sábado, 19 de abril de 2014

Em defesa do populismo — CartaCapital

Internacional

Entrevista - Ernesto Laclau

Em defesa do populismo

Confira uma das últimas entrevistas do sociólogo Ernesto Laclau, um dos teóricos do modelo político que dominou a América Latina no século XX, morto no domingo 13
por Nathalia Lavigne — publicado 19/04/2014 07:24, última modificação 19/04/2014 09:06

Ernesto
O filósofo Ernesto Laclau
Em Londres
Ernesto Laclau costumava ser apresentado pela imprensa argentina como o “intelectual do Kirchnerismo”. Embora reducionista, a definição não chega a ser uma inverdade. Um dos principais teóricos do populismo, o sociólogo e filósofo argentino sempre defendeu o projeto político de Nestór e Cristina Kirchner, assim como de outros governos latino-americanos de vocação nacional-popular. Mas tal definição quase sempre vinha acompanhada de outras em tom irônico – “el pensador favorito de la Presidenta”, que escrevia sobre a América Latina de seu sofá em Londres, eram as mais frequentes.
Laclau não parecia se incomodar com as críticas ao seu apoio ao kirchnerismo. Quando questionado sobre a suposta relação próxima com Cristina, ele garantiu ser um disparate – e contou a Carta Capital uma história que responde às ironias na mesma moeda. “Já falaram de tudo sobre isso. Quando Kirchner ainda estava vivo, disseram até que tinham me chamado à Casa Rosada para dar aulas de oratória para eles”, lembrou. O motivo do mal entendido foi uma brincadeira feita por Cristina de que ele deveria ir até a Casa Rosada explicar ao casal do que se tratava sua complexa teoria do discurso – área de estudo que criou na Universidade de Essex junto com a mulher, a cientista política belga Chantal Mouffe.
Um dos mais respeitados teóricos políticos da atualidade, Ernesto Laclau morreu na manhã de domingo 13, vítima de um infarto, aos 78 anos. Estava em Sevilha, na Espanha, onde participava de uma conferência com Chantal, com quem compartilhava também a mesma formação socialista e gramsciana. Junto com ela, escreveu um de seus trabalhos mais famosos Hegemony and Socialist Strategy (1985), referência na teoria política pós-marxista. Entre seus livros mais recentes publicados no Brasil está A Razão Populista(Três Estrelas, 2013), lançado em inglês em 2005. Há 45 anos vivendo na Inglaterra, o sociólogo era atualmente professor emérito de teoria política na Universidade de Essex, mesma universidade onde dirigiu o programa Ideologia e Análises do Discurso. Em uma de suas últimas entrevistas, concedida a CartaCapital em 22 de fevereiro, em sua casa, no norte de Londres, ele lamentou a morte de um de seus maiores amigos naquele mesmo mês – o jamaicano também radicado na Inglaterra Stuart Hall, um dos fundadores da área de Estudos Culturais. “Ele era um grande admirador da América Latina, costumava dizer que tínhamos que latino-americanizar a Europa”, contou.
A conversa durou pouco menos de uma hora – a segunda parte seria feita por telefone, o que acabou não acontecendo. Naquela tarde de sábado, mesmo dia em que o presidente ucraniano Viktor Yanukovich seria deposto, ele analisou a atual onda de manifestações com certa desconfiança. “As mobilizações populares são apenas metade do quadro, sem uma força política, essas mobilizações tendem a não se desenvolver muito”, comentou. A crítica aos protestos se referia também ao contexto venezuelano. Defensor do chavismo, Laclau enxergava nas manifestações uma clara tentativa de desestabilizar o já instável governo de Maduro.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo pensador argentino, em seu “sofá londrino”, quase dois meses antes de sua morte:

CartaCapital: Seu livro On Populist Reason (A Razão Populista) foi lançado em 2005, ano em que importantes países latino-americanos eram governados por líderes com fortes características populistas. Quase dez anos depois, como o senhor analisa esse momento?
Ernesto Laclau: Quando falamos de um governo popular na América Latina temos de ver que a nossa tradição de democracia foi muito diferente da tradição europeia, onde no século XIX só havia dois termos: liberalismo e democracia. O primeiro era uma forma muito respeitável de organização do Estado, que existia na França e na Inglaterra, por exemplo, enquanto democracia era um termo pejorativo, como o populismo é hoje. Já na América Latina essa integração de liberalismo e democracia nunca aconteceu da mesma forma. Enquanto na Europa o liberalismo foi associado ao Terceiro Estado, contra a monarquia absolutista, na América Latina o Estado liberal não era nada democrático. No caso do Brasil, por exemplo, o regime da República Velha era impecavelmente liberal, mas nem um pouco democrático. E o desenvolvimento de uma nova consciência de setores excluídos da população no começo do século XX se expressou de uma forma não-liberal: a Coluna Prestes, a Revolução de 1930, e, finalmente, o Estado Novo. Esse processo, que resultou no fortalecimento da autoridade do Poder Executivo, mostra como as massas foram excluídas do jogo parlamentar por décadas e décadas. A Argentina teve um processo parecido, com o peronismo, e a emergência da vontade das massas, enquanto o liberalismo era um componente muito pequeno da experiência peronista. Há uma dualidade em relação à experiência das massas na América Latina. De um lado, a tradição liberal-democrática, de outro o nacional-popular. O primeiro tenta produzir uma democratização interna do Estado liberal - Rui Barbosa, no Brasil, é um exemplo. De outro lado, houve a tradição nacional-popular, que dominou a maior parte dos países latino-americanos nos anos 1920, 1930 e 1940. Hoje, pela primeira vez, há uma confluência do respeito às normas liberais do Estado e a prevalência da tradição nacional-popular. Esses dois sistemas não são mais tão separados como antes, na primeira fase do populismo. Neste segunda fase as coisas são diferentes, e provavelmente vão continuar muito diferentes da democracia europeia, no sentido de que a figura do presidente, o poder democrático, é o poder executivo. Se pensarmos em Chávez, em Lula, em Kirchner, em Evo Morales, em todos esses exemplos há uma tradição nacional-popular, mas que respeita os princípios do estado liberal.
CC: A Venezuela vem passando por uma situação política delicada nos últimos meses. Como o senhor analisa esse momento de transição e instabilidade no país?
EL: Claro que a morte de Chávez representou um grande golpe para o projeto nacional-popular na Venezuela, e as forças da oposição tentaram tirar vantagem de toda essa instabilidade gerada. Eles estão tentando que essa transição não aconteça. Se pensarmos nas campanhas de figuras como Leopoldo López, está claro que ele representa uma tendência golpista. Ele não está querendo ganhar a eleição, mas desestabilizar o governo. E essa tem sido uma tendência da oposição na Venezuela. A questão é se esses protestos vão desestabilizar sem afetar a base do sistema, ou se vão avançar em uma direção em que a base não poderá ser mantida. Se isso acontecer, será um rompimento radical com o projeto do chavismo. Mas, até agora, o que parece é que essas mobilizações não serão capazes de desestabilizar o sistema a esse ponto. Este é um momento de uma típica guerra de posição, no sentido gramsciniano, em que há um processo molecular acontecendo na sociedade – é preciso esperar um pouco para ver como eles vão se cristalizar.
CC: O senhor tem acompanhado os protestos na Ucrânia? Qual sua opinião sobre esta e outras mobilizações populares espalhadas por diversos países nos últimos anos?
EL: A formação das alternativas populares tem duas dimensões: a da autonomia e a da hegemonia. A primeira seria a mobilização de setores excluídos da esfera pública para serem incorporados a ela, como aconteceu no caso dos piqueteros na crise econômica da Argentina, em 2001. O que foi inteligente do Kirchner foi criar canais de comunicação com esses grupos. Essa é a dimensão da autonomia. Já a dimensão da hegemonia envolve a transformação dos aparatos do Estado. Se um grupo confia exclusivamente na dimensão da autonomia, o Estado permanece inalterado, e a mobilização tende a desaparecer. Isso aconteceu com os Indignados, na Espanha. Era um grande movimento social, mas eles não tinham objetivos políticos claros e por isso perderam a força. Por outro lado, se você confiar totalmente na transformação burocrática, a dimensão da hegemonia, sem a dimensão da autonomia, você terá governos burocráticos e sem capacidade de promover perspectivas de mudanças. No caso de Kiev, esta parece uma mobilização popular bem-sucedida pelo fato de ter atingido o aparato do Estado. A questão é o que acontece depois. Eu me lembro que, logo após a Primavera Árabe, as pessoas estavam muito animadas. Acho que devemos sempre esperar para ver qual vai ser o resultado. As mobilizações populares são apenas metade do quadro. Elas também podem levar a uma estabilização de regimes que não serão nem capazes de lidar com o desafio democrático pela frente, ou não têm interesse em seguir esse objetivo. O que está acontecendo no Egito é um exemplo. Quatro anos depois das mobilizações populares, o país ainda é incapaz de estabelecer um regime político estável.
CC: Nos últimos meses, houve uma forte desvalorização do peso na Argentina, a maior nos últimos 12 anos. O senhor não acha que isso demostra uma inabilidade do governo Kirchner em manter uma estabilidade econômica no país?
EL: A política econômica do governo Cristina e, anteriormente, de Kirchner, sempre trabalhou no sentido de evitar os efeitos da crise internacional e manter uma relativa autonomia no desenvolvimento econômico. Desde a fim da negociação do projeto neoliberal da Alca, no qual o Brasil teve um papel muito importante, a prioridade tem sido a de garantir uma certa autonomia do país, de não aceitar mais pressões de órgãos financeiros internacionais. O objetivo agora deve ser controlar a inflação, de uma forma ou de outra [comprometendo o câmbio ou não].
CC: É verdade que o senhor atua como uma espécie de conselheiro político de Cristina Kirchner?
EL: Não, de maneira nenhuma. Já estive com ela algumas vezes, mas ela nunca me pediu conselhos sobre absolutamente nada. Já falaram de tudo sobre isso. Uma vez, após um desses encontros, ela me acompanhou até a porta do seu escritório, e havia alguns jornalistas do lado de fora. Antes de ir embora, ela me disse 'Precisamos combinar um encontro para você nos explicar do que se trata a sua teoria do discurso'. No dia seguinte, publicaram que a presidenta tinha me pedido para lhe dar aulas de oratória (risos).

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Altamiro Borges: Gabriel García Márquez e o jornalismo

Gabriel García Márquez e o jornalismo

Por Luciano Martins Costa, noObservatório da Imprensa:

A morte de Gabriel García Márquez surpreendeu a imprensa de todo o mundo na quinta-feira (17/4), embora boatos tenham anunciado que ele esperava junto de sua família o desfecho da doença que o acometia. Gabo já não tinha vigor para outro combate com o câncer, que em 1999 havia interrompido um de seus projetos mais instigantes.

Na sexta-feira (18), os jornais fazem longos obituários, ressaltando sua obra literária, na qual se destaca Cem Anos de Solidão, o estonteante romance que é tido como a metáfora perfeita dos rincões mais profundos da América Latina. Os comentários repetem à exaustão as referências a ele como fundador do estilo literário que ficou conhecido como “realismo mágico”, expressão que ele não reconhecia como definidora de sua obra. Aquilo que para os outros parecia magia era o modo como ele enxergava a realidade.

Os privilegiados que puderam observá-lo de perto sabem que ele vivia em um estado que excedia os parâmetros comumente aceitos como definidores daquilo que existe. Realidade e imaginação se completavam. No convívio mais próximo, impressionava o modo como saltava rapidamente de um tema complexo para possibilidades radicais, num encadeamento de palavras que mesclavam reflexões profundas com brincadeiras pueris e provocações.

Foi assim com os dez jornalistas que convidou para aquele projeto, em 1997, que ele intitulou “jornalismo ideal”. Era o tempo de consolidação das tecnologias de informação e comunicação que viriam a revolucionar o modo como o ser humano se comunica e se informa, e ele se juntou ao grupo para liderar o desenvolvimento de uma visão de futuro para o jornalismo.

Este observador era um dos participantes.

Durante meses, cada um em sua cidade, e posteriormente em Cartagena de Índias, na Colômbia, e depois em San Miguel de Allende, no México, o grupo se dedicou a imaginar como poderia ser uma imprensa capaz de se aventurar no território ilimitado da internet, abrindo-se para a sociedade e compartilhando com o público o poder de definir o que é relevante entre os fatos de cada dia.

O zumbido da ética
O projeto foi concluído no final de 1998 e deveria ser levado a redações e escolas de jornalismo pelo mundo afora, com uma série de recomendações e propostas que tinham como objetivo provocar uma ruptura no modo como é feita a interpretação e mediação dos acontecimentos pela imprensa. A doença surpreendeu a todos, mas aquelas reflexões permaneceram no currículo da Fundação para o Novo Jornalismo Iberoamericano, idealizado por Gabriel García Márquez e dirigido pelo intelectual Jaime Abello Banfi.

No fundo, o propósito era romper alguns processos tradicionais do trabalho jornalístico, abrindo a possibilidade de compartilhamento das escolhas com o leitor. Cabia ao designer Roger Black elaborar os meios pelos quais haveriam de conviver textos e imagens, de modo que uma nova arquitetura estimulasse a transformação constante do conteúdo pela experiência de cada leitor.

Gabo era o paradigma: sua presença e suas intervenções apontavam para o horizonte sem limites da imaginação. Era um homem fascinante, um manancial de ideias cuja matriz parecia vir de um profundo sentimento de solidariedade, o mesmo que o fez se aproximar dos protagonistas de algumas das utopias do seu tempo.

Costumava dizer que o jornalismo deveria perseguir a realidade, e apostava que sempre haveria leitores interessados em acompanhar uma história, desde que fosse contada com talento. Nesse sentido, ele achava que jornalismo e literatura tinham que se mesclar em algum ponto.

Seu Relato de um Náufrago, primorosa reportagem que resgatou, meses depois de ocorrido, o testemunho do único sobrevivente de um desastre no mar do Caribe, é um modelo dessa possibilidade literária do jornalismo. 

No entanto, para Gabriel García Márquez, antes da técnica vinha a ética. Ele nos ensinou que essa deve ser a razão de ser da atividade jornalística: uma ética profunda, capaz de justificar a intromissão de alguém na vida do outro. Ele dizia isso com uma metáfora simples e clara: “A ética não é uma condição ocasional, mas deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o voo da mosca”.

ODiario.info » Kennedy discutiu o derrube de Goulart dois anos antes do golpe de 1964 no Brasil

Kennedy discutiu o derrube de Goulart dois anos antes do golpe de 1964 no Brasil

Documentos desclassificados que acrescentam novos dados à longa história da ingerência imperialista. Historial que de Truman a Kennedy, de Bush a Obama, acumula os mais hediondos crimes contra os povos de todo o mundo. Neste caso com a particularidade de destacar de novo o papel da sinistra figura de Vernon Walters, com quem a Revolução de Abril teve também que se defrontar.

O presidente John F. Kennedy e seus assessores discutiram o derrubamento do governo de João Goulart uns dois anos antes do golpe militar no Brasil perpetrado no 1º de Abril de 1964, opção que subsequentemente foi implementada pelo governo de Lyndon B. Johnson, segundo revelam transcrições da Casa Branca difundidas pela organização de investigação independente Arquivo de Segurança Nacional.
Em Julho de 1962 Kennedy quis saber que tipo de relações mantinham os Estados Unidos com os militares brasileiros, e em Março de 1963 deu instruções aos seus assessores: “temos que fazer alguma coisa em relação ao Brasil” se Goulart não deixa de se entender com aquilo a que o presidente chamava “anti-estadunidenses ultra-radicais no governo brasileiro”.


“Creio que uma das nossas tarefas mais importantes é fortalecer a coluna vertebral dos militares brasileiros”, respondeu Lincoln Gordon, embaixador estadunidense no Brasil, em reunião com Kennedy e o assessor presidencial Richard Goodwin na Casa Branca em 30 de Julho de 1962. Acrescentou que tinha de se “deixar claro, discretamente, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de acção militar, seja ela qual for, se for claro que o motivo da acção militar é… que (Goulart) está entregando o país aos” …. “comunistas”, interrompeu Kennedy para acabar a frase, segundo a transcrição das gravações secretas de Kennedy das suas reuniões na Sala Oval.
Foi nessa reunião que Kennedy e a sua equipa decidiram melhorar os seus contactos com os militares brasileiros, tarefa entregue ao então adido militar, tenente-coronel Vernon Walters, resume o Arquivo de Segurança Nacional (National Security Archive). Acrescenta que Walters se tornaria o actor clandestino chave nos preparativos para o golpe de Estado no Brasil, pouco menos de dois anos depois desta reunião.
O Arquivo de Segurança assinala que os documentos oficiais – as novas transcrições juntamente com outros relatórios oficiais da Casa Branca anteriormente desclassificados – mostram que em finais de 1962 o governo de Kennedy tinha concluído que um golpe de Estado serviria os interesses estadunidenses se os militares brasileiros fossem encorajados a avançar com esse objectivo. A Casa Branca estava incomodada com a política exterior independente de Goulart durante a crise dos mísseis, e com a sua renitência em apoiar, entre outras coisas, o desejo de Washington de expulsar Cuba da Organização de Estados Americanos.


Em 11 de Dezembro de 1962 o comité executivo do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca reuniu para avaliar três opções sobre o Brasil. A primeira: não fazer nada; a segunda: colaborar com elementos hostis a Goulart dentro do país com vista a impulsionar o seu derrubamento e; a última: mudar a orientação de Goulart e do seu governo. Optou-se pela terceira mas, segundo o relatório oficial desta reunião, aceitou-se que a opção de promover um golpe devia ser mantida como consideração activa e contínua.
Pouco depois, em 17 de Dezembro de 1962, Kennedy enviou o seu irmão Robert para apresentar um ultimato a Goulart.
Robert Kennedy informou Goulart de que Washington tinha sérias dúvidas sobre a futura relação com o Brasil dados os sinais de infiltração de comunistas e nacionalistas de extrema-esquerda em postos civis do governo do país, bem como a oposição que mantinha relativamente a políticas e interesses estadunidenses em geral.
Em Março de 1963 Goodwin recomendava ao presidente que caso Goulart continuasse renitente em modificar a sua postura, os Estados Unidos deveriam preparar o mais prometedor clima possível para a sua substituição por um regime mais desejável, segundo transcrições das gravações.
Numa reunião na Casa Branca em 7 de Outubro de 1963, o presidente debateu se os Estados Unidos necessitariam de derrubar Goulart, incluindo uma intervenção militar. Foram elaborados, sob a direcção do embaixador Gordon, vários planos de contingência destacando a possibilidade de uma intervenção armada, que foram transmitidos da embaixada a Washington em 22 de Novembro de 1963 – o dia em que Kennedy foi assassinado.


Em Março de 1964, ao estalar a disputa entre Goulart e os generais brasileiros, o governo de Johnson promoveu e apoiou o crescente descontentamento militar. Segundo um documento secreto de uma reunião de responsáveis da CIA, o Departamento de Estado e a Casa Branca, manifestaram que: “não queremos que o Brasil vá a pouco e pouco pelo cano abaixo enquanto ficamos parados à espera das próximas eleições”.
A Operação Irmão Sam já tinha sido autorizada por Johnson para permitir que os militares estadunidenses apoiassem os seus congéneres brasileiros, encoberta e abertamente, com armas e tropas se tal fosse necessário para apoiar o golpe.


Peter Kornbluh, director do projecto sobre o Brasil do Arquivo de Segurança Nacional, comentou que as operações clandestinas de desestabilização política da CIA contra Goulart entre 1961 e 1964 constituem o buraco negro desta história, e apelou a que o governo de Barack Obama desclassifique os arquivos de inteligência desse período sobre o Brasil.
Os documentos difundidos e analisados encontram-se em Arquivo de Segurança Nacional.
Nova Iorque, 2 de Abril.

*Correspondente (La Jornada, quinta-feira, 3 de Abril de 2014)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Podemos sorrir ainda em meio ao espanto e ao medo? | Brasil de Fato

Podemos sorrir ainda em meio ao espanto e ao medo?

Numa época como a nossa, de desagregação geral das relações sociais e de ameaças de devastação da vida em suas diferentes formas e até de risco de desaparecimento de nossa espécie humana, vale apostar nestas duas iluminações: Deus é comunhão de três que são relação e amor e que a vida não é destinada à morte pessoal e coletiva mas a mais vida ainda. 

Por Leonardo Boff
Na minha já longa trajetória teológica dois temas me foram desde o início sempre centrais, a partir dos anos 60 do século passado porque representam singularidades próprias do cristianismo: a concepção societária de Deus (Trindade) e a idéia da ressurreição na morte. Se deixássemos fora estes dois temas, não mudaria quase nada no cristianismo tradicional. Ele prega fundamentalmente o monoteismo (um só Deus) como se fôssemos judeus ou muçulmanos. No lugar da ressurreição preferiu o tema platônico da imortalidade da alma. É uma lastimável perda porque deixamos de professar algo singular, diria, quase exclusivo do cristianismo, carregado de jovialidade, de esperança e de um sentido inovador do futuro.
Deus não é a solidão do uno, terror dos filósofos e dos teólogos. Ele é a comunhão dos três Únicos que, por serem únicos, não são números mas um movimento dinâmico de relações entre diversos igualmente eternos e infinitos, relações tão íntimas e entrelaçadas que impede que haja três deuses mas um só Deus-amor-comunhão-inter-retro-comunicação. Temos a ver com um monoteismo trinitário e não atrinitário ou pré-trinitário. Nisso nos distinguimos dos judeus e dos muçulmanos e de outras tradições monoteístas.
Dizer que Deus é relação e comunhão de amor infinito e que dele se derivam todas as coisas é permitir-nos entender o que a física quântica já há quase um século vem afirmando: tudo no universo é relação, entrelaçamento de todos com todos, constituindo uma rede intrincadíssima de conexões que formam o único e mesmo universo. Ele é, efetivamente, à imagem e semelhança do Criador, fonte de interrelações infinitas entre diversos que vem sob a representação de Pai, Filho e Espírito Santo. Essa concepção tira o fundamento de todo e qualquer centralismo, monarquismo, autoritarismo e patriarcalismo que encontrava no único Deus e único Senhor sua justificação, como alguns teólogos críticos já o notaram. O Deus societário, fornece, ao invés, o suporte metafísico a todo tipo de socialidade, de participação e de democracia.
Mas como os pregadores, geralmente, não se referem à Trindade, mas somente a Deus (solitário e único) perde-se uma fonte de crítica, de criatividade e de transformações sociais na linha da democracia e da participação aberta e sem fim.
Algo semelhante ocorre com o tema da ressurreição. Esta constitui o núcleo central do cristianismo, seu point d’honeur. O que reuniu a comunidade dos apóstolos depois da execução de Jesus de Nazaré na cruz (todos estavam voltando, desesperançados, para suas casas) foi o testemunho das mulheres dizendo: “esse Jesus que foi morto e sepultado, vive e ressuscitou”. A ressurreição não é uma espécie de reanimação de um cadáver como o de Lázaro que acabou, no final, morrendo como todos, mas a revelação do novissimus Adam na expressão feliz de São Paulo: a irrupção do Adão definitivo, do ser humano novo, como se tivesse antecipado o fim bom de todo o processo da antropogênese e da cosmogênese. Portanto, uma revolução na evolução.
O cristianismo dos primórdios vivia desta fé na ressurreição resumida por São Paulo ao dizer:”Se Cristo não ressuscitou a nossa pregação é vazia e vã a nossa fé”(1Cor 15,14). Faríamos então melhor pensar: ”comamos e bebamos porque amanhã morreremos”(15,22). Mas se Jesus ressuscitou, tudo muda. Nós também vamos ressuscitar, pois ele é o primeiro entre muitos irmãos e irmãs, “as primícias dos que morreram”(1Cor 15,20). Em outras palavras e isso vale contra todos os que nos dizem que somos seres-para-a-morte, que nós morremos sim, mas morremos para ressuscitar, para dar um salto para o termo da evolução e antecipá-la para o aqui e agora de nossa temporalidade.
Não conheço nenhuma mensagem mais esperançadora do que esta. Os cristãos deveriam anunciá-la e vive-la em todas as partes. Mas a deixam para trás e ficam com o anúncio platônico da imortalidade da alma. Outros, como já observava ironicamente Nietzche, são tristes e macambúzios como se não houvesse redenção nem ressurreição. O Papa Francisco diz que são “cristãos de quaresma sem a ressurreição”,   com “cara de funeral”, tão tristes como se fossem ao próprio enterro.
Quando alguém morre, chega para ele o fim do mundo. É nesse momento, na morte, que acontece a ressurreição: inaugura o tempo sem tempo, a eternidade benaventurada.
Numa época como a nossa, de desagregação geral das relações sociais e de ameaças de devastação da vida em suas diferentes formas e até de risco de desaparecimento de nossa espécie humana, vale apostar nestas duas iluminações: Deus é comunhão de três que são relação e amor e que a vida não é destinada à morte pessoal e coletiva mas a mais vida ainda. Os cristãos apontam para uma antecipação desta aposta: o Crucificado que foi Transfigurado. Guarda os sinais de sua passagem dolorosa entre nós, as marcas da tortura e da crucificação, mas agora transfigurado no qual as potencialidades escondidas do humano se realizaram plenamente. Por isso o anunciamos como o ser novo entre nós.
A Páscoa não quer celebrar outra coisa do que esta ridente realidade que nos concede sorrir e olhar o futuro sem espanto e pessimismo.
Leonardo Boff escreveu A nossa ressurreição na morte, Vozes 2004.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Acusados de tráfico de drogas com helicóptero de deputado são soltos

Acusados de tráfico de drogas com helicóptero de deputado são soltos

Mesmo após prisão em flagrante, procurador da República acusou a PF de efetuar a prisão dos cinco acusados a partir de uma prova ilícita





Da Redação do BRASILDEFATO

O caso do "helicóptero do pó", que envolveu diretamente uma empresa do deputado estadual Gustavo Perrella (SDD-MG), filho do senador  Zezé Perrella (PDT-MG), ficou conhecido por todo o Brasil no final de 2013 e ainda gera muitas perguntas por todo o país: quem seria o dono dos mais de 400 kg de pasta base para cocaína apreendidos?

Acontece que essas perguntas podem ficar sem respostas, pois, na segunda feira passada (7), a Justiça mandou soltar os cinco denunciados pelo Ministério Público Federal, sem que fossem ouvidos. 

Segundo o procurador da República Fernando Amorim Lavieri a PF efetuou a prisão dos cinco a partir de uma prova ilícita. Serviu como justificativa o fato de que foi a partir de uma interceptação telefônica ilegal que descobriu-se que a droga seria descarregada na cidade de Afonso Cláudio, no Espírito Santo.

Mergulhado no caso, o repórter Joaquim de Carvalho publicou recente reportagem explicando o caso que considera "um dos escândalos mais rumorosos" e que está "longe de ser explicado". A reportagem foi publicada no Diário do Centro do Mundo. Leia na íntegra:

Exclusivo: o que diz o processo do caso do helicóptero dos Perrellas, tratado na Justiça de “Helicoca”


O repórter Joaquim de Carvalho está mergulhado na história da apreensão de 445 quilos de pasta de cocaína num helicóptero que pertence à família Perrella, um dos escândalos mais rumorosos do ano passado, que está longe de ser explicado. É o segundo projeto de crowdfunding do DCM, totalmente financiado pelos leitores.
Esta é só a primeira reportagem de uma série especial. Outras virão, bem como um documentário. A matéria é fruto da apuração de Joaquim em Vitória e Afonso Cláudio, no Espírito Santo. Ele está agora a caminho de Minas Gerais.
O senador José Perrella de Oliveira Costa, o juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa e o procurador da República Júlio de Castilhos Oliveira Costa têm em comum não apenas o sobrenome.
O juiz e o procurador atuam no processo número 0012299-92.2013.4.02.5001, sobre tráfico internacional de drogas, em que o Oliveira Costa senador, mais conhecido como Zezé, é o sujeito oculto.
Eu fui a Vitória e a Afonso Cláudio, no Espírito Santo, conversei com pessoas envolvidas na investigação, advogados e testemunhas. Também tive acesso ao processo e a um procedimento sigiloso do Ministério Público Federal.
Era necessário contar a história da segunda maior apreensão de drogas no estado, onde o caso é tratado como um dos maiores escândalos da história.
No processo, não há prova de que Perrella esteja envolvido na operação criminosa que pretendia colocar nas ruas da Europa 445 quilos de cocaína produzida em Medellín, na Colômbia.
Mas, embora seja mencionado não mais do que uma dezena de vezes nas 1162 páginas da ação penal, o nome dele paira como um fantasma sobre todo o processo.
Tanto é assim que, entre os servidores da Justiça Federal, a ação foi apelidada de “Helicoca”, referência ao helicóptero Robinson, modelo 66, registrado em nome de uma empresa da família Perrella e que foi usado pela quadrilha no transporte da cocaína.
Uma das poucas vezes em que José Perrella aparece é na transcrição de uma troca de mensagens entre o piloto da família Perrella, Rogério Almeida Antunes, e o primo dele, chamado Éder, que mora em Minas Gerais.
“Man, eu quase derrubei a máquina do Zezé”, escreveu ele em seu Iphone, usando o aplicativo Whatsapp.
Rogério conta que estava transportando cocaína, num peso superior à capacidade do helicóptero. “Eu nunca passei um apuro daquele”, digita. “Nossa!”, responde o primo.
“Eu tava vendo a máquina cair. Suei de um jeito que eu nunca vi na vida, molhei a camiseta”, comenta Rogério. “Imagino”, responde Éder. “Tava com peso demais e o vento tava de cauda”, continua Rogério. “Mas deu tudo certo”, finaliza. “Que bom”, diz o primo.
Nos três dias que durou a operação de busca e entrega da cocaína, Éder virou um interlocutor frequente de Rogério. Com base nos registros no GPS, é possível saber que o voo com o helicóptero de Perrella começou na sexta-feira, dia 22 de novembro, por volta das 14 horas.
De Belo Horizonte, o helicóptero voou para o Campo de Marte, em São Paulo, onde pousou aproximadamente às 17 horas. No aeroporto paulistano, embarcou Alexandre José de Oliveira Júnior, proprietário de uma escola de formação de pilotos no Campo de Marte e, segundo a investigação da Polícia Federal, responsável por atrair Rogério para a quadrilha.
Retomada a viagem, o helicóptero voou até Avaré. Rogério e Alexandre deixaram o helicóptero no aeroporto e foram para um hotel no centro da cidade, onde dormiram.
Na manhã seguinte, voaram até Porecatu, no interior do Paraná, onde o helicóptero foi abastecido, e daí seguiram até Pedro Juan Caballero, no Paraguai, em uma fazenda bem próxima da divisa com o Brasil.
O pouso em Pedro Juan Caballero ocorreu por volta das 9 horas, onde dois homens, um deles brasileiro, ajudaram a colocar os 445 quilos de cocaína no bagageiro e nos bancos do helicóptero.
No retorno ao Brasil, nova escala em Porecatu e depois pouso em uma fazenda em Santa Cruz do Rio Pardo, seguido de uma parada em Avaré e depois no município de Janiru, próximo de São Paulo.
Tantas paradas são justificadas pela necessidade de reabastecimento e também para esconder temporariamente a droga. Os dois evitavam parar em aeroportos regulares com cocaína a bordo.
De Jarinu, onde a droga ficou guardada, voaram até o Campo de Marte, estacionaram no hangar da escola de Alexandre e foram para um apartamento, onde pernoitaram. No dia seguinte, domingo, demoraram para decolar do Campo de Marte, em razão da chuva.
Na retomada da viagem, o destino é uma propriedade rural no município de Afonso Cláudio, no Espírito Santo.
No trajeto, fizeram duas paradas, no interior de Minas Gerais: uma em Sabarazinho e outra em Divinópolis, bem perto da sede das empresas da família Perrella, em Pará de Minas. Pela investigação, não fica claro onde pegaram de volta a droga deixada em Jarinu.
O voo estava atrasado quando chegou a Afonso Cláudio. Era quase noite. No local, aguardavam o empresário carioca Robson Ferreira Dias e o jardineiro Everaldo Lopes Souza.
No momento em que descarregavam a cocaína, policiais federais e policiais militares do Espírito Santo, que estavam de campana, se aproximaram e deram voz de prisão, sem que nenhum dos quatro esboçasse qualquer reação.
Chamou a atenção dos policiais o fato de que nenhum dos traficantes estivesse armado. Afinal, estavam em poder de algo de muito valor. A pasta base da cocaína apreendida tinha um grau de pureza elevado: 95%. Na Europa, onde a droga seria distribuída, a cocaína considerada de boa qualidade tem 25% de pureza.
Portanto, os 445 quilos trazidos de Pedro Juan Caballero, a preço estimado de R$ 6 milhões, seriam transformados em quase duas toneladas de cocaína própria para o consumo. A preço de varejo na Europa, renderiam pelo menos R$ 50 milhões.
“É muito dinheiro envolvido para uma operação tão desprotegida. Por que não havia escolta em terra? Será que ninguém da quadrilha se preocupou com traficantes rivais?”, questiona um policial civil de São Paulo, com experiência em investigação de narcóticos.
O juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa também tem os seus questionamentos. “Por que a quadrilha usou o helicóptero do senador se o Alexandre, dono de uma escola de pilotos, tem cinco helicópteros e poderia fazer uso de qualquer um deles?”
Outra dúvida: Gustavo Perrella, deputado estadual e filho do senador Zezé Perrella, autorizou o voo até domingo à tarde, mas quando houve a prisão já era quase noite, e não há registro telefônico de que o piloto, empregado dele, tenha sido procurado.
Como o piloto faria desaparecer do helicóptero o forte cheiro da pasta base de cocaína, que ficou impregnado, é outro mistério. O que Rogério diria ao patrão, caso ele não soubesse do transporte de cocaína, a respeito do odor?
Estas são perguntas à espera de respostas. Há muitas outras, como admite o próprio juiz. Mas talvez algumas nunca apareçam. É que, na segunda-feira passada, 7 de abril, os únicos presos nesta operação foram colocados em liberdade, sem que fossem ouvidos.
A libertação foi uma reviravolta que surpreendeu até o mais otimista dos advogados. Todos eles já esperavam por uma condenação severa – no mínimo, oito anos, em regime fechado, já que tráfico internacional é considerado crime hediondo.
Os advogados e os réus estavam tensos quando o juiz adentrou a sala, com uma hora e dez minutos de atraso. Ele se desculpou pela demora. “Estava trabalhando na minha decisão. Vou mandar bater o alvará de soltura”, disse.
O mais experiente entre os advogados de defesa, Marco Antônio Gomes, admite: “Tive que fazer um esforço muito grande para não dar um grito e comemorar. O alvará de soltura é o ápice da advocacia criminal. Se você perguntar a um bom advogado criminalista se ele prefere ficar com a modelo mais bonita do mundo ou obter um alvará de soltura, com certeza ele escolherá o alvará de soltura.”
No caso do Espírito Santo, os advogados nem tiveram muito trabalho para chegar ao ápice. O principal motivo para a libertação dos presos foi uma denúncia do Ministério Público Federal, que tramitava em sigilo. O Ministério Público está, a rigor, no lado oposto da defesa.
Mas, neste caso, facilitou o trabalho dos advogados. Ou será que foi a Polícia Federal que meteu os pés pelas mãos? O fato é que o procurador da República Fernando Amorim Lavieri acusou a Polícia Federal de efetuar a prisão dos traficantes mediante uma prova ilícita.
Segundo ele, foi uma interceptação telefônica ilegal realizada em São Paulo que levou à descoberta de que a droga seria descarregada em Afonso Cláudio. Na denúncia do procurador, não é citado o telefone grampeado. A acusação, vaga e genérica, serviu, no entanto, como justificativa para o juiz colocar os traficantes em liberdade.
Diante da versão do procurador, cai por terra a história de que os bravos homens do serviço reservado da PM do Espírito Santo teriam feito a investigação que levou à descoberta da quadrilha.
É essa a explicação oficial: a PM paulista descobre que uma fazenda foi comprada a preço superfaturado e estaria sendo usada por pessoas suspeitas, e avisa a PF, que monta a operação no meio do mato, à espera da chegada da droga.
Ao decidir libertar os presos, o juiz Marcus Vinícius argumentou que já tinha se esgotado o prazo legal para a prisão sem julgamento. Na verdade, ainda faltavam alguns dias, mas esse prazo, a rigor, é elástico. Vale a interpretação do juiz.
“Eu entendo que a regra é a liberdade, prisão é exceção”, explicou Marcus Vinícius. “Não sou nenhum Torquemada. Julgo com base na lei”.
Ele remarcou o julgamento para outubro e admite que os acusados poderão fugir.
Para conceder o alvará de soltura, o magistrado não exigiu a apresentação de passaportes – “medida inócua” – nem fixou o pagamento de fiança, que poderia inibir a fuga. Mas talvez os acusados nem precisem fugir.
O juiz afirma que, na hipótese do Ministério Público sustentar a acusação de grampo ilegal, vai considerar nulo todo o processo.
O resultado prático é que os quatro acusados voltarão a ter ficha limpa e o helicóptero será devolvido para os Perrellas.
O delegado da Polícia Federal Leonardo Damasceno, que desde os primeiros dias depois da prisão em Cláudio Afonso inocenta publicamente os Perrellas, diz que a instituição não fez nada de errado.
Em nota, a Polícia Federal do Espírito Santo se manifestou assim a respeito do desfecho do processo:
“Independente da soltura dos presos, a retirada de circulação de quase meia tonelada atinge a todos os planos e programas de segurança e saúde públicas, deixando essa superintendência orgulhosa de sua atuação em conjunto com a Polícia Militar do Espírito Santo.”
José Perrella de Oliveira Costa não é parente do juiz Marcus Vinícius de Oliveira Costa nem do coordenador do Núcleo Criminal da Procuradoria da República no Espírito Santo, Júlio de Castilhos Oliveira Costa, mas em Vitória ou em Afonso Cláudio, onde o caso do helicóptero é tratado com indignação, as pessoas comuns dizem que a Justiça foi como uma “mãe” para os acusados e também para os suspeitos. O senador Perrella não foi sequer ouvido, nem para dizer que não tem nada a ver com o crime.
Como atesta a Polícia Federal, ele não é suspeito.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

ODiario.info » Actualidade do Manifesto Comunista

Actualidade do Manifesto Comunista

Miguel Urbano Rodrigues
Talvez com uma única excepção, burguesias arrogantes controlam os governos europeus. Os políticos que as representam são neoliberais, social-democratas domesticados, ou saudosistas do fascismo. Neste contexto histórico tão sombrio, ao reler o Manifesto Comunista, concluí que não perdeu actualidade.



Reli há dias o Manifesto Comunista.
Transcorreram 165 anos desde que Marx e Engels divulgaram esse explosivo documento revolucionário.
O mundo atual é muito diferente daquele que inspirou o Manifesto. Na época, a Revolução de 1948 alastrava pela Europa. O «espectro» do comunismo alarmava as classes dominantes, do Atlântico aos Urais. Mas somente em 1917, quase meio seculo após a Comuna de Paris, uma revolução vitoriosa e um partido comunista criaram o primeiro Estado socialista na Rússia.


Mais de sete décadas durou a primeira experiência socialista triunfante. Findou com a trágica desagregação da União Soviética e o regresso do capitalismo à Rússia.
Hoje, na Europa, o Poder é exercido pelas classes dominantes. Talvez com uma única exceção, burguesias arrogantes controlam os governos. Os políticos que as representam são neoliberais, social-democratas domesticados, ou saudosistas do fascismo.
Neste contexto histórico tão sombrio, foi com surpresa que, ao reler o Manifesto Comunista, conclui que não perdeu atualidade.
Continua carregado de ensinamentos para comunistas e não comunistas. Sinto que em Portugal, nomeadamente, é atualíssimo.
A ESCOLA DA REVOLUÇÃO DE 1848
Na Alemanha, então um conglomerado heterogéneo de reinos e principados quase feudais, a Revolução de 1848 foi uma grande escola de política para Marx e Engels.
Ambos sabiam que a teoria sem a prática não abre o caminho para vitórias revolucionárias. A Revolução de Fevereiro em França lançara o pânico na Europa das monarquias quando Lamartine proclamou a Republica em Paris.
Mas foi somente quando regressaram à Alemanha que Marx e Engels se aperceberam em dois dramáticos anos, no quadro da revolução que abrasava a Europa, das dificuldades insuperáveis que na época impediam a concretização em prazo previsível do projeto comunista de que a Nova Gazeta Renana era o mensageiro mais prestigiado.
Engels afirmou na velhice que o Manifesto era «o produto mais amplamente divulgado, mais internacional, de toda a literatura socialista, o programa comum de muitos milhões de operários de todos os países, da Sibéria à Califórnia».
«Este pequeno livrinho-escreveu Lénine - vale por tomos inteiros: inspira e anima até hoje o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado». Segundo o grande revolucionário russo, o Manifesto «expõe, com uma clareza e um vigor geniais, a nova conceção do mundo, o materialismo consequente, aplicado também no domínio da vida social, a dialética como a doutrina mais vasta e mais profunda do desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário histórico universal do proletariado, criador de uma sociedade nova, a sociedade comunista».
Inovador, o Manifesto esboçou o quadro do desenvolvimento do capitalismo e iluminou as contradições internas que conduzirão ao seu desaparecimento.
Marx e Engels estavam conscientes de que era indispensável para a conquista do poder criar um partido capaz de assumir o papel de vanguarda da classe operaria. Internacionalistas, advertiram, porem, que a luta da classe operária teria de se desenvolver em primeiro lugar em cada nação.
Ambos consideraram extremamente perigosas as organizações reformistas e contra elas lutaram sempre com tenacidade.
Pensando na União Europeia e mais especificamente em Portugal, impressiona verificar como essas preocupações e advertências permanecem atuais e facilitam a compreensão de grandes desafios do presente.
Na Alemanha, a ausência de condições subjetivas favoráveis foi determinante para a alteração da relação de forças, abrindo caminho à repressão, comandada pela Prússia.


Os autores do Manifesto esbarraram com obstáculos intransponíveis na tentativa de criar o partido revolucionário de novo tipo. Seria Lenine o seu criador na Rússia, muitas décadas depois.
Mesmo em Colónia, sede do núcleo duro da Liga dos Comunistas, os conflitos entre fações e personalidades foram permanentes, incluindo entre alguns dirigentes políticos que pretendiam ser comunistas, mas atuavam como oportunistas.


Marx e Engels tiveram de enfrentar problemas – ambições, invejas, vaidades, etc. - na própria redação da Nova Gazeta Renana. Até no debate sobre a legalidade ou ilegalidade da Liga dos Comunistas. A imaturidade do movimento revolucionário alemão contribuiu decisivamente para a derrota da revolução democrática burguesa. Mas a prática da luta revolucionária, como sublinhou Marx, foi uma excelente escola para a educação política dos operários.
A reflexão de Marx e Engels sobre os acontecimentos de 1848/49 é identificável em trabalhos que escreveram sobre a complementaridade teoria-prática.
A derrota do proletariado francês em junho de 48 foi o prólogo da vaga de repressão que varreu a Europa. A revolução democrática burguesa foi esmagada na Áustria, na Boémia, na Itália, na Alemanha, na Hungria (em Budapeste com a ajuda militar da autocracia russa).
Mas, apesar de derrotadas, essas Revoluções confirmaram a opinião dos autores do Manifesto sobre o papel fulcral que a luta de classes desempenha no choque entre opressores e oprimidos.
Na sua obra A Luta de Classes em França, Marx demonstra ter assimilado as lições do insucesso da insurreição do proletariado francês na insurreição de junho.
LIÇÕES PARA PORTUGAL
Ao reler o Manifesto, conclui que ele funciona como um manual para a luta contra a tirania que oprime hoje o povo português.
O atual governo consegue ser mais nocivo pelo projeto e pela sua obra destruidora do que os piores da monarquia absoluta. Apos uma luminosa revolução progressista, traz de volta o passado.
No Manifesto há parágrafos, na denúncia do desprezo pelos trabalhadores, da sobre-exploração da força de trabalho, e da desumanização e arrogância do capital, que se ajustam como uma luva à estratégia devastadora do governo português. Este diferencia-se de ditaduras tradicionais porque atua sob a fachada de uma democracia formal. Mas a máscara institucional não ilude as vítimas de uma política criminosa, nem sequer já personalidades e estamentos sociais que o apoiaram inicialmente. Alguns discursos de Passos Coelho, com leves adaptações (porque a sua oratória é tosca e beócia), trazem à memória, pelo farisaísmo, os de Salazar, não obstante ele ser apenas um instrumento do capital.
Cresce a cada dia o repúdio pela política do primeiro-ministro e sua gente. O presidente da Republica apoia-a ostensivamente, desrespeitando a Constituição que jurou cumprir.
Os trabalhadores condenam–na diariamente nas ruas, invadem ministérios, manifestam-se frente à Assembleia da Republica.
Há um limite para que os inimigos do povo governem contra ele. Marx e Engels recordam essa evidência no seu atualíssimo – repito - Manifesto Comunista.
O direito de rebelião contra a tirania é inerente à condição humana.
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Vila Nova de Gaia, 10 de Abril de 2014

sábado, 12 de abril de 2014

ODiario.info » Ucrânia: O dilema de uma crise

Ucrânia: O dilema de uma crise

Os Editores

Na Ucrânia, a crise, longe se encaminhar para um desfecho positivo, tende a agravar-se.
Os EUA e a União Europeia, que incentivaram e financiaram o golpe de Estado de Maidan, apoiam o governo ilegítimo instalado em Kiev e os partidos fascistas que o controlam.
Desde o fim do III Reich que o fascismo não atuava na Europa com tanta arrogância. No Parlamento deputados comunistas são agredidos; bandos armados espancam juízes sem que a polícia intervenha; na Galitzia católica a violência contra moradores russos entrou no quotidiano.
No Leste do país, a situação é explosiva, nomeadamente nas cidades de Donetsk, Lugansk e Kharkov.
Desesperados com as medidas repressivas das autoridades locais, ativistas russófonos armados ocuparam edifícios públicos nas principais cidades e ergueram barricadas em frente. O governo transitório de Kiev ameaça recorrer às armas para os desalojar.
Os muitos milhões de russos e russofonos do Leste ucraniano temem o avanço do fascismo.


Em campanha de desinformação mundial, Washington e os governos da União Europeia e o secretário-geral da Nato acusam a Rússia de preparar uma intervenção militar na Região. Mentem.
Sergei Lavrov,o ministro dos Negócios Estrangeiros russo desmentiu esses boatos e tem repetido múltiplas vezes que cabe aos ucranianos normalizar a situação criada no país pelo golpe de estado e esclarece que a Rússia condena qualquer tentativa exterior de ingerência nos problemas internos da Ucrânia.
Putin tem atuado, desde o início da crise, com muita serenidade e prudência. Está consciente da incompatibilidade dos interesses nacionais da Rússia, no âmbito do capitalismo, com a estratégia de dominação mundial dos EUA. Mas evita dar pretextos ao imperialismo para provocações.
Os apelos dos russófonos do Leste da Ucrania, desejosos da sua futura integração na Russia, estão a criar uma situação dilemática em que todas as saídas aparentes são negativas.
Os governos ocidentais omitem uma realidade que não ignoram.Nos Oblast (grandes distritos regionais) que defendem a secessão, além da minoria russa residente, milhões de pessoas nascidas nesses territórios não somente são russofonas como se assumem como moldadas pela cultura russa. Cabe recordar que mesmo em Kiev, antes da desagregação da URSS, o russo era a língua utilizada no ensino universitário.
Conhecedores da complexidade da crise, Obama e os seus aliados europeus tudo fazem para dificultar a posição de Putin.
Não ignoram que o dirigente russo é favorável a uma solução federal para a Ucrânia, que garanta ampla autonomia aos oblast do Leste. Defende a saída pacífica, opondo-se a qualquer tipo de intervenção militar.


Obama sabe que uma espiral de violência que atinja os russofonos nesses Oblast suscitaria uma vaga de indignação na Rússia. Por isso mesmo incentiva Kiev à repressão.
A agressividade dos partidos e organizações fascistas ucranianos não preocupa minimamente o presidente dos EUA. Nas últimas semanas, imitando George Bush filho, passou a invocar com muita frequência Deus, vendo nele um aliado do povo norte-americano, destinado pelo senhor a salvar a Humanidade. A sua hipocrisia reflete bem a estratégia do imperialismo.
OS EDITORES DE ODIARIO.INFO