O debate sobre a qualidade do ensino está aberto novamente no Rio
Grande do Sul. Os novos elementos são o resultado do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre o estado gaúcho ter o
maior índice de reprovação (20,7%) no Ensino Médio e a baixíssima
aprovação dos professores no recente concurso
público do magistério. As duas notícias saíram esta semana e provocaram
uma coletiva de imprensa do secretário estadual de Educação, José
Clóvis, nesta quinta-feira (17). Na avaliação do executivo, os dados
sobre o ensino médio são os mesmos desde 1975 e a gestão Tarso Genro já
começou a Reforma do Ensino Médio no estado. Quanto aos pouco mais de 5
mil aprovados no concurso, ele anunciou novo concurso público para este
ano e sugeriu uma reflexão sobre a formação dos professores.
“Não quer dizer que eles (professores) tenham baixa formação
cultural, mas aquilo que eles estão aprendendo nas escolas de formação
não está adequado ao necessário aos padrões do profissional para sala de
aula”, afirmou o secretário José Clóvis. De acordo com o titular da
Educação, diferente das críticas sobre o grau de dificuldade da prova
aplicada no processo seletivo do magistério gaúcho, a prova foi
“normal”. Clóvis explicou que a Secretaria Estadual de Educação efetuou
nova verificação dos conteúdos e da bibliografia exigidos para o teste.
“Não houve excesso. Tudo que apareceu nas questões é o que se discute
sobre a prática de educação”, garante.
Foram quase 70 mil candidatos
que realizaram as provas no dia 15 de abril. Destes, 92,45% foram
reprovados. A composição da prova incluía Português, Legislação e
Conhecimentos Pedagógicos, como tradicionalmente ocorria, e inovou com a
exigência de conhecimentos específicos da habilitação do professor por
área. Com a aprovação de apenas 5,2 mil aprovados, entre os 10 mil
inscritos para o quadro em 131 habilitações diferentes, ainda será
contabilizado quais as áreas onde mais pessoas foram aprovadas. “O
importante é que nenhuma escola ficará sem professor. Onde não pudermos
colocar os convocados pela lista do concurso, vamos colocar os
professores contratados”, explica o secretário.
A realização do concurso foi
pensada justamente para reduzir o universo de cerca de 20 mil
professores contratados sem carreira no funcionalismo, fator que
dificulta o vínculo com a comunidade escolar e influencia na qualidade
do ensino. Com o baixo desempenho dos professores, o governo gaúcho
anunciou a realização de novo concurso para este ano. As provas deverão
ser aplicadas no final do ano ou no começo de 2013, no mesmo padrão de
exigência. “Pensamos um concurso dentro de padrões que consideramos
essenciais para um profissional adequado ao ensino de qualidade. O que
pudemos perceber é que está havendo dificuldades na formação dos
professores”, reforça José Clóvis.
O governo também irá promover o concurso público para funcionário de escola. O número de vagas
não foi fechado, pois a Secretaria ainda está desenhando os cargos que
serão disponibilizados. “Estamos trabalhando outra concepção.
Repensaremos o quadro funcional de acordo com a realidade atual da
escola pública: mais complexa, que oferece mais serviços e recebe mais
aporte financeiro com os programas Mais Educação, Escola Aberta e RS
Inovador. Precisamos de nutricionista para o controle de qualidade da
merenda, que virou uma refeição completa, técnicos de contabilidade para
gerenciar os novos recursos”, exemplificou José Clóvis.
“Melhor fazer novo concurso do que contratar pessoas que não estão preparadas”, diz Mariza Abreu
A ex-secretária de Educação do RS, Mariza Abreu concorda com a
realização do concurso público aplicado na gestão atual. Segundo ela, as
inovações por área do conhecimento e por região já haviam sido pensadas
no governo de Yeda Crusius (PSDB). “Fico feliz que isto foi adequado.
Nos outros estados as provas sempre foram separadas por áreas
específicas, só no RS que não. E a continuidade nas políticas públicas é
fundamental porque as mudanças na Educação acontecem de forma gradual.
Acaba que em quatro anos nunca dá tempo de fazer tudo, porque a rede
estadual é muito grande”, falou.
Mariza entende o baixo índice de aprovados como um fator positivo. “É
melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal
preparadas, que não se habilitam com formação continuada depois”, afirma
a ex-secretária. Ela afirma que o fato da modificação por região e não
por município ajuda a evitar desequilíbrios de ter mais ou menos
professores por cidades. “Tínhamos casos em que faltava professores e
outros locais sobravam”, comenta.
Porém, analisando apenas o edital do concurso, Mariza acredita que
possa ter ocorrido algum equívoco na definição dos conhecimentos
específicos. “Podem ter feito por disciplina e não por área. Existem
várias licenciaturas que são por área. E só o fato de ter sido a
primeira vez que se faz provas específicas já pode ter influenciado na
aprovação. Não acho isso ruim. Se temos o estado maior empregador de
professores exigindo no concurso, isso vai contribuir para melhorar os
cursos de formação. Falta uma interlocução entre as agências de formação
de professores e os empregadores. O resultado disso estoura no
professor”, avalia.
“Sobrecarga dificulta preparação para as provas”, acusa Cpers
A discussão sobre os índices de
aprovação dos professores perpassa também outros aspectos da carreira do
magistério, na avaliação do sindicato da categoria, o Cpers. A
presidente Rejane de Oliveira fala que um conjunto de elementos
influenciou os resultados das provas. “Foi um concurso diferenciado.
Nossa categoria saiu das provas dizendo que as questões foram mal
elaboradas, deixavam margem para dubiedade de interpretações. Foi uma
estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira”,
acredita.
Rejane acusa que o grau de exigência foi intencionalmente seletivo
para não aumentar o número de professores que engrossarão o bolo do
pagamento do Piso Nacional do Magistério. “A precarização das relações
de trabalho continua e o governo ainda tenta jogar na sociedade que
falta qualificação da nossa categoria. Uma categoria com negativa do
governo para pagar o piso tem que se desdobrar em três turnos para dar
conta da sua sobrevivência e sobre pouco tempo para a preparação para
uma prova tão exigente”, defende.
secretária-adjunta de Educação Eulália Nascimento contesta dizendo
que o discurso político da negociação sobre o pagamento do piso não pode
ser caracterizado. “Temos que desmitificar a precarização da carreira
do magistério. Dos 21 mil professores que estão na carreira e que
receberam completivo, 17 mil estão aposentados. Somente 4 mil na ativa
recebiam a menos que o piso. O que comprova que a estrutura salarial e a
carreira do magistério não são a miserabilidade que se anuncia”, diz.
Ela complementa dizendo que “a carreira defendida via Plano de Carreira,
possibilita que do nível médio para graduação seja de 85% o aumento, e
ainda acrescido os índices dos triênios e das possibilidades das classes
que são de 5% a 50%”. O que significaria, segundo ela, uma margem de
composição salarial ao longo da carreira do magistério que varia do 1%
ao 400%. “Queremos mais do que isso ainda, mas não é a tragédia que se
anuncia em relação ao valor do piso”, defende.
Reprovação e Reforma do Ensino Médio
Sobre a taxa de reprovação no ensino médio apresentada pelo Inep esta
semana, em que o Brasil registrou os maiores indicadores desde 1999 e o
Rio Grande do Sul lidera o ranking dos estados, os gestores do governo
gaúcho alegaram não ser um reflexo desta gestão. “É um dado que o RS tem
desde 1975. Sempre variou de 17 a 21%”, falou o secretário de Educação,
José Clóvis comparando aos atuais 20,7%.
A realização do concurso público foi uma das ações citadas pelo
secretário como fatos concretos de uma mudança na qualidade do ensino
público e que impactarão futuramente nos índices do Inep. “Desde 2011
estamos atentos a estes indicadores. Porém, os resultados são de médio e
longo prazo. Estamos licitando 400 obras em escolas para reformas
inovadoras. Escolas com cozinha industrial, áreas de esporte e lazer,
sala de estudos para professores. O ambiente adequado para que a
estrutura não comprometa a qualidade da aprendizagem”, justificou.
A precariedade das instituições públicas de ensino não passa batido
aos olhos do sindicato que acompanha o dia a dia dos professores. “Temos
escolas caindo aos pedaços. Não temos materiais pedagógicos adequados.
Faltam condições de trabalho. Tentam sempre colocar nos ombros dos
trabalhadores as mazelas da escola pública para justificar os baixos
salários”, defende a presidente do Cpers, Rejane de Oliveria.
Na opinião da educadora Mariza Abreu, o índice é recorrente da escola
que não atende as demandas da juventude. “Mas, não podemos
responsabilizar os professores. Tem a responsabilidade da instituição
que formou o professor e dos gestores públicos neste resultado. O
pedagógico não pode ser imposto pela Secretaria de Educação aos
professores. Eles não conseguirão dar aula de um jeito que não
aprenderam, concordam ou se sentem aptos a fazer”, salienta.
Neste ponto, o atual secretário e a ex-titular da Educação no RS
concordam. “O único responsável pela reprovação na concepção dominante
acaba sendo o aluno. E ele não é. É o diretor da escola, o professor, a
Secretaria de Educação e também o aluno. É uma questão que temos que
enfrentar. A reprovação nos mostra algo bom que estamos debatendo: que a
essência do trabalho educativo, que é alcançar a aprendizagem, não está
dando certo”, disse.
Mariza Abreu concorda com o debate. “Temos que transformar o debate
em um problema para podermos modificá-lo. Mas, para mudar isto é preciso
mudar a formação dos professores e mudar os currículos. Tornar o Ensino
Médio mais atrativo”, critica. E argumenta: “Não conseguimos fazer isso
por sucessivos governos porque no fundo tem uma cultura que acha que
ensino é um só. Para não ser discriminatório, os que entram no ensino
superior, por exemplo, tem que saber de todas as áreas para poder entrar
em uma área específica”, explica.