudantil. Essa, organizada pela base, decide tudo em Congressos, não tem líderes, mas dois “co-porta-vozes”, e é ligada pelo menos a uma federação importante, a dos funcionários públicos do Quebec. A Classe tem como ponto programático a educação pública e gratuita e não aceita menos do que o congelamento das taxas.

No sábado, 26, o principal jornal de Montreal tinha como chamada de capa a decisão dos grevistas da fábrica da Rio Tinto Alcan, em Alma, Quebec, de se "somar à greve estudantil". Dizia um piqueteiro: "Nós nos manifestamos contra a obra de Charest. Chegou a hora de a voz do povo se fazer ouvir. Nós queremos denunciar a venda da eletricidade estatal à Hydro-Québec, mas também nossa solidariedade aos estudantes. O conflito é um conflito da sociedade contra o governo".

Impossível prever os desdobramentos dos fatos dos últimos 104 dias de luta. No entanto, há quem diga, como Jean Marc Léger, dono do Ibope canadense, uma das personalidades pró-movimento, que há no ar e nas ruas uma raiva maior do que a raiva contra o aumento dos "direitos de escolaridade". Léger é autor de um texto que já se tornou um manifesto do movimento. No estilo das pesquisas de opinião de que é especialista, ele diz: "E você? O que você defende? Retornar a seus velhos hábitos no conforto e na indiferença? Você acha essa greve super-simpática desde que não mexa na sua quietude e que passe logo para que tudo fique como antes? Muito bem, senhores babyboomers (cidadãos hoje entre 60 e 70 anos), vocês não entenderam nada desse movimento! Os meninos e meninas não querem mais carregar o fardo dos seus erros. Não os quebrem e dêem a eles a chance de vencer. Do contrário, vocês terão fracassado".

O movimento do Quebec, descaradamente boicotado pela grande mídia, conta com o apoio do Ocuppy Wall Street, dos estudantes da Universidade da Cidade Nova York, de universidades de todo o resto do Canadá e da Islândia! Bem que está precisando e merecendo um apoio fraterno dos sindicatos docentes, de professores e organizações estudantis brasileiras.

Ana Cristina Carvalhaes é jornalista.

Fora Gilmar Mendes! Impeachment já!

Por Altamiro Borges
O ministro Gilmar Mendes, que já foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem mesmo papas na língua – no sentido figurado do termo! Ele adora fazer declarações bombásticas, sem apresentar qualquer prova concreta. Bravateiro e leviano, ele já foi responsável por várias crises institucionais nos últimos dez anos. Mas na semana passada ele surtou de vez e pode ser obrigado a engolir a própria língua!
Em entrevista à revista Veja – sempre ela, a expressão maior do golpismo da mídia nativa –, ele afirmou que Lula tentou chantageá-lo durante recente encontro. O ex-presidente desmentiu, “indignado”, a versão. Nelson Jobim, velho amigo de Gilmar que esteve na estranha reunião, também “traiu” o colega. E o próprio ministro recuou numa entrevista à TV Globo. Gilmar desmentiu Gilmar!
O profético Dalmo de Abreu Dallari
Diante deste episódio canhestro, cada força política ocupou o seu lado da trincheira. A mídia partidarizada, com seus “calunistas” amestrados, voltou a satanizar o ex-presidente, retomando o seu ódio de classe. Os demotucanos também se excitaram e pediram a “condenação” de Lula. Já nas redes sociais, cresceu o clamor pelo impeachment de Gilmar Mendes (ou Mentes ou Dantas)!
Há fortes motivos para exigir o “Fora Gilmar”. Afinal, esta não é a primeira vez que ele apronta das suas, apesar do seu alto cargo no STF. Desde que foi indicado por seu amigo FHC, muitos já alertavam para o perigo que ele representava. Num artigo profético de maio de 2002, o renomado jurista Dalmo de Abreu Dallari já previa o pior. Vale reler:
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Folha de S.Paulo, 08 de maio de 2002:
Degradação do Judiciário
Dalmo de Abreu Dallari
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público - do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários - para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.
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A justa pressão da sociedade
Todas os temores apontados por Dalmo de Abreu Dallari se confirmaram nestes dez anos. Gilmar Dantas tornou-se, de fato, um sério risco à “própria normalidade constitucional” do país. Entre inúmeros episódios deploráveis, ele protagonizou bate-bocas no STF, sempre em busca dos holofotes da mídia amiga; inventou um “áudio sem voz” que abortou a Operação Satiagraha e livrou a cara do amigo banqueiro Daniel Dantas; protegeu o tucano José Serra em votações no Supremo.
Caso fique provado que Gilmar Mendes mentiu novamente, atacando a honra do ex-presidente Lula, talvez ele não tenha mais como sair incólume. A bandeira do “Fora Gilmar” ganhará força, obrigando o STF a se debruçar sobre a tese do seu impeachment. Isto faria um enorme bem à democracia brasileira e ao próprio Judiciário – mais uma vez enlameado por esta sinistra figura!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Cumplicidade com o atraso

Por Raul Silva Telles do Valle no BLOG DO JUREMIR MACHADO




Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País. A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).
A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.
Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.
O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.
Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?
A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.
A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.
A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).
Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.
Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.
Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.
O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?
O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).
O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).
Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.
Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.
Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.
Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social

A demolição do “Estado de bem-estar social”

 Lula Falcão no A VERDADE

Um por um, os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta, estão sendo abolidos na Europa. Bastou mais uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a destruição do Estado do bem-estar social e provassem que o lucro não rima com justiça social ou que é impossível haver igualdade enquanto existir a propriedade privada dos meios de produção.

Durante décadas, o Estado do bem-estar social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o capital na década de 80.
Agora, os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem discursos e publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos sociais dos governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre os interesses da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.
Austeridade só para os trabalhadores
O fato é que um por um os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios. Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é, milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.
FMI exige mais arrocho
Não bastasse, a última reunião do Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado. Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social, administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”. Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde, educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de pagamento das mensalidades.
Segundo documento do Eurostat, mais de 115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27 Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano, milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos impostos.
Na realidade, todos os países que têm seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista, tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB em comparação com o ano passado. Não bastasse, a dívida grega, apesar de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012. Portugal, segundo o boletim do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.
Quem paga a conta?
Por outro lado, ao mesmo tempo em que aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430 bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise. Esses 430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos povos que pagam impostos. Os EUA não se comprometeram com nenhum centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em 2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10 bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e, agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um punhado de ricos. Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300 milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe rica vive na fartura e no esbanjamento.
A repressão ao movimento operário e popular
Mas, por que as centenas de greves e de manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia, Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se transforma em prisão perpétua. Essa, aliás, é uma política globalizada pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há 30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500 mil reais para sair da cadeia. Nos EUA, em um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as que mais registraram prisões. Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”. “Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o início da crise.
A importância da repressão para manter o sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares, dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe operária. Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).
De fato, para realizar uma revolução é necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto, só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou, como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio capitalismo forem derrotadas. Propõem que o “estado de bem-estar social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento operário e popular.

Lula Falcão é membro do Comitê Central do PCR

Carta de Salvador do III BlogProg

Altamiro Borges em seu blog

A participação de quase 300 ativistas digitais de todo o país, no III Encontro Nacional de Blogueiro@s, realizado entre os dias 25 e 27 de maio em Salvador, na Bahia, consolidou o primeiro ciclo do mais importante movimento digital do Brasil, iniciado em agosto de 2010.


Surgido como uma reação aos monopólios de mídia, que se baseiam num modelo usurpador quase que exclusivamente voltado à defesa dos interesses do grande capital em detrimento das aspirações populares, o movimento nacional dos Blogueiros e Blogueiras Progressistas desdobrou-se em inúmeros encontros municipais, regionais e estaduais, além de três encontros nacionais (São Paulo, Brasília e Salvador) e um internacional, realizado, em outubro de 2011, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Neste curto espaço de tempo, este movimento ganhou legitimidade política e enorme dimensão social. Foi capaz de influir fortemente no debate sobre a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil. Em suma, temos saído vitoriosos nesta guerra dura contra a mídia ainda hegemônica. Lutamos com as armas que temos, todas baseadas na crescente força da blogosfera e das redes sociais.

O principal reflexo dessa atuação, ao mesmo tempo organizada e fragmentada, tem sido o incômodo permanente causado nos setores mais conservadores e reacionários da velha mídia nacional, um segmento incapaz não apenas de racionalizar a dimensão do desafio que tem pela frente, mas totalmente descolado das novas realidades de comunicação e participação social ditadas, inexoravelmente, pelas novas tecnologias. Apegam-se, de forma risível, a um discurso tardiamente articulado de defesa das liberdades de imprensa e de expressão, conceitos que mal entendem, mas que confundem, deliberadamente, para manipular o público em favor de interesses inconfessáveis. Posam, sem escrúpulo algum, de defensores de uma liberdade que não passa, no fim das contas, da liberdade de permanecerem à frente dos oligopólios de comunicação que tantos danos têm causado à democracia brasileira. Para tal, chegam a pregar abertamente restrições à internet, apavorados que estão com a iminente ruína de um modelo de negócios em franca crise em todo o mundo, com a queda de tiragem da mídia impressa e da audiência da radiodifusão, com consequências diretas no processo de captação de receita publicitária.

Para tornar ainda mais nítida e avançada a discussão sobre a democratização da comunicação no Brasil, o III BlogProg decidiu concentrar suas energias, daqui em diante, em duas questões fundamentais.

A primeira é a luta por um novo marco regulatório das comunicações assentado em uma Lei de Mídia capaz de estabelecer formalmente a questão da comunicação como um direito humano essencial. Neste sentido, o III BlogProg decidiu interagir com a campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Campanha esta que visa pressionar o governo federal, de modo a desencadear de imediato o debate sobre este tema estratégico para toda a sociedade brasileira.

A segunda batalha decisiva é a de reforçar a defesa da ação da blogosfera e das redes sociais diante do constante ataque de setores conservadores estimulados e financiados pela velha mídia. Trata-se de um movimento articulado, inclusive, no Congresso Nacional, com o objetivo de criar obstáculos e amarras capazes de cercear a livre circulação de ideias pela internet, além de criminalizar o ativismo digital. Em outro front, cresce a judicialização da censura, feita com a cumplicidade de integrantes do Poder Judiciário, utilizada para tentar asfixiar financeiramente blogs e sítios hospedados na rede mundial de computadores. Mais preocupante é o aumento de casos de violência contra Blogueiros e ativistas digitais em todo o país, inclusive com assassinatos, como no caso dos Blogueiros Edinaldo Filgueira, do Rio Grande do Norte, e Décio Sá, do Maranhão.

A nossa luta, portanto, não é a luta de um grupo, mas de toda a sociedade pela neutralidade e pela liberdade na rede. É pela implantação de uma cultura solidária e democrática do uso e da difusão das informações. É uma luta pela igualdade das relações desse uso com base única e exclusivamente no que diz e manda a Constituição Federal, a mesma Carta Magna que proíbe tanto o monopólio da comunicação como a propriedade de veículos de comunicação por parte de políticos - duas medidas solenemente ignoradas pelas autoridades, pelos agentes da lei e, claro, pelos grupos econômicos que há décadas usufruem e se locupletam desse estado de coisas.

Para tanto, este III Encontro adota - como norte para orientar a nova fase da luta - uma ideia simples e direta: Nada além da Constituição!

As bandeiras da liberdade de informação e de expressão, assim como a da universalização do acesso à banda larga, são nossas. Qualquer tentativa de usurpá-las – ainda mais por parte de quem jamais defendeu a democracia no Brasil – é uma manipulação inaceitável.