Bases dos EUA na Colômbia ameaçam segurança do Brasil
"O fato de eu ser paranoico não significa que não esteja sendo perseguido", lembrou o chanceler brasileiro, Celso Amorim, em entrevista nesta domingo (2) na Folha de S.Paulo, em bem humorada citação de Millôr Fernandes. Ele se referia às bases militares que os Estados Unidos pretendem construir na Colômbia, país que tem 1.644 km de fronteira com o Brasil, em áreas remotas da selva amazônica. Não é só Amorim; o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou em público sua "preocupação" com o que é, evidentemente, um problema, grave, de segurança nacional.
Por Bernardo Joffily no Vermelho
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Na entrevista à Folha, Amorim expressa seu sentimento com uma interjeição brasileira de difícil tradução: "Gente!". E explica: "Se, de repente, você tem uma força de fora muito grande na região... Bem, se as bases vão ter outra aplicação, e não está claro se vão ter, é natural que todos os países, inclusive de fora, se preocupem."
Reunião com assessor da Casa Branca
O chanceler observa que "é um fato novo" e "a impressão é que as bases servem para operação de aviões com raio de ação muito grande". Ressalta que "a Colômbia é um país soberano e tem o direito de fazer o que quiser no território dela", mas assinala que o plano das bases não foi comunicado previamente ao Brasil, como já ocorrera com a decisão de reativar a Quarta Frota da marinha de guerra dos EUA, para operar em águas latino-americanas.
Foi noticiado que nesta semana o titular do Itamaraty, mais o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia, reúnem-se no Brasil com Jim Jones, assessor de Segurança Nacional da Casa Branca. O tema das bases com certeza entrará na pauta.
Base de Apiay ficará a 400 km do Amazonas
O acordo em negociação entre os EUA e a Colômbia prevê a instalação de três bases, em Malambo, Palanquero e Apiay (veja o mapa). Elas devem substituir a base de Manta, no Equador, cujo prazo caducou e não será renovado pelo governo patriótico de Rafael Correa.
As bases na Colômbia deverão abrigar 800 militares americanos e mais 600 'contratistas', mercenários empregados dentro do esquema de terceirização cada vez mais usado pelo Pentágono. Os aviões ali instalados poderão atingir praticamente qualquer ponto da América Latina. A base mais próxima do Brasil, em Apiay, ficará a 400 km de nossa fronteira.
O anúncio foi mal recebido em todo o continente e motivou queixas até da Espanha. "Preocupação" foi a palavra mais branda para expressar o sentimento geral.
Afinal, a América do Sul festejou no último dia 18 a desativação de Manta, que tornou-a o único continente do mundo inteiramente livre de bases estrangeiras. Em vez disso, está sob ameaça de ter três bases, e os 400 homens de Manta se multiplicarão por quatro.
Ceticismo com os pretextos de Uribe
Ninguém gosta de bases militares estrangeiras em seu território, nem mesmo nas proximidades. Menos ainda quando elas são dos EUA, potência recordista em guerras e agressões no século passado e também no atual.
Ninguém? Não. O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, localizado na extrema direita do leque político sul-americano, defende com ardor as relações cada vez mais estreitas com o Pentágono, em nome do combate ao narcotráfico e ao "terrorismo" representado pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Há, porém, um grande ceticismo quanto à veracidade desse pretexto. A opinião unânime é que a presença militar dos gringos tem tudo a ver com interesses geoestratégicos muito mais amplos, ligados à rebeldia antiimperialista que se espalha pelos latino-americanos e vem vencendo sucessivas eleições presidenciais.
A Venezuela bolivariana, que também possui uma vasta fronteira e uma relação atritada com a Colômbia, foi quem reagiu de modo mais incisivo. O governo do presidente Hugo Chávez manifestou em nota oficial "sua indignação ante a irresponsabilidade do governo da Colômbia", alertando que este "põe em perigo a paz e a estabilidade na região".
O governo brasileiro também reagiu prontamente, embora em tom mais diplomático. O Itamaraty já pediu informações oficiais a Washington e Bogotá, assim como transparência quanto à implantação das bases.
Nossos militares também se incomodam
Porém os diplomatas não são os únicos brasileiros incomodados. O site www.inforel.org , que tem muitos militares no seu público, acompanha o episódio em tom de denúncia dos "gringos". No pé de uma das suas matérias o InfoRel publica uma Análise da Notícia que pode expressar o pensamento de boa parte das Forças Armadas brasileiras. Veja a íntegra:
"Mais uma vez, Colômbia e Venezuela tencionam o ambiente político sul-americano.
A Colômbia, de Álvaro Uribe, discute neste momento, como fortalecer ainda mais sua aliança com os Estados Unidos, agora no campo militar.
Vai ceder três bases aéreas para os “gringos” atuarem com desenvoltura em seu território à caça de narcoterroristas das Farc.
Os Estados Unidos despejam milhões de dólares na Colômbia e essa ajuda foi fundamental para a reeleição de Uribe.
O Plano Colômbia, financiado pelos norte-americanos, essencial para que o país começasse a derrotar as Farc.
A derrota da guerrilha, o principal ganho político de Uribe.
No entanto, a presença militar dos Estados Unidos na região não incomoda apenas a Venezuela.
E deveria ser repelida por todos os países. Daí um desafio para o recém criado Conselho Sul-Americano de Defesa.
A presença militar dos Estados Unidos na América do Sul, seja através deste acordo, seja por meio da Quarta Frota da sua Marinha, supõe uma ingerência que acreditávamos, a administração Obama, poria fim.
A Colômbia fica no coração da região, o que permitirá aos Estados Unidos, operarem em qualquer país sul-americano em questão de minutos.
O ministro Celso Amorim, afirmou nesta quarta-feira, que a construção da confiança entre Chávez e Uribe, é fundamental.
Mais fundamental ainda seria os países sul-americanos aprofundarem a cooperação, inclusive militar, pois nossos problemas são comuns.
Não deveríamos buscar parceiros fora, principalmente aqueles que possuem um histórico de intervenções nada democráticas."
Evolução do pensamento estratégico brasileiro
Vale aqui esboçar como tem sido a evolução histórica do pensamento estratégico dos militares brasileiros. Ela tem tudo a ver com o tom de denúncia usado pelo InfoRel.
Desde os primeiros passos do Estado brasileiro, essa visão estratégica concentrou suas preocupações e atenções na região do Prata, com uma história de atritos herdada da fase colonial. Ali se travaram as grandes guerras externas do Império. Mesmo quando estas cessaram o 3º Exército, no Rio Grande do Sul, sempre mereceu atenções especiais.
Uma mudança de vulto nessa estratégia começou a partir da 2ª Guerra Mundial, quando os militares brasileiros passaram a sofrer forte influência americana, e transformou-se em doutrina oficial durante a ditadura de 1964. Seu alvo já não eram os hermanos platinos, mas o "inimigo interno", a "ameaça comunista". Em nome dessa "doutrina de segurança nacional" a ditadura torturou e assassinou compatriotas, lutadores da liberdade, desde as masmorras da Operação Bandeirantes em São Paulo até as selvado do Araguaia no sul do Pará.
Porém depois da derrota da ditadura e principalmente do fim da Guerra Fria uma mudança ainda mais significativa foi se afirmando na concepção estratégica dos militares. Este terceiro ponto de vista parte da constatação de que temos um vizinho, ao norte, que é uma superpotência militar agressiva. E passa a olhar com outra prioridade em especial nossas fronteiras amazônicas, extensas, distantes, pouco povoadas, riquíssimas e cobiçadas.
As Forças Armadas se realocam
Os militares, desde a democratização, relutam em tornar públicas essa visão, até porque o Brasil busca manter a cordialidade nas relações com os EUA. Mas ela foi expressa no ano passado por um paisano bem relacionado com as Forças Armadas, o então ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger.
“Historicamente as Forças Armadas estão concentradas no Sul e no Leste. Hoje nossas maiores preocupações com segurança estão no Oeste e no Norte”, disse o ministro.
Os atos das Forças Armadas concordam com essas preocupações. A nova prioridade para a localização da tropa, vista como exigência de segurança nacional, vem sendo implementada desde a década de 1990.
O Comando Militar da Amazônia, do Exército, já conta com 25 mil homens e a curto prazo passará a 30 mil. Entre 2003 e 2008, a 2ª Brigada Infantaria Selva [19], o 3º Batalhão Infantaria, o 19º Batalhão Logístico e a 22ª Pelotão de Polícia do Exército foram transferidos do Rio para região.
Entre estas forças estão algumas reconhecidas como as melhores unidades de combate na selva do mundo, que incorporam índios da amazônia e especialistas formados pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva. É o caso da 1ª, 2ª, 16ª, 17ª e a 23ª Brigadas de Infantaria de Selva.
Outras frentes de pressão
A notícia das bases de Malambo, Palanquero e Apiay com certeza reforça essa visão estratégica. O que não significa que a tensão criada por elas deva ficar circunscita à esfera militar. O exemplo de Manta é eloquente. Foi a vitória do movimento popular, com a eleição de Correa, que livrou o Equador daquele enclave do Pentágono.
Isto ressalta o papel do povo colombiano, maior interessado em evitar que o acordo das bases se consume. Reforça também o papel da denúncia, da solidariedade e da pressão internacionais, especialmente nos países que, como o Brasil, terão que se haver com a incômoda vizinhança. Exige ainda pressões diplomáticas, como as que devem se manifestar na reunião de cúpula da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), no dia 10, em Quito.
Bogotá já mandou avisar que nem Uribe e nem o seu ministro das Relações Exteriores, Jaime Bermúdez, irão à cúpula da Unasul. Frustra-se assim a intenção de Lula, de tratar pessoalmente a questão com o colombiano, em Quito. O governo Uribe permanece costas para os sul-americanos e só ter olhos para Washington, enquanto não vem a furo o abcesso ultrarreacionário que ali se instalou, para a desdita principalmente do povo colombiano.
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