quinta-feira, 5 de julho de 2012

Igualdade, identidades e justiça social

LUTA DE CLASSES OU RESPEITO ÀS DIFERENÇAS?

Historicamente, a luta pela redução das desigualdades se fundamentou na partilha justa da riqueza. Há alguns anos, um novo tipo de demanda articula a igualdade ao respeito às diferenças e minorias e ao combate às discriminações. Podemos pensar na relação dessas concepções, de forma que elas se reforcem reciprocamente?
por Nancy Fraser no LEMONDEBRASIL

O “reconhecimento” se impôs como um conceito-chave de nosso tempo. Herdado da filosofia hegeliana, encontra novo sentido no momento em que o capitalismo acelera os contatos transculturais, destrói sistemas de interpretação e politiza identidades. Os grupos mobilizados sob a bandeira da nação, da etnia, da “raça”, do gênero e da sexualidade lutam para que “suas diferenças sejam reconhecidas”. Nessas batalhas, a identidade coletiva substitui os interesses de classe como fator de mobilização política – cada vez mais a reivindicação é ser “reconhecido” como negro, homossexual ou ortodoxo em vez de proletário ou burguês; a injustiça fundamental não é mais sinônimo de exploração, e sim de dominação cultural.
Essa mutação é um desvio que conduzirá a uma forma de balcanização da sociedade e à rejeição das normais morais universais?1 Ou oferece a perspectiva de corrigir a cegueira cultural associada a certa leitura materialista, desacreditada pela queda do comunismo de tipo soviético, que, cego à diferença, reforçaria a injustiça ao universalizar falsamente as normas do grupo dominante?2
Essas perguntas revelam duas concepções globais de injustiça. Na primeira, a injustiça social resultaria da estrutura econômica da sociedade e se concretizaria na forma de exploração ou miséria. A segunda, de natureza cultural ou simbólica, decorreria de modelos sociais de representação que, ao imporem seus códigos de interpretação e seus valores, excluiriam os “outros” e engendrariam a dominação cultural, o não reconhecimento ou, finalmente, o desprezo.
Essa distinção entre injustiça cultural e injustiça econômica não deve mascarar o fato de que, na prática, as duas formas estão imbricadas e, em geral, se reforçam dialeticamente. A subordinação econômica impede de fato a participação na produção cultural, cujas normas, por sua vez, são institucionalizadas pelo Estado e pela economia.
 
Corrigir ou transformar?

A solução contra a injustiça econômica passa por mudanças estruturais: distribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho, submissão das decisões de investimentos ao controle democrático, transformação fundamental do funcionamento da economia. Esse conjunto, como um todo ou em partes, depende da “redistribuição”. A solução para a injustiça cultural, por sua vez, está em mudanças culturais ou simbólicas: reavaliação de identidades desprezadas, reconhecimento e valorização da diversidade cultural ou, mais globalmente, alteração geral dos modelos sociais de representação, o que modificaria a percepção que cada um tem de si mesmo e do grupo ao qual pertence. Esse conjunto de fatores depende, pois, do “reconhecimento”.
Os dois conceitos divergem na concepção de quais são os grupos que vivenciam injustiças. No sistema em que a prioridade é a distribuição, são as classes sociais no sentido amplo, definidas primeiro em termos econômicos, que sofrem injustiças segundo a relação com o mercado ou com os meios de produção. O exemplo clássico, oriundo da teoria marxista, é a classe trabalhadora explorada, mas essa concepção inclui também grupos imigrantes, minorias étnicas etc. No sistema em que o reconhecimento é prioridade, a injustiça não está diretamente ligada às relações de produção, mas a uma falta de consideração. O exemplo mais comum são os grupos étnicos que os modelos culturais dominantes proscrevem como diferentes e de menor valor, assim como os homossexuais, as “raças”, as mulheres. As reivindicações ligadas à redistribuição exigem, em geral, a abolição dos dispositivos econômicos que constituem a base da especificidade dos grupos, e como consequência desse processo essas reivindicações tenderiam a promover a indiferenciação entre esses grupos. Ao contrário, as reivindicações ligadas ao reconhecimento, que se apoiam nas diferenças presumidas dos grupos, tendem a promover a diferenciação (quando não o fazem performativamente, antes de afirmar seu valor). Política de reconhecimento e política de redistribuição figuram, portanto, em tensão.
Como, nessas condições, pensar a justiça social? Deve-se priorizar a classe em detrimento do gênero, da sexualidade, da raça e da etnia e rejeitar todas as reivindicações “minoritárias”? Insistir na assimilação de normas majoritárias em nome do universalismo ou do republicanismo? Ou será preciso tentar aliar o que resta de impreterível na visão socialista e o que parece justificado na filosofia “pós-socialista” do multiculturalismo?
Há duas formas de acabar com a injustiça. As soluções corretivas, em primeiro lugar, visam melhorar os resultados da organização social sem modificá-la em suas causas profundas. As soluções transformadoras, por outro lado, se aplicam em profundidade às causas: a oposição se situa, dessa forma, entre sintomas e causas.
No âmbito social, as soluções corretivas, historicamente associadas ao Estado de bem-estar social liberal, são empregadas para atenuar as consequências de uma distribuição injusta, deixando a organização do sistema de produção intacta. Durante os dois últimos séculos, as soluções transformadoras foram associadas ao socialismo: a mudança radical da estrutura econômica que sustenta a injustiça social, ao reorganizar as relações de produção, modifica não somente a repartição do poder de compra, mas também a divisão social do trabalho e das condições de existência.
Um exemplo esclarece essa distinção. Os auxílios atribuídos em função dos recursos dos quais dispõe certo grupo, orientado geralmente ao apoio material aos mais pobres, contribuem para cimentar as diferenciações que levariam ao confronto. Assim, a redistribuição corretiva no âmbito social toma a forma, nos Estados Unidos, de ação afirmativa(em geral traduzida por “discriminação positiva”). Essas medidas buscam garantir a minorias uma parte equitativa dos postos de trabalho e da formação, sem modificar sua natureza ou nome. No âmbito cultural, o reconhecimento corretivo se traduz por uma nacionalização cultural, que se esforça por garantir o respeito a essas minorias valorizando, por exemplo, a “negritude”, mas sem alterar o código binário branco-negro que lhe dá sentido. A ação afirmativa pode ser vista, portanto, como uma combinação de política socioeconômica liberal antirracista com política cultural – no caso dos negros – blackpower.
A questão é que essa solução não ataca as estruturas que produzem desigualdades de classe e raciais. As reacomodações superficiais se multiplicam sem limites e contribuem para tornar ainda mais perceptível a diferenciação racial, para dar aos mais desprovidos a imagem de uma classe deficiente e insaciável, que sempre necessita de ajuda e até mesmo da orientação de um grupo privilegiado; muitas vezes, essa interação resulta em tratamento de favor. Assim, uma aproximação que visa reverter as injustiças ligadas à redistribuição pode terminar criando injustiças em termos de reconhecimento.
Combinando sistemas sociais universais e imposição estritamente progressiva, as soluções transformadoras, por outro lado, visam restaurar a todos o acesso ao trabalho, com tendência a dissociar esse elemento da satisfação de necessidades fundamentais. Daí a possibilidade de reduzir a desigualdade social sem criar categorias de pessoas vulneráveis, apresentadas como necessitadas da caridade pública. Tal aproximação, centrada nas injustiças da distribuição, contribui para a solução de certas injustiças de reconhecimento.
Redistribuição corretiva e redistribuição transformadora pressupõem, ambas, uma concepção universalista do reconhecimento, ou seja, a igualdade moral das pessoas. Mas elas repousam em lógicas diferentes no que concerne à diferenciação dos grupos.
As soluções coletivas para a injustiça cultural dependem do chamado multiculturalismo: trata-se de acabar com o desrespeito de identidades coletivas injustamente desvalorizadas, ao mesmo tempo deixando intactos o conteúdo dessas identidades e o sistema de diferenciação identitária sobre o qual repousam. As soluções transformadoras, por outro lado, são habitualmente associadas à desconstrução. Buscam acabar com o desrespeito transformando a estrutura de avaliação cultural subjacente. Ao desestabilizarem as identidades e a diferenciação existentes, essas soluções não se limitam a favorecer o respeito a alguém: mudam as percepções que temos de nós mesmos.
O exemplo das sexualidades desprezadas esclarece essa distinção. As soluções corretivas à homofobia são, em geral, associadas ao movimento gay e buscam revalorizar a identidade homossexual. As soluções transformadoras, ao contrário, se parecem mais com o movimento queer, que busca desconstruir a dicotomia homossexual/heterossexual. O movimento gay considera a homossexualidade uma cultura, dotada de características particulares, um pouco como a etnicidade. Esse “modelo identitário”, adotado em diferentes lutas pelo reconhecimento, pretende substituir imagens negativas de si, interiorizadas e impostas pela cultura dominante por uma cultura própria, que, manifestada publicamente, obteria o respeito da sociedade em seu conjunto. Esse modelo traz avanços, mas, ao sobrepor política de reconhecimento e política de identidade, pode engendrar a naturalização da identidade de um grupo e essencializá-la por meio da afirmação da “identidade” e da diferença.
O movimento queer, ao contrário, aborda a homossexualidade como correlato construído e desvalorizado da heterossexualidade: nenhum dos dois termos tem sentido sem o outro. O objetivo não é mais valorizar uma identidade homossexual, mas abolir essa dicotomia. O movimento gay busca valorizar a diferenciação existente entre os grupos sexuais – como as políticas corretivas de redistribuição do Estado de bem-estar social o fazem para as diferenças sociais –; o movimento queerpretende problematizá-la – como o socialismo e a sociedade sem classes.
 
a psicologização

Ao tratar a falta de reconhecimento como um prejuízo engendrado de forma autônoma por valores ideológicos e culturais, a corrente identitária oculta seu vínculo com a justiça distributiva e o abstrai de sua relação com a estrutura social. Por isso, muitas vezes seus defensores ignoram a injustiça econômica e concentram seus esforços unicamente na transformação da cultura, considerada uma realidade em si. Por exemplo, esse sistema poderia negligenciar os vínculos, institucionalizados nos sistemas de assistência social, entre as normas heterossexuais dominantes e o fato de que certos recursos sejam negados às pessoas homossexuais. Por outro lado, essa corrente pode interpretar a desigualdade econômica como simples expressão de hierarquias culturais: a opressão de classe decorre, nessa lógica, da depreciação da identidade proletária. Como imagem inversa de um marxismo vulgar que outrora deixava a política de reconhecimento de lado para priorizar a política de redistribuição, o culturalismo vulgar supõe que a revalorização de identidades depreciadas atacaria também as origens da desigualdade econômica.
Ao modelo identitário (corretivo) se opõe o chamado modelo estatutário (transformador): a negação do reconhecimento não é mais considerada uma deformação psíquica ou um prejuízo cultural autônomo, e sim uma relação institucionalizada de subordinação social, produzida por instituições sociais. O objeto do reconhecimento não deveria ser a identidade própria de um grupo, mas o estatuto dos membros desse grupo de pertencimento integral ao meio social onde estão inseridos. Essa política propõe desconstruir as duas formas conexas (econômica e cultural) de transformar a sociedade e decifrar quais são os obstáculos à igualdade. Não se trata, portanto, de postular direitos iguais a todos,3 mas de reivindicar a paridade da participação de todos nas relações sociais, definir o campo da justiça social como, simultaneamente, redistribuição e reconhecimento, classe e estatuto nas relações sociais. Evitar a psicologização e a moralização talvez seja a chave para construir uma estratégia coerente, que contribua para eliminar os conflitos e contradições entre esses dois grandes modelos de luta.

Nancy Fraser

Titular da catédra Repensando a Justiça Social do Colégio de Estudantes Mundiais da Fundação da Casa de Ciências Humanas. Autora de Les mouvements du féminisme. De L'insurrection des années 60 au néoliberalisme {Os movimentos do feminismo. Da insurreição dos anos 1960 ao neoliberalismo}, Lá Découverte, 2012


Ilustração: Lollo
1 Cf. Richard Rorty, Achieving our country: leftist thought in twentieth-century America [Alcançando nosso país: a esquerda pensada nos Estados Unidos do século XX], Harvard University Press, Cambridge, 1998; Todd Gitlin, The twilight of common dreams: why America is wrecked by culture wars [O crepúsculo dos sonhos comuns: por que os Estados Unidos estão mergulhados em guerras], Metropolitan Books, Nova York, 1995.

2 Cf. Charles Taylor, “The politics of recognition” [A política do reconhecimento], em Amy Gutman (org.), Multiculturalism: examining the politics of recognition [Multiculturalismo: examinando as políticas de reconhecimento], Princeton University Press, 1994.

3 Axel Honneth, La lutte pour la reconnaissance [A luta pelo reconhecimento], Le Cerf, Paris, 2000.

Edgar Morin: “Se não procurarmos o inesperado, não vamos encontrá-lo”

Em palestra realizada em São Paulo, sociólogo destaca que o sistema atual é incapaz de lidar com os problemas vitais da humanidade
Por Felipe Rousselet na REVISTA FORUM
 
Edgar Morin participou de palestra no Sesc Consolação, São Paulo.

Ontem (3), o sociólogo e filósofo francês Edgard Morin ministrou uma palestra no Sesc Consolação com o tema “Consciência Mundial: por um conceito de desenvolvimento para o século XXI”. Morin, pai da teoria da complexidade, defende a interligação de todos os conhecimentos, combate o reducionismo instalado em nossa sociedade e valoriza o complexo.
Morin iniciou sua palestra abordando quatro questões fundamentais: o que eu posso saber; o que eu posso esperar; em que posso acreditar e o que posso fazer. A partir destes questionamentos, o sociólogo abordou os problemas fundamentais da humanidade. Para ele, é preciso unir os inúmeros saberes dispersos a que temos acesso em prol dos problemas vitais da humanidade.
Todas as tentativas de mudança da humanidade somente a partir de sistemas político-econômicos como o socialismo, comunismo e o liberalismo foram fracassadas. “Não se pode mudar apenas a estrutura econômico-social. É preciso mudar também as nossas vidas”, afirmou. Havia uma fé de que o progresso era um movimento irreversível para um mundo melhor, mas hoje essa crença desintegrou-se e o que o futuro nos reserva é angústia e incertezas.

Segundo Morin, se não mudarmos o caminho da humanidade, estamos fadados à tragédia. “O sistema atual é ineficaz para lidar com problemas básicos”, frisou. Para ele, a “nave humanidade” caminha para o desenvolvimento econômico descontrolado e para o egoísmo, porém, lembra que nunca antes a humanidade teve uma causa única, traduzida na própria causa humana, na solidariedade. Ao falar sobre a globalização, Morin citou aspectos positivos e negativos. Os positivos são expressos na capacidade do indivíduo de ser autônomo e na criação de ilhas de prosperidade em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde populações antes miseráveis formam hoje uma nova classe média. Por outro lado, a globalização também gerou exploração comercial de povos por multinacionais e por outros povos, e expulsou os camponeses de suas terras, criando uma população de 1 bilhão de pessoas morando em favelas.

Desenvolvimento e hegemonização

Segundo o pensador, a noção de desenvolvimento aplicada de forma igual em diferentes culturas está equivocada, uma vez que não respeita suas individualidades. Morin afirma que em vez de destruir as culturas por meio da hegemonização, deveríamos fazer um processo de simbiose, de união entre o melhor da civilização ocidental com o melhor de povos de culturas diferentes.
Ao falar sobre a Rio+20, o sociólogo aponta para o que considera um fracasso esperado, uma vez que os líderes de Estado recusam-se a tirar os olhos do próprio umbigo. Para ele, é impossível dissociar os problemas ambientais das outras questões vitais da humanidade e o passo a frente dado pela Rio+20 foi a participação da sociedade civil.
Por fim, Morin deixou uma mensagem de esperança. Lembrou que mesmo diante de um presente que parecia sólido e imutável, a sociedade humana sempre se transformou. “Se não procurarmos o inesperado, não vamos encontrá-lo”, disse. Para ele, o início de grandes mudanças sempre ocorreu de forma modesta. Lembrou do início de três grandes religiões (budismo, cristianismo e muçulmana), que começaram pela ação de indivíduos. “Quando achamos que o presente é eterno, nos enganamos”, afirmou. Para uma transformação da humanidade que evite o seu colapso, o inteletutal sugere um consciência global fundamentada na solidariedade e no sentimento de que fazemos parte de uma “Terra Pátria”, e, a partir desta nova consciência, surgirá um modelo totalmente novo de sociedade. “Vocês tem uma causa justa, que é a solidariedade, e devem levantá-la”.

Golpe no Paraguai revela nova face da Operação Condor, diz ativista



Golpe no Paraguai revela nova face da Operação Condor, diz ativistaEm entrevista à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência revela a atualidade da Operação Condor, a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano. Para Almada, essa nova Condor é muito mais abrangente do que a iniciada em 1964, no Brasil: é mais suave, global e revestida de uma capa pseudodemocrática, por meio da cooptação dos parlamentos.

Najla Passos – CORREIO DO BRASIL

Brasília – Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o recente golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência do seu país revela a atualidade da Operação Condor, considerada a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano.
Prêmio Nobel da Paz alternativo, foi Almada quem descobriu, no Paraguai, na década de 90, o chamado “arquivo do terror”, que contém os principais registros conhecidos da Operação Condor, a articulação dos aparelhos repressivos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai que, a partir da década de 1960, sob a coordenação dos Estados Unidos, garantiram o extermínio das forças resistentes à implantação de um modelo econômico favorável aos interesses das oligarquias locais e das multinacionais que elas representam.
O ativista está em Brasília justamente para participar, nesta quinta (5), de um seminário sobre a Operação, promovido pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara.

Confira a entrevista:

- Como se deu a articulação do golpe que destitui Fernando Lugo da presidência do Paraguai?

Foi uma trama muito bem montada pela direita paraguaia. E quando digo direita paraguaia, me refiro à oligarquia Vicuna, aos grandes fazendeiros, me refiro aos donos da terra, os plantadores de soja transgênica, me refiro às multinacionais, como a Cargil e a Monsanto, e também aos partidos tradicionais ligados a essas oligarquias. É um caso muito particular de golpe.

- Mas é possível compará-lo, por exemplo, com o golpe que ocorreu em Honduras?

Ao contrário do que muitos dizem, não se pode comparar. Foram golpes completamente diferentes. Em Honduras, o exército norte-americano interviu, junto com as tropas hondurenhas. A embaixada americana teve uma atuação clara. O presidente caiu em sua cama. No Paraguai, tudo foi articulado via parlamento, que é a instituição mais corrupta do país. No fundo, é claro, sem aparecer, também estava a embaixada americana. Mas sua participação se deu através das organizações não governamentais (ONGs) e dos órgãos de inteligência. Normalmente, um golpe de estado, como ocorreu em Honduras, se dá com tiroteio, bomba, pólvora, morte. No Paraguai, não houve tiroteio, não houve pólvora. O que rolou foi muito dinheiro, muitos dólares.

- E como se comportou a imprensa paraguaia?

Os meios de comunicação estavam todos a serviço do golpe. É por isso que digo que foi um golpe perfeito: quando o presidente golpista assumiu, se cantou o hino nacional com uma orquestra. E uma orquestra de câmara. Foi um golpe planificado com muita antecipação.

- E onde estava o povo, os movimentos organizados que não saíram às ruas?

O presidente Lugo cometeu muitos erros. Primeiro, quando ocorreu a morte de sete policiais e onze camponeses, eu penso, como defensor dos direitos humanos, que tanto a polícia quanto os camponeses eram inocentes. Aquele conflito foi uma trama. Os policiais usavam colete à prova de balas, mas os tiros ultrapassaram estes coletes. E nós sabemos que as armas usadas pelos camponeses são muito artesanais. Não teriam essa capacidade. O que nós imaginamos é que haviam infiltrados com armas muito potentes. E Lugo, após o conflito, fez uma declaração péssima: condenou os camponeses e prestou condolências aos familiares dos policiais. Isso caiu muito mal. Segundo, Lugo firmou uma lei repressiva, uma lei de tolerância zero. Outro erro de Lugo foi firmar acordo com a Colômbia para assessorar a polícia paraguaia.

- Para tentar se manter no poder, ele fez concessões à direita que o desgastaram com as classes populares. É isso?

Exatamente. Então, no momento do golpe, o povo não saiu às ruas. Na verdade, foram dois motivos. Primeiro, a frustração, a indignação e o desencanto com Lugo. Segundo, no Paraguai, as pessoas com mais de 40 anos têm muito medo. Porque nós não vivemos 20 anos de ditadura. Nós vivemos 60. Então, só os jovens saíram às ruas. Aliás sempre, no Paraguai, as manifestações de ruas são protagonizadas por jovens, que tem uma coragem admirável.

- Como o senhor avalia a posição dos demais países do Mercosul e da Unasul de condenarem o golpe?

Este golpe foi um golpe ao Mercosul, um golpe à Unasul, porque Lugo tinha boas relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o presidente da Bolívia, Evo Morales… e isso desagradava. Lugo, com todos os seus defeitos, melhorou a saúde do povo, melhorou a educação, deu alimentação nas escolas, comida, merenda. Nem tudo estava mal. Mas ao invés de premiar Lugo, o castigaram. É por isso que acreditamos que foi um golpe à unidade regional. Uma conspiração contra a unidade da região, contra a pátria grande com que sonhou Martin Bolívar para todos os latinoamericanos. Isso atenta contra todos. Pode ocorrer, amanhã, aqui, na Argentina… na Bolívia tentam um golpe de estado, no Equador também.

- Então, como na Operação Condor, é uma ameaça a toda a América Latina?

O golpe no Paraguai é a Condor se revelando. É prova que a Condor está se revelando com outro método. Uma Condor mais moderna, mais suave e mais parlamentar.

- E como o campo progressista pode reagir?

Esta reunião aqui no parlamento brasileiro para tratar da Operação Condor, por exemplo, é de extrema importância. Porque já é possível identificar três fases desta Operação. A primeira, que começou aqui no Brasil, em 1964, com a queda do presidente João Goulart, era uma Condor bilateral: Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-Uruguai. A segunda, em 1975, já era uma Condor multilateral, com um acordo ratificado entre as ditaduras dos cinco países. Agora, a Condor é global. Depois dos eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, se revelou que havia centros clandestinos de tortura americanos até na Europa. Portanto, há uma Condor global. E nós temos que entender o que é a Operação Condor, como ela funciona, quem a dirige… porque quem dirige a Condor é também quem dirige a Organização das Nações Unidas, o Pentágono, a máfia das drogas…

“Menos Estado”: Feudalismo de natureza financeira - I Parte (Uma perspectiva)

Vaz de Carvalho
 



Neste tema mostraremos como a ideologia capitalista vive de fórmulas alheias à experiência e ao conhecimento de que a insistência no “Menos Estado” representa um regresso ao obscurantismo de tempos há muito ultrapassados nas nossas sociedades, apesar de todas as proezas tecnológicas. Mostraremos por fim como o neoliberalismo é uma regressão civilizacional do próprio sistema capitalista.
I – O “MENOS ESTADO”
O encerramento de escolas, centros de saúde, hospitais, tribunais, redução de Municípios e Freguesias, é um aspeto da regressão civilizacional e de soberania a que se procede sob a égide neoliberal do “Menos Estado”. Acentua-se o vazio do território, a desagregação do poder do Estado, as populações ficam entregues a si próprias ou à mercê de outros poderes.
Por esse mundo fora (e em Portugal também) os lucros da finança e dos grandes grupos sobem, os impostos que efectivamente pagam, descem. Apesar das crises os 1 200 multimilionários da listagem da Forbes tinham em 2011 aumentado as suas imensas fortunas, acumulando 4,5 milhões de milhões de dólares. (1) No entanto a fome e a pobreza alastram, os Estados endividam-se. Eis o resultado do “Menos Estado”. O neoliberalismo é a sua expressão doutrinária na atualidade.
O processo não tem nada de original nem de “modernidade”; pelo contrário é uma constante das sociedades desde a criação do que se designou por “Estado” baseado em classes sociais de interesses contraditórios e antagónicos.
A História mostra-nos um processo que em linhas gerais se repete, seja no Egipto faraónico (30 séculos de civilização!), na Grécia, em Roma, no feudalismo ou no capitalismo. Em todos os períodos e sistemas políticos e económicos se registam sucessivas oscilações de concentração e difusão do poder do Estado que muito simplificadamente resumimos.
A partir de uma fase inicial de poder disperso, em povos que partilham territórios e hábitos idênticos, por força dos interesses comuns ou das armas, as comunidades são reunidas sob uma mesma liderança. É o princípio da formação ou da reorganização do Estado. O Estado estabelece-se com base na constituição de forças armadas e de um corpo de funcionários, para submeter e controlar territórios e populações e para a cobrança de impostos.
De início, na fase de expansão e consolidação do Estado o seu chefe detém grandes poderes, mas a gestão local, tem de ser exercida por uma camada social que controla o poder armado, judicial e mesmo o sistema produtivo, cria-se uma aristocracia ou oligarquia que em breve fará reverter em seu benefício as riquezas produzidas.
Para se estabelecer e consolidar, este poder aristocrático necessita de uma forte autoridade central que é consagrada pela manipulação religiosa e ideológica. A partir do objectivo original de gerir e garantir a produção material, acentua-se divisão da sociedade entre senhores e dominados, proprietários e proletários. O poder desta oligarquia ou “aristocracia” consolida-se, deixa de ser um poder delegado e dependente do central, assume-se cada vez mais autónomo; passando a ser a expressão efectiva do poder, a rapina das populações submetidas é cada vez maior.
Simultaneamente, a parte do rendimento nacional em despesas improdutivas aumenta de forma desmedida, nobres ou oligarcas competem no luxo; acumulam riquezas, são também a causa das misérias, das desgraças e das revoltas do povo. É o esteio da crise económica e social enquanto o Estado deixa de cumprir as suas funções e obrigações de defesa dos interesses colectivos.
O mais curioso é que este processo é cíclico. No Egipto torna-se nítido dada a constância do contexto civilizacional durante tão longo período, mas de formas semelhantes observamos estas mutações nos mais diversos lugares e épocas: China, Japão, Roma, Europa.
Sendo o Estado entregue aos interesses privados e imediatos surgem os germens da crise e da desagregação social. O processo histórico mostra-nos como a degradação das funções do Estado conduz ao enfraquecimento do espírito colectivo, à decadência civilizacional e à crise. À medida que enfraquece o poder do Estado aumenta a autoridade despótica da dita aristocracia ou dos oligarcas.
Segundo Platão nos seus “Diálogos”, Sócrates analisando a política da grega refere o governo aristocrático como gerando a discórdia. “Subjugam-se os cidadãos, os homens livres são tratados como servidores e perdem seus direitos”. “Tais homens (os oligarcas) são ávidos de riquezas, adoram o ouro e a prata, furtam-se aos olhos da lei, têm tesouros e riquezas escondidas, habitações rodeadas de muros, verdadeiros ninhos privados nas quais gastarão à larga”. Quanto à oligarquia: “ (é) um governo cheio de vícios inumeráveis, onde o rico manda e o pobre não participa no poder (…) Quanto mais a riqueza e os ricos são honrados menos estima se tem pela virtude e pelos virtuosos, por consequência o governo não é entregue aos mais capazes e virtuosos, mas aos ricos ou aos que melhor defendam os seus interesses. (…) Resta ainda uma liberdade: a de uns serem excessivamente ricos e outros serem excessivamente pobres e indigentes.”
Trata-se de um exemplar retrato das sociedades neoliberais.
Os antagonismos sociais criados pelas oligarquias que controlam as riquezas e o poder retiram aos governos na sua dependência capacidade de agir. A corrupção, as contradições internas, as intrigas dessa camada cada vez mais arrogante e impune consagram a desagregação social.
Para proteger os seus interesses as oligarquias não hesitam em buscar apoio externo. Sob o controlo das oligarquias, são feitas sucessivas concessões ao estrangeiro. Os países caiem na completa dependência, não podem seguir políticas autónomas, pouco lhes resta de soberania, com chefes de Estado e governantes fantoches, uma imagem de ilusório poder que se mantém para garantir a manipulação ideológica e a repressão sobre as camadas exploradas, o que nos faz lembrara a retórica da “mais Europa”.
Para manter o poder e defender os seus interesses a aristocracia ateniense submeteu-se ao arqui-inimigo Esparta no designado governo dos “30 tiranos” - o senado oligárquico que destruiu a democracia ateniense. Os “30 tiranos” são as hoje as megaempresas financeiras e transnacionais.
A História mostra-nos também que em resultado da crise económica e social, do caos estabelecido ou da sua ameaça, sob a acção de um grupo e do seu líder, colocando-se ao lado das aspirações populares é restabelecida a autoridade e a unidade. Há de novo o fortalecimento da organização do Estado e a expansão económica. O povo sente-se protegido, o nível de vida aumenta, as actividades produtivas desenvolvem-se, o prestígio dos Chefes de Estado é grande. O povo proclama: “grandes são os desígnios de Sesóstris” – faraó do Médio Império.
Contudo no período seguinte, após este impulso, as contradições da sociedade dividida em classes antagónicas mantêm-se. O poder muda de mãos, mas a sociedade no essencial continua a funcionar da mesma forma. A ambição do enriquecimento individual, o aumento do poder das camadas privilegiadas sobrepõe-se às necessidades coletivas. Há um acentuar das diferenças, há uma insensibilidade e egoísmo das camadas privilegiadas e dos que vivem na sua órbita, desprezando a situação cada vez mais difícil das populações trabalhadoras submetidas à exploração.
Sendo o rendimento nacional absorvido de forma crescente por estas camadas, o Estado deixa de poder fazer face às suas tarefas. As necessidades sociais não satisfeitas provocam a instabilidade social, a revolta do povo que se vê cada vez mais sujeito a arbitrariedades e sobrecarregado de impostos.
A clique neoliberal instituiu um sistema semelhante ao da França antes da Revolução. A nobreza, apropriava-se do excedente social por via das rendas e pelo peso dos impostos. Porém desde os anos 70 do sec. XVIII que os rendimentos agrícolas baixavam; a crise agravou-se nos anos 80, levando a nobreza a aumentar a exploração com mais impostos e prestações e a apropriar-se de bens comunais.
No século XVIII, os designados “déspotas esclarecidos”, reconheceram de uma forma geral a inutilidade social e a acção nefasta ao Estado da alta nobreza. Podemos dizer a desprezavam em alto grau, procurando o desenvolvimento e o predomínio da burguesia. José I em Portugal, José II na Áustria, Carlos III em Espanha, Frederico II na Prússia, tentaram o reforço do papel do Estado e a melhoria da situação das classes oprimidas pelos poderes feudais, com êxitos muito relativos e desiguais, como se sabe, pois continuavam a basear a estrutura social numa hierarquia de classes tradicional.
Luís XV e Luís XVI são em França exemplos destas contradições. Para resolver o problema dos défices do Estado e da crise económica, pretenderam aplicar impostos à nobreza e ao clero cujos gastos sumptuários levavam o Estado à bancarrota. Foram, chamados ministros que para a época se poderiam considerar progressistas, como Necker e Turgot – discípulo de Quesnay, o autor de Reflexões sobre a Formação e Distribuição das Riquezas – mas tiveram de ser demitidos por pressão da nobreza e do alto clero. As suas reformas foram abolidas. A cedência às camadas exploradoras que lançava o povo na miséria, precipitou a Revolução.
As aristocracias de hoje são as financeiras, o seu papel perante as estruturas governativas é idêntico. A sua prática baseia-se no axioma seguinte: “tudo o que nos é prejudicial prejudica toda a sociedade”. Assim, fazem dos seus interesses privados os interesses gerais, consideram-se intocáveis e acima das críticas. Aos escribas ao seu serviço compete estabelecer a dogmática, criando ficções teóricas para mascarar a ganância e a usura, de que a forma como funcionam a UE, o BCE, a zona euro, são evidentes expressões.
Assumindo cada vez maior poder social efectivo recusam os consensos e cedências feitas em períodos anteriores às outras classes. O seu objectivo é liga-las de pés e mãos ao seu sistema, torna-las incapazes de pensamento e acção autónoma de forma significativa e determinante. Actualmente, a consagração mediática das oligarquias, faz o seu caminho neste sentido.
Dizia Ignácio Ramonet, acerca da “opinião pública fabricada pelos grandes grupos mediáticos”: “Criticam aos políticos, mas nenhum critica o grande poder financeiro, ninguém critica os verdadeiros donos do planeta”.(2)
Menos Estado - Mais Estado é uma questão que nada tem que ver com as liberdades e direitos democráticos: tem que ver em benefício de que classes e camadas sociais o poder é exercido. Ditaduras execráveis eram afinal a expressão dos interesses monopolistas e latifundiários, em completa subordinação a interesses neocoloniais e imperialistas.
O “Menos Estado” deixa o campo livre ao poder financeiro para manobrar à sua vontade, soltando as peias às forças mais maléficas. O dinheiro sujo penetra por todos os poros da sociedade, pois o Estado não tem meios de controlar a economia sem nela interferir. Os pobres são deixados à sua sorte, o Estado deixa de fazer face ao crime organizado, as leis não são eficazes porque têm de permitir que a classe privilegiada escape.
O “Menos Estado” nunca significou na História progresso, mas prelúdio da queda de civilização. A decadência dos povos dá-se quando o Estado fica dominado por interesses privados. As oligarquias estabelecem o aumento das desigualdades, confiscam em seu proveito os frutos do esforço colectivo. O progresso verifica-se quando o Estado é capaz de concretizar as aspirações colectivas e satisfazer as necessidades sociais. O progresso corresponde ao reforço da consciência colectiva e só o Estado, pode congregar o colectivo, desde que objectivamente proceda nesse sentido.

1 - Em 2012 na lista da Forbes Magazine o número de bilionários ascende a 1226, aumentando o total para 4,6 milhões de milhões. Nos 50 primeiros concentra-se 25% do total.
2 - Fidel Castro Con Los Intelectuales – Havana - 10 fevereiro 2012

Nota - Na segunda parte deste tema mostraremos como o neoliberalismo em vigor na UE se assemelha a uma forma de feudalismo, sob a suserania dos poderes financeiros.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A desesperança italiana

A tragédia de um povo entre o desastre neoliberal e o aviltamento da classe política
 Achille Lollo, correspondente em Roma (Itália) no BRASIL DE FATO
O aumento dos suicídios de empresários, artesãos, pensionistas e de jovens é, hoje, o dramático termômetro de uma crise social, política, econômica e, sobretudo, financeira que o povo italiano vive sem saber quando vai acabar. Uma tragédia cujos efeitos se multiplicam com a atuação degradante de uma classe política corrupta e incapaz de propor alternativas aptas a impedir a crescente deterioração das relações sociais e econômicas cada vez mais em crise.
Há exato um mês, Alessio Bisori, atleta da seleção italiana de handebol se suicidava na estação de Bolonha, atirando-se contra o trem que o deveria levar ao centro de treinos da seleção. Aos pais deixou um bilhete dizendo “... Não agüento mais viver nessas condições”. No dia 29 de maio, outra atleta, a jogadora de vôlei Giulia Albini, de 24 anos, matou-se em Istambul, Turquia, atirando-se da ponte sobre o Bosforo. No dia 30 de maio era a vez do empresário Ermanno Gravellino , de 74 anos, que se enforcou em Cagliari após ter recebido da empresa de cobrança Equitália o aviso de sequestro de sua loja. Em 31 de maio, o oficial dos carabineiros Enrico Salinas, de 49 anos, se suicidou com um tiro na cabeça. Berardino Capriotti, de 49 anos, e antes dele Italo Agus, 64, se suicidavam deixando cartas em que denunciavam o pessoal da Equitália. Em sua despedida, Angus afirmou que por uma dívida de impostos de apenas 4.000 euros (cerca de 10 mil reais) queriam sequestrar um apartamento no valor de 100.000 para revendê-lo a preço de bananas em leilões forjados.
Parece uma cena dos filmes de Stanley Kubrick, mas a verdade é que na Itália, os primeiros seis meses do governo do primeiro ministro Mario Monti causaram uma verdadeira tragédia, que tem tudo a ver com a explosão da corrupção, do custo da vida, com o aumento estratosférico das taxas (governamentais, regionais, provinciais e municipais), bem como com os cortes orçamentários nos serviços públicos e o aumento do desemprego. Parece, mesmo, reviver os acontecimentos dramáticos da crise que em 1929 abalou os Estados Unidos, com a diferença de que naquele tempo eram os banqueiros e os industriais a se suicidar após ter declarado bancarrota, enquanto hoje a falência dos institutos financeiros ou dos grandes grupos industriais é logo premiada pela classe política com financiamentos do Tesouro do Estado.
Desastre neoliberal
Para Berlusconi, a ajuda a Monti lhe permitirá
voltar a governar - Foto: Forum PA/CC
Os últimos seis meses de gestão neoliberal do governo Berlusconi e as medidas ultra neoliberais do dito ”governo técnico” de Mario Monti provocaram o aumento do desemprego em 31%, o que na realidade significa que 621 mil trabalhadores, na sua maioria homens, foram demitidos. Por isso, a agência de estatísticas oficial, no seu relatório de maio informava que, em 31 de abril, havia 2.615.000 trabalhadores desempregados, dos quais 35% representados por jovens entre 18 e 30 anos.
Um número que, porém não abrange: os chamados “desocupados”, isto é aqueles que renunciaram a procurar trabalho sobrevivendo com biscates e vivendo nos limites da pobreza absoluta; os desempregados com subsidio; os subempregados que em media trabalham seis meses por ano com contratos mensais ou até semanais; os inativos por estarem acima de 50 anos.
Uma importante fração do exército de mão-de-obra barata e inativa totaliza sete milhões de trabalhadores, na maioria homens, que segundo o próprio Ministro do Desenvolvimento Econômico, o banqueiro Corrado Passera, “o alastramento da crise econômica coloca 28 milhões de italianos a beira da pobreza”. Um contexto que segundo o Codacons (Coordenação das Associações para a Defesa do Ambiente e dos Direitos dos Usuários e dos Consumidores) é bem mais grave porque “Esta dramática situação não será solucionada com a reforma do trabalho ou com uma maior flexibilidade, visto que se não há mais demanda e se os consumos continuam caindo não haverá soluções com tais reformas. Pelo contrário, haverá, sim, um continuo aumento do desemprego porque as empresas não vendem e os produtos ficam acumulados nas prateleiras das lojas. Um contexto difícil pelas empresas no momento em que as famílias, agora, começam a ter dificuldades em comprar até os alimentos”.
Mas os sintomas de uma crise que se apresenta como um fenômeno de caráter subjetivo provocado no interior do sistema capitalista italiano pelo desleixo dos institutos financeiros é hoje mais visível nas grandes fábricas que articularam com o governo Monti o cancelamento do artigo 18 do Estatuto dos Trabalhadores, com o qual, hoje podem desempregar como e quando querem.
Por exemplo, a Fiat, em 2009, manipulou os operários de suas fábricas no Brasil, na Sérvia e na Polônia com um contrato onde a flexibilidade é máxima e a remuneração é mínima. Uma nova metodologia de trabalho fabril que, em 2011, o administrador delegado da Fiat, Sergio Marchionne, com o apoio do governo Berlusconi e a traição das confederações sindicais Confederazione Italiana Sindacato Lavoratori (CISL) e Union Italiana Del Lavoro (UIL), apresentou aos italianos com a sonhadora etiqueta de “Projeto Itália”.
Sergio Bellavita, secretário nacional da Federação Italiana dos Trabalhadores Metalúrgicos (Fiom), ao denunciar o plano de Marchionne disse, “Teoricamente, em troca de um contrato de trabalho que não é aprovado pela Fiom e pela central sindical CGIL por ferir os princípios do Estatuto dos Trabalhadores, o administrador delegado da Fiat, Marchionne, pediu aos operários da Fiat para renunciarem a seus direitos para se tornarem “colaboradores” de uma empresa que no passado foi subsidiada com o dinheiro público do Tesouro do Estado e que hoje pretende explorar ainda mais seus operários, enquanto prepara sua transferência para os Estados Unidos. Quando isso acontecer, a Fiat vai fechar as principais linhas de montagens aqui da Itália, o que já aconteceu com o fechamento da fábrica de caminhões e ônibus em Lamecia Terme.”
Infelizmente as palavras de Sergio Bellavita surgiram como as sentenças de um oráculo, visto que o administrador da Fiat comunicou no dia 25 de maio, ao governo Monti , que a direção da empresa será transferida para os Estados Unidos. Enquanto isso 60% dos operários de Mirafiori e de Pomigliano continuam em “Cassa Integrazione” (salário desemprego), e apenas 25% deles voltaram a trabalhar depois de quatro anos de espera.
Classe política aviltada
Medidas ultraneoliberais de Berlusconi e Monti
provocaram o aumento do desemprego em 31%
- Foto: Kancelaria Premiera/CC
Para os analistas políticos o governo Monti foi a prova com a qual, hoje é possível averiguar, por um lado a consistência da direita reunida no Il Popolo della Libertà (PDL) – o partido fundado por Berlusconi – e por outro certificar a representatividade política de uma centro-esquerda liderada pelo Partido Democrático de Pier Luigi Bersani.
Os mesmos analistas avaliam que nem o PDL e tão pouco o PD estão dispostos a romper o acordo que assinaram com o governo Monti. De fato, Berlusconi acredita que ter ajudado Monti lhe permitirá voltar a governar e impor uma nova reforma constitucional para introduzir no sistema italiano um presidencialismo à francesa. Por sua parte, Bersani e todos os dirigentes do PD estão convencidos de que em 2013, com a Itália saneada financeiramente, o PD vai ganhar as eleições. Por sua parte os movimentos e o povo em geral acusa o PD de Bersani de ter dado um cego apoio ao governo Monti no lugar de mitigar ou diminuir os decretos ultra-liberais, evitando assim o sangramento dos trabalhadores, dos pensionistas e da classe média que foram golpeados com uma avalanche de impostos e de taxas, maiores em quase 230% em relação ao ano passado.
Praticamente 73% do rombo da dívida pública e privada serão pagos pelos italianos que, ao longo dos anos, perderam e continuam perdendo seus direitos, tornando-se setores sociais cada vez mais precários e carentes. Por exemplo, para ajudar os 150.000 desabrigados da região Emilia, vítimas dos tremores de terra, os movimentos sociais sugeriram ao governo Monti introduzir uma taxa sobre as transações financeiras de 0,1%. A resposta do Ministro do Desenvolvimento Econômico, Corrado Passera veio com um decreto extraordinário que aumentava em cinco centavos o preço da gasolina e do diesel, apesar desses combustíveis terem sofrido nos últimos três meses quatro reajustes. Ninguém no Parlamento, do PDL ou do PD, reagiu ou protestou. Agora é preciso sublinhar que por baixo de uma aparente estabilidade política, os principais partidos, o PDL e o PD, vivem uma situação dramática cujo principal constrangimento é o afastamento de seus eleitores.
Por exemplo, durante os governos chefiados por Berlusconi, conviviam educadamente no PDL os setores conservadores, os moderados, os liberais, os fascistas, os fundamentalistas católicos, a burguesia mais reacionária e até os grupos ligados às máfias e ao crime organizado.
Porém, ao deixar o poder os homens do PDL não conseguiram mais maquiar as colossais extorsões que empurraram a Itália na direção da bancarrota. Por isso o milagroso partido de Berlusconi corre o risco de se transformar em um conjunto de “caçadores de assentos parlamentares”, do momento que as sondagens indicam que em 2013 o PDL vai perder 23% do seu eleitorado. Isto significa que 128 deputados e 75 senadores não serão reeleitos.
Também no Partido Democrático – o partido dos ex-comunistas que rejeitaram o marxismo para serem aceitos no mercado – não há a mínima vontade em fazer oposição ao governo Monti. De fato, isso implicaria em enfrentar eleições antecipadas em setembro e apresentar um programa alternativo que no PD não existe. Além disso, o PD de Bersani deveria confrontar-se com a esquerda comunista, com os sindicatos e, sobretudo, com os movimentos sociais que nesses meses foram duramente atacados pelo governo Monti e pelo próprio PD, que é a principal argola de sustentação política no Parlamento.
Uma situação constrangedora que o PD viveu nas eleições administrativas de maio quando em algumas cidades importantes seus candidatos nem sequer passaram o primeiro turno. Em outras, como aconteceu em Palermo e Parma, a poderosa máquina eleitoreira do PD foi derrotada pelo espírito de sacrifício dos militantes dos movimentos.
*Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV Quadrante Informativo.

Soluções gaudérias

Juremir Machado no CP    
<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

O Rio Grande do Sul orgulha-se de ser um estado de vanguarda. Mas tão de vanguarda que resolveu avançar para trás. Amamos os cavalos. Queremos crescer como suas colas. Para baixo. Ninguém quer ficar de fora desse processo evolucionista original. Situação e oposição tentam dividir os louros dessas façanhas. Depois do êxito dos pedágios, que conseguiram melhorar um pouquinho as estradas - graças a tarifas exorbitantes e serviços subnutridos, pelos quais as concessionárias ainda se acham credoras de saldos mirabolantes -, parte da oposição quer privatizar (ou conceder a exploração) a água. As empresas privadas não querem entrar em parcerias em que o Estado seja majoritário, embora só entrem nas parcerias se tiver dinheiro público majoritário e barato.

É tudo muito lógico: como os governos não tinham dinheiro para melhorar as estradas, resolveram entregá-las à iniciativa privada, que, generosamente, só as aceitou depois que os governos as colocaram em dia com os recursos que não tinham, sobrando para as concessionárias fazer a manutenção e administrar, o que exige alta complexidade, a cobrança das tarifas. Sabe-se que para colocar moças arrecadando a grana é preciso um savoir-faire espetacular e fora do alcance do incompetente poder público. O mesmo sistema está sendo defendido para a água. Se der errado, ficaremos reféns por uns 25 anos. Que fazer? Centenas de cidades não possuem água tratada e sistema de esgoto. Privatizar, ou fazer concessões, parece ser a solução. Tão boa quanto aquela dos pedágios.

Na vanguarda, já no campo da situação, não pagamos o piso do magistério. Não somos maria vai com as outras. Não passamos todo o tempo fazendo o que o governo federal manda. Tanto é assim que não cumpriremos a Lei de Transparência, que obriga a divulgar os salários dos servidores públicos. Deu no Correio do Povo. Eu li com meus belos olhos: "Por enquanto, somente está definido que o Executivo gaúcho não seguirá o modelo adotado pela União. ''Será de forma individualizada, mas não necessariamente nominal'', afirmou a subchefe de Ética, Controle Público e Transparência da Casa Civil, Juliana Foernges. O governo federal divulgou no Portal Transparência, na semana passada, o nome e salário dos 620.533 servidores federais". Nós, os gaúchos, temos critérios próprios de transparência. Mostramos ocultando. Praticamos a clareza embaixo do poncho. Encontramos saídas gaudérias para tudo. Todos os poderes participam.

Li também esta incrível declaração de Alexandre Postal, presidente da Assembleia Legislativa: "Sou favorável à divulgação, mas é preciso analisar os critérios. O X da questão é a divulgação dos nomes". Elementar, senhor deputado, é o que estabelece a lei. O desembargador Túlio Martins não ficou atrás em capacidade de gerar surpresa ao dizer que o Tribunal de Justiça do Estado seguirá o determinado pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda está adaptando a folha de pagamento para divulgá-la. Já o Tribunal de Contas do Estado, cauteloso ou calculista, "aguarda posição do Piratini e discute o assunto internamente". Divulgaremos os nomes, desde que não em lista nominal.

terça-feira, 3 de julho de 2012

E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?




Montadoras estão planejando demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela redução de IPI. General Motors e a Volkswagen abriram programas de demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a linha de montagem de veículos de São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o sindicato de metalúrgicos local. A informação é de matéria publicada nesta terça (3) pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas estão preocupadas que isso seja euforia passageira.
Outra matéria, do jornal Estado de S. Paulo, aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o governo abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para indústria automobilística. E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões ao exterior, o que dá cerca de R$ 28 bi em valores de hoje.
Brasileiros e brasileiras, um valor semelhante à nossa renúncia fiscal foi exportada para ajudar a manter as matrizes dessas empresas que não haviam se preparado para lidar com a crise.
O governo não consegue garantir, de fato, que as montadoras aqui instaladas não demitam trabalhadores por conta desses benefícios. Muito menos consegue a autorização delas para que sejam colocadas na mesa outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre a cadeia produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram obtidos através de mão-de-obra escrava e trabalho infantil ou se beneficiando de desmatamento ilegal. Por que? Porque essas empresas não rastreiam como deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das comprovações de ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e pela sociedade civil.
Quando anunciadas, essas políticas são consideradas a salvação da pátria. Mas a história mostra que as coisas não são tão simples assim. Até porque é exatamente nesses momentos que a indústria aproveita para fazer aquele ajuste tecnológico básico, tornando mais gente desnecessária.
Durante o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores. O setor também é beneficiário de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou seja, pertencente aos trabalhadores.
Carpideiras do mercado disseram e escreveram, na época, que o Ministério do Trabalho e Emprego e sindicatos faziam uma chiadeira irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em uma crise.
Essa “regra do jogo” me faz lembrar um restaurante self-service. Você passa com a bandeja e escolhe o que quer e o que não quer para o almoço. O que é bom para você, coloca no prato. O que é ruim, fica para a massa se servir depois. Traduzindo: o Estado tem que garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as empresas não podem sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio. Um liberalismo de brincadeirinha, de capitalismo de periferia, com um Estado atuante, mas subserviente do poder econômico, em que o (nosso) dinheiro público deve entrar calado para financiar os erros alheios. Privatizam-se lucros (que depois são exportados), estatizam-se prejuízos.
O governo tem a obrigação sim de exigir contrapartidas de quem vai receber recursos ou benefícios devido à crise econômica – aliás, este é o momento ideal para isso. Quando as empresas estiverem surfando novamente, após este ciclo recessivo mundial passar, vai ser mais difícil colocar cartas na mesa como agora.
Em momentos de crise como esse é que direitos trabalhistas e sociais têm que ser reafirmados, garantidos, universalizados e não o contrário. Pois é nesta hora que a população que sobrevive apenas de seu salário está mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com carros cruzando lindas estradas cheias de macacos-prego-do-piercing-amarelo para mostrar é verde.
Em 2008, li depoimentos de montadoras dizendo que os trabalhadores tinham que entender que esta é uma crise global e muitas de suas sedes estão passando sérias dificuldades, correndo o risco, inclusive de fechar. O que é mais um caso self-service. Lembro um exemplo que pode ser ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos Estados Unidos, sobre o porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar que suas subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como resposta, disseram que há independência entre as ações da matriz e das subsidiárias e que as matrizes não podem interferir, apenas pedir que atuem de acordo com a legislação.
Ótimo! Tá resolvido o problema. Pois, elas não vão se incomodar se o Brasil regular o envio de remessas de lucros para o exterior, utilizando os recursos para ajudar a passar a tempestade de forma mais suave por aqui. E não estou falando em reestatizar a nossa renúncia fiscal porque o leite já foi derramado, mas de que as empresas invistam mais por aqui. De uma forma diferente, reorganizando o setor em padrões mais sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a matriz de produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental (o Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos em atores que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede calma em encontros como a Rio+20 – vai entender).
Afinal de contas, já que muitas empresas não se incomodam tanto com a qualidade de vida dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor (da produção do carvão ao chão de fábrica), por que se incomodariam com o resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Greenpeace em Santos

 

                                   E as oliveiras palestinas?
 
 
Ei-lo que desponta glorioso diante de minha janela singrando as águas tranqüilas a caminho do porto de Santos.

Refiro-me ao navio da ONG Greenpeace, irmã gêmea da WWF, cujo presidente de honra vem a ser o rei da Espanha aquele que gosta de se divertir assassinando elefantes e na falta destes, búfalos.

Enfim, ambas as organizações se merecem.

Mas voltemos ao Greenpeace que ficou um fim de semana de alegria e júbilo em Santos.

Sim!

Por onde esse barco passa, há alegria e júbilo.

Pelo que eles fizeram no passado.

E que, desgracadamente nada fazem nos tempos atuais.

Marketing, isso eles fazem e muito bem.

O pessoal do Greenpeace é hoje o rei do marketing.

Sabem tudo e um pouco mais.

Hoje, o pessoal que mais trabalha nessa organização, é o pessoal encarregado das relações públicas.

Digo isso, e este blog é a prova, porque eles jamais condenaram Israel pela destruição da natureza.

Há mais de 60 anos que os israelenses destroem, derrubam e queimam oliveiras palestinas e nenhuma, absolutamente nenhuma manifestação, nenhum protesto dessa entidade que se diz defensora da natureza.

Já foram destruídas mais de 500 mil oliveiras palestinas pelos israelenses e o mutismo do Greenpeace é ensurdecedor.

Mas como vivemos em tempos em que a mídia deixou a informação de lado, quem sabe eles já protestaram e o protesto deles foi boicotado pela mídia?

Meu filho( que já viveu entre os índios e mergulhou em locais sagrados a pedido deles) esteve no barco para fazer apenas uma pergunta:

-Por que vocês nunca protestaram contra a destruição das oliveiras palestinas pelos israelenses?

Silêncio total.

Ninguém sabia o que responder.

Corrijo-me.

Apenas um respondeu e para dizer que ignoravam esse fato, mas que iriam ficar atentos a partir de agora.

Não quero ser cruel com essa entidade, por isso não vou me alongar.

Mas que isso é triste, isso é.

Triste Greenpeace.

Uma reles ONG marqueteira...

#YoSoY 132, a rebelião contra manipulação midiática no México


Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente contra o representante do PRI, Enrique Peña Nieto, sua irrupção na cena política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano que não tem precedentes no país. A reportagem é de Eduardo Febbro.




Cidade do México - O impensável sempre tem lugar. Em pleno processo eleitoral mexicano, o impensável se chamou #YoSoY 132, um movimento estudantil que surgiu na Universidade Iberoamericana contra o candidato do PRI, Enrique Peña Nieto, e contra o ultraje da informação simbolizado para os jovens no canal Televisa. Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente contra o representante do PRI, sua irrupção na cena política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano que não tem precedentes no país.

Ainda que o contexto seja diferente e o México seja uma democracia, a sua maneira repentina e mobilizadora #YoSoY 132 segue a trajetória dos jovens revolucionários do Egito que, graças à internet, conseguiram plasmar uma rebelião contra todo um sistema. Acusado de partidarismo, de servir aos interesses do candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, dividido, contaminado pela contrapropaganda, # YoSoY 132 sobreviveu aos ataques e manipulações para deixar uma marca fresca e duradoura.

Como no Egito da Revolução da Praça Tahrir, ou como ocorreu com os indignados espanhóis, #YoSoY 132 se inscreve em uma corrente universal de renovação e saneamento da democracia contra os poderes e interesses incrustados nos grandes meios de comunicação. Como desse chamado quarto poder que é a mídia depende em grande parte a qualidade da democracia, o movimento estudantil agrupado em #YoSoY 132 inventou um quinto poder: a possibilidade de difundir uma verdade não coincidente com a informação normalizada da indústria da informação. De ator periférico #YoSoy 132 se converteu em ator central e chegou até a realizar um debate presidencial com três candidatos, do qual Enrique Peña Nieto não participou.

Ana Rolón, estudante da Universidade Iberoamericana, e Rodrigo Serrano, estudante de Comunicação na mesma universidade, fazem parte do comitê logístico de #YoSoY 132. Têm apenas 22 anos, mas se expressam com a convicção e a maturidade herdada de uma luta política que não sonhavam protagonizar quando saltaram ao primeiro plano há apenas alguns meses.

Neste diálogo com Carta Maior mantido em uma praça do bairro boêmio de Coyoacán, os estudantes-dirigentes delineiam a sociedade na qual se projetam no futuro.

Com que postulado central nasceu e se manteve o #YoSoy 132.

Rodrigo Serrano: Nosso principal postulado é a democratização dos meios de comunicação e a democracia verdadeira. Acreditamos que o candidato do PRI, Peña Nieto, pode ganhar a eleição, mas pensamos que a fraude está também na manipulação da informação. Os meios de comunicação distorcem a informação. Queremos que a democracia mexicana seja uma democracia informada e não uma democracia puramente formal.

Ana Rolon: A democratização dos meios de comunicação vai muito além desta conjuntura eleitoral. Parte do movimento lutou muito pelo voto informado, ou seja, que se ofereça uma informação que integre as propostas dos candidatos e o que cada um deles fez. O que dizemos para as pessoas é: “não vá atrás do marketing político, da propaganda, da cara do candidato”.

Como se situa o movimento com respeito à violência que sacudiu o México nos últimos seis anos e às propostas bastante tímidas dos candidatos?

Ana Rolon: Somos um movimento pacifista. Trata-se de lutar, mas com nossas armas: educação, conhecimento, leitura, cultura, arte.
Rodrigo Serrano: Nos criticaram porque protestávamos contra o governo e não contra os narcos. Mas isso é uma contradição porque o narco é criminal, não obedece à sociedade, mas sim a interesses privados. Protestar contra o narco é como protestar contra uma árvore. Em troca, em teoria, o governo funciona para escutar os cidadãos. Por isso, se queremos acabar com a violência, primeiro precisamos de um governo que escute os cidadãos. E essa é a causa pela qual estamos lutando.

Ana Rolon: Nosso movimento exige este diálogo entre governo e cidadania. Por isso nós organizamos um debate entre os candidatos onde o formato mudou totalmente em relação aos debates anteriores organizados pelo IFE, o Instituto Federal Eleitoral. O formato que escolhemos foi: “escuta os que os cidadãos têm a dizer”. Recebemos as perguntas formuladas por toda a cidadania através da internet. E aí se abriu o debate para todos, não importando se o autor da pergunta fosse ou não estudante, do Distrito Federal ou de outra parte. Recebemos 7.100 perguntas provenientes de todo o país. Tomamos o debate desde um lado distinto, dizendo: “Escutem-nos, nós somos a cidadania”.

Vocês, graças às chamadas novas tecnologias, romperam o bloco tradicional no qual funcionam os processos políticos, ou seja, onde os meios de comunicação são intermediários absolutos entre os partidos e os eleitores.

Ana Rolon: Nosso movimento partiu de um vídeo feito por 131 alunos da Universidade Iberoamericana que respondiam aos ataques. Só quisemos dizer: “cuidado, quero usar meu direito de resposta, não preciso enviar uma carta aos editores. Posso usar as tecnologias e te desmentir”.
As novas tecnologias foram então determinantes para o auge do movimento estudantil mexicano.

Rodrigo Serrano: A tecnologia é a espinha dorsal desse movimento. Nos primeiros dias havia uma imagem muito interessante que circulava no Facebook e que dizia: “não é que o México estivesse adormecido, é que não havia a internet”. Há muita gente que está aqui enojada e com as redes sociais se abre a possibilidade de se organizar.

As redes sociais serviram para romper o cerco da informação.

Ana Rolon: Sim. Graças às redes sociais não precisamos ficar esperando que os meios tradicionais informem sobre uma marcha. Não faz falta mais. Nós jogamos muito com tecnologia e com a rua. Assim nós podemos saltar por cima desses meios que nós consideramos de “duvidosa neutralidade”. Por exemplo, como os meios tradicionais sempre distorcem a informação sobre quanta gente participa realmente das marchas, nós cantamos para eles: “não somos um, não somos cem, imprensa vendida, conta-nos bem”. As tecnologias tem nos ajudado muito a limpar o viés dos meios oficiais e ir muito mais além.

Rodrigo Serrano: Muitos canais de televisão não entenderam que, agora, nós somos o meio. Transmite-se através de nosso canal. Esses canais não gostam que não necessitemos deles. Chegaram até a dizer que havíamos firmado um contrato de exclusividade com o Youtube. Mas o Youtube não é um meio, o meio é nosso canal, o canal 131. O sinal está aberto para que seja acessado, mas a produção é nossa. Isso eles não aceitam. Não conseguem entender que agora os cidadãos também podem ser meios de comunicação. O problema central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa. Por isso, não temos uma democracia real.

Ana Rolon: O tema da democratização dos meios de comunicação vai mais além desta eleição presidencial. Vai para sempre. Ganhe quem ganhe, vamos seguir exigindo esse diálogo, essa interação muito mais direta entre cidadãos e políticos. Seguiremos em cima dos meios de comunicação que não respeitam os interesses da cidadania, mas sim os interesses políticos e os interesses privados. Não vamos dormir. Seguiremos exigindo o diálogo. Esse é o grande símbolo.

Como vocês projetam o futuro? Qual papel e que estratégia pretendem adotar?

Rodrigo Serrano: O México já tem um século de governos autoritários e paternalistas onde o governo acredita fazer o favor de promover algumas melhoras para alguns. Mas isso não deve ser assim. Nos últimos 12 anos, nossa democracia foi meramente formal, não se meteu na vida pública. Isso que ocorreu é um sintoma de que os cidadãos se deram conta de que podem exigir e serem escutados. Nós estamos hoje em condições de organizar debates. Os candidatos, o governo ou o presidente não são deuses com os quais não podemos falar. São pessoas e estão aqui para nos atender. São servidores públicos. O que importa agora não é nosso movimento como organização, mas sim como símbolo. Graças ao debate que organizamos com os candidatos, aos protestos contra Peña Nieto, aos protestos contra a Televisa, demonstramos que é possível falar cara a cara com os governantes. Isso, no México, era algo impensável. Eu creio que, ganhe quem ganhe, isso veio para ficar. Pode ser que o PRI conserve ainda o gene autoritário e repressor, mas nós temos agora novas tecnologias de comunicação e um novo modo de pensar. Não vai ser tão fácil.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

México, Paraguai e a onda direitista


As forças políticas aliadas aos EUA e adeptas do neoliberalismo obtiveram duas expressivas vitórias na América Latina nos últimos dias. No Paraguai, elas patrocinaram um golpe “parlamentar”, abortando o frágil ciclo de mudanças iniciado pelo ex-bispo dos pobres Fernando Lugo. No México, elas garantiram o retorno do PRI ao poder, com a vitória folgada do empresário Peña Nieto. Com estes dois resultados, as forças direitistas do continente sentem-se mais fortalecidas, animadas para as próximas batalhas.
Em ambos os casos, o império estadunidense – também envolto numa disputa presidencial – foi cauteloso no seu posicionamento. Não deu apoio explícito aos golpistas paraguaios e nem se pronunciou abertamente sobre a eleição mexicana. Mas é evidente que os EUA saíram satisfeitos com os dois desfechos. Há muito se opunham ao presidente Lugo, como revelaram documentos vazados dos Wikileaks, e não gostariam de ver no México um presidente que defendia a soberania nacional, como Lopes Obrador.
A fragilidade do projeto antineoliberal
Do ponto de vista prático, imediato, os EUA cravaram mais duas vitórias – que se somam ao golpe em Honduras e às vitórias da direita no Chile e na Colômbia. México e Paraguai serão fiéis aliados do império na sabotagem a qualquer projeto de integração soberana da América Latina – seja no Mercosul, na Unasul e, pior ainda, na Alba. Eles também manterão, na essência, o projeto neoliberal de desmonte do estado, da nação e do trabalho, sendo o contraponto aos governos progressistas do continente.
As duas vitórias da direita revelam ainda a fragilidade dos projetos mudancistas, antineoliberais, na região. No caso do Paraguai, a frágil base econômica – num país em que os ricaços não pagam impostos e no qual 70% das terras estão concentradas nas mãos de 2% dos latifundiários – dificultou a adoção de políticas sociais mais avançadas. Para piorar, Lugo não contava com movimentos sociais robustos, nem estrutura partidária e nem base parlamentar – apenas um senador votou contra o seu impeachment.
Obstáculos à construção de alternativas
Já no caso do México, as três últimas décadas de hegemonia neoliberal – a princípio lideradas pelo PRI, que traiu totalmente o seu projeto original transformador, e depois pelos conservadores do PAN – dificultaram a construção de alternativas políticas mais à esquerda. O país se transformou numa autêntica colônia dos EUA, a partir da imposição do Nafta. Ele regrediu economicamente e foi vitimado por todas as suas chagas – subemprego, miséria e crescimento vertiginoso da criminalidade e do narcotráfico.
Neste trágico cenário, a esquerda não conseguiu construir alternativas e o bloco neoliberal se recompôs. Como explica o sociólogo Emir Sader, a regressão foi o caldo de cultura para o fortalecimento do PRI, agora totalmente controlado por forças de direita. Ele cresceu com o “enfraquecimento do governo de Felipe Calderón, sobretudo com o fracasso do seu carro-chefe, a guerra contra o narcotráfico”. Já o PRD de Lopes Obrador “perdeu vários governos, como resultado de crise internas constantes”.
Luta de classes mais intensa
É certo que os golpistas do Paraguai e os neoliberais do México terão muitas dores de cabeça pela frente. Na nação vizinha, cresce a onda de protestos pelo retorno à democracia e os movimentos sociais dão passos para rearticular a resistência. Além disso, os golpistas cavaram seu isolamento na região, com o Paraguai sendo suspenso do Mercosul e da Unasul e recebendo reprimendas até da dócil OEA. Mesmo que o golpe se consolide, novas eleições deverão ocorrer no início do próximo ano.
Já no México, os neoliberais terão que governar um país devastado e ensanguentado – como quase 50 mil mortos nos últimos doze anos. Como aponta o escritor Eric Nepomuceno, “o México vive uma espiral de barbárie que ninguém sabe onde vai parar. E, pior, ninguém parece saber como parar. Uma estranha guerra civil, entre traficantes... Esse descalabro é, hoje, o cerne da vida mexicana. Há uma nuvem permanente de imagens macabras – decapitados dependurados em postes e pontes, decapitados em automóveis abandonados, corpos queimados atirados em praças, parques, esquinas –, pairando sobre o cotidiano de todos e de cada um dos habitantes do país”.
“E é debaixo dessa nuvem que o novo presidente mexicano irá enfrentar o dia seguinte ao da vitória. Ele herdará um país cada vez mais atado aos desígnios de Washington. Um México que, graças a esse atestado de boa conduta, atrai capitais, gera rendimentos, se tornou um país bom para os investidores. Resta saber quando, e como, o México deixará de estar mergulhado em sangue e passará a ser um país bom para os mexicanos”.