Agora vocês entendem porque eu ataco tão violentamente a tese de que é
possível governar sem base legislativa, sem força política? Essa é uma
tese perigosíssima, sobretudo para a esquerda, que não tem apoio da
mídia, e que apenas conta com apoio do empresariado enquanto a economia
for bem. Há um setor do empresariado progressista, ligado à produção,
mas há também um setor financeiro reacionário, corrupto, profundamente
insatisfeito, por exemplo, com a concorrência dos bancos públicos e a
determinação do governo de reduzir spread e juros.
Um país de economia diversificada como o Brasil, e com tantos
recursos naturais, encontrará financiadores para qualquer aventura
golpista, sendo que a estratégia pós-moderna é o golpe branco, por
dentro da lei, baseado na manipulação da informação.
A guerra do Iraque, por exemplo, foi um golpe branco, um conluio
entre a indústria bélica, mídia e setores do governo, para arrancar do
contribuinte americano alguns trilhões de dólares. Conseguiram. A guerra
pode ter sido um fiasco, e a mídia depois confessou que mentiu, mas o
dinheiro foi embolsado pelos barões das armas. Do ponto-de-vista
financeiro, portanto, a guerra foi um sucesso absoluto.
Recentemente, testemunhamos na América Latina dois golpes brancos: em Honduras e no Paraguai.
O do Paraguai, mais recente, chocou a opinião pública brasileira, mas
contou com apoio da mídia (a nossa, e a deles também, claro) e de
setores da direita (a nossa e a deles).
E agora vemos o Supremo Tribunal Federal realizando um julgamento não
ortodoxo do mensalão, condenando sem provas, encarnando um estarrecedor
tribunal de exceção. Confiram a entrevista com Wanderley Guilherme dos Santos para a Carta Capital.
No que toca à mídia, não faltará disposição. Esta é a razão do título do post, que é uma citação de um livro
publicado por Wanderley em 1962, no qual ele analisa a situação
política e prevê o que irá acontecer. Não quero acreditar em golpe no
Brasil. Acho que não chegaremos a tanto, mas golpe é golpe justamente
por ser uma surpresa. Ninguém contava com o golpe de 64, assim como não
contavam em Honduras ou Paraguai. Um pouco de paranóia, se dosada com
bom senso, não faz mal a ninguém.
A Veja desta semana traz uma reportagem
bombástica de capa. Depois do julgamento sem provas, dos grampos sem
áudio, agora temos uma entrevista sem entrevistado. A revista traz
revelações dadas por Marcos Valério que não foram ditas por Marcos
Valério, mas colhidas em depoimentos de parentes, amigos e associados.
Ou seja, a velha e boa fofoca ganhou status de entrevista e matéria
jornalística. PS: Marcos Valério não apenas não deu a entrevista como não confirmou as informações nela contida.
Sabe o que é pior? As pessoas acreditam. Lembro que uma vez eu li uma
matéria sobre uma pesquisa de cientistas ingleses, que descobriram que
as pessoas tendem a acreditar mais em fofocas do que em seus
desmentidos.
A reportagem ataca, obviamente, Lula, que é uma espécie de vilão-mor
da Veja. Ela ocorre na mesma edição em que se publica uma resenha do
último livro do blogueiro da revista, Reinaldo Azevedo, intitulada,
muito criativamente, País dos Petralhas II.
O objetivo da matéria é criar um fato bombástico para repercutir nas
primeiras páginas dos jornais de domingo, constará do Fantástico, e
pautará os grandes órgãos de imprensa, aliados nessa estratégia.
Faltando pouco mais de 20 dias para a eleição municipal, a Veja tenta
levar Serra, candidato à prefeitura de São Paulo, para o segundo turno.
Não se trata de considerar Lula um intocável. Mas não se pode pautar a
agenda política de um país com base em fofocas. Se Marcos Valério tem
alguma coisa a dizer, que o diga de sua própria boca, e prove.
Nesse momento em que a direita se vê cada vez mais enfraquecida, não
podemos baixar a guarda, porque o bicho se torna mais feroz quando está
acuado. A esquerda tem de se fortalecer, ampliar sua base legislativa,
aprimorar as instituições, e construir, paulatinamente, um sistema de
comunicação mais democrático. O Brasil se tornou grande demais para
ficar à mercê de meia dúzia de barões da mídia.
Para isso, o governo tem de fazer um PAC da Internet, investindo o
que for necessário, urgentemente, para elevar a banda em todo país,
porque somente a internet pode nos libertar do risco de um golpe branco
midiático. Este PAC deveria conter os seguintes pontos:
- Consolidar, de uma vez por todas, uma banda larga de alta potência em todo país, ao custo menor possível para o usuário.
- Incentivar a criação de canais de TV exclusivos de internet.
- Incentivar a criação de websites, blogs e portais jornalísticos e culturais, que sejam independentes de corporações. Sei que já existem milhares de websites e blogs independentes, mas quase nenhum é profissional. Para isso, entrará o investimento do poder público. Temos de fazer leis que obriguem municípios, estados e União a patrocinarem a mídia independente – a partir de critérios republicanos, evidentemente.
O Leviatã midiático está mais desesperado – e por isso perigoso – do
que nunca. O novo lance da Veja deve nos preparar para o que virá em
2014. Em 2010, sofremos na pele o risco de um retrocesso brutal por
conta da aliança entre grande mídia e oposição conservadora. Essa é a
razão pela qual eu não acredito em aventureiros solitários. A guerra
política não é para adolescentes mimados. Governos de esquerda, ou
aliados à esquerda, tem de ser fortes, com base legislativa sólida e
confiável, ancorados em processos consolidados de articulação política
entre partidos, sindicatos, movimentos sociais, empresariado e sociedade
civil. Se não for assim, se não agirmos com inteligência e coesão,
estaremos expondo nosso povo a um risco que ele não merece correr.
Lula foi um grande estadista, mas o importante não é o indivíduo. É o
projeto político. Esse projeto deve ser assegurado, porque a
democracia, em si, não muda muita coisa, o que muda é a luta política no
interior da democracia. A luta para assegurar crescimento econômico,
empregos, juros baixos, mais investimentos em infra-estrutura, e
aprimoramento constante dos serviços de educação e saúde oferecidos pelo
poder público.