Deputada visita o Brasil para divulgar Fórum Social Mundial Palestina Livre, em novembro
Por Terezinha Vicente
Da Ciranda.net
Haneen
nasceu em 1969, em Nazaré, logo depois do segundo grande conflito
árabe-israelense conhecido como Guerra dos Seis Dias, 1967. Ela
representa a terceira geração depois da Nakba, catástofre palestina de
1948, que expulsou 700 mil árabes não judeus de suas terras; e faz parte
das milhares de novas mulheres árabes que participam das lutas
emancipatórias dos povos naquela parte do planeta. Filiada ao partido
Baladi (Aliança Nacional Democrática), que se opõe à ideia de Israel
como “Estado judeu”, Haneen é a primeira palestina com assento no
Knesset, o Parlamento israelense, desde 2009. É também a primeira cidadã
árabe de Israel a graduar-se em estudos sobre a mídia (pós graduação na
Universidade Hebraica de Jerusalém) e desenvolver aulas sobre mídia nas
escolas árabes.
Ativismo
Como muitas das mulheres palestinas, que estudam bem mais que os
homens palestinos, Haneen é graduada em filosofia e psicologia pela
Univ. de Haifa e, para completar, vem de uma família com tradição
política. Tem sido atacada fortemente pelos parlamentares israelenses,
recebeu até ameaças de morte, por ter participado da Frota da Liberdade
I, a bordo do navio que foi atacado ilegalmente – em águas
internacionais – pela marinha israelense, em 31 de maio de 2010, matando
nove pacifistas e ferindo dezenas.
“A defasagem a favor da mulher é das maiores do mundo, dois terços
dos estudantes são meninas”, informa Haneen. As mulheres são mais
presentes nas manifestações, maioria das organizações de direitos
humanos, além de maioria nas universidades, mas não conseguem trabalho.
“As mulheres estudamos e ficamos em casa”, diz, “porque há bem mais
oportunidades de trabalho para homens, que podem ir trabalhar em outras
cidades”.
Políticas para a Mulher
Um dos principais motivos é que os sistemas de comunicação e
transportes não chegam às cidades árabes. Como diz a deputada, o
trabalho da mulher está muito relacionado com o ambiente e o
desenvolvimento das cidades, culturalmente ela precisa trabalhar próxima
à casa e o Estado não desenvolve políticas para a mulher. “Se a mulher
não tem acesso ao desenvolvimento industrial de uma região, tem que
ficar em casa”, fala Haneen, dizendo existirem pesquisas indicando que
“se a mulher árabe consegue participar na vida pública, o nível de
pobreza pode diminuir”. A família judia tem renda 3 vezes superior à da
família árabe em Israel. Metade dos palestinos vivem abaixo do nível de
pobreza, tem participação de 1% no setor privado, 0,5% na tecnologia
avançada.
Apartheid de Estado
Haneen faz parte dos 18% de palestinos que restam no território dito
israelense, depois da expulsão de 85% desse povo originário, por
sucessivas e cada vez mais militarizadas invasões em suas terras, desde
1948. “O Estado pode confiscar terras palestinas sem pagar ao povo
palestino”, diz a deputada. “Desenvolveram mil cidades e povoados neste
território ocupado, 0% para os palestinos”. Existem sete milhões de
refugiados palestinos vivendo precariamente em vários países do mundo,
como Líbano, Jordânia, Síria, Iraque, Chile, Suiça e Brasil. As
violações aumentam progressivamente nos últimos anos.
“A democracia de verdade é uma ameaça para o Estado de Israel”,
afirma Haneen. “A colonização israelense desde 1967 é exercida contra
todos os palestinos, onde quer que estejam, não só em Israel. Os
cidadãos expulsos a partir de 1967 não são mais cidadãos neste Estado.
Sou parte do povo palestino e consigo questionar essa democracia, pois
somos cidadãos desse Estado”. Ela chama a atenção para a natureza do
Estado hebraico, que não tem constituição e nem fronteiras, algo pouco
abordado pela diplomacia internacional. “Existem 30 leis que legitimam o
racismo contra os cidadãos palestinos”, denuncia. Elas tratam do uso
das terras, construção e delimitação estrutural das cidades, mas também
são leis para a educação, para a construção de partidos e de
organizações civis. “Esta legislação de apartheid não tem igual no
mundo!”
Guerra Israelense
Também as leis de reunião de família e de naturalização são únicas no
mundo, segundo Haneen. Ela não pode casar com nenhum palestino, seja da
Síria, da região de Gaza, ou do Brasil, pois terá que sair de Israel. E
as leis são todas recentes, numa estratégia de guerra contra os
palestinos que, segundo a deputada, inclui não somente a perda de terras
(lei do confisco é de 2011), mas a colonização, a derrubada de suas
casas pelo Ministério do Interior. “Temos 60 mil casas construídas sem
autorização, verticalmente, pois eles não permitem a extensão de casas
árabes no território. Ocupamos apenas 3% do território embora tenhamos
crescido 9 vezes desde a ocupação”.
Identidade violentada
Além dos conflitos materiais, existe forte conflito pela identidade
palestina, proibida de se manifestar. Segundo a parlamentar, “pela
concepção israelense, os palestinos na Cisjordania e em Gaza são
palestinos e nós não somos. Se falamos que temos identidade palestina
não estamos sendo leais ao Estado de Israel. Em todos os documentos
oficiais somos identificados como ‘não judeus’, não temos identidade”. O
que aconteceu em 1948 está proibido de ser ensinado nas escolas pelas
leis sionistas desse Estado que se diz democrático. “Normalmente, o
imigrante é quem pede igualdade”, explica a deputada, “aqui a situação é
o contrário, os nativos pedem igualdade com o imigrante, pois a
civilização árabe islâmica acolheu os judeus”.
O papel do Ministério da Educação é fazer desaparecer a identidade
palestina. “Um dos seus objetivos é vincular o judeu ao território de
Israel”, explica Haneen, “e vincular o judeu israelense com a diáspora
judaica no mundo, fortalecer a língua hebraica e desenvolver sua
cultura. A literatura palestina de resistência é proibida, enquanto
todos os livros didáticos da 6ª série são sobre o holocausto, tido como
catástrofe humana única. Se um professor resolver falar da catástrofe
palestina no dia do Nakba, por exemplo, pode perder seus direitos”.
Visão Sionista
Também os meios de comunicação difundem a visão sionista, segundo a
parlamentar, construindo uma cultura de medo dos árabes. “Antes de 1967,
quando os tanques israelenses entraram em nosso território, - queríamos
somente viver, estávamos muito longe do Estado”, diz Haneen. “Agora a
maioria do nosso povo vota nos árabes, nossa juventude é a maior força,
identificada com os palestinos”. Para isso, os meios de comunicação
árabes tem tido muita importância. “Estamos vinculados à cultura árabe, o
projeto de um estado de cidadania é novo, tem apenas 16 anos, numa
repressão que já dura 60. Temos amadurecido e somos hoje mais corajosos e
ativos, as revoluções árabes demonstram que o componente subjetivo dos
povos é muito importante”.
A luta no parlamento
Três partidos árabes e oito judeus compõe o parlamento em Israel. O
Baladi, de Haneen, tem três assentos no parlamento, o PC quatro assentos
e o “massa islâmica”, outros quatro. A Aliança Nacional Democrática,
fundada em 1995, tem projeto de secularização do Estado de Israel,
querem um Estado laico e único para todos os cidadãos. Haneen Zoabi teve
que enfrentar os tribunais para tornar-se parlamentar e, depois de
algumas derrotas, conseguiu em 2006 por um voto (7 X 6), que os juízes
permitissem sua participação na eleição. “Respeitando as leis
israelenses e reivindicando como cidadã de Israel a solução deste
contraste entre o Estado religioso e o cidadão, eu sou perigosa para
Israel”.
A deputada acredita que irão proibir novamente a sua candidatura e a
de outros parlamentares de seu partido nas próximas eleições, sobretudo
pela participação na Flotilha da Liberdade. O projeto democrático quer a
igualdade de direitos para todos e que os refugiados voltem para suas
terras. “Os judeus sofreram holocausto não no mundo árabe e antes do
projeto sionista viviam em igualdade com os palestinos. Virou uma
obsessão a ‘judaicidade’ do Estado, eles passaram das fronteiras
geográficas para as simbólicas, as culturais. Precisamos unificar e
reconstruir o projeto nacional palestino, isso significa que precisamos
do apoio internacional para o Estado palestino”.
Solidariedade Internacional Rumo ao FSMPL
É neste contexto histórico que se organiza o Fórum Social Mundial
Palestina Livre, que acontecerá em novembro, no Brasil, na cidade de
Porto Alegre. É preciso que o mundo ouça a voz dos palestinos, saiba o
que acontece naquele território, descubra a farsa que é a democracia no
Estado de Israel. “Quando Israel tenta justificar ocupação, repressão e
massacres, levanta a bandeira de que é um Estado democrático”, comenta
Haneen, “mas é uma falsa propaganda”. O fato é que Israel vem ampliando o
comércio com todo o mundo, uma maneira de ganhar o apoio global para
sua expansão geográfica e cultural.
“A crise econômica não afetou a venda de armas de Israel para o
mundo”, diz a palestina. Israel tem 60 acordos com a comunidade
europeia, e voltou-se para outras regiões, como a América Latina, tem
acordos de segurança e de armamento com o Estado brasileiro. “Os acordos
comerciais com o Brasil são favoráveis a Israel, que tem um mercado de
apenas 6 milhões, frente ao mercado brasileiro”, analisa Haneen. “Israel
vê no Brasil e na América Latina um tesouro para expandir sua economia,
as empresas israelenses estão alcançando 200 milhões de consumidores”.
Boicote
A militante anti-sionista lamentou não ter visto nos supermercados
daqui nenhuma alusão ao boicote que vem sendo desenvolvido contra
produtos israelenses. “Cada vez que Israel se expande, ocupa terras e
melhora suas relações com países do mundo, isto é lido como apoio ao
projeto do Estado sionista”. Ela nos contou que um mês antes do FSMPL,
visitará o Brasil um Ministro da Suprema Corte de Israel, Salim Joubran,
de origem árabe. “Tenho medo que seja usado para propaganda gratuita”,
lamenta a deputada. “Ele vai falar sobre leis de direitos humanos
israelenses, mas aceitou todas as leis racistas. E eles falarão que
temos árabes no judiciário, no comercio, em todos os lugares, mas um
árabe é bom se aceita todas as regras do jogo”.
Haneen está apoiando o Fórum que pretende dar voz aos palestinos para
o mundo, e esteve em Porto Alegre e em São Paulo. O FSMPL “representa
um passo para saltar do apoio moral ao apoio prático, temos muitas
esperanças no Brasil, como um estado com peso a nível internacional”. O
Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece entre os dias 28 de
novembro e 1º de dezembro de 2012, e as inscrições estarão abertas a
partir deste 1º de outubro para organizações e atividades e, a partir do
dia 15, para indivíduos e imprensa. O comitê preparatório no Brasil
constitui-se de uma coalizão de 36 movimentos, sindicatos e ongs, além
das comunidades palestinas no Brasil. O Comitê Nacional Palestino une
forças políticas da Palestina, em maioria da sociedade civil. O Comitê
Internacional foi articulado no Conselho Internacional do FSM, reunindo
organizações de várias partes do mundo.