sábado, 11 de agosto de 2007

Para analistas franceses, contágio pode gerar grande crise


A incerteza financeira da sema tem o seu centro nos Estados Unidos e sua bolha imobiliária, porém o principal sinal de alarme veio da França. Foi ali que, na quinta-feira (9), o banco francês BNP Paribas congelou o saque de três de seus fundos de investimentos, fazendo um arrrepio de medo percorrer as bolsas do planeta. O diário francês Libération entrevistou na sexta-feira dois economistas, Jean-Paul Fitoussi e Dominique Plihon, um da fundação Sciences-Po Paris, uma instituição nacional, e o outro presidente do conselho científico da ONG Attac.


Jean-Paul Fitoussi (esq.) e Dominique Plihon

Libération - A intervenção do Banco Central Europeu (BCE, que injetou no mercado mais de US$ 200 bilhões em dois dias) marca uma virada na crise dos créditos imobiliários?


Jean-Paul Fitoussi - Os bancos intervêm para apagar o incêndio que eles mesmos atearam. Impulsionados por sua missão primeira – a estabilização da inflação –, eles fragilizaram o mercado ao elevar as taxas de juros, o que favoreceu a crise imobiliária. Uma tragédia grega entra em cartaz: a inflação retorna, via alta dos preços do petróleo e das matérias-primas agrícolas, os bancos reagem e elevam os juros, e os operadores financeiros, que apostavam na estabilidade, se vêem fragilizados.


Dominique Plihon - Temos aqui uma injeção de liquidez de emergência, do emprestador em úntima instância. É um sinal muito claro: há um princípio de incêndio no sistema bancário. O BCE quer que os pagamentos sejam honrados para que os bancos não travem o sistema. Tenta evitar um efeito dominó: os bancos em dificuldade carregariam consigo outros bancos, dos quais são devedores...


L - Quais são os riscos de contágio?


DP - O risco é real e profundo, mas uma grande crise generalizada não é inevitável. Pode-se vê-lo cada dia um pouco melhor: os grandes bancos europeus se voltaram para o mercado americano, frequentemente através de LBO (Leverage Buy Out, a recompra de empresas de crédito). Essas operações têm uma propensão para gerar riscos. Em compensação, caso se descubra que, como parece ser o caso hoje, que esses bancos estão fortemente afetados, pode acontecer uma desconfiança generalizada, que pode conduzir a um efeito de pânico, uma queda do consumo e portanto do crescimento.


J-PF - A acumulação de dívidas de risco por devedores insolventes já contamina os bancos, como o prova o caso do BNP Paribas. Eis que ele se torna vítima do modelo presa-predador. Quando os predadores devoram em excesso as populações pobres, superendividadas para adquirir um imóvel, ficam por sua vez em perigo. Em princípio, estamos diante de um efeito dominó que pode gerar uma crise de amplitude muito grande.


L - 1987, 1997, 2007: existe uma inevitabilidade nos ciclos das crises financeiras?


J-PF - Desgraçadamente, é raro que se aprenda com as crises precedentes. Ontem foi a bolha internet, hoje a bolha imobiliária. E o que é mais inquietante, ainda que pouquíssimo falado por enquanto, é o carry trade (empréstimo em uma moeda cujas taxas de juros são baixos para aplicar a soma em países que oferecem juros maiores) sobre o yen japonês. Mas agora o yen se recupera, e o sistema, que abocanhou mais de US$ 200 bilhões, pode implodir.


DP - As crises econômicas não se repetem, assumem sempre novos contornos. É verdade que, apesar do déficit global de governança, grandes progressos ocorreram na prevenção e gestão de riscos. Porém o mais inquietador é a disparada dos preços das matérias-primas e alimentos e a especulação que a acompanha. Sem regulação, essa exuberância irracional corre o risco de provocar grandes estragos, porque a cegueira, para o desastre dos mercados, não mudou.


Fonte: http://www.liberation.fr



sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Chico Buarque e Elis Regina - Pois é

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Alternativas ao aquecimento global



Apresentação

“Reservemos o pessimismo para tempos melhores”, gosta de provocar o escritor uruguaio Eduardo Galeano, espalhando palavras que viu, certa vez, pintadas num muro em Bogotá. A frase contraria certa postura intelectual, ao sugerir que espírito crítico não pode ser sinônimo de desesperança – e que esta última converte-se, com freqüência, no último refúgio dos conservadores.

É o que mostra, aliás, o debate sobre aquecimento global. Quando se tornou impossível negar o fenômeno, os meios de comunicação tradicionais passaram a espetacularizá-lo. Multiplicam-se, nos jornais e TVs, as matérias dedicadas ao tema, quase sempre em tom de sensacionalismo e com ênfase na suposta inevitabilidade da tragédia. Dramatizar o assunto é, neste caso, um meio de evitar duas perguntas cruciais. Quais os nexos entre a mudança climática e uma sociedade que se tornou incapaz de refletir sobre si mesma, porque foi dominada pela lógica dos mercados? Há alternativas a ambos os fenômenos?

Conhecido tanto pela profundidade de seus artigos quanto pelo olhar incomum que eles projetam sobre questões relevantes e polêmicas, Le Monde Diplomatique escolheu exatamente este tema para lançar, no Brasil, uma série de livros temáticos. Serão publicados a cada três meses, pelo Instituto Paulo Freire – a quem cabe produzir, no país, a edição internet do jornal e seu Caderno Brasil.

A edição que você tem em mãos reúne sete artigos. Parte deles compõe o acervo de quase dois mil textos traduzidos, desde 1999, da edição francesa do jornal – e reunidos numa biblioteca virtual que pode ser acessada em www.diplo.org.br/temas. Outros foram produzidos no Brasil. Em seu conjunto, os artigos constróem, servindo-se de dados rigorosos e análises não-convencionais, um ponto de vista oposto à visão fatalista que hoje predomina sobre o assunto. Ele se apóia em duas bases essenciais: a) Embora represente uma ameaça terrível, o aquecimento da atmosfera pode ser perfeitamente revertido; b) Para alcançar esta vitória, os seres humanos serão obrigados a superar as relações alienadas que mantêm consigo mesmos e com o ambiente.

Tecnologicamente, a era petróleo acabou. Como superar o sistema que a sustenta?

A série de textos é aberta por “A possível revolução energética”, de Antonio Martins. Trabalhando a partir dos dados de um vasto relatório do Greenpeace sobre energias alternativas (sobre o qual a mídia guardou silêncio), o autor demonstra que, do ponto de vista tecnológico, já é perfeitamente possível substituir o petróleo. Fontes como o sol, os ventos e a biomassa, combinadas com mudanças em nossos padrões de consumo, permitiriam reduzir as emissões de gás carbônico à metade do volume atual, até 2050. Não haveria nenhum dano ao bem-estar. Ao contrário: seria possível estender a eletricidade a dois bilhões de pessoas, hoje privadas até mesmo do acesso à lâmpada elétrica. Tais soluções são portadoras de uma lógica pós-capitalista: elas significam que a energia deve ser vista com um direito – que precisa ser assegurado a todo ser humano – e não uma mercadoria, que cada um produz e consome segundo seu poder de compra.

O texto seguinte, “Bem-vindos ao fim da era petróleo”, de Nicolas Sarkis, é o retrato de uma insensatez. Nos últimos anos, o aquecimento global deixou de ser uma abstração teórica para se materializar nas imagens que registram o derretimento de imensas massas de gelo. Neste mesmo período, o consumo de combustíveis fósseis intensificou-se como nunca. A demanda mundial, que crescia ao ritmo de 1,54% ao ano, na década de 1990, aumentou 3,7% em 2004. O autor demonstra que esta é a causa essencial da persistente alta nas cotações do óleo. E vai além: como nossas sociedades continuam incapazes de articular uma substituição programada desta fonte de energia, elevações devastadoras dos preços e crises de abastecimento podem tornar-se comuns, nos próximos anos.

Por que insistimos em aprofundar nossa dependência? Em “Os danos do movimento perpétuo”, Philippe Mühlstein explora a relação entre o consumo cego de combustíveis e os interesses econômicos hoje hegemônicos. Ele mostra que a eficiência energética do transporte pessoal por trem ou metrô é onze vezes maior que por automóvel – e, no entanto, nossos modelos urbanísticos não param de privilegiar, além do asfalto, as cidades que exigem longos deslocamentos. Além disso, ao estimular a deslocalização de empresas para regiões de mão-de-obra barata, o modelo atual de globalização multiplicou o transporte de cargas. O autor relata casos em que a insanidade torna-se funcional. Empresas alemãs enviam ao sul da Itália, para lavagem e corte, batatas que, em seguida, serão industrializadas e vendidas em seu país de origem.

Uma das marcas do paradigma energético atual é a desigualdade. “As primeiras vítimas”, de Agnés Sinai descreve esta característica. A autora revela que um consumidor médio nos Estados Unidos emite, em seu trabalho e consumo, cinco toneladas de gases do efeito estufa ao ano – 50 vezes mais que um cidadão de Burkina Faso. No entanto, mostra o texto, as primeiras vítimas de uma eventual catástrofe ambiental serão os que menos contribuíram para provocá-la. Gente como os esquimós, ou os habitantes da Aliança dos Pequenos Estados-Ilhas (Aosis, na sigla em inglês). Embora evidentemente favorável ao Protocolo de Kyoto, o artigo expõe algumas de suas graves contradições, como os créditos de carbono. O mecanismo premia os países do Sul que poluem, enquanto deixa órfãos os que hoje quase não emitem CO2.

Para o cientificismo: o planeta era mero recurso a ser consumido incessantemente

Em 1945, o poeta Paul Valéry cunhou uma frase que serve como emblema para os tempos que vivemos. “Começou o tempo do mundo que termina”, disse ele. O aquecimento obriga a enxergar o planeta como algo mais que um recurso, a ser incessantemente consumido. Mas esta nova mirada exige também outras relações entre os próprios seres humanos. É urgente ultrapassar o modelo da competição, segundo o qual “a vida de cada indivíduo ou coletividade é reduzida a uma sucessão de batalhas, às vezes ganhas, mas que terminam numa guerra perdida de antemão”.

Uma possível forma de fazê-lo é apresentada por Serge Latouche, em “As vantagens do decrescimento”. Ainda pouco debatido no Brasil, este conceito questiona o culto ao aumento incessante do Produto Interno Bruto (PIB). Enfeitiçadas por este índice, argumenta o autor, as sociedades – e junto com elas, a esquerda tradicional – fecham os olhos ao que está por trás dele. Passam a perseguir um “desenvolvimento” que significa, não raro, envenenamento da natureza, ampliação das desigualdades, aumento das jornadas de trabalho, consumo banal. Latouche esclarece que não propõe, como alternativa, a redução do PIB – mas uma “descolonização do imaginário”, que substitua valores como egoísmo, consumo ilimitado, obsessão pelo trabalho e eficiência produtivista por altruísmo, ampliação da vida social, direito ao lazer e apreciação das belas obras.

As sinergias perversas que a desigualdade social estabelece com a devastação da natureza – e a necessidade de rompê-las – são o tema do artigo de Ladislau Dowbor. Em “Inovação social e sustentabilidade”, ele examina e compara, com argúcia, quatro recentes relatórios internacionais sobre a situação das sociedades e do planeta. Um deles, produzido pela Universidade das Nações Unidas, constata, por exemplo, que 1% das famílias do planeta já acumula 40% da riqueza global, enquanto que a metade dos habitantes da Terra é obrigada a dividir 1%. A partir de dados como este, Ladislau provoca: “o modelo de consumo do planeta é o dos ricos. Por que razão não teriam todos os chineses e indianos direito a ter também, cada um, seu automóvel?” Esta lógica, diz ele, conduz a que “achemos normal mobilizar um carro de duas toneladas para levar nosso corpo de 70 quilos para postar no correio uma carta de 20 gramas...” Ladislau vê, como única alternativa, “pensar de maneira inovadora sobre os processos decisóros que regem o planeta e nosso quotidiano”. E conclui: “os desfios principais do planeta não consistem em inventar um chip mais veloz ou uma arma mais eficiente, mas em nos dotarmos de formas de organização social que permitam ao cidadão ter impacto sobre o que realmente importa”.

Devaneios? Susan George mostra que não. Em “Outra globalização é possível”, ela demonstra, por meio de um exemplo histórico quase esquecido, que não estamos condenados à ditadura dos mercados. Em 1942, ainda durante a II Guerra Mundial, o economista britânico John Maynard Keynes formulou, em detalhes, um projeto para reorganizar o comércio e as finanças internacionais, em bases muito distintas às que hoje prevalecem. Seu plano garantia, entre outros pontos, padrões mundiais de respeito aos direitos trabalhistas (penalizando com barreiras alfandegárias os produtos dos países que resistissem às normas); direito das sociedades a proteger suas indústrias nascentes; sustentação dos preços dos produtos primários; criação de mecanismos financeiros capazes de evitar a desigualdade no comércio entre as nações. Keynes acreditava nas virtudes do capital, mas o capitalismo real terminou por ignorar suas idéias. Há 65 anos, ele vislumbrou alguns dos riscos a que estavam submetidas as sociedades que entregam seu destino aos mercados. Diante do espectro da catástrofe climática, saberemos inventar lógicas sociais que superem a pequenez do cálculo econômico e estabeleçam o direito humano à construção consciente do futuro coletivo?

Os editores

Alternativas ao aquecimento global
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Agora, também nas bancas

Mais um reforço chegando: Le Monde - Brasil

Pronta edição em papel do Le Monde Diplomatique Brasil. Jornal publicará livros e terá, na internet, caderno especial para debater temas brasileiros. Por trás das novidades, uma articulação editorial inédita entre entidades da sociedade civil


Tudo o que é novo deveria estimular o jornalismo, mas há uma satisfação especial em difundir certas notícias. Quase oito anos após surgir no Brasil, e quinze meses depois de seu relançamento, Le Monde Diplomatique prepara, para as próximas semanas, três iniciativas que multiplicarão o seu alcance. Em 6 de agosto, chega às bancas uma edição em papel, com tiragem de 40 mil exemplares. Pouco depois, sairá o primeiro número de uma série de livros temáticos de bolso. Em setembro, começa a ser construído, na internet, o Caderno Brasil, um conjunto de canais participativos para debater em profundidade o país, a globalização e as alternativas. As novidades vêm num momento em que a mídia convencional vive uma crise de credibilidade junto a parte importante de seu público. E são possíveis porque duas organizações da sociedade civil (o Instituto Paulo Freire e o Instituto Pólis) construíram uma articulação inédita, visando atuar no terreno das comunicações – de forma autônoma, mas em colaboração.

Ao Instituto Pólis caberá produzir a edição impressa. “É preciso preencher um espaço que está vazio na imprensa brasileira, oferecendo um olhar crítico e analítico sobre o mundo e o Brasil”, acredita Sílvio Caccia Bava, coordenador-geral do Pólis e agora também diretor da edição impressa do Le Monde Diplomatique. O número de agosto procura responder a este desafio. Na matéria de capa – uma entrevista –, o lingüista norte-americano Noam Chomsky descreve os mecanismos por meio dos quais a mídia procura construir consensos que reproduzem as lógicas do capitalismo. Chomsky nota, sempre apoiado em uma profusão de dados sociológicos e históricos, que muitas vezes esta construção se faz contra o senso comum. Pesquisas revelam, por exemplo, que 75% dos norte-americanos seriam favoráveis a um acordo com o Irã, que substituísse as crescentes ameaças de Washington àquele país – e uma maioria consistente defende a redução do orçamento militar. Contudo, assim como ocorreu nos preparativos para a guerra contra o Iraque, os jornais reproduzem freqüentemente, e quase sempre de modo acrítico, as provocações por meio das quais a Casa Branca procura apontar Teerã como uma ameaça à segurança dos EUA.

Dezessete outros textos compõem o número de lançamento. Além da matéria de capa, foram taduzidos do original francês autores como Armand Mattelart, Bernard Cassen, Pierre Lévy e o romancista inglês John Berger. Entre os temas debatidos estão o papel dos intelectuais na era da internet, os esforços da indústria farmacêutica para criar medicamentos que podem se tornar armas de guerra, a redescoberta das literaturas indianas (um texto já publicado na edição eletrônica). A edição é enriquecida com artigos de colaboradores brasileiros, como José Tadeu Arantes (que é o editor da versão impressa e entrevista Antanas Mokus, “o homem que reinventou Bogotá”); Roberto Kishinami (que traz subsídios para o debate sobre o etanol); Márcio Santili (num texto que debate alternativas para a Amazônia); Ferréz (uma crônica mordaz sobre a emergência da cultura das periferias, suas possibilidades e contradições) e o próprio Sílvio Caccia Bava (que especula sobre a crise do neoliberalismo na América Latina). Impressa em papel acetinado e de alta gramatura, a edição tem 40 páginas e é vendida a R$ 8,90.

Uma série de livros temáticos e um site cada vez mais visitado

Em 13 de agosto, uma semana após o lançamento da edição mensal impressa, chega às livrarias Alternativas ao Aquecimento Global, primeiro livro temático publicado pelo projeto Le Monde Diplomatique Brasil. Ao longo de sete artigos (em 128 páginas), a obra constrói um ponto de vista original, em relação a um dos temas contemporâneos mais cruciais. Os textos recusam-se a aceitar a postura fatalista (e, portanto, paralisante...) que passou a predominar na mídia, depois que se tornou impossível negar a elevação das temperaturas terrestres. Argumenta-se, ao contrário, que o futuro está em aberto. Há alternativas: é perfeitamente possível evitar a catástrofe climática – desde que a humanidade esteja disposta a superar as lógicas sociais destrutivas que caracterizam o capitalismo. O livro estará à venda também pela internet. Impresso em papel reciclável, custará R$ 15. Já é possível ler uma breve resenha, que apresenta o sentido da obra e de cada um de seus textos.

Uma nova edição temática será lançada a cada três meses. Além de publicarem artigos inéditos de autores brasileiros (no primeiro número, Ladislau Dowbor e Antonio Martins), elas apóiam-se na biblioteca de quase 2 mil textos (e mais de quinhentos temas) que Le Monde Diplomatique Brasil vem constituindo, na internet, desde seu lançamento, em 1999. A circulação destes textos é regida pelos princípios expressos no conceito de conhecimento compartilhado. Disponíveis em www.diplo.org.br/temas), eles podem ser lidos e reproduzidos livremente, desde que citada a fonte. A edição impressa oferece o conforto do papel e a praticidade do formato de bolso.

Tanto os livros temáticos quanto a edição eletrônica estão sob responsabilidade do Instituto Paulo Freire (IPF). “Vivemos na época das redes. A profundidade e o espírito crítico de Le Monde Diplomatique precisam estar ligados, no Brasil, às ações pela transformação social. E a intenet permite esta associação”, afirma Moacir Gadotti, diretor geral do IPF. Sua fala antecipa o sentido das mudanças por que passará o site do jornal.

Relançado em maio do ano passado, ele vem alcançando, desde então, índices expressivos de audiência – em julho, foram 11 mil textos lidos em média, a cada dia, por um total de 74,9 mil visitantes. A partir de setembro, o site abrigará também o Caderno Brasil – um espaço onde a análise qualificada das questões mais decisivas da atualidade, marca registrada do Le Monde Diplomatique, estará articulada com as principais características da comunicação compartilhada: interatividade, livre circulação de conhecimentos, geração de inteligência coletiva.

No Caderno Brasil, altermundismo e comunicação compartilhada

Caderno Brasil terá dois objetivos editoriais permanentes. Ao examinar a realidade brasileira e internacional além das aparências, procurará identificar em especial as possibilidades de mudança social, de interromper as lógicas da dominação, de construir relações de igualdade e reciprocidade. Ao mesmo tempo, buscará tornar visíveis as ações transformadoras já em curso – inclusive as desprezadas pela mídia de mercado, que reconhece como política apenas o que se dá nos espaços institucionais e estatais.

Estes objetivos serão alcançados em duas fases. Na primeira, que começa em setembro, Caderno Brasil abrirá espaço para um conjunto de colaboradores que expressam, por suas ações ou reflexão, a possibilidade de um mundo e um país novos. Alguns dos convidados são conhecidos pelo papel destacado que desempenham na construção do pensamento crítico: entre outros, o economista Ladislau Dowbor, o filósofo Paulo Arantes, o sociólogo José Luiz Fiori, a arquiteta Ermínia Maricato, a jornalista Elisabeth Carvalho. Caderno Brasil não pretende se limitar, contudo, aos nomes que já freqüentam o debate político. Uma das características mais marcantes de nossos dias é a emergência novos temas e novas vozes. Por isso, também estão sendo convidados personagens como Dalton Martins, do MetaReciclagem e Escola do Futuro; Fátima Mello, das campanhas contra a ALCA e por novas relações de comércio; Marcelo Branco, das comunidades de software livre; Ronaldo Lemos, do Creative Commons. O escritor Rodrigo Gurgel organizará uma seção de literatura. O site também difundirá o trabalho de artistas plásticos, numa iniciativa coordenada por Chico Linares, Guilherme Werner (do ateliê Espaço Coringa) e Yili Rojas. Além de indicar possíveis colaboradores, os leitores poderão intervir num Blog da Redação.

Numa segunda etapa, a interatividade será ainda mais densa. O jornal abrirá canais para participação direta dos leitores. Uma revista acadêmica multidisciplinar, coordenada por Ladislau Dowbor, abrigará a produção de boa qualidade das universidades brasileiras, muitas vezes desconhecida por falta de meios de difusão. Os avanços, impasses e perspectivas dos movimentos pela transformação social terão uma seção própria, onde os próprios ativistas poderão relatar experiências e refletir sobre ela. A Agenda Social Brasileira permitirá compor, como num mosaico contruído interativamente, um quadro das iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil. A Biblioteca que o site já dispõe será ampliada, para agregar, em cada tema, publicações virtuais e impressas que produzem material de qualidade a respeito.

Para trocar opiniões sobre o Caderno Brasil e ajudar a construí-lo, está sendo aberto, a partir de hoje, um endereço eletrônico específico: cadernobrasil@diplo.org.br. Será uma satisfação receber e debater, desde já, as sugestões, críticas e acréscimos dos leitores ao projeto.

Olhos nos Olhos - Chico Buarque

Jimi Hendrix & B.B. King -The Kings Jam

Copiado de: 360Grauss


Eric Clapton - 1992 - Unplugged

Eric Clapton - Unplugged


Copiado de: 360Grauss

Breve notícia da Europa

Dois anos após França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora e o futuro da Europa está nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy. A Europa está cada vez mais parecida com sua longa história. A análise é de José Luís Fiori.

Como era de esperar, o longo impasse europeu está se transformando num conflito aberto. Dois anos depois da França e Holanda rejeitarem o projeto constitucional da UE, Berlusconi, Aznar, Chirac, Shroeder e Blair foram embora para casa, e o futuro da Europa está agora nas mãos de Angela Merkel, Gordon Brown e Nicolas Sarkozy, mas as divergências são cada vez maiores. Faz poucos dias, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, comparou a criação da UE, com um “grande império”, e enfureceu o primeiro-ministro britânico. Não poderia ser diferente, porque logo depois da posse do novo governo trabalhista, seu secretário de relações exteriores, David Miliband, declarou ao jornal Financial Times, que a Grã Bretanha se transformou num “global hub” entre os principais pontos e povos da humanidade, e que portanto, não pode abrir mão de sua condição de potência global, e de ponte entre os EUA e a UE. Ou seja, Miliband anunciou ao mundo, com todas as letras, que o governo de Gordon Brown não se submeterá ao sistema monetário europeu, nem aceitará qualquer tipo de soberania imperial, ou de política externa unificada, sob o comando de Bruxelas.

Do outro lado do Canal, o novo presidente frances, Nicolas Sarkozy, empossado no mês de maio, já fez declarações e tomou decisões que colocam a França em confronto direto com a Alemanha, e com quase todos os seus pares da UE. Numa mesma semana, anunciou a decisão de atrasar o cumprimento francês do acordo de eliminação dos déficits orçamentários, estabelecido para 2010, e de levar a frente políticas protecionistas, para defender o emprego dos franceses ameaçado pela globalização liberal. E o que foi mais grave, defendeu a politização da política monetária do Banco Central Europeu, que segundo ele, deveria se submeter à uma estratégia européia de longo prazo, Além disto, a nova ministra da fazenda, Chistine Lagarde, conclamou os banqueiros e financistas a trocarem os Estados Unidos e a Grã Bretanha pela França, para transfomar Paris num grande centro financeiro global, situado na liderança de uma “economia nacional vibrante”, e em declarada competição com Londres e Frankfurt.

A resposta alemã foi imediata e dura: seu ministro da Fazenda, o social-democrata Peer Steinbruck, declarou em Bruxelas, no dia 10 de julho, com tom de deboche, que “ele não tinha nada contra o fortalecimento da moeda européia, pelo contrário, ele amava o euro forte”. E além disto, afirmou em tom mandatório, que todos os estados membros da UE terão que “zerar seus déficits orçamentários até 2010, sem nenhuma exceção”. A própria ministra Angela Merkel saiu à luz e deu uma entrevista seca à televisão alemã, exigindo que o presidente francês “pare de desestabilizar o euro, e a independência do Banco Central Europeu”. E deixou circular, paralelamente, a informação de que seu governo está preparando uma legislação especial - igual a que há nos EUA, Grã Bretanha e França - para impedir a desnacionalização de setores econômicos estratégicos para a segurança nacional alemã, como as telecomunicações, a energia e o setor bancário.

Paradoxalmente, esta briga está clarificando o cenário, depois de dois anos de pasmaceira generalizada. O governo de Angela Merkel unificou a elite política e empresarial alemã, e passou à ofensiva, assumindo a liderança agressiva da unificação européia, e da ocupação econômico-financeira da Europa Central. Além disto, acelerou seu projeto de integração econômica com a Rússia, independente do resto do continente, e voltou à sua posição de sheriff do rigor fiscal e monetário dos demais países europeus, com uma retórica econômica ortodoxa e liberal, característica das potências hegemônicas. Mas o jogo não terminou, e a França parece disposta a dobrar sua aposta. Enquanto Angela Merkel criticava o governo francês, o presidente Sarkozy viajou para a Argélia e a Tunísia, e propôs a criação de uma União Mediterrânea, incluindo os países da costa norte-africana, e a Turquia, sob a liderança francesa, e de costas para a Europa germânica, e para o “global hub” britânico. E ao mesmo tempo, no dia 12 de juilho, liderou um manifesto dos países mediterrâneos da UE, favorável à mudança da posição ocidental, frente à questão palestina, por cima das decisões e instâncias oficiais de Bruxelas.

Cabe saber se a França tem bala na agulha para sair do plano retórico. Mas de qualque maneira, é certo que o distanciamento entre a Alemanha, a França e a Grã Bretanha está se confirmando também no plano da disputa energética. A AIE difundiu nos últimos dias, um informe prevendo problemas graves de oferta de petróleo e gás, nos próximos cinco anos, e o aumento contínuo da sua demanda e dos seus preços. E frente a isto, cada uma das potências européias está buscando solução pelo seu lado: a França, com o petróleo do norte da África; a Grã Bretanha, com o dos países nórdicos; e a Alemanha, com o petróleo e gás, da Rússia.

Como se não fosse pouco, os Estados Unidos insistem em instalar seu “escudo anti-mísseis” na Polônia e Republica Checa, e não abrem mão da independência do Kosovo. Com isto os norte-americanos conseguem irritar a Rússia, e recolocá-la na tradicional posição do “príncipe negro”, que assusta os europeus, desde os tempos de Ivan o Terrível. Primeiro, os russos falaram em abandonar o Tratado das Forças Convencionais na Europa, assinado em 1990. Mas agora, o governo Putin anunciou que responderá ao “escudo” norte-americano, com a instalação de um novo sistema de foguetes em Kalingrado, o enclave russo situado entre a Lituânia e a Polônia, que já foi a capital da Prussia Oriental e terra natal de Immanuel Kant, o filósofo da “paz perpétua”. Todos estes movimentos lembram passos de um minueto, simétricos e previsíveis. Mas não há dúvida que a Europa voltou a se mexer, e está cada vez mais parecida consigo mesmo e com sua longa história passada. Até o papa alemão resolveu entrar na dança, e atacar os protestantes e a Igreja Anglicana, por conta de antiquíssimas divergencias teológicas. Mas neste ponto, pelo menos, a imprensa e todos os governos europeus estão de acordo: como já está se transformando num hábito, uma vez mais, o papa dos católicos exagerou na dose.

* José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Artigo publicado originalmente em espanhol, na revista Sin Permiso, da qual José Luís Fiori faz parte do Conselho Editorial.


Inimigos principais ou inimigo principal?

* José Reinaldo Carvalho


Na semana passada as duas maiores autoridades executoras da política de guerra do governo Bush, a secretária de Estado, Condoleeza Rice, e o da Defesa, Robert Gates, fizeram uma incursão no Oriente Médio. Primeiramente foram juntos ao Egito. Depois visitaram a Arábia Saudita. Em seguida, a delegação dividiu tarefas. Rice seguiu viagem à Palestina ocupada (Jerusalém e Ramallah), enquanto Gates deslocou-se ao Kuwait e aos Emirados Árabes Unidos.

Na primeira etapa da visita, os secretários de Bush reuniram-se em Sharm el-Sheikh, no Egito, com representantes da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuwait.
A missão teve três objetivos, todos relacionados com a aplicação do plano de reestruturação do Oriente Médio, a prioridade do segundo mandato de George W. Bush.

O primeiro objetivo foi conseguir apoio para estabilizar o Iraque. Mais de quatro anos depois de iniciada a guerra de agressão, o imperialismo norte-americano colhe um retumbante fracasso. O Iraque se insurgiu, as forças patrióticas foram capazes de organizar uma tenaz resistência, que inflige pesadas perdas humanas e materiais aos agressores (ver artigo “Por que os EUA perderam”, de Abdul al-Bayaty e Hanna al-Bayaty em www.cebrapaz.org.br).

É muito limitada a capacidade de ação desses países árabes no conflito iraquiano. Por mais reacionários e pró-americanos que sejam, um envolvimento direto desses países ao lado das forças de ocupação atiça ainda mais o nacionalismo árabe, resultando no efeito contrário ao esperado.

Os emissários de Bush levaram na bagagem um pacote de ajuda militar para a aquisição de armamentos e tecnologia, no valor de 20 bilhões de dólares a serem negociados com a Arábia Saudita e outros países. Ao Egito e Israel os belicistas estadunidenses ofereceram um pacote de ajuda militar da ordem de 43 bilhões de dólares. A mensagem é clara. Os Estados Unidos estão apostando em mais militarização da região, o que, independentemente de qualquer intenção proclamada, redundará em maior instabilidade.

O segundo objetivo foi fazer com que esses países exerçam pressão sobre o Irã no sentido de desencorajar a continuidade do programa nuclear desse país. Ora, o Irã já sofreu duas resoluções da ONU ameaçando aplicar sanções caso não suspenda o programa nuclear, mas a atitude de Teerã é inabalável, não havendo qualquer sinal de que vá submeter-se aos ditames de Washington. Disso se conclui que o exercício de pressões sobre o Irã seja por parte dos Estados Unidos ou de interpostas forças também só acarretará mais instabilidade na região.

O terceiro objetivo relacionou-se com a Palestina. Rice buscou envolver seus aliados nos esforços para organizar uma conferência de “paz” no final do ano. Também nesse aspecto os resultados tendem a ser pífios. A tática de distribuir migalhas tem por resultado o aprofundamento das divisões entre as diferentes forças que atuam naquele cenário. A tentativa de isolamento, cerco e aniquilamento do movimento Hamas, que venceu as eleições, conduzirá a mais dilacerações, portanto a mais guerra, nunca à paz nem à criação de um verdadeiro Estado Palestino. Além do que, é indefectível a posição pró-israelense do governo Bush.

Quem deu o principal argumento para atestar o fracasso da missão de Rice e Gates foram os próprios, quando proclamaram quem são os inimigos principais dos Estados Unidos na região: a Síria, o Irã, o Hezbolá e o Hamas. A Síria e o Irã são dois países soberanos e não dão mostras de estar dispostos a renunciar aos seus objetivos nacionais. Atacá-los militarmente cobraria um preço altíssimo que os EUA não estão em condições de pagar na presente situação.

Quanto ao Hezbolá e ao Hamas, são dois movimentos de resistência que já estão nos campos de batalha. A amarga experiência israelense, derrotado pelo Hezbolá durante a guerra de julho-agosto do ano passado, indica que se trata de uma força difícil de aniquilar, pela sua capacidade de combate, pelas profundas raízes que deitou no seio da população libanesa e pelo imenso prestígio de que desfruta em todo o mundo árabe.

Quanto ao Hamas, desalojá-lo à força das posições que conquistou poderá representar uma tragédia humanitária numa Palestina já martirizada há muitas décadas.
Assim, é mais provável que, ao invés de alcançar os objetivos anunciados, o resultado da missão de Rice e Gates seja uma mais nítida caracterização do imperialismo norte-americano como o inimigo principal dos povos do Oriente Médio.

* José Reinaldo Carvalho é jornalista, secretário de RR II do PCdoB

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Uma entrevista sobre Gramsci


Giacomo Marramao


Professor de Filosofia Política na Universidade de Roma III, diretor da Fundação Lelio Basso e membro do Collège International de Philosophie (Paris), Giacomo Marramao há décadas reflete sobre os temas e problemas da esquerda. Ficaram famosos os ensaios que escreveu nos anos 70 sobre os desafios da esquerda austríaca e alemã. Marramao é, também, um grande conhecedor de Antonio Gramsci, e, neste ano em que se completam 70 anos da sua morte, aqui reflete sobre o legado gramsciano.

Marramao já é bem conhecido do público brasileiro. Entre seus livros traduzidos, estão O político e as transformações (Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990); Poder e secularização (São Paulo: Unesp, 1995); Céu e terra (São Paulo: Unesp, 1997) e Fragmento e sistema. O conflito-mundo de Sarajevo a Manhattan (Lisboa: Fim de século, 2003), com Angelo Bolaffi.

Abaixo, publicamos a versão integral, com alguns acréscimos e modificações, da entrevista publicada originalmente em Carta Capital do dia 9 de maio de 2007, com tradução de Roberta Barni. A entrevista foi conduzida pelos professores Walquíria Domingues Leão Rego e Luiz Gonzaga Belluzzo.

Qual é a principal originalidade do pensamento de Gramsci dentro da tradição marxista?

A originalidade de Gramsci em relação à tradição marxista da Segunda e da Terceira Internacional deve ser buscada sobretudo em dois aspectos: a análise do poder e o papel dos intelectuais. Em relação ao primeiro aspecto, deve-se sublinhar a enorme extensão que o conceito de poder termina por assumir: Gramsci compreende-o como uma função complexa, não redutível ao monopólio estatal da força. O instrumento analítico ou, se se prefere, a chave interpretativa de que se vale a este propósito é dada pelo par Oriente-Ocidente (sob o qual se oculta o contraste entre a Rússia e a Europa Ocidental). Em sociedades caracterizadas por um elevado grau de diferenciação social, como as sociedades liberal-capitalistas da Europa industrial, o poder apresenta uma articulação e difusão “molecular” estranha à lógica despoticamente simplificada da Rússia czarista.

Compreende-se, portanto, a razão pela qual muitos consideraram perceber neste aspecto da reflexão gramsciana uma analogia com a analítica do “poder difuso” desenvolvida algumas décadas mais tarde por Michel Foucault. Com efeito, para Gramsci o poder não pode ser conquistado com um “ato único”, como a tomada do Palácio de Inverno por parte de Lenin. Ao contrário, o complexo sistema de relações no qual o poder se realiza e se exerce pressupõe uma longa luta pela hegemonia, definida na célebre fórmula: “força + consenso”. Mas — e com isso chegamos ao segundo aspecto — a organização do consenso não pode ocorrer sem a mediação da cultura e dos seus funcionários: os intelectuais. Por este caminho, os dois pólos, o da análise do poder e o da “questão dos intelectuais”, são referidos ao tema crucial da hegemonia. Com a conseqüência de um duplo distanciamento: seja do economicismo gradualista da Segunda Internacional, seja do ideologismo insurrecionalista da Terceira Internacional.

Como o senhor considera o pensamento de Gramsci em relação à tradição teórica política italiana? Por exemplo, por que ele se obrigou a acertar as contas com Maquiavel?

A referência a Maquiavel tem uma função dupla. Em primeiro lugar, uma função de significado teórico geral: a definição do partido como “moderno Príncipe” serve para assinalar a exigência de que o partido não se reduza a uma mera representação de interesses econômicos nem a um reflexo mecânico de uma lógica de classe, mas, em vez disso, se constitua como um sujeito político capaz de assumir toda a história nacional. Em segundo lugar, uma função específica, ligada ao déficit ético-político da burguesia numa nação culturalmente precoce mas politicamente tardia, como a Itália: neste sentido, cabia ao partido a tarefa histórica de realizar aquela “reforma intelectual e moral” que as burguesias de outros países (como a Inglaterra e a França) haviam desempenhado desde as origens da modernidade, produzindo um “senso comum” tecido de valores compartilhados, uma espécie de acumulação ética originária que acompanha a acumulação capitalista. Explica-se assim o uso positivo, em Gramsci, do termo “conformismo”: um uso incompreensível se não se levar em conta o contexto ético-político da sua argumentação.

Quais são as principais contribuições teóricas de Gramsci no debate da esquerda européia dos anos de 1920 e 1930? O senhor escreveu vários ensaios sobre o debate alemão da esquerda weimeriana e sobre muitos outros marxistas, como Kirchheimer, Neumann, Pollock, etc. Como se pode inserir Gramsci neste grande movimento intelectual inovador do marxismo?

Tal como os autores marxistas citados, ou reacionários argutos como Carl Schmitt, Gramsci dirigiu sua atenção para as transformações que envolveram a dimensão do político entre as duas guerras: com a passagem da sociedade de livre concorrência para a sociedade de massas e com o conseqüente aparecimento de novas formas de poder (e de “modernismo reacionário”), baseadas numa organização disciplinar e capilar do consenso.

Em que sentido Gramsci ainda hoje nos interpela?

Gramsci nos leva a pensar nas mudanças da estrutura do mundo, seguindo o rastro das reflexões que nos foram legadas nos Cadernos do cárcere. O ponto de partida destas reflexões é que, no curso dos anos 1920-1930, não se assiste à crise do capitalismo, mas ao declínio do Estado-nação como sujeito histórico “hegemônico” na história da Europa moderna. Uma forma histórica já incapaz de fazer com que se desenvolvam novas formas de vida e de organização social. A análise do americanismo — da sua capacidade de originar formas de disciplinamento, ampliar as funções produtivas e as bases da democracia, tornando-se assim potência hegemônica no mercado internacional — mostra a Gramsci os caminhos através dos quais se estavam desenvolvendo um racionalismo e um industrialismo projetado além do Estado-nação (e além da lógica nacional-estatal das velhas elites dirigentes européias).

Em vez disso, cabe-nos hoje uma tarefa adicional e diferente: delinear uma perspectiva a partir, exatamente, da crise da hegemonia americanista e fordista, para favorecer a constituição de uma subjetividade política capaz de compreender, governar e transformar em sentido democrático os mecanismos que regulam a economia-mundo.

O senhor poderia sublinhar quais são as contribuições mais importantes de Gramsci para uma teoria da política nos nossos dias?

Difícil relacionar os múltiplos aspectos ainda vitais da reflexão gramsciana para a teoria política moderna. Limito-me a recordar três deles. A noção de “intelectual orgânico”, também definida numa fórmula simples e intensa: “especialista + político”. A idéia da democracia não só como sistema de regras e procedimentos, mas forma de relações — como a res publica de Maquiavel — capaz de reunir num conjunto dinâmico e vital uma pluralidade de sujeitos que interagem na base de mútuo reconhecimento. A perspectiva de um novo cosmopolitismo, capaz de promover a libertação dos indivíduos através de uma práxis de transformação baseada no acréscimo de saber e de ciência.

O senhor pode falar algo sobre as relações entre economia e política em Gramsci?

À parte as complexas relações com Piero Sraffa, que envolvem aspectos de teoria econômica que é difícil simplificar numa entrevista, uma das contribuições decisivas é constituída pela categoria de “mercado determinado”. Quanto a esta categoria, nunca vai se sublinhar suficientemente o papel desmistificador que tem em relação à ideologia — aliás, em relação a este verdadeiro fundamentalismo ocidental — que vê o Mercado como uma dimensão pura, “auto-regulada”, independente da política e do contexto ético e cultural que dá ao mercado, em cada caso, sua configuração histórica específica. Muito freqüentemente, as ideologias liberistas e neoliberistas são apenas a máscara da lógica de poder que governa a dinâmica da economia.

Nesta linha de pensamento, como o senhor analisa hoje a questão cultural no capitalismo contemporâneo, um tema, como sabemos, muito caro a Gramsci?

Um dos aspectos mais interessantes do revival internacional da obra de Gramsci é representado — ao lado do tema das transformações do “político”, no qual eu mesmo trabalhei por muito tempo — pela recepção dos Cadernos por parte dos Cultural Studies e dos Postcolonial Studies. Penso em fundadores de escola, como Stuart Hall ou Edward Said, antes de mais nada. Mas também em seus herdeiros e continuadores, como Ranajit Guha, Homi Bhabha, Arjun Appadurai, Gayatri Chakravorty Spivak, Dipesh Chakrabarty e outros. Nestes intelectuais, tornam-se centrais as noções gramscianas de “hegemonia”, “identidade cultural”, “subalternidade”: numa perspectiva em que a política se entrelaça com a antropologia, a abordagem histórico-sociológica com a análise literária comparada. Ainda é cedo para dizer algo definitivo sobre a fecundidade destas novas abordagens. Mas não é um acaso que, também na Itália, estes temas tenham sido retomados nos últimos anos por jovens e interessantes estudiosos (como, por exemplo, Emanuela Fornari, Miguel Mellino e Sandro Mezzadra).

Ressalto que Gramsci tem a dizer ao nosso presente da modernidade-mundo muito mais do que pensávamos. E, sobretudo, revela-se capaz de falar às mais diferentes culturas e gerações, pondo-as face a face na perspectiva do que chamei, nos meus trabalhos recentes, de universalismo da diferença.



Fonte: Carta Capital, 9 maio 2007.