sexta-feira, 14 de setembro de 2007


"o submundo da Editora Abril"

Carlos Rogério de Carvalho Nunes

A CPI Abril-Telefônica pode ser um importante instrumento para o povo brasileiro conhecer as entranhas deste grupo criminoso que ocupa a linha de frente dos ataques ao governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. O pouco que se sabe a seu respeito já é mais do suficiente para uma profunda investigação sobre a sua trajetória.
Por Carlos Rogério de Carvalho Nunes*


Ninguém melhor do que quem conheceu a Editora Abril por dentro desde o seu nascedouro para falar sobre o papel deste grupo no cenário político brasileiro. É o caso do personagem do livro O Homem-Abril - Cláudio de Souza e a história da maior editora brasileira de revistas, escrito por Gonçalo Júnior, que trabalhou para a Abril nas suas três primeiras décadas de existência. Entre março de 1951 e setembro de 1975, Cláudio de Souza passou por quase todos os departamentos da empresa.


Por oito anos, ele trabalhou como assessor pessoal do seu fundador, o então cidadão norte-americano Victor Civita. Foi ele quem ajudou Civita a falar o português corretamente. Gonçalo faz revelações surpreendentes — como os detalhes das tentativas do grupo norte-americano Time-Life de convencer Civita a criar um canal de TV em São Paulo. O dono da Abril, que poderia ser flagrado em delito por conta de sua nacionalidade, sugeriu que o grupo procurasse seu amigo, o brasileiro Roberto Marinho. Assim nasceu a Rede Globo de Televisão — porta-voz oficiosa da ditadura militar.

História de trapaças

Gonçalo, que também é autor do livro Guerra dos Gibis — que narra a chegada dos quadrinhos ao Brasil, vindos dos Estados Unidos em meados da década de 1930 —, comenta de passagem o papel da ditadura militar na consolidação da Editora Abril.


"Embora fale das relações da Abril com o regime militar e destaque documentos encontrados no arquivo do Deops, minha preocupação foi cobrir o período em que o editor trabalhou lá", afirma Gonçalo. E recomenda: "Longe da pretensão de contar tudo sobre a Abril, creio que deixo pistas interessantes para que outros pesquisadores venham a desenvolver trabalhos complementares sobre a Editora."


O autor revela outros detalhes dos tortuosos caminhos trilhados por Civita. Um deles é o fato de o fundador da Abril ter permanecido no anonimato durante dez anos por ser estrangeiro. Assim ele conseguiu burlar as leis que o impediam de ser dono de uma empresa de comunicação. Até Civita conseguir a nacionalidade brasileira, as revistas da Abril saíam apenas com a assinatura de seu sócio, Gordiano Rossi, como diretor responsável. A primeira revista com editorial assinado por Civita foi a Quatro Rodas.


Civita possivelmente se inspirou na trapaça de outro conhecido editor, Adolfo Aizen, que lançou os quadrinhos no Brasil na década de 30 por meio de um suplemento infantil no jornal A Noite. Em 1945, dizendo-se baiano o russo Aizen fundou Editora Brasil-América Limitada, a Ebal. Ele manteve a sua nacionalidade sob segredo por décadas. Outra revelação de Gonçalo sobre Civita é a de que o dono da Abril teria recorrido a empréstimos estrangeiros — algo ilegal perante a legislação da época.

Programa de governo

Civita e Roberto Marinho podem ser considerados os impositores deste tipo de jornalismo totalmente desprovido de ética, muito comum nos dias de hoje. Eles trilharam, sem escrúpulos, os caminhos da influência norte-americana no universo cultual brasileiro. Durante a ditadura militar, consolidaram seus impérios lançando mão de trapaças, negociatas e autoritarismos. Até hoje, esses impérios — cujos métodos são utilizados pela totalidade dos grupos que controlam a “grande imprensa” brasileira — se valem dessas armas para impedir que o Brasil avance no rumo do progresso social e da democracia.


Um exemplo disso é o apoio aberto da Editora Abril à “era FHC” e os ataques baseados em mentiras e calúnias contra o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. O filho de Cívita — Roberto, que hoje comanda o império — manteve por muito tempo uma foto de FHC em sua mesa para não deixar dúvida sobre a sua opção. “Pensam que a Abril apóia o programa de governo do Fernando Henrique. A questão está mal colocada. Não é a Abril que apóia o programa de Fernando Henrique. É o Fernando Henrique que apóia o programa de governo da Abril”, disse ele certa vez.

Operações clandestinas

A Abril também é acusada de usar uma montagem fraudulenta — por meio de empresas fantasmas, laranjas e lavanderias — para passar 30% do seu controle a um conglomerado de comunicação racista que sustentou o apartheid na África do Sul. Outro caso é a negociata com o grupo Telefônica. O assunto ganhou algum destaque depois que o senador Renan Calheiros rebateu os seus acusadores mobilizados pela Abril. Ele disse que a Editora, que publica a revista Veja, já ficou conhecida como “Vileja” — pela vileza de seu jornalismo “desonesto, persecutório, panfletário e torpe”.


Para o senador, a tentativa da Abril de “fraudar a lei brasileira, de desrespeitar a concorrência, de agredir os interesses nacionais e de ludibriar o país, transferindo o controle societário da TVA e de outras duas operadoras para um grupo estrangeiro por quase um bilhão de reais, não é a primeira vez que ocorre”. “Não foi um acaso, não foi um desvio jurídico da Editora Abril. Trata-se de algo pior, de um vício, de um hábito delinqüente: o hábito de desrespeitar nossas instituições, de ferir nossos interesses, para ocultar suas operações clandestinas, ilegais e imorais, enquanto cinicamente se autoproclama defensora dos interesses do Brasil”, disse ele.

O jogo bruto continua

Renan também disse que a Veja desenvolve campanhas de linchamento, sem provas, contra “homens públicos e nossas instituições”. Segundo o senador, a Abril “esgueira-se, sorrateiramente, entre os veículos de comunicação, ampara-se nesta vital instituição e lá faz suas transações subterrâneas, imorais e antiéticas”. O senador também afirmou que o grupo mistura liberdade de imprensa com libertinagem de imprensa. “Jornalismo como esse, como instrumento de propaganda, amparado na força da repetição, da mentira, não é jornalismo, é fascismo, é nazismo”, afirmou.


É uma síntese precisa da Abril — e dos demais grupos que controlam a “grande imprensa” brasileira. Vale lembrar aqui o comentário feito pelo cientista político René Armand Dreifuss — que acreditou na possibilidade de o homem transformar a realidade —, autor do importante livro A conquista do Estado ação política, poder e golpe de classe sobre o papel de uma "elite orgânica" de orientação empresarial na desestabilização do regime democrático pré-1964 para pôr no lugar a "ordem empresarial" após o "golpe de classe", com o qual ele encerra a sua obra Transformações: matrizes do século 21: “E o jogo continua...” Cabe acrescentar: continua com sua forma bruta, sem regras, sem princípios, sem ética.

* Carlos Rogério de Carvalho Nunes é secretário nacional de Políticas Sociais da CUT e membro da coordenação nacional da CSC.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Charlie Parker - Yardbird Suite (1999)


Copiado de: 360Grauss

As histórias que a RBS não conta
A RBS iniciou as comemorações de seus 50 anos com pompa, circunstância e
uma conveniente dose de amnésia. O caderno especial publicado nesta
sexta-feira, no jornal Zero Hora, omite alguns fatos importantes que
marcaram a história e o crescimento do grupo. Mais do que isso, distorce
fatos, em especial aqueles relacionados ao período da ditadura militar.
Como a maioria da grande mídia brasileira, a empresa gaúcha apoiou o
golpe militar que derrubou o governo de João Goulart.

O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelo regime
militar por apoiar Jango. Esse é o batismo de nascimento de ZH. Como
escreveu Eleutério Carpena, em uma edição especial da revista Porém
sobre a RBS, "a mão que balança o berço de ZH é da violência contra o
Estado Democrático de Direito". Três dias depois da publicação do
famigerado Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou
matéria sobre o assunto afirmando que "o governo federal vem recebendo a
solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional".

No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado
"A preservação dos ideais", exaltando a "autoridade e a
irreversibilidade da Revolução". A última frase editorial fala por si:
"Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima
de tudo". A expansão da empresa se consolidou em 1970, quando foi criada
a sigla RBS, de Rede Brasil Sul, inspirada nas três letras das gigantes
estrangeiras de comunicação CBS, NBC e ABC. A partir das boas relações
estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada
com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e
diversificando seus negócios.

Outro fato marcante da história do grupo que não é mencionada no caderno
comemorativo é a ativa participação da empresa no processo de
privatização da telefonia no RS, durante o governo de Antônio Britto,
ex-funcionário da RBS. Aliás, não só no RS. Segundo pesquisa realizada
por Suzy dos Santos (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Culturas Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBa e Sérgio
Capparelli (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da
Fabico/UFRGS), a RBS esteve presente em praticamente todos os momentos
do processo de privatização das telecomunicações no país, durante o
governo FHC.

O ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo FHC, Pedro Parente,
assumiria depois um alto cargo na direção da RBS. Aqui no RS, desde o
golpe de 1964, a empresa sempre teve uma relação íntima com os
governantes de plantão. Com uma exceção, o governo Olívio Dutra,
fustigado desde seu primeiro dia e pintado como um monstro que ameaçava
os homens e mulheres de bem do Rio Grande. Esses fatos você não verá
expostos na exposição organizada pela empresa na Usina do Gasômetro
(gentilmente cedida pela administração Fogaça) e em nenhum dos veículos
do grupo que, nos próximos dias, praticará, à máxima potência, a arte do
auto-elogio e da amnésia seletiva


Por:
Por Marco
Weissheimer, do RS
Como se constrói um monopólio

Bia Barbosa

No próximo dia 5 de outubro, vencem as concessões das principais emissoras de TV brasileiras. Entre elas, estão cinco concessões da Rede Globo – em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Minas Gerais. Neste dia, caberá ao Executivo federal, por meio do Ministério das Comunicações e da Casa Civil, aceitar ou não os pedidos de renovação, por mais 15 anos, e submeter sua decisão do Congresso Nacional, que tem a palavra final no processo.
O que pouca gente sabe é que tal procedimento, de tamanha importância para o país – é redundante afirmar o papel político, econômico e social que os meios de comunicação, sobretudo a TV, desempenham em nossa sociedade – será nada mais do que um rito burocrático. Mas, para evitar que a data passe em branco, movimentos sociais e entidades ligadas à luta pela democratização da comunicação planejam promover manifestações e chamar a sociedade para debater o modelo das concessões públicas de radiodifusão. Um modelo que contribuiu de forma decisiva para fazer da Globo o império que ela é hoje.
“O mercado de televisão no Brasil, especificamente, não era oligopolizado até a década de 1970. Chateaubriand tentou até monopolizar, mas a Globo, durante a ditadura militar, atualiza o projeto das elites do setor e do governo no período anterior. Dadas as condições técnicas, ela pôde ocupar um espaço que os Diários Associados do Chatô não podiam sequer sonhar”, esclarece a cientista social da Universidade Federal de Pernambuco Maria Eduarda Rocha. Ela atribui a concentração de capital e produção da Rede Globo à própria construção da indústria cultural no Brasil, que pressupõe centros produzindo para um vasto território.
Maria Eduarda cita ainda como fatores que foram fundamentais para a estruturação da Globo na década de 1960 o famoso acordo com a Time-Life, realizado em 1962, responsável por injetar capital estrangeiro na emissora, algo que ia contra a legislação vigente. “Há um fator mais forte que é a relação entre o empresariado da cultura e governo militar, que era muito orgânica. O governo permaneceu como maior anunciante, o que era um grande instrumento de controle, sendo que a Globo foi a grande captadora de verba publicitária do regime”, sustenta.
Mas não foi só à época da ditadura que o regime de concessões e o Estado favoreceram a Globo. Durante o governo Sarney (1985-1989), o ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães promoveu uma verdadeira farra de distribuição de concessões na área de radiodifusão. Paulino Motter, doutor em Ciências Políticas, na dissertação de mestrado A batalha invisível da Constituinte, mostra que em três anos e meio Sarney distribuiu 1.028 outorgas, aproximadamente 25% delas no mês de setembro de 1988, que antecedeu a promulgação da Constituição. Quase todos os beneficiados foram parlamentares que, direta ou indiretamente, receberam as outorgas em troca de apoio político aos cinco anos de mandato e o regime presidencialista. Motter mostra que, dos 91 constituintes que receberam ao menos uma concessão de rádio ou de televisão, 82 (90,1%) votaram a favor do mandato de cinco anos.
Além de beneficiar a Globo e Sarney, ACM também aproveitou sua estada no governo federal para incrementar sua influência na área da comunicação na Bahia. A maior parte das concessões das emissoras que integram a Rede Bahia são dessa época. Antônio Carlos Magalhães Júnior é o presidente da Rede Bahia. Em 1987, a TV Bahia, do grupo, se tornou afiliada da Rede Globo, desbancando a TV Aratu, que retransmitia o sinal da emissora da família Marinho havia 18 anos.



Estratégias existenciais



Gabriel Perissé


Pensemos no mundo como um tabuleiro de xadrez. Isto é reduzi-lo bastante, certamente, mas serve como metáfora, como alegoria, como símbolo.

No jogo da vida temos adversários. Não podemos ser tão pacifistas a ponto de negá-los. Há quem lute contra nós, mesmo que estejamos dispostos a dar a outra face até as últimas conseqüências.

Temos adversários, com quem vamos jogar o jogo da vida. Mesmo que com muito fair play, com muita elegância e educação, movemos nossas peças e não queremos levar xeque-mate. E queremos dar xeque-mate. Refletindo melhor, mais vale um jogo assumido do que, covardemente, puxar o tapete daqueles que, covardemente, quereriam puxar o nosso.

Contudo, o nosso mais perigoso adversário não é o outro, não é o vizinho, não é o patrão, não é o concorrente, não é o candidato do outro partido. Jogando com as brancas, ou com as pretas, estou eu mesmo diante de mim. Eu sou o meu próprio e mais insidioso adversário.

Diariamente, os lances da vida representam tomadas de decisão. Decidir é arriscar-se. Certa vez ouvi alguém hesitante perguntar-se: “Será que sou indeciso?” A única forma de romper com a indecisão é avançar os peões, avançar os cavalos, abrir espaço para os bispos, para a rainha e torres, sair em campo.

O que está em jogo neste jogo? O rei representa os meus valores. Devo defendê-los (com o roque). Defender e conservar é apenas parte da história. Preciso pensar numa estratégia existencial.

Vencer a mim mesmo nesta luta em que valores e antivalores disputam espaço e poder. No tabuleiro da consciência, cada lance cria problemas e soluções. O confronto comigo mesmo é inevitável. O poeta inglês D. H. Lawrence escreveu esses versos: “ [...] tente chegar à verdade. // E a primeira pergunta para si mesmo é: / Quão grande mentiroso eu sou?”.

A honestidade comigo mesmo consiste em descobrir o que eu prefiro, o que pretendo “ganhar” no jogo da vida. Afinal, o que decido fazer quando não há nada a fazer? O que devo desejar quando ninguém me diz o que desejar devo?

A cada dia, sentar-se ao tabuleiro, recomeçar o jogo! Talvez a partida de ontem tenha terminado empatada. Talvez eu tenha sido derrotado pela preguiça, pelo medo, pela presunção. Mais uma vez é preciso decidir. Vivendo e aprendendo a jogar. Nem sempre ganhando. Nem sempre perdendo...

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor - Web Site: www.perisse.com.br

Felicidade realista



A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo.
Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.
É o que dá ver tanta televisão.
Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio. Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade. Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormenta e provoca inquietude no nosso coração. Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade.
Mário Quintana

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

EE.UU SOU O TAL

Sandro Villar*


Vamos brincar de Alca, mas quem manda sou EE.UU. Ah, já estou pra lá de aborrecido com as estripulias do Huguinho e, por causa da influência dele, vejo-me compelido (compelido? Eta língua bonita que vocês têm, seus cucarachas) a ficar de olho no Lulinha, no Nestorzinho, no Tabarézinho, na Michelinha e, principalmente, no Evinho, esse indiozinho boliviano metido a besta. Todos são moleques travessos e EE.UU já não tenho mais idade para tolerar travessuras de quem quer que seja.

Eles precisam entender de uma vez por todas que quem sempre manda sou EE.UU. Sempre foi assim e, pelo andar da carruagem atômica, assim será e quem não gostar que vá se queixar ao prelado mais próximo.

Atenção, assessores de meia-tigela: desta vez acertei na mosca e em outros insetos, pois EE.UU disse prelado e não pelado.

Ufa, acho que me redimi das gafes cometidas na Austrália. Depois de trocar as bolas, chamando os australianos de austríacos e a Apec de Opep, vou tomar cuidado e serei mais atento nos meus pronunciamentos aos nossos escravos, quer dizer, nossos colonizados ao redor do mundo. Ou nos cinco continentes. Tanto faz.

Quero deixar explícito aos mencionados moleques que EE.UU não engulo esse negócio de Mercosul até porque quem faz negócio mesmo sou EE.UU. Aliás, EE.UU sou o mercado do mundo, como definiu muito bem o saudoso Paulo Francis.

Compro quase tudo dessa turma e ainda assim eles reclamam. Até petróleo compro do Huguinho e mesmo assim esse garoto ingrato me xinga sem medir as conseqüências. Vai ver é porque não existe Ipem na Venezuela.

A sorte deles é que os tempos são outros, pois do contrário tomaríamos providências, como na época dos inesquecíveis Richard Nixon, Henry Kissinger e, principalmente, Vernon Walters e Lincoln Gordon. Tenho certeza absoluta que eles matariam o Mercosul no ninho. Ou, se me permitem outra metáfora, abortariam esse bloco mesmo já em adiantado estado de gestação. Alca neles e, quando o assunto é comércio, concorrente bom é concorrente morto. Estamos conversados?

Só mais um dedinho de anão de prosa: quero deixar bem claro que, no frigir das claras e das gemas do mercado financeiro, o primeiro beneficiado sou EE.UU, o segundo também e o terceiro idem. Só depois é que vem o resto, como naquela piada do brasileiro avarento: “Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, quarto eu, quinto a minha família, sexto as minhas amantes e só depois é que vem o resto”.

EE.UU mando prender e mando soltar. Tás pensando o quê, cara-pálida? Não sou pouca porcaria. EE.UU sou o dono do mundo e minha hegemonia está longe de terminar, apesar dos avanços da Rússia, rica em petróleo, gás natural e o escambau. E o colega russo que não se meta a besta comigo, ficando Putin da vida por causa de algum deslize meu. No mais, abraços ao Alanzinho e ao Uribinho, os únicos que ainda me apóiam “in South América”, meu ex-quintal (pô, desse jeito vou acabar no bloco do EE.UU sozinho).

“Deus protege as crianças, os bêbados e os Estados Unidos da América”.
(Bismark)

*Sandro Villar é jornalista e escritor

E ainda falam em ditadura....NÃO À CONCESSÃO DA GLOBO!!!

Rodrigo Vianna

"LEALDADE"

Quando cheguei à TV Globo, em 1995, eu tinha mais cabelo, mais esperança, e também mais ilusões. Perdi boa parte do primeiro e das últimas. A esperança diminuiu, mas sobrevive. Esperança de fazer jornalismo que sirva pra transformar - ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou indo embora.

Quando entrei na TV Globo, os amigos, os antigos colegas de Faculdade, diziam: "você não vai agüentar nem um ano naquela TV que manipula eleições, fatos, cérebros". Agüentei doze anos. E vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos - sim - bom jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção.

Na última década, em debates nas universidades, ou nas mesas de bar, a cada vez que me perguntavam sobre manipulação e controle político na Globo, eu costumava dizer: "olha, isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás".

Isso não era só um discurso. Acompanhei de perto a chegada de Evandro Carlos de Andrade ao comando da TV, e a tentativa dele de profissionalizar nosso trabalho. Jornalismo comunitário, cobertura política - da qual participei de 98 a 2006. Matérias didáticas sobre o voto, sobre a democracia. Cobertura factual das eleições, debates. Pode parecer bobagem, mas tive orgulho de participar desse momento de virada no Jornalismo da Globo.

Parecia uma virada. Infelizmente, a cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido. O que vivemos aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu. Pode ser que algum chefe queira fazer abaixo-assinado para provar que não aconteceu. Mas, é ruim, hem!

Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto".

Tudo isso aconteceu. E nem foi o pior.

Na reta final do primeiro turno, os "aloprados do PT" aprontaram; e aloprados na chefia do jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo de trabalho aqui.
Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: "por que não vamos repercutir a matéria da "Istoé", mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira?"

Por que isso, por que aquilo... Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber?

Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de "petistas" e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do "governo anterior", acharam que ninguém ia achar estranho?

Faltando seis dias para o primeiro turno, o "petista" Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!

Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud Godoy. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição.

Não vi matérias mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.

Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo.

E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...).

O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.!

Um colega nosso chegou a produzir, de forma precária, por telefone (vejam, bem, por telefone! Uma TV como a Globo fazer reportagem por telefone), reportagem com perfil do Abel. Foi editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!

Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do "dossiê". Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não demos Serra com sanguessugas?
E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra?

Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas "desagradáveis". A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.

E isso era um segredo de polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores...
E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas, porque não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro), tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa - as fotos, e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder.

Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!
Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite?
Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN?

O JN levou um furo, foi isso?

Um colega nosso, aqui da Globo ouviu a fita e botou no site pessoal dele... Mas, a Globo não pôs no ar... O portal "G-1" botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a "CartaCapital" ter dado o caso. Era noticia? Para o portal das Organizações Globo, era.

Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo?
Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.
E, pra terminar, aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da "CartaCapital". Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!

Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista "Quatro Rodas" dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!

Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...

De resto, está difícil continuar fazendo jornalismo numa emissora que obriga repórteres a chamarem negros de "pretos e pardos". Vocês já viram isso no ar? Sinto vergonha...

A justificativa: IBGE (e, portanto, o Estado brasileiro) usa essa nomenclatura. Problema do IBGE. Eu me recuso a entrar nessa. Delegados de policia (representantes do Estado) costumavam (até bem pouco tempo) tratar companheiras (mesmo em relações estáveis) como "concubinas" ou "amásias". Nunca usamos esses termos! Árabes que chegaram ao Brasil no início do século passado eram chamados de "turcos" pelas autoridades (o passaporte era do Império Turco Otomano, por isso a nomenclatura). Por causa disso, jornalistas deviam chamar libaneses de turcos?

Daqui a pouco, a Globo vai pedir para que chamemos a Parada Gay de "Parada dos Pederastas". Francamente, não tenho mais estômago.

Mas, também, o que esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita pela Globo na época das Diretas? Respeito a imensa maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês.

Olhem no ar. Ouçam os comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo lado. Mas sabem o que me deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições.

Ele comemorou a reação (dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de jornalistas em defesa da cobertura da Globo: "(...)diante de calúnias e infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação. Chamo isso de lealdade e confiança".

Entendi. Ele comemora que não haja dúvidas e incertezas... Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento de jornal. Incerteza e dúvida são palavras terríveis. Devem ser banidas. Como qualquer um que diga que há racismo - sim - no Brasil.

E vejam o vocabulário: "lealdade e confiança". Organizações ainda hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da "lealdade".

Caro João, você talvez nem saiba direito quem eu sou.
Mas, gostaria de dizer a você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo, infelizmente, não foi "leal" com o público. Nem com os jornalistas.Vai pagar o preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!
João, da família Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno:
"Pude ter certeza absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas cabeças pensando".

C
aro João, em que planeta você vive? Várias cabeças? Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!

Cumpro agora um dever de lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha editorial da casa foi posto na "geladeira". Foi lamentável, caro João. Você devia saber como anda o ânimo da Redação - especialmente em São Paulo.

Boa parte dos seus "colaboradores" (você, João, aprendeu direitinho o vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas - "colaboradores", essa é boa... Eu não sou colaborador, coisa nenhuma! Sou jornalista!) está triste e ressabiada com o que se passou.

Mas, isso tudo tem pouca importância.
Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente?

Isso me lembra a Igreja Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente. Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?

Depois, não sabem porque os protestantes crescem...
Eu, que não sou católico nem protestante, fico apenas preocupado por ver uma concessão pública ser usada dessa maneira! Mas, essa é também uma carta de despedida, sentimental. Por isso, peço licença pra falar de lembranças pessoais.

Foram quase doze anos de Globo.
Quando entrei na TV, em 95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia a Toninha - nossa mendiga de estimação, debaixo do viaduto. Os berros que ela dava em frente à entrada da TV traziam uma dimensão humana ao ambiente, lembravam-nos da fragilidade de todos nós, de como nossa razão pode ser frágil.

Havia o João Paulada - o faz-tudo da Redação.
Havia a moça do cafezinho (feito no coador, e entregue em garrafas térmicas), a tia dos doces...
Era um ambiente mais caseiro, menos pomposo. Hoje, na hora de dizer tchau, sinto saudade de tudo aquilo.

Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós - nas ruas, no Metrô, na padaria.
Todos, do apresentador ao contínuo, tinham que entrar a pé na Redação. Estacionamentos eram externos (não havia "vallet park", nem catraca eletrônica). A caminhada pelas calçadas do centro da cidade obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.

Hoje, quando olho pra nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade. Mas triste, quase desumano.

Mas, há as pessoas. Essas valem a pena. Pra quem conseguiu chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas...

1) Sinto-me aliviado por ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem "lealdade"; parecem "poderosos chefões" falando com seus seguidores... Se depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.

2) Mas, de meus colegas, da imensa maioria, vou sentir saudades.

Saudades das equipes na rua - UPJs que foram professores; cinegrafistas que foram companheiros; esses sim (todos) leais ao Jornalismo. Saudades dos editores - que tiveram paciência com esse repórter aflito e procuraram ser leais às minúcias factuais.

Saudades dos produtores e dos chefes de reportagem - acho que fui leal com as pautas de vocês e (bem menos) com os horários! Saudades de cada companheiro do apoio e da técnica - sempre leais.

Saudades especialmente, das grandes matérias no Globo Repórter - com aquela equipe de mestres (no Rio e em São Paulo) que aos poucos vai se desmontando, sem lealdade nem respeito com quem fez história (mas há bravos resistentes ainda).

Bem, pelo tom um tanto ácido dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui.
Perdi cabelos e ilusões. Mas, não a esperança.

Um beijo a todos.
Rodrigo Vianna."

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Música - Carlos Poyares - Revendo Com a Flauta Os Bons Tempos do Chorinho - 1977 - Vinil

01. Choro Serenata
(Sivuca)
02. Variações Sobre o Urubu Malandro
(Onorino Lopes)
03. Fala Baixinho
(Pixinguinha)
04. Gingando
(Horondino Silva “Dino” / Waldiro Tramontano “Canhoto”)
05. Cinco Companheiros
(Pixinguinha)
06. Encabulado
(José Menezes / Luis Bittencourt)
07. Ingênuo
(Pixinguinha)
08. Flor Amorosa
(Catulo da Paixão Cearense / Joaquim Callado)
09. Entardecendo
(Sivuca)
10. Brejeiro
(Ernesto Nazareth)
11. Um Chorinho Diferente
(Gaúcho / Ivone Rebelo)
12. 3 Estrelinhas
(Anacleto de Medeiros)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Memorando Debray sobre a Palestina

A distância entre o que é dito (porque queremos ouvi-lo) e o que é feito (que nos repugna ver) pelos governos israelenses no local assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia

Régis Debray

Em outubro de 2006, o então presidente da República Francesa, Jacques Chirac, encarregou o intelectual Régis Debray de “conduzir uma pesquisa de campo sobre a situação das diversas comunidades etno-religiosas do Oriente Médio”, recomendando que fosse “dirigida a todos os setores, sem exceção”. Foi dentro desse quadro, entre outras observações recolhidas na região, que o autor remeteu às autoridades francesas, no dia 15 de janeiro de 2007, este memorando sobre a Palestina e os riscos implicados na utilização de expressões retóricas, empregadas dentro de certa linguagem internacional estereotipada, atualmente em vigor. Embora seja conveniente, como nos lembrou o autor, levar em conta as regras estritas do gênero “memorando diplomático” (concisão e circunspeção), este documento, corroborado em seguida por relatórios públicos e oficiais (Banco Mundial, ONU etc), é uma importante interpretação do longo desvio a cujos resultados trágicos estamos assistindo.

“O processo diplomático não levou devidamente em conta as evoluções no terreno e suas conseqüências — Que evolução? — Para começar, a colonização ” (Dennis Ross, ex-mediador americano no Oriente Médio, questionado, em 2000, a respeito do erro cometido durante os acordos de Camp David, de 1978)

De 1994 a 2000, o número de colonos judeus nos territórios palestinos havia efetivamente dobrado. Desde os acordos de Oslo, de 1993, o número de israelenses que se instalou na Cisjordânia iguala o dos 25 anos anteriores. No momento em que evocamos mais uma vez uma conferência internacional, seria nefasto refazer o inventário da situação anterior ou da realidade atual. É inútil nomear uma nova comissão. Esse levantamento já foi feito bem mais de uma vez. Nenhum conflito no mundo foi tão bem documentado, mapeado e arquivado.

O OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), subordinado à ONU, mantém em dia mapas evolutivos e precisos dos territórios em disputa, com fotos, recenseamentos, gráficos etc. Seu exame leva em torno de uma hora, mas permite economizar as eternas declarações de boas intenções. O que esses mapas mostram? Que as bases físicas, econômicas e humanas de um “Estado palestino viável” estão em vias de desaparecimento, de forma que a “two state solution", o “divórcio justo e imparcial” (Amoz Oz), o território partilhado entre duas nações, um menor que o outro, desmilitarizado, porém soberano, viável e contínuo, parecem palavras vazias, a conjugar no futuro do pretérito. Poderíamos contestar que se tenha chegado ao ponto de não-retorno, argumentando que, se os israelenses ganharam a batalha territorial (apenas 22% do território palestino na época do mandato britânico ainda foge ao seu controle), os palestinos ganharão a batalha demográfica. Poderíamos opor a impressionante “resiliência” das populações locais ao calmo rolo compressor que, avançando lentamente, executa o Plano Allon, de 1968, e o “Plano Rodoviário 50”, de 1984.

Nem por isso se deixa de deduzir, dos “avanços na região”, que: 1. a barreira de segurança não pretende, como se crê, traçar uma fronteira — talvez ilegal (uma vez que engloba mais de 10% da Cisjordânia), mas que serve, pelo menos, se pensava, como demarcação internacional pontilhada; 2. é bem verdade (como afirmou Ehud Omert na rádio do Exército Israelense, no dia 20 de março de 2006) que as fronteiras estratégicas de Israel se encontram no rio Jordão (o vale inteiro foi declarado “zona proibida”) — a conquista paulatina da zona intermediária já permite, em alguns lugares, o contato entre as duas margens;

3. as novas estradas ditas “de contorno leste-oeste”, que sacrificam o antigo eixo norte-sul, desenham claramente o mapa de um território em vias de anexação, admitindo três ou quatro bantustões árabes (Jenin, Ramallah e Jericó) — enclaves congestionados, com recursos naturais fadados ao esgotamento, o que, portanto, determina, a termo, um êxodo mais ou menos intenso (uma boa parte das elites, particularmente as cristãs, já se expatriaram); 4. com a construção do muro, a “judaização” em curso de Jerusalém Leste e, principalmente, a recomposição do município, as reiteradas condenações da ONU, puramente formais, não têm nenhuma incidência sobre a continuidade do processo de apoderamento do conjunto da cidade [1]. A distância entre o que é dito, porque queremos ouvi-lo (retiradas localizadas, flexibilização na outorga de licenças, levantamento de uma barreira a cada vinte, moderação do tom), e o que é feito no local, e que nos repugna ver (a estruturação das colônias, a construção de pontes e túneis, o cerco de territórios palestinos, as expropriações de terras, a destruição de casas), assume, para alguns, proporções de jogo duplo e, para outros, de esquizofrenia. Como o velho “um dinam a mais, uma cabra a mais” ocorre longe das câmeras, sem repercussão e, melhor ainda, sem “diktat colonial” explícito, ninguém se ofende, supondo que chegue a se informar a respeito (o que é difícil, já que ninguém envelhece no local). “Judéia-Samaria” é o nome dado à Cisjordânia pelos mapas e manuais escolares israelenses, nos quais o desaparecimento da linha verde de 1967 é uma conquista legalizada, como acaba de decidir a Knesset (o parlamento israelense), recusando a proposta de uma ministra da educação trabalhista.

Mais do que um hiato episódico entre o de facto e o de jure, trata-se de um método e de uma tradição que remontam aos primeiros passos do Yichuv [2], a do fato consumado, e que sempre deram certo (o Estado estava lá antes de ser declarado e reconhecido como tal, em 1947, assim como o exército): um teatro de dois palcos, no qual um vê a repetição de palavras vagas, de uma imprecisão vantajosa (retirada, coexistência, Estado), mas onde as coisas sérias (implantações, estradas, túneis, lençóis aquáticos) acontecem paralelamente, no decisivo palco de operações a termo (sem publicidade).

Conhecendo as engrenagens da democracia de opinião, que precisa de esperanças e anúncios exultantes, como todos, aliás, os sucessivos governos israelenses (de esquerda e de direita) são zelosos em administrar-lhe sua dose trimestral de analgésicos (planos de retirada unilateral, desmantelamentos parciais, anúncios julgados “interessantes”, mas sempre condicionados e, portanto, sem continuidade). A mídia vive no dia-a-dia e não cultiva a memória. Quem se lembra que o “mapa do caminho” [3] estipulava “um acerto definitivo e global do conflito israelense-palestino até 2005”?

O ex-processo de Oslo, reconheçamos, não ficou apenas sem efeitos. Com a reocupação militar das zonas A e B [4] em abril de 2002, ele cumpre, digamos assim, suas proposições ao inverso.

Se acrescentarmos à fragmentação do território (que desconecta todo eventual comando central palestino de governos locais, e esses uns dos outros) a destruição física e metódica das instituições “nacionais”, da infra-estrutura e dos próprios quadros políticos pelo exército israelense (garantia de anarquia interna, de proliferação de gangues, de clãs e de acertos de contas, enfim, de um caos sem fim), constatamos claramente que o caminho percorrido não foi o da nation-building, mas o da desconstrução de toda governabilidade possível do outro lado do Muro. É o avesso lógico de uma anexação programada em médio prazo (30 anos) e que será confirmada no momento adequado “em vista da nova realidade local”.

Nestas condições, o recurso consensual, mas enfeitiçante, ao mapa do caminho (sinais promissores e janelas de oportunidades) parece pertencer mais ao domínio do método Coué do que à sábia preocupação com uma transformação constante e coerente das coisas. Esse mapa não é visível de Genebra, Paris ou Nova Iorque, mas se descortina a quem quer que retorne após alguns anos de ausência, rastreando um país militarmente quadriculado por todos os lados, no qual as “colônias” israelenses já não desenham formas sobre um fundo palestino, mas os grânulos palestinos, sim, constituem formas sobre um fundo hebreu solidamente estruturado; no qual as reservas de água são preemptivas; no qual nada separa a restrição temporária de circulação da proibição pura e simples.

Podemos, isto dito, nos reconfortar com a idéia de que: 1. Se a retirada das colônias foi possível em Gaza, poderá sê-lo amanhã na Cisjordânia. Significa esquecer que a retirada de 8 mil colonos aqui (com um jornalista para cada três colonos) veio acompanhada, nos meses seguintes, da instalação discreta de 20 mil colonos em outras áreas. Gaza não fazia parte da herança sagrada, ao passo que a “Judéia-Samaria” é sua espinha dorsal. E Sharon nunca escondeu que essa remoção marginal tinha como contrapartida o reforço da presença israelense para além da linha verde (438 mil colonos até agora, incluindo 192.910 em Jerusalém Oriental); 2. Com o desmantelamento de quatro pequenas colônias no norte (mil colonos) e a hipótese de um reagrupamento de colonos (60 mil) nos três blocos mais populosos — Maale Adumim, Ariel e Gush Etzion—, um espaço seria liberado. Seria esquecer que, com a continuação dos rosários de colonização, ao abrigo da barreira de segurança, a Cisjordânia está simplesmente dividida em duas. O Muro separa os palestinos uns dos outros, tanto quanto ou até mais do que os separa dos israelenses. No lugar do Estado palestino, anunciado e desejado por todos, perfila-se, em resumo, um território israelense ainda despercebido, com três municípios palestinos auto-regidos encravados.

Todas as partes têm interesse na manutenção das falsas aparências e fachadas internacionais [5]. Os israelenses, porque a história avança dissimulada. Os palestinos porque não se pode dizer a verdade a um povo ocupado, e que mantém a esperança, sem incitá-lo a se autodestruir; e porque personalidades, deputados e funcionários extraem, do que se tornou uma esperança estéril, sustento, titulação, dignidade e razão de ser. Os europeus, porque escolheram compensar sua conduta mediante uma ajuda financeira e humanitária considerável, que os exonera de sua passividade política e de sua cegueira voluntária. E os norte-americanos, mentalmente mais ligados ao Antigo Testamento do que ao Novo, porque seu laço existencial com Israel é do tipo filial e, portanto, acrítico. A ilusão autoprotetora e compartilhada resulta, assim, de uma coincidência de interesses opostos — aí é que está a ironia da história.

De imediato: essa situação é sustentável no longo prazo, digamos, até o final desse século? Pode-se duvidar, visto o tanto que sua obsessão securitária oculta de insegurança para Israel e de inconsciência das pesadas predisposições da região, particularmente demográfica, informática e religiosa [6]Um governo europeu, ou vários, não podia avisar aos nossos amigos israelenses: 1) que não somos todos idiotas; e 2) que, se há enganação, seus promotores não serão as primeiras vítimas, mas, infelizmente, as últimas?



[1] Nota da Redação: Ler Dominique Vidal e Philippe Rekacewicz, “A anexação de Jerusalém Oriental”, Le Monde Diplomatique - Brasil , fevereiro de 2007.

[2] Nota da Redação: Termo hebraico, utilizado pelo movimento sionista antes da criação do Estado de Israel, para designar os residentes e os novos imigrantes judeus da Palestina.

[3] Nota da Redação : O “mapa do caminho” foi adotado pelo “quarteto” (Organizações das Nações Unidas, Estados Unidos, União Européia e Federação Russa) no dia 30 de abril de 2003, como uma proposta para pôr fim ao conflito israelense-palestino.

[4] Os territórios palestinos compreendem a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (45 km de comprimento e 10 km de largura) e Jerusalém Oriental. No final dos acordos de Oslo, os territórios foram divididos em três zonas: Zona A: abrangendo, a partir de 1994, Gaza assim como as cidade de Jericó, Jenin, Qalqilya, Ramallah, Tulkarem, Nablus e Belém (a cidade de Hebron foi objeto de um acordo distinto, em janeiro de 1997) — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce jurisdição civil, incluindo o poder de polícia; Zona B: abrangendo as outras áreas da Cisjordânia — sobre a qual a Autoridade Palestina exerce competências civis, compartilhando a promoção da segurança interna com o exército israelense; Zona C: abrangendo as colônias israelenses implantadas na Cisjordânia, em Gaza (hoje desmanteladas) e em Jerusalém Oriental. Esta continua sob o controle do Estado judeu.

[5] Nota da Redação : Ler Alain Gresh, “Comment le monde a enterré la Palestine”, Le Monde diplomatique, julho de 2007.

[6] Nota da Redação : Ler, em especial, o relatório entregue ao secretário geral da Organização das Nações Unidas, no dia 5 de maio de 2007, por Alvaro de Soto, coordenador especial da ONU pelo processo de paz no Próximo Oriente. Texto integral em inglês disponível no site