sábado, 31 de janeiro de 2009

do sitio Correio da Cidadania...

Não, absolutamente não!



Michael Warschavski

O Correio da Cidadania publica este manifesto escrito por Michael Warschavski, do Alternative Information Center (AIC), em 18 de janeiro passado. O jornal se oferece para transmitir à organização patrocinadora do manifesto as adesões que chegarem à redação.

Não em nome deles e nem em nosso nome!

Ehud Barak, Tzipi Livni, Gabi Ashkenazi e Ehud Olmert: não se atrevam a aparecer em qualquer homenagem aos heróis do Gueto de Varsóvia, Lublin, Vilna ou Kishiven. Nem vocês líderes do movimento Paz Agora, para quem paz significa "pacificação" a qualquer preço, inclusive a destruição de todo um povo. Sempre que eu estiver em uma dessas cerimônias, farei tudo para expulsá-los, porque suas presenças são um imenso sacrilégio.

Não em nome deles!

Vocês não têm o direito de falar em nome dos mártires do nosso povo. Vocês não são Ana Frank do campo de concentração Bergen Belsen, mas, sim, Hans Frank, o general alemão que se empenhou em provocar a fome e a destruição dos judeus da Polônia.

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Vocês não representam qualquer continuidade do Gueto de Varsóvia, porque hoje o Gueto de Varsóvia está diante de vocês, como alvo de seus tanques e de sua artilharia - e seu nome é Gaza.

Gaza que vocês decidiram eliminar do mapa, assim como o General Frank pretendia eliminar o Gueto. Mas, diferentemente dos Guetos da Polônia e da Bielorrússia, nos quais os judeus estavam praticamente isolados, Gaza não será destruída porque milhões de homens e mulheres nos quatro cantos do nosso mundo estão construindo um poderoso escudo humano no qual está gravado: NUNCA MAIS!

Não em nosso nome!

Juntamente com dezenas de milhares de outros judeus, do Canadá à Grã-Bretanha, da Austrália à Alemanha, nós os advertimos: não cometam a ousadia de citar nosso nome, porque nós partiremos para cima de vocês e, se necessário, os levaremos ao inferno dos criminosos de guerra e enfiaremos suas palavras goela abaixo até que peçam perdão por nos haver misturado com seus crimes.

Nós, e não vocês, somos os herdeiros de Mala Zimetbaum e Marek Edelman, de Mordechai Anilevics e Stephane Hessel, e agora transmitimos ao mundo a mensagem que eles dirigiram a toda a humanidade na Páscoa de 1943: "Lutamos pela nossa liberdade e pela liberdade de vocês; pelo nosso brio e pelo brio de vocês; pela nossa dignidade social e nacional, assim como pela dignidade social e nacional de vocês".

Esse Apelo do Gueto de Varsóvia nós deixamos sob a custódia dos lutadores da resistência em Gaza.

Para vocês, dirigentes de Israel, "liberdade" é uma palavra feia. Vocês não têm brio e não entendem o sentido da dignidade humana.

Não somos "outra voz judaica", mas a única voz judaica capaz de falar em nome dos santos torturados do povo israelita. A voz de vocês são as bestiais vociferações dos assassinos de nossos antepassados.

O original em inglês pode ser encontrado em http://www.alternativenews.org/content/view/1545/389/.


Os humanos, insensíveis, por ROBERT FISK...

Quando foi que paramos de nos incomodar com civis mortos em tempo de guerra?

Robert Fisk. 31/1/2009, The Independent, UK

Créditos: blog do azenha

Acho que estamos 'naturalizando' a guerra. Não é só porque Israel outra vez safou-se, depois da matança de centenas de crianças em Gaza.

E depois que a própria ministra de Negócios Estrangeiros de Israel disse que o exército israelense recebeu autorização para "enlouquecer" [ing. "go wild"] lá, tudo parece confirmar o que tenho dito, que a "Força de Defesa" israelense é exército tão vagabundo quanto os outros exércitos da Região.

Mas parece que perdemos o senso de imoralidade que se deve esperar que acompanhe todos os conflitos e todas as violências.

A recusa da BBC, de veicular um anúncio de pedido de ajuda para os palestinos é altamente instrutiva. Temos de pôr em discussão a "imparcialidade" da BBC. Em outras palavras, proteger uma instituição foi considerado mais importante que a vida de crianças. A guerra considerada esporte de massa, cujo atento monitoramento – como um jogo de futebol, por mais que o Oriente Médio seja escandalosa tragédia – ganha precedência sobre o sofrimento humano.

Não sei com certeza quando isso começou. Ninguém duvida que a II Guerra Mundial foi banho de sangue de proporções titânicas, mas, depois daquele conflito, implantamos vários tipos de leis para proteger os seres humanos. Os protocolos da Cruz Vermelha Internacional, a ONU – tanto o todo-poderoso Conselho de Segurança quanto a ridícula Assembléia Geral – e a União Européia foram criadas para pôr fim aos conflitos em larga escala. E sim, sei que houve a Coreia (sob bandeira da ONU) e depois foi o Vietnam, mas depois que os EUA retiraram-se de Saigon, criou-se um consenso de que "nós" já não guerreamos.

Estrangeiros, sim, cometem atrocidades em massa – pode-se pensar no Camboja – mas nós, ocidentais superiores, não. Não agimos assim. Guerra de baixa intensidade na Irlanda do Norte, talvez. E daríamos algum jeito no conflito Israel versus árabes. Mas havia um sentimento de que My Lai, nunca mais. Os civis voltaram a ser sagrados no Ocidente.

Não sei exatamente quando a mudança começou. Terá sido a desastrosa invasão israelense do Líbano, em 1982 e o massacre em Sabra e Chatila, pelos aliados de Israel, de 1.700 palestinos civis? (Gaza não bateu esse recorde.) Israel, como sempre, alegou estar lutando "nossa" "guerra contra o terror". Mas o exército de Israel não é o que se supõe que seja e os massacres (lembro do massacre de Cana, em 1996; e das crianças de Marwahine, em 2006) parecem estar associados a isso.

Além do mais, claro, há o assuntinho da guerra Iran-Iraque, de 1980 a 1988, que os ingleses apoiaram entusiasmados fornecendo armas aos dois lados, e o massacre, pelos sírios, de milhares de civis em Hama e...

Não, talvez tenha começado na Guerra do Golfo de 1991. Os rapazes e as moçoilas da televisão deitaram e rolaram – foi a primeira guerra que teve trilha sonora para acompanhar as imagens –, e os soldados dos EUA simplesmente queimaram vivos milhares de soldados iraquianos nas trincheiras, e só soubemos muito depois e nem demos muita bola; e quando os soldados dos EUA ignoraram as regras da Cruz Vermelha que mandam identificar e sinalizar valas comuns, safaram-se também desse crime. Havia cadáveres de mulheres em algumas dessas valas comuns – vi soldados ingleses enterrando cadáveres de mulheres. E lembro que viajei até Mutla, de carro, para mostrar a um delegado da Cruz Vermelha onde eu vira uma vala comum cavada pelos norte-americanos e ele viu uma papoula de plástico [é um broche, espécie de medalhinha distribuída para os que contribuíram para os fundos de apoio aos veteranos dos EUA] presumivelmente deixada ali por um norte-americano e disse: "Alguma coisa aconteceu."

O que ele disse foi que alguma coisa acontecera à lei internacional, às regras da guerra. Haviam sido violadas. Depois veio Kosovo – onde nosso caro Lord Blair pela primeira vez exercitou seus talentos de fazedor de guerra – e mais massacres. Claro, Milosevic era o bandido (embora muitos dos kosovares ainda estivessem em suas casas quando a guerra começou, o objetivo da guerra foi a volta deles, depois da brutal expulsão pelos sérvios). Mas aqui, outra vez, os ingleses violaram algumas regras a mais e safaram-se.

Lembrem o trem de passageiros que os ingleses bombardeamos na ponte Surdulica – e a famosa sequência em que o filme de Jamie Shea é acelerado, para mostrar que quem bombardeou não teria tido tempo para manter o fogo? (A verdade é que o piloto voltou para um segundo bombardeio depois de o trem já estar em chamas, mas essa parte foi cortada no filme.) Depois, o ataque à estação de rádio em Belgrado. E às estradas civis. Depois, o ataque a um hospital no interior. "Alvos militares", disse Jamie. Tinha razão. Havia soldados escondidos entre os pacientes, no hospital. Todos os soldados sobreviveram. Todos os pacientes morreram.

Depois foi o Afeganistão e todo aquele "dano colateral" e vilas inteiras varridas do mapa e depois foi o Iraque em 2003 e dezenas de milhares – ou meio milhão ou um milhão – de iraquianos civis mortos. Mais uma vez, no início, voltamos aos nossos truques ingleses de bombardear pontes e estações de rádio e pelo menos uma residência civil em Bagdá, onde "nós" imaginamos que Saddam estivesse escondido. Sabíamos que estava protegido por um escudo humano (de cristãos, aliás, por acaso), mas os americanos disseram que se tratava de operação "de alto risco" – e 22 civis foram mortos. Vi quando tiraram dos escombros o último cadáver, um bebê.

E não damos sinais de nos incomodar muito. Lutamos no Iraque, agora vamos voltar a lutar no Afeganistão, outra vez, e todos os direitos humanos e proteção devida à pessoa parecem ter evanescido mais uma vez. Arrasaremos vilas e cidades e descobriremos que os afegãos nos odeiam e formarão mais grupos de milícias criminosas – exatamente como fizemos acontecer no Iraque – para lutar contra nós. Os israelenses organizaram milícia semelhante em sua zona de ocupação no sul do Líbano, comandada por um major do exército libanês e fanático. Agora, os soldados ingleses é que "enlouquecerão". E a BBC está preocupada com sua "imparcialidade"?

Artigo original, em inglês em:

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fiskrsquos-world-when-did-we-stop-caring-about-civilian-deaths-during-wartime-1521708.html

Teresa Cristina, Jussara Silveira & Rita Ribeiro - Três Meninas do Brasil Ao Vivo (2008)




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Créditos: UmQueTenha

Uma semana no Líbano martirizado

por Miguel Urbano Rodrigues [*]

.Na minha idade as emoções são mais controladas e menos frequentes do que nos anos da juventude. O encontro com o Líbano rompeu essa tendência. Os breves dias que ali passei foram vividos em estado de tensão permanente, tocado por emoções muito fortes.

O contacto directo com o sofrimento dos povos palestiniano e libanês desencadeou em mim um sentimento de dor, uma sensação próxima da angústia, acompanhada de outro sentimento, que fundia a compreensão do ódio dos povos da Região ao sionismo com a frustração nascida da consciência da pobreza da solidariedade dos ocidentais progressistas às vitimas dos monstruosos crimes do Estado de Israel.

O primeiro choque foi produzido pelo ajustamento à realidade do quadro físico e humano imaginado. Quase tudo diferia daquilo que esperava encontrar.

AS TRÊS BEIRUTES

Três são as cidades que coexistem na capital do país: Beirute Este, Beirute Sul e Beirute Oeste. O povo é o mesmo, mas na primeira a maioria dos moradores é cristã, nas duas últimas muçulmana.

Desde a época das Cruzadas, muçulmanos e cristãos conviveram pacificamente na Região. A implantação na vizinha Palestina do Estado de Israel alterou as relações entre as duas comunidades. Em 1976, em Beirute como noutras cidades, cristãos e muçulmanos passaram a viver em áreas separadas. Uma guerra civil irracional, incentivada pelo imperialismo e apoiada por Tel Aviv – numa época em que os palestinianos da OLP constituíam uma força hegemónica no Líbano – destruiu grande parte de Beirute. A agressão israelense de 1982 acabou com o que restava. O centro da capital foi transformado num montão de escombros. A agressão somente terminou com a saída dos combatentes palestinianos e o exílio em Tunis de Yasser Arafat.

Beirute continuou a ser uma cidade dividida, mas, com o transcorrer dos anos, a tensão entre as duas comunidades foi caindo para um nível cada vez mais baixo.

Destruída múltiplas vezes ao longo dos séculos, Beirute renasceu sempre, acariciada pelo Mediterrâneo e pelas brisas das montanhas que a emolduram num cenário deslumbrante. Neste Inverno um toucado de neve cobria os píncaros das serranias paralelas à costa, contrastando com o azul puríssimo do céu.

Finda a guerra civil, o Centro foi totalmente reconstruído graças a uma ajuda internacional negociada em condições que endividaram brutalmente o país. Ao percorrer demoradamente as suas ruas e a grande Praça da Estrela, esse Centro apareceu-me como um corpo estranho, ultra moderno mas sem personalidade, enxertado num conjunto urbano mediterrânico. Ali palpita o coração financeiro da cidade e concentram-se estabelecimentos comerciais de luxo, hotéis, restaurantes, as sedes de grandes empresas. O Estado financiou e dirigiu a reconstrução, mas tudo em benefício do sector privado.

Paradoxalmente, ao entardecer e à noite o movimento aumenta nesse Centro de fisionomia europeia em vez de diminuir, porque afluem à zona moradores vindos de muitos bairros. Nas esplanadas dos cafés misturam-se cristãos e muçulmanos. Mesquitas e igrejas erguem-se a escassa distância, a lembrar aos visitantes estrangeiros que comunidades com religiões diferentes podem coexistir pacificamente. Estranhei não identificar na área vestígios da agressão israelense de 2006. Soube então que Beirute Oeste e Beirute Este não foram então bombardeadas. Somente por engano, e na periferia, explodiu uma ou outra bomba nos bairros habitados pela burguesia.

Foi sobre Beirute Sul, a Beirute pobre, muçulmana e ardentemente solidária com o Hezbollah, que a Força Aérea sionista despejou as suas bombas, visando com mísseis supostamente "cirúrgicos" instalações do Hezbollah e residências de dirigentes da organização.

Contaram-me que nem um só quadro destacado do movimento patriótico foi então abatido durante essa operação de terrorismo sionista planeada com larga antecedência.

Enquanto na Beirute burguesa a malha urbana não permite ao forasteiro perceber que o Líbano foi devastado em 2006 por uma agressão monstruosa, isso não acontece na Beirute pobre, baluarte da resistência.

Ali enormes crateras permanecem abertas, como espectros do passado recente, ao lado de edifícios degradados. A reconstrução avança lentamente nessa zona que lembra um enorme estaleiro. Uma vida intensa anima as ruelas estreitas, projectando a imagem de uma comunidade que não perdeu a alegria de viver e se acostumou a transformar a desgraça em fonte de esperança.

Nas áreas bombardeadas não é permitido por motivos de segurança fazer fotografias. Mas não esquecerei o espectáculo doloroso oferecido por quarteirões inteiros onde montes de entulho empurram a imaginação para edifícios onde há dois anos pulsava a vida de famílias atingidas pela barbárie israelense.

Um comércio efervescente, na tradição oriental, contribui para a atmosfera de Beirute Sul, transmitindo a certeza de que a vaga quase ininterrupta de agressões sionistas não conseguiu abalar o espírito de resistência daquela gente.

Falei com os proprietários de minúsculas lojas.

A mensagem que transmitiram foi a mesma. Pediram que contasse no meu país o que vira, porque na União Europeia, a avaliar pela televisão, somente "dizem mentiras" sobre o Líbano e a Palestina.

O FÓRUM INTERNACIONAL

O Fórum Internacional de Beirute, em que participei, realizado nas instalações da UNESCO, foi praticamente ignorado pelos grandes media da União Europeia e dos EUA. Tal atitude não surpreende. A Declaração Final, que publicamos hoje, reflecte bem a importância do acontecimento no contexto da solidariedade com os povos agredidos pelo sionismo. Expressa uma clara condenação das guerras imperialistas no Iraque e no Afeganistão e da aliança dos EUA com o regime neofascista de Uribe, repudia as ameaças e provocações ao Irão, à Síria e ao Sudão e propõe alternativas ao diktat do mercado que está a encaminhar a humanidade para o abismo.

A agressão genocida contra Gaza foi obviamente o tema mais tratado. Além dos painéis principais sobre a luta contra o imperialismo, a solidariedade, a crise mundial e a construção de alternativas e as violações do direito internacional, houve duas mesas redondas, uma de parlamentares e outra sobre o combate ao bloqueio mediático.

Entre as centenas de participantes intervieram no Fórum personalidades de prestígio internacional como Ramsey Clark, ex-Procurador de Justiça dos EUA; o belga François Houtart, o filosofo francês Jean Salem; e Selim Hoss, ex-primeiro ministro do Líbano. A delegação da Venezuela, saudada com entusiasmo e gratidão pela ruptura do governo de Hugo Chávez com Israel, foi a mais numerosa. Os delegados do Irão, pela solidariedade do seu povo com a luta do Hezbollah e do Hamas, foram ouvidos com especial atenção.

O Fórum foi torrencial. Salientar esta ou aquela intervenção, entre as centenas que se sucederam em três dias, da abertura ao encerramento, não contribuiria para que o leitor europeu pudesse sentir a atmosfera do evento. O que o diferenciou de iniciativas de solidariedade similares foram a revolta, a indignação, a transparência do sofrimento dos porta-vozes dos povos da Região contra a criminosa estratégia do Estado sionista. Palestinianos e libaneses sobretudo estão conscientes de que muita gente progressista os apoia no mundo, mas condenam com firmeza a cumplicidade dos governos do Ocidente com Tel Aviv e lamentam a passividade, para eles incompreensível, das grandes maiorias perante os crimes do Estado sionista. E inspira-lhes profunda repulsa a conivência – para não dizer a aliança tácita – da maioria dos governantes árabes com Israel. O desprezo que sentem por Mahmud Abbas é hoje também praticamente unânime nas camadas populares.

Essa atitude imprimiu ao Fórum a atmosfera peculiar que a Declaração Final não podia transmitir. Em quase todos os painéis o debate tornou-se inviável, porque os oradores muçulmanos que se sucediam na tribuna preferiam exteriorizar emotivamente o seu sentir em vez de formular perguntas aos conferencistas.

Não creio que esse desvio do programa tenha sido negativo. A emoção e o protesto abriram portas à compreensão de uma conjuntura histórica e social contraditória que, pela sua complexidade, não pode ser captada recorrendo exclusivamente à ciência política.
No Hezbollah e no Hamas, satanizados pelos governantes ocidentais como organizações terroristas, identifico movimentos que na resistência ao terrorismo de Estado sionista cumprem um papel revolucionário. São eles e não as forças armadas de Tel Aviv que, como sujeitos da história, na defesa das suas terras ancestrais e dos seus povos assumem princípios e valores eternos da condição humana. Mas essa gesta heróica não deve levar a conclusões sentimentais simplistas.

Em primeiro lugar as generalizações não facilitam a compreensão da tragédia iniciada com a criação do Estado de Israel como facto colonial, patrocinado pelo imperialismo britânico sob a pressão dos lobbies judaicos. O Hezbollah e o Hamas diferem muito, com a peculiaridade de os dirigentes do primeiro serem muito mais permeáveis ao dialogo e à cooperação com forças e organizações marxistas.

Mas seria um erro não traçar a fronteira entre o nacionalismo, o patriotismo dos movimentos islamistas que são o pulmão da resistência, e uma opção orientada para mudanças sociais de conteúdo revolucionário.

A grande maioria dos dirigentes do Hezbollah e do Hamas não luta para abolir o capitalismo e implantar o socialismo.

Poucos povos no mundo contribuíram tanto como o dos antepassados dos libaneses para o estabelecimento de relações comerciais entre sociedades distantes. É suficiente um passeio por qualquer cidade libanesa para que a enorme densidade de pequenas lojas transmita ao visitante uma mensagem: a propriedade privada tem no país raízes milenares e a sua defesa assume para os proprietários um carácter sagrado. Surge-lhes como razão de existência.

A contradição apontada esteve presente na diversidade de posições dos delegados estrangeiros que foram a Beirute expressar a sua solidariedade a palestinianos e libaneses em luta contra Israel. Pela tribuna desfilaram xiitas e sunitas, ortodoxos, comunistas, marxistas sem partido, social-democratas, intelectuais conservadores que acreditam na humanização do capitalismo.

NAS TERRAS DA FRONTEIRA SUL

Quase tudo no Líbano apresenta a marca da excepcionalidade.

Numa área de 10.400 quilómetros quadrados (quase idêntica à do Distrito de Beja) vivem mais de 4 milhões de pessoas, metade das quais na capital.

Quatro quintos da população concentram-se nas planícies da delgada faixa costeira. O Líbano mediterrânico apareceu-me quase como uma infindável avenida marginal onde as cidades se encadeiam numa cortina urbana somente interrompida aqui e ali por bananais, pomares e hortas.

Tive a oportunidade de subir no Norte até Byblos, a antiga cidade fenícia onde foi reformado o primeiro alfabeto fonético criado na vizinha Ugarit, prodigiosa conquista, que iria abrir ao progresso da humanidade um rumo então inimaginável.

Em excursão promovida pelos organizadores do Fórum um grupo de estrangeiros, sobretudo europeus, desceu até ao Sul do país.

Em Tiro, milenária cidade-estado fenícia, hoje património da humanidade, são ainda visíveis feridas dos bombardeamentos de 2006. Reconstruiu-se tudo o que era susceptível de reconstruir, com o dinamismo peculiar ao povo libanês. Mas a memória da onda vandálica que atingiu todo o Sul essa permanece bem viva nas pessoas que viveram aqueles dias medonhos.

Em Canaan, a aldeia das bodas famosas onde, segundo a Bíblia, Jesus transformou a água em vinho, ouvimos de alguns moradores, idosos e jovens, relatos do ataque aéreo que ali arrasou uma casa isolada, matando todos quantos, principalmente crianças e jovens, ali se tinham refugiado. Os retratos das vítimas, próximo das campas, com os nomes gravados na pedra, e o fragmento de uma bomba recordam a chacina.

"Eles sabiam que não havia fuga possível", ouvi de uma velhinha, testemunha do massacre. "Foi tudo premeditado e rapidíssimo. Eles são monstros com rosto humano".

À medida que descíamos para o Sul, numa zona montanhosa, verifiquei com alguma surpresa que, distanciadas de pequenas aldeias, surgiam em encostas nuas e áridas belas moradias isoladas, de dois pisos.

Informaram-me que são residências de férias de famílias geralmente abastadas, de Beirute. O solo é ali muito pedregoso, mas em volta dessas casas os seus proprietários criaram terra fértil onde o verde de minúsculas hortas e pomares suaviza a dureza da paisagem.

Muitas foram destruídas, mas os donos voltaram a erguê-las no pedregal.

Passamos por um posto militar da chamada força de paz das Nações Unidas. Mas não vi ali um só soldado.

Caminhando por uma estrada de terra desde a aldeia de Aita Al–Shaab, chegamos a uma plataforma sobranceira a um vale muito verde onde passa a fronteira.

A quietude da tarde luminosa, a beleza agreste do lugar e o silêncio da natureza estimulavam a imaginação. A ideia da violência surge ali como aberração.

Mas a guerra foi muito real. Uma guerra repugnante.

As conversas animam-se, as estórias cruzam-se, evocadas por narradores que suportaram a chuva de mísseis que atingiam as suas aldeias e viram as bombas cair do céu sobre no casario.

Um amigo francês perguntou a um dirigente local da resistência se achava correcto definir a política exterior do Estado de Israel como fascista.

A resposta foi imediata e afirmativa. E prosseguindo, foi mais explícito:
"A gente destas aldeias não usa uma linguagem ideológica para dizer o que pensa da agressividade do sionismo na sua fase actual. Mas Israel com os seus crimes, sobretudo a partir da invasão de 2006, transformou num sentimento de ódio muito generalizado sentimentos de aversão e medo que eram inseparáveis da esperança de uma coexistência muito difícil, mas não impossível.

Aqui na fronteira, vivemos a ocupação destas terras do Sul durante anos. Estamos perto das colinas de Golan e sabemos o que significa para os nossos irmãos sírios a humilhação resultante da ocupação dessa parcela do país.

Hoje ninguém acredita na paz, temos consciência de que os EUA são íntimos aliados de Israel. Obama vai mudar o discurso, e fazer muitas promessas, mas é tudo retórica. Já começou mal com o discurso sobre a Jerusalém “indivisível”".

Uma jovem activista, presumivelmente do Hezbollah, interveio na conversa:
"O meu país acreditou na paz até à invasão, há dois anos. Depois abriu os olhos e compreendeu. Hoje sentimos orgulho por os termos derrotado militarmente. Julgavam-se invencíveis, mas os nossos combatentes barraram-lhes o avanço. Os seus tanques foram detidos a poucos quilómetros da fronteira por todo o lado.

Bonita, desinibida, cobria a cabeça com um véu negro, mas respondeu sem hesitar às questões colocadas.

Perguntei-lhe se o Hezbollah contava com o apoio da maioria da população. "Não há estatísticas, evidentemente. Mas pensamos que 60% apoiam a Resistência, dos quais mais de metade incondicionalmente e que apenas uns 10% adoptam uma posição crítica e acreditam que o Líbano não voltará a ser atacado. E anote: talvez 20% dos cristãos simpatizam com o Hezbollah, não obstante este ser um movimento xiita ortodoxo".

"E sobre a Palestina vê alguma saída para o seu povo?"- perguntei, abordando um tema ainda mais escaldante. Por motivos de segurança não lhe pedi, obviamente, que se identificasse.

"A tragédia de Gaza, que supera em horror tudo o que conhecíamos da barbárie sionista, confirmou o que o Hamas já sabia. Israel tem como objectivo estratégico inconfessado concretizar a aspiração dos fundadores do Estado hebraico que nasceu banhado em sangue. O discurso de Tel Aviv sobre a paz é um disfarce hipócrita. A multiplicação de colonatos na Cisjordânia é reveladora das suas intenções. Eles pretendem através do terror expulsar os palestinianos da sua terra. Em Gaza voltaram a utilizar armas proibidas por convenções internacionais, como as bombas de fósforo. Continuam a semear o ódio. A cumplicidade do Ocidente com essa criminosa politica fere-nos profundamente. As grandes cadeias de televisão justificam a agressão israelense como resposta aos rockets lançados pelo Hamas. É monstruoso o paralelo. Os rockets palestinianos destruíram meia dúzia de casas e mataram três pessoas. Eles já mataram mais de 1.300 e estão a arrasar Gaza…"

O desabafo da jovem fez-me recordar uma estranha cena de que eu fora testemunha na véspera. Um grupo de moços desenhara no chão do grande átrio do Centro da UNESCO, sede do Fórum de solidariedade, um mapa da Palestina antes da Partilha, encimado por uma frase: "Toda a terra do mar até ao rio é dos palestinos". Dezenas de pessoas, ao passar em frente, ajoelhavam-se e assinavam o seu nome.

Israel, com a sua escalada de barbárie, estimula o radicalismo palestiniano.

FUTURO NEVOENTO

Quatro dias após o início do cessar-fogo, tive a oportunidade em Beirute Sul, no Centro de Investigação Social e Económica de falar demoradamente com dirigentes do movimento revolucionário. Tudo ali é provisório porque a sede anterior foi destruída há dois anos durante um bombardeamento.

Impressionou-me a serenidade, o nível cultural e o conhecimento da História antiga desses dirigentes, apresentados na União Europeia como terroristas.

Todos deixavam transparecer uma educação esmerada. Registei que respondiam cortesmente a perguntas que as estrangeiras formulavam, mas em vez do banal aperto de mão, colocavam o braço direito no peito e saudavam-nas, sorrindo, com uma vénia.

Um deles revelou uma intimidade tão grande com questões ligadas à guerra que admito ser um quadro militar.

Quis saber o que pensava da possibilidade de uma trégua duradoura.

"O cessar-fogo antes da posse de Obama era uma certeza para nós. Tudo foi combinado com a Administração Bush, com a concordância do presidente eleito. Até o silêncio deste antes de tomar posse. Mas o dilúvio de comentários e de especulações dos media europeus e americanos nestes dias esconde uma realidade muito incómoda para Washington e Tel Aviv. Israel não atingiu nenhum dos objectivos da agressão. Semeou a morte na Faixa e destruiu ali infra-estruturas fundamentais, lançando na miséria aquela sofrida população. Mas o Hamas saiu fortalecido. O seu prestígio aumentou não apenas na Faixa e na Margem Ocidental, mas em todo o mundo muçulmano. Alguns dos túneis destruídos (antes eram quase um milhar) já foram reabertos. Não esqueça também que até ao cessar-fogo os combatentes do Hamas continuaram a lançar rockets sobre o território da potência agressora".

"O governo de Olmert acreditou que obteria uma vitória fácil e rápida bombardeando a Faixa e invadindo-a depois. Pretendia restaurar o mito da sua invencibilidade, abalado pela derrota de 2006. Mas a previsão foi desmentida. A coragem do povo de Gaza e a fibra dos patriotas do Hamas infligiram-lhe noutro contexto uma nova derrota. Não fazemos previsões sobre os desenvolvimentos políticos da situação. Mas Israel exibiu o rosto hediondo do sionismo expansionista com tamanha arrogância que milhões de pessoas, acreditamos, começaram a perceber em dezenas de países que Tel Aviv mente despudoradamente quando afirma desejar a paz. A solidariedade dos povos é agora mais do que nunca necessária para os nossos irmãos palestinianos e também para o povo do Líbano. O fanatismo sionista, o seu racismo, a imposição do apartheid só encontram precedentes no III Reich nazi."

E o que vai acontecer? - perguntei ao despedir-me.

"Não somos adivinhos. Mas o movimento da História é lento. Nele as décadas contam por vezes pouco. Estados que em determinadas épocas se imaginam vocacionados para durar séculos, desaparecem de repente, inesperadamente, em situações de crises imprevisíveis. Israel, pela sua ambição ilimitada, pela irracionalidade de uma estratégia de violência criminosa pode, sem tomar consciência, estar a abrir a sepultura para o Estado-nação criado artificialmente há 60 anos na Palestina. Uma nova diáspora judaica não é uma impossibilidade."


Ontem, enquanto escrevia este artigo, Israel rompeu o cessar-fogo e voltou a bombardear Gaza.

Não recebi a notícia com surpresa. Recordei palavras do médico palestino Eyad Sarraj, proferidas numa entrevista à jornalista Alexandre Lucas Coelho.

Esse homem declarou acreditar durante anos numa solução pacífica para a Palestina. Os horrores de Gaza, onde ele e a família, viveram dia e noite durante três semanas sob as bombas de Tel Aviv, levaram-no a mudar de opinião. É na resistência que vê agora a dignidade do seu povo.

Em Israel identifica hoje um caso de "doença patológica, de paranóia". Chegou à conclusão de que o Estado sionista "é o mal sem fronteiras".

Serpa, 28 de Janeiro de 2009

O original encontra-se em http://www.odiario.info/articulo.php?p=1032&more=1&c=1

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Cinema palestino...

Paradise Now: O proletariado acredita em Deus

Filme do palestino Hany Abu-Assad não toma partido entre os caminhos de luta a seguir em seu país, mas abre caminho para uma indagação polêmica.



Não se trata de nenhuma provocação: o proletariado acredita em Deus? Diante de “Paradise Now (Paraíso Agora)”, do palestino Hany Abu-Assad, é uma pergunta que deve ser feita. A começar pela abertura do filme, quando em breves seqüências várias questões, além desta, já começam a ser levantadas. Suha (Lubna Azabal), francesa de origem palestina, desembarca em Nablus e, em rápidas cenas, nos apresenta a cidade. Cheia de prédios destruídos pelos bombardeios israelenses, bloqueios de soldados e carros israelenses, picadas abertas para passagem de palestinos vindos do lado israelense, onde trabalham, mas não podem seguir pela estrada normal porque está bloqueada pelos israelenses. Nada ali se assemelha a uma convivência entre dois povos milenares que em outras épocas habitaram, embora com certo antagonismo, o mesmo território.

Nesse passeio, feito por uma câmera discreta, Hany abu-Assad nos introduz numa região conhecida no planeta, como a terra do conflito permanente entre palestinos e israelenses. Suha, morena, bela, vem do Marrocos para visitar sua cidade natal, após a morte do pai, mártir da luta palestina para construir seu país. Ninguém lhe dá, desde o início, a atenção que deve merecer no final, pois é através dela que chegamos à conclusão: “O proletariado acredita em Deus”. O diretor-roteirista, Hany abu-Assad não nos dá muita pista sobre ela, vai colocando-a aqui e ali e nos levando aonde quer. Ela caminha por Nablus, como se a nos mostrar a cidade, os estragos feitos pelos israelenses e a limitação de espaço que eles impõem à população. Tudo nela, na cidade, são escombros, pedaços do que foi algum dia.

Escombros mostram os estragos da ocupação israelense em Nablus


Nessa perambulação de Suha, Hany abu-Assad nos apresenta dois jovens mecânicos, Said (Kais Nashef) e Khaled (Ali Suliman), que estão às voltas com o conserto de um carro. Estabelece-se entre a franco-palestina e eles uma química, que torna possível os diálogos e as mudanças de rumo no final de “Paradise Now”. Não se pense em “affair”, mas do papel que cada um irá jogar para o destino do outro. Hany abu-Assad, para nossa felicidade, não usa jogo, subterfúgios para envolver o espectador, só conta uma história sem meios tons. Suha, Said e Khaled são pessoas comuns, desglamourizadas. A brincadeira, a conversa entre os dois jovens no morro, com a cidade ao fundo, mostra o quanto eles estão longe dela. Têm sonhos, fantasias, mas nenhuma discussão travam sobre o que possa lhes dar o perfil de um “homem-bomba”.

Esta tranqüilidade, que em qualquer filme com mais pretensão levaria a discussões e justificativas teológicas, políticas e ideológicas, é mostrada por Hany abu-Assad como se nada demais fosse acontecer. E nisso se constitui o grande trunfo de “Paradise Now”: nada no filme é espetacular. Transcorre como um passeio pelo campo, por mais que o território palestino esteja minado e em conflito constante. A chegada de Said à sua casa, acompanhado de Jamal (Amer Hlehel), é calma, tal uma visita de amigo. A mãe (Hiam Abbass) os recebe e trata Jamal como a um filho. Não se discute religião ou política, a única elevação de voz vem do irmão de Said, que reclama por ele estar usando sua camisa. E não se tem um filme lento, seu encadeado é veloz, cheios de nuances. Vê-se Nablus com curiosidade, pela ousadia de se filmar em locais reais, para que o espectador tenha noção do que é viver num dos territórios ocupados por Israel. E, ao mesmo tempo, familiar, pelas milhares de vezes que a vimos nos noticiários da TV.

Essa calma aparente muda de vez, para nos defrontarmos com a afirmação: “O proletariado acredita em Deus”, quando Said e Khaled mostram quem são e qual é sua missão. São proletários, filhos do povo, sem futuro, perspectiva de desfrutar sua cidadania, percorrer ruas, avenidas, campos, sem a presença dos soldados israelenses. São eles que irão entrar por cômodos vazios e terminar num amplo salão, sem móveis ou qualquer decoração. Há apenas uma câmera, que custa a funcionar, e o fundo, também conhecido por milhões de pessoas no planeta. Diante deles ficam Khaled e Said, um de cada vez, com suas despedidas. Nada ali é feito apenas pela libertação do povo palestino, pela construção da nação palestina, mas principalmente pela vontade de Alá e de seu profeta Maomé. Said diz, lá pelas tantas:”Se é pela vontade de Alá (Deus)”, está disposto ao sacrifício. Mesma convicção tem Khaled.

Organização prega recompensa divina pelo sacríficio militante


A crença em Alá vem embasada pela pregação do líder Abu-Karen (Asharaf Barhom) de que o feito por Said e Khaled terá recompensa divina. Espécie de libertação espiritual concedida àqueles que lutam pela libertação de seu povo. É nisso que eles devem acreditar. É uma relação, não com a causa em si, mas diretamente com Deus. O movimento passa a ser intermediário entre o militante-mártir e o Ente Superior. Nestas questões, como sempre, qualquer razão perde efeito. Fé, como afirma o ditado popular, não pode ser medida, sentida ou explicada. É apenas fé. Cada um a sente segundo sua identificação com o Criador. E, assim, deve ser respeitada, nos limites, caso de Said e Khaled, de sua luta pela causa palestina. Questão deveras explosiva nos coloca Hany abu-Assad, de uma maneira sutil. A libertação da palestina não é só uma necessidade, diante da ocupação israelense, mas a vontade de Alá.

Neste amálgama é que se pode entender o sacrifício a que devem se submeter Said e Khaled. Preparados para a operação, os dois saem por Nablus para a executar. Estão imbuídos de uma missão que os eleva acima dos pobres mortais, pelo que nos mostra Hany abu-Assad. Não devem se abalar – e “Paradise Now” nos põe, agora, diante da possibilidade de a missão fracassar. Cheios de explosivos, frente à impossibilidade de se transformar em mártires, eles passam a transitar pela cidade. Vão de um lugar a outro, após o ritual, e o espectador tem a idéia do absurdo em que Said e Khaled se meteram. Lançando mão, mais uma vez, da sutileza, Hany abu-Assad nos remete aos perigos e ao surrealismo da situação, sem discurso. Ao mesmo tempo que se quer que eles desistam, voltem e retirem a parafernália de mártir, tememos que explodam e levem junto gente inocente, não no sentido do objetivo, da missão de que estavam imbuídos, mas daqueles que transitam pela cidade, sem saber quem são eles e o perigo que representam naquela situação. Sua-se frio o tempo todo.

Quando se chega a este impasse, é que Suha, personagem sem razão aparente para a trama, mesmo romântico, ressurge para unir as pontas. No trânsito de Said e Khaled pelo local da missão, este se perde do amigo. É o vértice que faltava a “Paradise Now”, a visão adversa à de Abu-Karen, idolatrado pelos dois rapazes. Num poderoso diálogo com Khaled, ela o leva à reflexão. Afinal, medida extrema como a que ele pretendia empreender não resolveria o problema, pois como ficariam as pessoas que continuariam vivas, questiona Suha. Seria um sacrifício para quê? Suha é pacifista, não no sentido humanista-ocidental-cristão, por não querer o conflito armado, pelas mortes de inocentes que provoca, sim por querer outra tática para vencer o inimigo. Não é a fé que ela evoca, mas o raciocínio, a reflexão sobre o que é mais eficiente para acabar com a ocupação e abrir o caminho para a construção do país. E balança Khaled, o mais radical, desde o início.
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Dois caminhos para se chegar à libertação da Palestina

Khaled passa a ser, desta forma, a antítese de Said. A partir do diálogo com Suha, ele não é mais o mesmo. Ele tem, agora, algo para além da crença. Incorpora outra posição. Hany abu-Assad usa-o para levantar outra questão: a da disputa pacífica, sem deixar a luta ou de ver a ocupação como algo inadmissível, havendo, portanto, a necessidade de acabar com ela. Mas não toma partido, pois Said continua sua trilha. Não desiste de ascender ao céu, pela via do martírio. O faz abandonando Khaled à sua nova crença. Fica sozinho, compenetrado, disposto a elevar-se ao céu. Hany abu-Assad, ao chegar a esta seqüência, demonstra que fez o filme para contribuir para o debate. Usa toda a trama do clássico filme de suspense com inteligência, sem excessos, heroísmos, grandiloqüências. “Paradise Now” é econômico, com bela fotografia de Antoine Héberlé.


O que se ressalta, no final, é a situação do povo palestino, uma das mais precárias do Oriente Médio. Pelo contraste entre Nablus e Tel Aviv, para onde vai Said, ainda imbuído de sua missão, vê-se os males infringidos pelos israelenses aos palestinos. Em Tel Aviv, a prosperidade está nos prédios, nos carros que circulam pelas avenidas, nas mulheres de biquíni, na forma como as pessoas se comportam: não há barricadas ou soldados armados à vista. Mesmo no ônibus que Said toma, impassível, determinado, nota-se que ali há algo mais que gente bem nutrida. E ele, Said, por acreditar ser possível ascender ao céu, pela via do “martírio político-revolucionário”, poderá levar vários soldados e pessoas anônimas com ele.

Justo ele, Said, proletário, mecânico, não está penetrado pela certeza, que nem Suha tem, da transformação radical da sociedade, combinando a luta pela independência nacional com a guerra popular, que também é feita nas ruas dos territórios palestinos ocupados por Israel. Ele, Said, está tomado, tão e simplesmente, pela fé. E pelo que nos diz Hany abu-Assad “O proletariado nesta etapa da luta da humanidade acredita em Deus”. E Alá, no sentido de estar acima do entendimento da luta pela libertação da palestina, pode ser o guia maior. Diferente da mediação do Estado, quando usado pela burguesia para atingir puramente o controle do mercado, caso da ocupação do Iraque pelos EUA, para garantir o abastecimento de petróleo. Bush, neste caso, manobra para que supostamente os poderes divinos se revertam a seu favor, sem nenhum objetivo maior do que a ampliação do poder norte-americano no planeta.

A mediação pelo que nos explica Hany abu-Assad é feita pela organização para que o povo oprimido possa atingir seus fins. E o instrumento é a fé em um Ente que é, a princípio, imaginado nos limites da compreensão humana nesta etapa da evolução da humanidade. Sob este aspecto a crença de Said fica explicada. Pode-se, nos limites da racionalidade ver o mesmo problema sob outro aspecto, mas então estaríamos diante de outro filme, não de “Paradise Now”, que é apenas uma obra cinematográfica e não uma tese sobre a revolução proletária. O que se pode, com toda a limitação implícita no roteiro de Hany abu-Assad, é refletir sobre uma questão que deve intrigar a todos nós nestes primórdios do Terceiro Milênio: “O proletariado, como força revolucionária, acredita em Deus?” Vale inclusive rever a máxima de Marx sobre a religião. É um bom desafio.


Paradise Now
(Paraíso Agora), 2005, 90 minutos. Produção: França, Alemanha, Israel, Holanda). Direção: Hany Abu-Assad. Elenco: Kais Nashef, Ali Suliman, Lubna Azabal. Música: Jina Sumedi. Fotografia: Antoine Héberlé.




*Cloves Geraldo, Jornalista

FSM-2009

A voz do Islam no FSM

Uma das tendas que mais chama atenção neste FSM em Belém, inclusive pela quantidade de jovens estudantes, é do CEDIAL/Centro de Divulgação do Islam na América Latina, instalada no campus da UFPA.

O Islam na América Latina

Lá estava Moumtezs Hachen El-Orra, 48 anos, libanês de nascimento, mas radicado no Brasil depois de vários anos. Num português fluente, enfático e, mesmo, cativante El-Orra atendida os diversos visitantes do CEDIAL com muita atenção. Sunita (ou seja, pertencente ao ramo dominante do Islam, em contraste com os xiítas), durante nossa conversa o diretor do CEDIAL nos falou sobre as dificuldades, e esperanças, dos cerca de um milhão de muçulmanos que vivem na América latina. Ao contrário do que se poderia supor a forte campanha anti-muçulmana que varreu o mundo depois de 11/09/2001 não prejudicou a predicação e proselitismo muçulmano no continente. Um maior número de pessoas, conforme El-Orra, procurou entender, conhecer e se aproximar da religião islâmica, recusando os estereótipos impostos. Neste sentido houve, depois de 2001, um crescimento do interesse por esta religião em todo o continente, com aumento da construção de mesquitas e da afluência.

O Islam

Mas, o que é o Islam (El-Orra insiste na forma “Islam”, em lugar de “Islã”)? El-Orra nos fala de uma religião inspirada e revelada, ou seja, diretamente trazida aos homens por Deus ( “Allah” ) através de “seus” profetas. Isso mesmo! Profetas no plural. Mohammed. Isso mesmo, Mohammed! A forma “Maomé” é um galicismo recusado, sem qualquer vigência em português ou árabe, portanto sem sentido seu uso continuado. Na verdade, Mohammed não foi o único, embora tenha sido o maior de todos os profetas na Revelação do Islam, incluindo aí a revelação do livro sagrado (o Corão ou Alcorão). El-Orra nos ensina que para ser muçulmano basta aceitar a forma básica de reconhecimento da religião”: “Deus é Único e Mohammed é seu Profeta!”. Claro que existem outras obrigações do fiel. Para as mulheres, por pudor e respeito, o uso do lenço (nada de burkha ou outras formas de velação pesadas) apenas o chador. Para todos os fiéis é obrigatório o jejum no mês santo, do Ramadam, a esmola dos pobres ou “zakat”, a peregrinação à Meca (ou “Haj”) e, claro, a regra das orações diárias voltadas para Meca.

El-Orra entende que muitas vezes os preceitos não são devidamente cumpridos pelos fiéis. No entanto, ao aceitar a Revelação de Deus (na fórmula acima ) o convertido é, e permanece, “muslim”, submetido à Deus. Talvez, não um bom fiel (como também existiriam católicos ou evangélicos relapsos), mas seria, todavia um muçulmano.

O Islam, o Estado e seus valores
Para El-Orra grande parte do sucesso do Islam nas nossas Américas advém de um sentimento cada vez mais presente de crise da família, em especial entre as mulheres. Neste ponto mostra-se claramente rigoroso, sem concessões: a unidade da família, o papel dirigente dos pais na criação dos filhos, a preservação da virgindade das moças, a recusa aos vícios mais comuns entre jovens... Todos estes são itens de clara exigência para um fiel e que colocam em risco sua salvação em caso de transgressão.

Um outro ponto polêmico é a certeza de que não é possível a salvação da alma com descompromisso com as condições materiais do próprio fiel. Assim, um poder político que permita o deboche, os vícios e o relaxamento dos costumes – muito especialmente em relação à família – não poderia, nunca, ser um regime considerado justo pelos muçulmanos.

A idéia, de origem iluminista, datando no Ocidente do século XVIII, de separação entre a esfera da vida pública – onde vigem critérios laicos, de livre escolha e de não intervenção na educação dos filhos ou na gestão doméstica – do âmbito esfera privada – a casa, a família, a religião – não é um dado aceitável para o Islam.

Eis aí as bases de uma forte fratura civilizacional. No Ocidente a emergência da diferenciação entre público e privado foi, exatamente, uma resposta às terríveis guerras de religião que sacudiram a Europa entre 1517 (Proclamação das Teses de Lutero) até o século XVIII. A resposta de intelectuais e políticos (muito especialmente depois dos Tratados de Westphalen, de 1648) foi deixar para esfera das escolhas privadas a questão religiosa.

O Islam, ainda conforme El-Orra, em face dos graves vícios e danos da vida moderna ( mais uma vez a ênfase recai na família ) duvida da resposta gerada no Ocidente e na sua capacidade de forjar pessoas íntegras e felizes. Muito especialmente o divórcio e o adultério são vistos como fontes da infelicidade. El-Orra nos pergunta: os filhos de pais separados são realmente felizes? Sem dúvida é uma questão de difícil resposta.

Islam e Tolerância

Neste sentido o Islam é político e a política (num país convertido) é islâmica. Esta seria a única possibilidade de evitar a perda das pessoas frente a um Estado moralmente relaxado. O Estado laico seria visto como um Estado sem Deus, onde o vício poderia instalar-se livremente. Assim, para o Islam não basta uma alma limpa, mas busca-se junto o corpo limpo! Para o verdadeiro “muslim” deve-se executar as leis Deus na terra, este seria o papel do verdadeiro “muslim”, e não a conformação com as leis dos homens!

O livro, o Alcorão, é a fonte de toda a sabedoria, na verdade “o livro de todas as épocas”, onde os avanços da ciência, da moral, da ética estão presentes e servem de fonte permanente para os fiéis. As “charias” e a Suna – a tradição recolhida da época do Profeta – complementam e ampliam os ensinamentos transmitidos por Deus.

Por fim, El-Orra insiste na compreensão do espírito da sua explanação, e mesmo chega a temer que não consigamos trazer para o público, a verdadeira face do Islam. Deixa claro que considera sua religião a única correta, fonte do conhecimento e da sabedoria. Contudo, com ênfase, insiste no respeita às demais religiões. Fala-nos que a certeza de estar certo, de estar al lado do Único, não permitiria a ofensa ou humilhação dos demais. Recordando uma passagem do Alcorão, quando o Profeta adverte seus seguidores que ameaçavam os defensores derrotados de Meca, contra a impiedade e a arrogância. Ao não convertido não cabe, por parte do “muslim”, ofensas nem por palavras, nem atos, nem pela espada!


Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

FSM-2009

Acampamento da Juventude, o resto é preconceito

Multifacetado, multiracial, multicolorido e multisonoro, o Acampamento da Juventude confirma, em sua edição amazônica, a fama de espaço de maior diversidade dentro do Fórum. Para entender tudo isso, só mesmo indo lá. Porque é da síntese entre o conhecido e o estranho que brota uma outra possibilidade, quem sabe até, um outro mundo. O recado do acampamento parece mesmo ser este: ou aprendemos uns com os outros, ou morremos com os nossos preconceitos.

BELÉM - A liberalidade dos comportamentos, o gestual agressivo de uns poucos, o figurino inusual de outros tantos, o cheiro de fumaça e incenso no ar, pouca roupa, tatuagens de dragão e borboleta, camisetas de algodão e jeans, saias com estampas orientais, ícones revolucionários já absorvidos pelo mercado fashion, negros e loiras ostentando dreadlocks (que não nasceu com os hastafaris, mas entre antigos povos da Índia), índios tatuando brancos, e estudantes, muitos estudantes num trotoir incessante que parece sem destino. É mais ou menos isso o que vê um primeiro olhar lançado sobre o Acampamento Intercontinental da Juventude do Fórum Social de Belém.

A impressão woodstockiana é inevitável. Como no festival hippie de quarenta anos atrás, os acampados de Belém bradam palavras de ordem contra a guerra, ainda defendem (e alguns mais corajosos exercitam) o amor livre e criticam o capitalismo. Os tempos e o fato de estarem num fórum social, acrescentaram novas bandeiras ao repertório: ensino público gratuito e de qualidade, preservação ambiental. Nada muito novo, é verdade. Mas como afirma Ricardo Barazzetti, gaúcho de Caxias do Sul, integrante do Kizomba (campo do movimento estudantil ligado ao PT), “hoje, nenhuma luta faz sentido se não estiver agregada à defesa da preservação de todas as formas de vida do planeta”.

Para além da "bichogrilagem", o acampamento abriga debates sobre temas importantes como direitos humanos, quilombolas, indígenas, reforma urbana, mulheres, saúde, economia solidária, internet, democracia participativa, energia e educação. “Um laboratório de práticas socialmente transformadoras cujo objetivo é a produção de referências simbólicas comuns”, anuncia, pomposamente, o site oficial do evento: .

A ONG Unione Italiana Sport per Tutti (UISP) que já esteve no Fórum de Nairóbi e que montou quadras para a prática de vôlei e futebol dentro do acampamento de Belém, veio ao Brasil neste espírito: “Vemos o esporte como forma ideal para integração, liberdade, solidariedade, enfim, todas as expressões humanas. Nossa ONG é parceira de movimentos ambientalistas e de igualdade racial como o Mondiatti Antirazzisti.” A proposta parece ter funcionado. Na tarde de quarta-feira, um dos times na quadra de vôlei reunia uma loira suíça, um negro carioca, dois japoneses paulistas e uma índia amazonense.

Caminhando entre as barracas, o acampado vai se deparar com uma frase instigante: “Não estamos atrapalhando o trânsito. Nós somos o trânsito”. É o slogan da Critical Mass, movimento global criado em San Francisco da Califórnia que visa disseminar o uso racional dos automóveis substituindo-os, sempre que possível, pelas bicicletas. “Danny Souza, 40 anos, geógrafo, está no acampamento para divulgar o movimento. “Tenho carro, mas no ano passado, percorri 2.600 km de bicicleta só indo e voltando do trabalho”. Danny diz que o movimento não é ligado a nenhum partido. Bem ao contrário dos estudantes filiados ao PSOL que estão em grande número no acampamento, organizaram espaços próprios e mantém uma agenda de eventos, quase todos com críticas ao governo federal.

Visivelmente espantado com a gritaria dos estudantes de outro matiz, a UJS do PCdoB, William Akay, 23 anos, indígena do povo Wai-Wai e morador da aldeia Mapuera às margens do rio Trombeta (divisa entre Pará e Amazonas), diz que não está gostando do Fórum: “Parece que índio não pode viver como qualquer outro povo, tem que viver como bicho”, reclama diante do permanente assédio de brancos que, sem pedir licença, postam-se ao seu lado para tirar fotografias. “Não somos animais de um zoológico. Eu ainda consigo dizer que não quero, mas eles (apontando para outros jovens índios de seu povo), não sabem falar português e não podem fazer nada”.

A secundarista Raísa Rosa, 17 anos, também não pode fazer nada quando, na marcha de abertura do Fórum, foi assaltada por dois homens que lhe roubaram a bolsa com todos os documentos, algum dinheiro e a máquina fotográfica. Mas Raísa não se deu por vencida. Passou a tarde exibindo um cartaz onde se lia “Fui assaltada. Preciso de dinheiro para voltar para casa”. O pedido, escrito em português, espanhol e inglês, fez brotar a solidariedade entre os acampados que, em poucas horas, garantiram com moedas e notas de baixo valor, os R$ 98,00 que Raísa precisava para comprar a passagem de volta ao Maranhão. – O assalto fez com que você ficasse com uma impressão ruim do Fórum?, pergunta o repórter. “Claro que não. Isto aqui é uma mostra do mundo e eu adoro o mundo”.

Nem todos, entretanto, conseguem decifrar o espírito do acampamento. É o caso do auxiliar de escritório belenense César Raimundo Gomes, 18 anos, que confessa não ter “nenhuma identificação com aquilo lá”. O rapazote vai mais longe: “Sugiro que os jovens de Belém se mantenham afastados da UFRA”.

UFRA é sigla que designa a Universidade Federal Rural da Amazônia, cujo campus abriga o Acampamento. A estrutura foi montada para receber 20 mil pessoas e, ao menos até a última quarta-feira (28), os 120 banheiros químicos e os 300 chuveiros montados em barracões de madeira fina e sem cobertura, se mostravam suficientes para a demanda higiênica dos 17 mil que chegaram a Belém. Não havia filas também nos pontos de alimentação onde predomina um cardápio de frutas regionais, verduras, legumes e grãos.

É possível encontrar Coca-Cola “o líquido negro do imperialismo”, mas disfarçada e servida em sacos de plástico transparente (“para pensar que é suco de açaí”, confessa uma vendedora ambulante) com direito a canudinho. Fernanda Torres, paranaenses de 20 anos, estudante de Gestão Ambiental, acha “um absurdo” a venda de refrigerante no Fórum e reclama que das garrafas de água e papéis que conferem um aspecto de aterro sanitário a alguns espaços do acampamento. Há críticas também ao trânsito na rodovia de acesso e temores com a segurança já que boatos sobre assaltos e até estupros circulam de boca em boca. Nada, contudo, foi registrado pelos policiais que atuam naquela área. “Quando tem show e o pessoal bebe um pouquinho, é que a gente fica mais esperto. Mas está tudo calmo”, conta o PM Anderson.

Por falar em trilha sonora, ritmos afros, carimbós, rocks, mpbs, bregas, heavy metals e mantras convivem quase harmoniosamente no lugar. E é assim, multifacetado, multiracial, multicolorido e multisonoro que o acampamento confirma, em sua edição amazônica, a fama de espaço de maior diversidade dentro do Fórum. Para entender tudo isso, só mesmo indo lá. Porque é da síntese entre o conhecido e o estranho que brota uma outra possibilidade, quem sabe até, um outro mundo. O recado do acampamento parece mesmo ser este: ou aprendemos uns com os outros, ou morremos com os nossos preconceitos.

Créditos: Agencia Carta Maior

Fotos: Agência Brasil

Fotos da Marcha do FSM-2009

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Fotografias de Emmanuelle Reungoat

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Greve geral na França...

França: Um milhão e meio nas ruas



Manifestação em Paris - 29 de Janeiro de 2009 - Foto da Lusa
Segundo a central sindical CGT, um milhão e meio de franceses e francesas encheram hoje as ruas do país para protestar contra o desemprego e o ataque do governo aos serviços públicos. Em Paris, a manifestação juntou 100.000 pessoas segundo a CGT e 65.000 segundo a polícia. A greve dos trabalhadores foi largamente seguida na função pública e nos transportes.

A jornada de acção em defesa do emprego, dos serviços públicos e contra a política do governo de Sarkozy, convocada pelos sindicatos e apoiada por outros movimentos e partidos de esquerda, traduziu-se em grandes paralisações, nomeadamente nos serviços públicos, e em grandes manifestações na maior parte das cidades do país.

A greve fez-se sentir fortemente em empresas como a Renault e bancos como o Crédit Lyonnais. Também na France Telecom, nos Correios e na Electricité de France (EDF) a paralisação foi grande, tendo sido interrompidos programas das rádios e televisões públicas.

O secretário geral da central sindical CFDT, François Chérèque, considerou que as manifestações desta jornada de acção são "as maiores manifestações de trabalhadores realizadas em França desde há 20 anos".

Bernard Thibault, secretário geral da CGT, declarou, sobre a jornada de luta: "É um evento social de grande importância, não um ataque de raiva passageiro, haverá uma sequência".

Greve geral em França é das maiores de sempre






Esperam-se fortes perturbações nos transportes, apesar da novidade da lei dos serviços mínimos.
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Pela primeira vez em muitos anos, os oito principais sindicatos uniram-se para protestar contra o desemprego e o ataque aos serviços públicos e acusam o governo de, perante a crise económica , apenas proteger os banqueiros e os grandes empresários. Esperam-se cerca de 200 manifestações em todo o país, e a greve deve afectar transportes públicos, escolas, universidades, hospitais, correios, aeroportos, rádios e televisões públicas, bem como a indústria automóvel.
Na origem desta greve está uma declaração comum que junta os oito principais sindicatos dos sectores público e privado: "Mesmo não sendo responsáveis, os trabalhadores, os desempregados e reformados, são as primeiras vítimas desta crise. Ela ameaça o futuro dos jovens, prejudica a coesão social e a solidariedade, e agudiza as desigualdades e a precariedade", cita o jornal francês Liberation, que considera esta greve não uma jornada de protesto clássica mas sim um verdadeiro "grito de alarme".

Segundo uma sondagem do jornal Le Parisien, 69% dos franceses apoiam a greve, considerando que Sarkozy devia apoiar desempregados e trabalhadores como foi capaz de acudir aos bancos. Um responsável do sindicato Force Ouviere afirma que "o Estado acaba sempre por encontrar uma forma de ajudar os bancos ou a indústria" mas quando os trabalhadores precisam de alguma coisa a resposta é sempre "não há dinheiro".

Cerca de 200 manifestações estão previstas no país. Os protestos devem afectar transportes públicos, escolas, universidades, hospitais, correios, aeroportos, rádios e televisões públicas, portos, empresas de energia e telecomunicações e vários outros serviços.

Desta vez os trabalhadores do sector privado também se uniram ao movimento de protesto. Trabalhadores da Renault, Peugeot-Citroën, bancos, supermercados, metalúrgicas e até pilotos de helicóptero e operadores da bolsa Euronext anunciaram sua participação na greve.

Tal como em protestos anteriores, o grosso das manifestações deverá ser constituído por professores e alunos, contra as reformas neoliberais na educação. Os despedimentos e as privatizações em vários outros sectores motivam igualmente esta grande onda de revolta, à qual se associa também a Liga dos Direitos do Homem, num amplo arco de alianças contra as políticas de Sarkozy.

Perante tamanha mobilização, Sarkozy foi obrigado a moderar seu discurso. Na semana passada, havia dito "eu ouço, mas não levo em conta", referindo-se às diferentes críticas às suas reformas. Mas na terça-feira, 48 horas antes da greve, Sarkozy preferiu dizer que "ouvia as preocupações dos franceses e as levava em conta".