quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Golpe na Venezuela


Venezuela é vítima de uma nova tática intervencionista da direita


Vermelho entrevistou o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, para entender a conjuntura política da Venezuela. Segundo ele, há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina e o que está acontecendo no país é a aplicação desta tática de desestabilização, uma vez que a oposição não tem força política suficiente para enfrentar os governos de esquerda de forma democrática. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Por Théa Rodrigues, da Redação do Vermelho


Manifestação a favor do governo de Nicolás Maduro em Caracas. Foto: Alba.

Como avalia o momento pelo qual a Venezuela está passando atualmente?
Há um novo padrão de intervenção da direita na América Latina, que diz defender a democracia e a liberdade, mas que na verdade sempre foi antidemocrática e autoritária. A direita vem se apropriando dos discursos da esquerda, para implantar a dúvida de quem são os reais democratas e quem são os ditadores.

A Venezuela é um caso mais flagrante disso atualmente, mas essa mesma tática está sendo usada na Argentina e no Brasil. Trata-se da tentativa de criar um ambiente de desestabilização com o desabastecimento, que gera uma guerra econômica e o caos que força uma crise cambial. Por sua vez, isso provoca uma violência política que dá a sensação de que o governo não tem controle da situação e de que é culpado pela situação caótica.

Como os opositores conseguem o apoio popular utilizando essa tática?
Na Venezuela há uma parcela da população que ora vota no chavismo, ora vota contra. Esse grupo não cai no discurso fácil de que o presidente Nicolás Maduro é culpado por tudo, mas pode não votar novamente nele por conta da situação do país. Com isso, os opositores reforçam sua porcentagem de eleitores (cerca de um terço dos votantes) e disputam outra franja de apoio popular. Por meio da desestabilização do governo, o golpe de Estado se torna mais palpável para esses grupos de ultradireita, que utilizam quaisquer artifícios para manipular informações.

A manipulação e a desestabilização de governo rumo a um golpe de Estado são uma resposta à força da integração latino-americana?
Claro. À medida que temos a democracia e liberdade para o povo na América Latina, surgem ainda mais alternativas, mais à esquerda, progressistas e até revolucionárias, que sempre foram sufocadas ou por golpes militares, ou por invasão dos Estados Unidos, ou por apoio às ditaduras. O golpe militar de 1964 no Brasil é um exemplo, assim como o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile, na década de 1970.

Tivemos, a partir do final dos anos 1990, um avanço no processo de democratização latino-americano e, consequentemente, a vitória de governos mais progressistas e até de forças revolucionárias que passaram a democratizar ainda mais esses países – a Venezuela teve 15 eleições no período de 10 anos. Por tanto, o processo é contrário ao que dizem dos governos de esquerda: que são ditaduras.

O governo de Cristina Kirchner democratizou os meios de comunicação na Argentina, o mesmo aconteceu no Uruguai e no Equador. Quer dizer, quanto mais os governos de esquerda avançam em reformas democráticas, os grupos de direita opositores ficam sem alternativa e buscam uma saída fascista.

Por isso o presidente Nicolás Maduro considera que a conjuntura na Venezuela é uma consequência da ação de grupos fascistas?
A oposição está mudando de tática e de líder na Venezuela. Veja bem, Henrique Capriles não dá mais conta de fazer oposição ao governo em eleições. Já perdeu para o Hugo Chávez e, posteriormente, para Nicolás Maduro. Nas eleições municipais de dezembro passado, eles achavam que teriam ao menos um empate técnico com o partido governista, mas as medidas que Maduro tomou contra a guerra econômica foram muito eficientes e, com isso, o mandatário teve a confirmação do apoio popular.

Então precisa ser alguém mais radical, como é o caso de Leopoldo López. Tanto que, anteriormente, ele e Capriles faziam parte da mesma coligação contra o chavismo e agora estão divididos. Ou seja, pelas vias democráticas a oposição não tem mais espaço. A cena golpista fica impaciente com os governos que vão se reelegendo e que dão continuidade e aprofundamento aos programas progressistas. A partir disto, a direita passa a fortalecer uma alternativa neofascista, de golpe de Estado, de ditadura e de violência.

Para ter uma ideia, em 2002, López liderou a agressão armada à embaixada de Cuba e hoje prega um discurso pacífico. Ele, na época, já organizava esses grupos neofascistas de ultradireita. O opositor continua sendo o mesmo, mas agora utiliza essa “fachada” de defensor da paz, da democracia e de José Martí. Isso é tudo jogo de cena.

E assim Leopoldo López ganha o apoio popular...
Sim, mas essa campanha denominada “A Saída” que ele comanda é ditatorial e acusa o governo que construiu um Estado com base na democracia popular, que é o conteúdo real da Revolução Bolivariana, de ser uma ditadura.

Podemos afirmar que há uma tentativa de golpe de Estado na Venezuela, tal e qual o presidente Nicolás Maduro vem denunciando?
Sim, há uma tentativa de golpe, mais complexa, mais sofisticada e que utiliza o discurso da democracia e da liberdade, mas com o conteúdo de um golpe fascista. Essa inversão de sinais e essa apropriação dos termos de esquerda promove uma confusão ao desconstruir a imagem da real democracia. Há uma falsificação que tenta enganar o povo para a saída golpista.

Qual o papel dos Estados Unidos no que está acontecendo na Venezuela?
Os Estados Unidos e as direitas locais não suportariam mais 10 anos de governos progressistas e anti-imperialistas na América Latina. Como disse anteriormente, existe hoje um novo padrão de intervenção política do imperialismo, que prepara a guerra midiática, a guerra econômica, o terror psicológico e a falsificação.

Gene Sharp, um escritor que possui ligações com a CIA, escreveu um livro no qual ele levanta 198 estratégias de desestabilização de governo. Tudo o que está sendo feito na Venezuela está nesse “manual”. Isso foi aplicado no Irã em 1953 e no Chile em 1970.

O opositor Leopoldo López tem muita ligação com os EUA. O próprio fato de o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ter se pronunciado contra a prisão de López pode ser uma demonstração da ligação entre eles.

Qual é a nossa tarefa para prevenir essa “infiltração” fascista?
Nós precisamos defender a democracia e os governos eleitos de forma legítima e denunciar essa tentativa de “fascistização” da América Latina. É importante agir agora para desmoralizar essa tática e essa estratégia da direita para implantar o golpe de Estado a qualquer custo.

Na Venezuela é importante aproveitar que a oposição não está totalmente unida nisso e desmascarar esse tipo de discurso fascista para evitar que a onda golpista cresça. Não acredito que possa haver um golpe na Venezuela manhã, mas pode ser criada uma situação favorável a isso. Temos que nos preparar para uma nova fase de contraofensiva.

Qual o papel da mídia na propagação desse discurso “falsificado”?
As redes sociais repercutem o que a grande mídia diz. Manipulam imagens e divulgam sempre aquilo que é lhes é favorável. A multiplicação de um discurso que parece a favor do povo, mas que tem por trás grupos de extrema direita merece atenção especial.

Há algum perigo para a integração latino-americana?
Os três países fundamentais para a integração latino-americana são a Venezuela, o Brasil e a Argentina. Para quebrar a integração hoje, é preciso quebrar esses três países. Isso abalaria o todo o processo de avanço consolidado com o Mercosul, Unasul, Celac, Alba e outros.

Por isso, hoje, a direita intensifica sua campanha nesses três países. O plano era derrotar o Polo Patriótico, em dezembro passado, na Venezuela – o que não aconteceu – para criar uma alternativa para o próximo referendo revogatório daqui a dois anos. Também querem derrotar a presidenta Dilma Rousseff nas presidenciais deste ano e a o partido de Cristina Kirchner na Argentina, em 2015.

É possível, portanto, encontrar semelhanças nos acontecimentos recentes nesses países no último ano. Há uma guerra midiática, uma guerra política e econômica que acontece em intensidades diferentes contra esses três governos. Os opositores apostam que o caos e que um governo cada vez mais desprestigiado perca o apoio popular.

Como isso pode repercutir no Brasil?
No Brasil não será diferente, eles vão tentar ganhar uma parte do povo que vota na presidenta Dilma Rousseff utilizando o falso argumento de que a governante é incapaz, que a economia está um caos, que a política social está esgotada.

Aqui no Brasil, o discurso da direita em 1964 era “democracia e liberdade” com a chamada “revolução democrática”. Contudo, o governo deposto de Jango era, até então, o mais avançado e o que tinha mais compromisso com a luta dos trabalhadores, com a democratização e com a soberania nacional. 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

‘Dilma aprofunda desregulamentação, liberalização e desnacionalização’


 VALÉRIA NADER, DA REDAÇÃO   do CORREIO DA CIDADANIA




“Os traidores sempre acabam por pagar por sua traição, e chega o dia em que o traidor se torna odioso mesmo para aquele que se beneficia da traição”. É com esta frase, atribuída a Victor Hugo, que o economista e professor titular de Economia da UFRJ, Reinaldo Gonçalves,encerra entrevista que concedeu ao Correio da Cidadania, para avaliar a atual crise econômica que arrasta países emergentes e as orientações econômicas e políticas em vigor nos anos petistas, em geral, e no governo Dilma, em particular.

Em busca de situar o Brasil em meio à grave crise econômica que as nações em desenvolvimento enfrentam em 2014, Gonçalves destaca que, há mais de dois anos, já havia previsto que onúmero de países atingidos pela crise econômica de 2008 aumentaria no mundo subdesenvolvido. “As locomotivas voltam para os trilhos e o vagão de 3ª classe chamado Brasil descarrila mais uma vez”.

Quanto às causas da tormenta, estas se situam muito além dos equívocos de política econômica tão ao gosto das citações da mídia corporativa e neoliberal, em coro com os ditames do FMI e Banco Mundial. “No Brasil, há o problema estrutural que se chama Modelo Liberal Periférico (MLP). Esse modelo híbrido combina o que tem de pior do liberalismo e da periferia e tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro”, ressalta Gonçalves.

A atuação do governo dos trabalhadores para aquela que deveria ser um de seus alvos primordiais, a distribuição de renda, não passa, ademais, de algo “raso, superficial e circunstancial”, visto não incidir na distribuição da renda funcional (salários versus renda do capital) e da riqueza. “Depois de 11 anos de governo, há a falência do PT, que tem sido absolutamente incapaz de realizar mudanças estruturais no país. Só houve a consolidação do Modelo Liberal Periférico”.

Finalmente, em face do atual arranjo político e eleitoral, considerados governo e oposição, não são alvissareiras as expectativas de Gonçalves – o governo, enfraquecido, deverá no máximo proclamar um discurso eleitoral mais à esquerda, para, após eventual vitória, fazer ainda mais ajustes sociais regressivos e concessões aos setores dominantes.

A seguir, a entrevista completa.

Correio da Cidadania: O ano de 2014 começa, ao que parece, selando o fim da bonança para os emergentes. Trata-se de uma crise anunciada?

Reinaldo Gonçalves: É a queda do mito de que vagões podem puxar locomotivas. Esse mito deveu-se, principalmente, a uma visão otimista a respeito do crescimento da China. E a maior divulgação do mito deveu-se a visão equivocada em relação a outros grandes países em desenvolvimento (Índia, Rússia, Brasil, África do Sul etc.), que têm economias estruturalmente frágeis.

Em dezembro de 2011, escrevi um artigo com o título “Crise econômica: eles hoje, nós amanhã” (revista CIÊNCIA HOJE, nº.: 289, janeiro/fevereiro de 2012). Há mais de dois anos a conclusão era que havia risco crescente de que o número de países atingidos pela crise econômica de 2008 aumentasse no mundo subdesenvolvido. O cenário mais provável era que os Estados Unidos e os principais países desenvolvidos da Europa sairiam da crise no médio prazo. Por outro lado, o argumento era que o Brasil seria atingido pela crise caso não ocorressem mudanças significativas nas estratégias e nas políticas. O cenário mais provável no médio prazo era, por um lado, os Estados Unidos e países europeus importantes saírem da crise. E, por outro, o Brasil, país marcado por enormes fragilidades e vulnerabilidades estruturais, afundaria em crises de todos os tipos.

As locomotivas voltam para os trilhos e o vagão de 3ª classe chamado Brasil descarrila mais uma vez. Atualmente, o que temos é exatamente essa situação.

Correio da Cidadania: A mídia corporativa e neoliberal, em coro com os ditames do FMI e Banco Mundial, está sempre a salientar para o público leigo a inépcia fiscal, monetária e cambial dos governos, que seriam grandes motivadores dessa crise que agora assola os emergentes. Você poderia avaliar, neste sentido, as causas estruturais dessa crise?

Reinaldo Gonçalves: Não há como negar que políticas econômicas equivocadas também são causas de crises. Governos erram quando estimulam a expansão extraordinária do crédito e, portanto, o alto endividamento de indivíduos e empresas. Há outros erros: elevar a dívida pública para níveis insustentáveis e deixar as variáveis macroeconômicas fundamentais em níveis inadequados, como taxa de juro e taxa de câmbio. Os governos erram quando definem graus de liberalização e desregulamentação que são incompatíveis com a estrutura econômica do país. Os governos dos Estados Unidos e de países da Europa cometeram graves erros nos últimos anos e estão pagando por isso. No caso do Brasil, não há como negligenciar o déficit de governança e os erros cometidos nos governos FHC, Lula e Dilma. O Governo Dilma é a própria apoteose da mediocridade em termos de estratégias, condutas e resultados. Esse governo comete muitos erros.

Ademais, a crise no Brasil tem profundas causas estruturais. Por exemplo, a vulnerabilidade externa estrutural do Brasil é muito elevada e, portanto, o país é muito afetado pela desaceleração do comércio internacional e a volatilidade dos fluxos financeiros internacionais. Países como a China se protegem com elevados níveis de competitividade internacional e baixa dependência em relação a recursos financeiros externos. No Brasil, por outro lado, esses riscos são particularmente elevados porque o país depende significativamente da exportação de produtos básicos (minério de ferro, carne, soja e outros) e da captação de recursos externos para sustentar seu crescente e elevado déficit nas contas externas (as transações comerciais, de serviços e financeiras com os outros países).

Ou seja, a despesa do Brasil em moedas estrangeiras é maior do que a receita. Em 2013, o país precisou captar US$ 81 bilhões para fechar suas contas externas. Portanto, há crescente risco de crise cambial, que tende a causar crises financeira, real e fiscal, bem como maior inflação. Não podemos esquecer que o passivo externo brasileiro supera US$ 1,5 trilhão. Ou seja, nas contas externas há extraordinários desequilíbrios de fluxos e estoques. Além de haver evidente deficiência de gestão, no Brasil há o problema estrutural que se chama Modelo Liberal Periférico (MLP). Esse modelo híbrido combina o que tem de pior do liberalismo e da periferia. O MLP tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro.

Correio da Cidadania: A Argentina esteve nestas últimas semanas no olho do furacão. Como vê o país e que correlação se pode fazer entre as conjunturas argentina e brasileira nesse momento?

Reinaldo Gonçalves: Há semelhanças importantes que derivam da vulnerabilidade externa estrutural e do déficit de governança em ambos os países. Entretanto, penso que, em uma perspectiva de longo prazo e estrutural, a situação argentina é melhor que a brasileira. Enquanto os argentinos procuram adotar um modelo de desenvolvimento com foco no crescimento e na redução da vulnerabilidade externa estrutural, o Brasil aprofunda cada vez mais o Modelo Liberal Periférico, marcado por crescente vulnerabilidade externa estrutural. A liberalização na área de serviços, as privatizações, a desnacionalização e a desindustrialização, que avançaram no Governo Dilma, ampliam e aprofundam este modelo. No que se refere às contas externas, tanto Brasil como Argentina têm elevados desequilíbrios de fluxos; no entanto, o desequilíbrio de estoque na Argentina (passivo externo financeiro líquido) é pequeno, enquanto no Brasil é muito elevado.

Correio da Cidadania: E as economias centrais, EUA e Europa por exemplo, como as situa neste contexto? Estão de fato em um processo de retomada de suas economias e sociedades, como se quer fazer crer a partir da algumas análises?

Reinaldo Gonçalves: Se, por um lado, é certo que instabilidade e crise são próprias ao capitalismo, também é verdadeiro que esse sistema econômico desenvolveu mecanismos para superar crises. Por esta e outras razões, o capitalismo, que é marcado por desperdício, injustiça e instabilidade, sobrevive e avança há séculos e, inclusive, atualmente, é o substrato da economia mais dinâmica do mundo (a chinesa).

Nos últimos anos, os principais países desenvolvidos perderam graus de liberdade na aplicação de políticas macroeconômicas convencionais (redução de juros e aumento de gastos públicos). Entretanto, esses países dispõem de pelo menos quatro instrumentos para a estabilização econômica: distribuição de riqueza e renda, progresso técnico, competitividade internacional e guerra. O processo de distribuição de riqueza e renda gera ampliação do consumo dos trabalhadores. Entretanto, é pouco provável que ocorra este processo no horizonte previsível. Muito pelo contrário, parte expressiva do ajuste frente às crises está recaindo sobre os trabalhadores e os grupos de menor renda. A política de distribuição de renda está sendo impedida pelo capital e pelas forças conservadoras e, de fato, a concentração de renda tem aumentado na maior parte dos países desenvolvidos.

A lógica da globalização (rivalidade internacional, foco na maior competitividade e efeito China) também tem dificultado a adoção de políticas distributivas. Boa parte da decepção com os governos Hollande e Obama advém dos fracassos das suas políticas de ajuste via mecanismos redistributivos. Entretanto, pode-se prever que os principais países capitalistas retomarão a fase ascendente no médio prazo tendo em vista o uso dos outros mecanismos estruturais. Este argumento aplica-se às principais economias capitalistas do mundo (EUA, Alemanha, França e Japão). É bem verdade que economias pouco importantes (Grécia, Portugal etc.) continuarão em crise.

O progresso técnico implica aumento de produtividade e lançamento de novos produtos, que elevam a massa de lucros. Há, então, estímulo para os investimentos. A maior competitividade internacional permite vender mais produtos no mercado internacional. A guerra impulsiona os gastos bélicos e, portanto, a geração de renda e emprego, além de estimular o progresso tecnológico e a competitividade internacional. Nesse sentido, há oportunidades extraordinárias (Líbia, Síria etc.), além de outras que podem ser criadas. Ou seja, além de desperdício, injustiça e instabilidade, o capitalismo é marcado por dinamismo e barbárie. O capitalismo é sustentado pelo dinamismo e pela barbárie!

Correio da Cidadania: Quais serão as consequências dessa crise para as economias emergentes, em especial para o Brasil?

Reinaldo Gonçalves: É a trajetória de instabilidade e crise. No caso do Brasil, o Modelo Liberal Periférico causa o processo de desenvolvimento às avessas. É a trajetória do Brasil no início do século XXI, que se caracteriza, na dimensão econômica, por: fraco desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo. Nas dimensões social, ética, institucional e política desta trajetória, observam-se: invertebramento da sociedade; deterioração do ethos; degradação das instituições; e um sistema político corrupto e clientelista. Essas questões são analisadas no meu livro Desenvolvimento às Avessas (Rio de Janeiro: LTC, 2013; Prêmio Brasil de Economia, categoria livro, 1º lugar).

Correio da Cidadania: O que vê como alternativas para esta situação, a curto e médio prazos? O controle de câmbio poderia ser uma medida adotada frente a uma fuga de capitais do país?

Reinaldo Gonçalves: No atual quadro político e eleitoral não vejo saídas, nem mesmo no longo prazo. As candidaturas e os arranjos políticos este ano envolvem continuísmo, seja com a situação, seja com a oposição, ambos igualmente conservadores, medíocres e comprometidos com o Modelo Liberal Periférico. Neste quadro, é improvável qualquer controle de capitais. O governo Dilma continua ampliando e aprofundando a liberalização e desregulamentação dos fluxos financeiros internacionais. Este governo também tem estimulado o investimento externo direto, ou seja, a desnacionalização via privatizações (aeroportos, energia etc.). Qualquer mudança na direção de controles de capitais só ocorrerá em resposta a uma gravíssima crise cambial e risco de grave crise política e institucional.

Correio da Cidadania: Quanto a esta condução da política econômica pelo governo Dilma, analistas de mercado, paradoxalmente, criticam o que seria um intervencionismo estatal exacerbado na economia? O que diria nesse sentido?

Reinaldo Gonçalves: Intervenção do governo na economia é fundamental em qualquer país. Isso ocorre nas funções alocação, distribuição, regulação e estabilização. Mesmo em países que adotam modelos mais liberais (por exemplo, os Estados Unidos), o governo realiza essas funções. Quanto mais desenvolvido for o país, maior é o foco nas políticas de regulação e estabilização.
O desafio dos países em desenvolvimento é definir estratégias de desenvolvimento e, portanto, prioridades e hierarquia de funções e políticas de Estado. O problema brasileiro (evidente no caso do atual governo) é que a estratégia implícita (Modelo Liberal Periférico) está condenada ao fracasso, o sistema político é patrimonialista, clientelista e corrupto, e há déficit estrutural de governança. Mesmo a função distributiva do Estado é rasa, superficial e circunstancial, visto que não ataca o problema da distribuição funcional da renda (salários versus rendas do capital) e da distribuição da riqueza.

O problema do governo Dilma não é, naturalmente, o grau de intervenção, mas a qualidade da intervenção (gestão incompetente e inconsistência de políticas) e o enquadramento estrutural (dado pelo Modelo Liberal Periférico). Assim, quando há a adoção de políticas adequadas, esta é comprometida pela incapacidade de gestão, enquanto políticas equivocadas são adotadas para atender os setores dominantes (bancos, agronegócio, mineração, empreiteiras) e promover o MLP. Em artigo recente faço um balanço da economia brasileira durante os governos petistas e mostro os fracos resultados do governo Lula e os resultados medíocres do governo Dilma (comparáveis aos resultados igualmente medíocres do governo FHC). (“Balanço crítico da economia brasileira nos governos do Partido dos Trabalhadores”, Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, No. 37, janeiro de 2014).

Correio da Cidadania: Como, finalmente, enxerga as reações recentes do governo diante dessa crise e, em especial, como acredita que ele vá chegar às eleições?

Reinaldo Gonçalves: A direita não consegue fazer uma crítica consistente e realista ao atual governo. E é cada vez mais raro encontrar uma crítica rigorosa e contundente pela esquerda. Vejamos. O governo Dilma está tentando empurrar com a barriga o impacto dos problemas causados pelas nossas fragilidades e vulnerabilidades estruturais, bem como pelos erros de estratégias e políticas do próprio governo. Muito provavelmente o governo chegará ainda mais enfraquecido às eleições. Mas tenta ganhar tempo, fará um falso discurso eleitoral à esquerda e, após as eleições, fará ajustes de alto custo social e maiores concessões aos setores dominantes. Os protestos populares refletem este enfraquecimento. De fato, os protestos populares têm como principais causas os problemas estruturais e os erros cometidos no passado recente.

A crise atual também é conseqüência do surgimento de três fenômenos nos dois governos petistas: o Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o Lulismo (transformismo do PT). O Brasil Invertebrado caracteriza-se pelo fato de que os grupos dirigentes têm cooptado a grande maioria das organizações sociais, sindicais, estudantis e patronais. Exemplos: MST, CUT e UNE. Grupos sociais não-organizados, assim como movimentos sociais de maior envergadura, também são neutralizados por meio de políticas clientelistas — o bolsa-família, os benefícios da previdência e o salário mínimo são instrumentos poderosos tanto no plano da redistribuição da renda dentro da classe trabalhadora, como no plano político e eleitoral. Ademais, a impunidade de corruptos e corruptores continua como a regra geral, que tem poucas e surpreendentes exceções (as condenações do mensalão). Grandes grupos econômicos desempenham papel de atores protagônicos via abuso do poder econômico, corrupção e financiamento de campanhas eleitorais. Neste sentido, a ausência de organizações efetivamente representativas provoca revolta no povo.

O Brasil Negativado, por seu turno, expressa a deterioração das condições econômicas e abarca o país, o governo, as empresas e as famílias. As finanças públicas se caracterizam por significativos desequilíbrios de fluxos e estoques, além, naturalmente, dos problemas epidêmicos de déficit de governança e superávit de corrupção. O aumento da dívida das empresas e famílias tem causado crescimento significativo da inadimplência. O aumento da negatividade é resultado da política de crédito fortemente expansionista no contexto de taxas de juros absurdas, fraco crescimento da renda, inoperância da atividade fiscalizadora e abuso de poder econômico por parte dos sistemas bancário e financeiro. Milhões de pessoas (pobres e classe média) estão desesperadas e perdem o sono diariamente porque estão negativadas, não conseguem pagar suas dívidas. E isto causa sofrimento e revolta.

Por fim, vale destacar que a eleição de Lula expressou a vontade popular de transformações estruturais e de ruptura com a herança do governo FHC. Entretanto, o transformismo dos grupos dirigentes do PT gerou grande frustração. O social-liberalismo corrompido do PT se consolidou com as transferências e políticas clientelistas e assistencialistas. Depois de 11 anos de governo, há a falência do PT, que tem sido absolutamente incapaz de realizar mudanças estruturais no país. Só houve a consolidação do Modelo Liberal Periférico (que reúne o que há de pior no liberalismo e na periferia) e a manutenção da trajetória de Desenvolvimento às Avessas. O transformismo petista gera frustração e revolta.

O Brasil Invertebrado, O Brasil Negativado e o Lulismo (transformismo do PT) agravam os problemas econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais, comprometem a capacidade de desenvolvimento do país e geram frustração, sofrimento, revolta e ódio. Portanto, os governos petistas e seus aliados são os principais responsáveis pela crise atual e pelos protestos populares. (Ver meu artigo disponível na internet: “Déficit de governança e crise de legitimidade do Estado no Brasil”, 2013). Por essas e outras razões, o povo e a esquerda não podem ser complacentes com o PT, seus dirigentes e suas candidaturas!

Capital estrangeiro, empreiteiros, mineradores, banqueiros e os figurantes do sistema político clientelista, patrimonialista e corrupto aplaudem de pé o atual governo e o MLP, e se protegem do risco-Brasil enviando cada vez mais capital para o exterior. Nunca antes na história desse país, os ricos mandaram tanto capital para o exterior — algumas dezenas de milhares de brasileiros, de gente rica e muito rica. Por outro lado, no que se refere ao povo, às massas, não há as alternativas de sonegação, corrupção, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, fuga de capitais e proteção frente ao risco-Brasil e ao Desenvolvimento às Avessas.

Restam os protestos populares, que são reações concretas à crescente percepção do que se tornou odioso no Brasil. Essa percepção não é mitigada por elevação do salário mínimo, bolsa família e benefício da previdência. Aqui, cabe citar a frase atribuída a Victor Hugo: “Os traidores sempre acabam por pagar por sua traição, e chega o dia em que o traidor se torna odioso mesmo para aquele que se beneficia da traição”.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Os USA e os novos golpes...


Esquivel, prêmio Nobel da Paz: “Protestos na Venezuela são movidos pelos EUA”



Em entrevista à imprensa argentina, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel garantiu que “há uma intenção de desestabilizar não apenas a economia como também a ação social e política” na Venezuela.
Ao comentar nesta segunda-feira (17/02) a série de protestos e marchas de opositores ao governo de Nicolás Maduro, o arquiteto, escritor e ativista pelos direitos humanos disse também que há uma “investida originada nos Estados Unidos”.
“Tudo isso para produzir mudanças que não se fazem por meio de eleições”, disse o argentino. Para Esquivel, quem move os “fios dos protestos são os EUA e seus aliados”.
Esquivel pediu também maior presença do Mercosul (Mercado Comum do Sul), bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela — em nota divulgada hoje, o Mercosul repudiu a violência e “ameaças de ruptura da ordem democrática” no país. “O Mercosul tem que se fortalecer. Estão muito lentos”, disse Esquivel, horas antes da publicação do comunicado do bloco.
O Nobel da Paz ainda elogiou as conquistas sociais da Venezuela, ressaltando que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconheceu o país latino-americano por ter erradicado o anafalbetismo da população.
“Fui até as zonas marginais. Ali, as pessoas não tinham água e nenhum médico se atrevia a entrar para prestar atendimentos. A Venezuela era um país que não produzia nada, era provida pelos EUA. Hoje, a Venezuela tem um integração”, disse Esquivel.

A História da Maconha

Acompanharemos a trajetória desta droga psicotrópica na América. A maconha é um produto global que nos Estados Unidos produz mais de 36 bilhões de dólares por ano. Enquanto muitos acham que é uma droga medicinal, outros a consideram uma "droga ponte", que abre caminho para o uso de outras drogas mais fortes. Neste programa será mostrado o paradoxo que existe com relação a esta substância: o governo dos Estados Unidos investiu 100 bilhões de dólares para lutar contra o custo, venda e distribuição da droga, enquanto em 14 de seus estados o uso foi legalizado por razões medicinais.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

PROTESTO NO RIO CONTRA REDE GLOBO REFORÇA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA


PROTESTO NO RIO CONTRA REDE GLOBO REFORÇA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA

Cerca de mil pessoas participaram na quarta-feira (3) de um protesto contra a Rede Globo no Rio de Janeiro. Não faltaram xingamentos e manifestações, além do resgate da história nada democrática da maior rede de televisão do Brasil.
 Veja a íntegra do artigo do blogueiro Miguel do Rosário sobre o protesto:
Pela democratização da Mídia: a mãe de todas as batalhas
 Foi uma manifestação pacífica, mas com muito sangue nas veias! Não quebramos nada, mas xingamos. Ah, como xingamos!
 Imagine mil pessoas na porta da Globo mandando o Merval e Jabor pra aquele lugar. Imagine mil pessoas ouvindo discursos sobre o mensalão que a Globo levou dos Estados Unidos para apoiar o golpe de 64. Imagina mil pessoas exigindo que o Ministério Público investigue a sonegação bilionária da Vênus Platinada.
 O microfone era aberto. Qualquer um que se inscrevia, podia falar, caracterizando o caráter genuinamente democrático da manifestação. Diferente de algumas recentes onde só diretores de Ongs tem voz. As pessoas que trabalham, aqui no Rio, com o tema da democratização da mídia estavam em estado de êxtase, porque conseguimos juntar um público mais diversificado e mais jovem.
 Importante: foi uma manifestação com foco. Uma coisa é reunir 20 mil pessoas numa manifestação esquizofrênica, com um grupo pedindo a volta da ditadura, outro pedindo o anarquismo, outro espancando militantes partidários, outro pedindo socialismo, outro pedindo "bolsa Louis Vitton". Não. Éramos mil pessoas com um foco: protestar contra a Globo, contra o monopólio da mídia.
Um estudante de economia da UFRJ, muito jovem, disse uma coisa bonita: "não estamos aqui para protestar contra a política, mas contra o poderio econômico que sequestra a política. Não estamos aqui para protestar contra a corrupção, mas contra os corruptores".

 O refrão mais cantado foi o mesmo que esteve presente nas grandes manifestações, mas que a grande mídia, naturalmente, escondeu:
 "A verdade é dura! A Globo apoiou a ditadura!"
 Fizemos uma verdadeira assembleia popular. Claudia de Abreu, coordenadora da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio), um dos movimentos sociais que lideram os debates sobre democratização da mídia no estado do Rio, fez belíssimos discursos, sempre pontuando que não estávamos ali para uma catarse emocional, mas preparando ações concretas para acabar com o monopólio da grande mídia.
 Eu mesmo fiz alguns discursos, explicando a denúncia contra a Globo feita no Cafezinho, sempre enfatizando que a ficha criminal da Globo vai muito além dessas estripulias em paraísos fiscais. A Globo cometeu crimes históricos contra o Brasil. Lutou contra a criação da Petrobrás. Fez parte do golpe que levou ao suicídio de Vargas. Consolidou-se financeiramente, com dinheiro estrangeiro de um lado, e de golpistas internos, de outro, sobre o cadáver da nossa democracia. Essas coisas tem de ser ensinadas no colégio, para que nossas crianças, adolescentes e jovens parem de sofrer lavagem cerebral dos platinados.
 Quantos milhões de brasileiros não deixaram de se alimentar por que a Globo patrocinou e sustentou um golpe de Estado que interrompeu o processo de modernização democrática que apenas se iniciava com João Goulart?
 Quantos milhões de brasileiros foram humilhados pela miséria, pela fome, pela falta de escolas, hospitais e emprego, para que a família Marinho se tornasse uma das mais ricas do mundo!
 O ministro Paulo Bernardo também foi alvo dos manifestantes. Todos muito indignados com a gestão reacionária, entreguista e covarde do Ministério das Comunicações. Sua recente entrevista à Veja, tentando dar uma facada nas costas dos movimentos que defendem a democratização da mídia, foi a gota d'água.
 A incompetência da ministra Helena Chagas que não propõe à presidenta a abertura de uma mísera conta de twitter, deixando a direita midiática pautar a agenda política nacional, também foi muito questionada pelos manifestantes.
 Ficamos orgulhosos também com a participação dos jovens ativistas da mídia ninja, um dos movimentos mais atuantes nas grandes manifestações populares que tomaram conta do país nas últimas semanas. A manifestação foi toda exibida ao vivo. Tivemos mais de 10 mil pessoas assistindo via mídia ninja, mais uns dez mil pela Pos-TV. Ou seja, vinte mil pessoas acompanharam ao vivo a nossa manifestação!
 O momento alto do evento foi quando centenas de pessoas levaram uma fita listrada e "lacraram" a Rede Globo, numa alusão ao que a Polícia Federal costuma fazer com as pequenas rádios comunitárias acusadas de alguma mísera irregularidade burocrática. A Globo pode dever bilhões, pode fraudar, e ninguém faz nada. A gente fez, simbolicamente. Lacramos a TV Globo.
 A quantidade de policiais era impressionante. Havia mais PM na porta da Rede Globo do que protegendo a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro naquela manifestação que terminou em depredação da Alerj. Mais do que em frente à sede do governo. A gente conversou com o major, explicamos o programa da nossa manifestação e nos comprometemos a não deixar nenhum "infiltrado" cometer atos de violência.
 Mas fizemos questão de pontuar, ao microfone, que o pior vandalismo no Brasil vem das Organizações Globo. Um vandalismo informativo, moral e político. Alguns garotos irresponsáveis quebraram alguns vidros da Alerj. Depredaram uma ou duas cadeiras. A Globo, ao apoiar o golpe de 64, ajudou a destruir os alicerces de todas as assembleias legislativas do país, inclusive da principal, em Brasília.
 Houve muitas cantorias. Uma das mais fortes, mais emocionantes, foi "Amanhã vem mais! Amanhã vem mais! Amanhã vem mais!", que deve ter feito os platinados tremerem com a possibilidade de trazermos dezenas ou mesmo centenas de milhares de pessoas para protestar à sua porta, e à porta de todas as suas filiadas Brasil à fora.
 Foram distribuídas quase quinhentos exemplares da revista Retrato do Brasil, do jornalista Raimundo Pereira, que denuncia, com fartura de documentos, a farsa do mensalão, outro golpe patrocinado pela Globo. Vale lembrar que a Globo, aliada a forças obscuras, tem procurado manipular o sentido dos protestos para pressionar o Supremo Tribunal Federal a agir ao arrepio da Constituição. A Globo, além de sonegadora, é adepta de linchamentos - de seus adversários, é claro.
 Saímos todos extremamente satisfeitos com o resultado da manifestação. Encerramos a noite num bar das redondezas, falando de política e mídia. O deputado Protógenes Queiroz deu as caras e se dispôs a criar uma CPI da Globo, ao que respondemos que daríamos nosso apoio, mas que, dessa vez, tinha que ser pra valer. Não adianta só colher assinaturas. Tem de ser efetivamente criada e conduzida com coragem, não por nenhum "Odarelo".
 Mais importante que tudo, porém, é que produzimos um ato político que por si só pode ajudar a conscientizar as pessoas de que a concentração da mídia, do jeito que existe no Brasil, representa um perigo à nossa estabilidade democrática. Porque a nossa mídia é golpista, reacionária e anti-trabalhista, de um lado; e detém um poder financeiro monstruoso, de outro. A concentração apavorante da mídia brasileira em mãos de meia dúzia de herdeiros da ditadura é uma anomalia que os amantes da democracia devem combater com todas as suas forças.
 A presidenta Dilma tem de entender que, se não combater a mídia golpista, não vai conseguir fazer o Brasil avançar. A mídia já está patrocinando greves patronais de caminhoneiros, possivelmente está em conluio com alguns industriais para sabotar a economia, tenta manipular o sentido das manifestações, tudo para trazer a direita de volta ao poder em 2014.
 O plebiscito proposto pela presidenta, por exemplo, pode vir a se tornar um tiro no pé sem uma nova e mais ousada estratégia de comunicação, e sem um contraponto decente à Globo. A Vênus Platinada, que é a líder do principal partido conservador, quer enterrar o plebiscito, para desmoralizar o governo. Ou então levá-lo adiante, mas dominar o debate, fazendo aprovar seus itens mais nocivos ao povo, como o voto distrital.
 Como uma amiga, presente à manifestação, me disse, enquanto observava orgulhosamente as pessoas protestando na porta da Globo: essa é mãe de todas as batalhas!
Fonte: Blog de Miguel do Rosário

Medicina cubana, exemplo de humanidade...


Médico cubano fala à imprensa pela primeira vez

Em entrevista exclusiva, Maikell Rodriguez Valle diz por que escolheu Candiota para trabalhar, desmente inverdades sobre o Mais Médicos e diz como se sentiu ao ser denunciado por um colega de profissão
Profissional disse levar muito a sério o juramento de Hipócrates
Crédito: ANTÔNIO ROCHA
Ele gosta de churrasco, mas é hipertenso. Prometeu começar academia semana que vem, se o serviço permitir. Esteve na Venezuela e na Bolívia realizando o mesmo trabalho que faz no Brasil, em comunidades pobres e indígenas que, historicamente, tiveram pouco acesso à saúde pública. Foi manchete dos principais jornais brasileiros semana passada, quando um colega de profissão de Bagé o denunciou ao Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) por ter atendido a um paciente em estado grave, fora da sua jurisdição. "Nós temos experiências em outros países. Não somos novatos", disse, como que respondendo a quem duvida de sua competência. "Quando cheguei ao Brasil, falei que não íamos mudar nada na saúde que o Brasil não queira mudar", lembrou.     
O médico mais badalado do Brasil atualmente - depois, apenas, da colega Ramona Rodríguez, que pediu asilo aos EUA para ver o namorado em Miami - concedeu entrevista exclusiva ao Jornal MINUANO. Entrevista esta pretendida desde semana passada, quando o profissional se tornou assunto na imprensa nacional, mas preferiu esperar a turbulência passar.  
Na sede da prefeitura de Candiota, bairro Dario Lassance, Maikel Rodriguez Valle, 34 anos, recebeu a equipe de reportagem e falou, em bom portunhol, por mais de uma hora. Consequência do diálogo mantido com seus pacientes no interior do município, onde prefere atuar. Atrasou-se por alguns minutos, pois estava fazendo o que manda a profissão: salvando vidas. Agora, quando o Ministério da Saúde está prestes a arquivar a denúncia do Conselho Regional de Medicina (Cremers), numa demonstração clara de bom-senso, o cubano quebra o silêncio. Fala da medicina e da saúde pública em Cuba, do programa federal Mais Médicos, por que escolheu Candiota para trabalhar e o que sentiu ao ser denunciado por um colega de profissão.
 
De Cuba para o Brasil
Valle é divorciado e pai de dois filhos. Um de seis e outro de quatro anos de idade. Não os trouxe por opção, visto que são muito novos e, segundo ele, seria traumático para as crianças esse choque de cultura e mudança de idioma. Neste ponto, Valle desmente o primeiro mito acerca do Mais Médicos, onde diziam que eram proibidos de trazer as famílias. "Conheço colegas que trouxeram a família. Eu não trouxe por que moro em Cuba, vou voltar para lá e não quero que meus filhos retornem falando português", explicou. A família que ficou em Cuba segue recebendo o salário que ele recebia no Hospital de Pinar Del Rio: "O Mais Médicos é um extra no salário", declarou.   
Formou-se em Medicina em 2007, na Faculdade Ernesto Che Guevara, em Pinar Del Rio, província que fica ao leste da ilha, há 142 quilômetros da capital Havana. Fez residência em Medicina Geral e Integrada (saúde da família), e iniciou sua segunda especialização em anatomia patológica. Trancou os estudos após se inscrever no programa federal. Pretende retomá-los após cumprir sua estada em território brasileiro, que compreende três anos de trabalho. Ao completar um ano no Brasil, vai tirar férias na ilha e rever os filhos. 
Ficou sabendo do programa Mais Médicos através de um edital publicado pelo governo cubano. Resolveu se inscrever por iniciativa própria, desmitificando o boato de que são obrigados pelo regime castrista a vir trabalhar. "Nós que quisemos participar, nada é obrigado. Da mesma forma como fomos para Venezuela e Bolívia", afirmou. Perguntado se vale a pena financeiramente, respondeu: "Desse tema nós não falamos. Mas realmente estou muito feliz. Algumas coisas as pessoas tergiversam", disse, afirmando que está muito satisfeito com o salário e que não se tornou médico para ganhar dinheiro, mas para levar saúde à população.       
 
O episódio 2 de janeiro
Sobre o que aconteceu no dia 2 de janeiro de 2014, no Hospital Beneficente de Candiota, Valle foi reticente. Disse apenas que foi aquilo mesmo que está nos jornais e não quis discorrer sobre o assunto. Não se sentiu chateado ou magoado pela denúncia do colega de profissão. Pelo contrário. Mostrou amadurecimento e uma grande espiritualidade em não recriminar a atitude, respeitando a opinião dos brasileiros e se dando o direito de apenas discordar. "Para mim o importante é a opinião do povo", disse, fazendo alusão ao massivo apoio que obteve nas redes sociais e, inclusive, da presidente Dilma Rousseff. 
Sobre as críticas que o programa Mais Médicos e os cubanos vêm recebendo da categoria brasileira, Valle deu uma lição de humanidade e respeito: "Nós levamos muito a sério o juramento de Hipócrates, que diz que devemos tratar nossos colegas médicos como irmãos. Isso é uma lei do juramento hipocrático, que nós cubanos temos muito presente. Para nós eles são irmãos. O programa tem sido atacado por que toda a mudança traz um pouco de repercussão. É algo normal", considerou. "Da nossa parte nunca vai haver uma resposta negativa contra os colegas. Sempre vamos tratá-los como irmãos. Podemos dizer que em Cuba eles são bem-vindos. Eles e todos os colegas do mundo".
A maioria dos médicos cubanos, segundo Valle, tem duas especializações. Os que não possuem, estão cursando, assim como ele. Ou seja, ninguém é marinheiro de primeira viagem, como reza o corporativismo médico brasileiro que duvida das qualificações cubanas.   
Trabalham 32 horas por semana, com oito horas reservadas para os estudos. Mas como atende no interior, Valle trabalha bem mais tempo. "Estamos tratando de fazer realmente como está concebido na medicina familiar, que é a prevenção, mudanças de modos e estilo de vida, partindo da célula da sociedade, que é a família: tem que conversar, tem que ver as condições de vida, o ambiente onde mora, a alimentação, as condições da água", explicou, confessando que não gosta do tumulto da cidade e que prefere a calma dos campos. 
 
A rotina em Candiota 
De acordo com o médico cubano, quase não existe diferença entre trabalhar em Cuba ou no Brasil. A diferença maior, segundo ele, está nas doenças, visto que regiões tropicais apresentam enfermidades específicas. A outra diferença é a de que todo e qualquer exame, cirurgia, tratamento ou atendimento é gratuito na "ditadura castrista".  
Em Candiota, o maior problema são os hipertensos, em virtude da alimentação fronteiriça. Principalmente as carnes nos churrascos, o que ele sabe que faz parte da cultura, mas que pretende orientar os consumidores mais pré-dispostos à hipertensão. Ele mesmo é um adepto aos assados gaúchos, mas tem de pegar leve porque faz parte da lista dos que sofrem de pressão alta.    
Atua com uma equipe composta por três pessoas: um médico, um enfermeiro e um agente de saúde. De casa em casa percorrem quilômetros por dia, nos lugares mais isolados do município, alguns de difícil acesso. Comentou que, em Cuba, quando as localidades não permitem chegar de carro, alguns profissionais não se incomodam de atender a cavalo quando as situações exigem. 
Agora estão no aguardo de uma unidade móvel equipada para qualificar ainda mais o atendimento. E existe a previsão da chegada de mais dois profissionais cubanos para auxiliarem nos trabalhos.  
Mantém um bom relacionamento com os médicos brasileiros que atuam em Candiota. "O Mais Médicos trata-se de um trabalho em conjunto. Entre todos vamos tratar de ajudar a população. Nossa ideia é poder trabalhar juntos, mas não pensando cada um por si. Não tenho problemas pessoais com ninguém. Há médicos que falam bem do programa, que são a favor e que querem ajudar", relatou.    
Valle é situado historicamente. Explicou que pesquisou sobre Candiota e que escolheu a cidade não pela usina, mas por abrigar a região onde se travou a Batalha do Seival, por causa de Antônio de Souza Netto, destacado líder da Revolução Farroupilha, e também por Bento Gonçalves e os Lanceiros Negros. 
 
Os candiotenses agradecem 
Os pacientes até estranham em receber médicos em casa para atendê-los. "Eles são muito agradecidos", comentou. O cubano quer apenas trabalhar e levar saúde e informação aos candiotenses. Quando imprevistos ocorrem, como no caso da denúncia do Simers, apenas acompanha de longe, não se envolve, pois sabe que, no íntimo, agiu corretamente. "Estamos acostumados às dificuldades, mas isso nos dá mais forças. Cuba tem um povo lutador. Estamos bloqueados pelos EUA há décadas e Cuba segue firme sem esmorecer", alegou. "Nossa concepção de vida é mais espiritual do que material".    
Com a decisão extraoficial de que o Ministério da Saúde irá arquivar a denúncia feita pelo Cremers, sepultando a hipótese de deportação de alguém que quis salvar uma vida, quem ganha é a população de Candiota. Porque, parafraseando Che Guevara, "hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás".        
 
Fonte: JORNAL MINUANO
Por: Felipe Severo