segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Reflexões de Fidel Castro

SETE DIAS SEM MORTOS PELA CÓLERA

Ontem expliquei que no Haiti já morreram 1 523 pessoas como conseqüência da cólera e ao mesmo tempo as medidas adotadas pelo Partido e o Governo de Cuba.

Não pensava escrever hoje uma palavra sobre o problema. Desisto no entanto dessa idéia, para elaborar uma breve Reflexão sobre o tema.

A Doutora Lea Guido, representante da OPS-OMS em Cuba — neste momento representante de ambas as organizações nos dois países e pessoa de grande experiência —, declarou hoje à tarde que devido às atuais condições do Haiti se esperava que a epidemia afetasse 400 mil pessoas.

Por outro lado, o Vice-ministro de Saúde de Cuba e Chefe da Missão Médica Cubana, o embaixador de nosso país no Haiti e outros colegas da Missão, estiveram reunidos durante todo o dia com o presidente René Preval, a Doutora Lea Guido, o Ministro de Saúde haitiano e outros funcionários de Cuba e do Haiti, elaborando as medidas que serão aplicadas com urgência.

A missão médica cubana atende a 37 centros que enfrentam a epidemia, onde até hoje tem oferecido atendimento a 26 040 pessoas afetadas pela cólera, aos quais se somarão logo, com a Brigada “Henry Reeve”, mais 12 centros (para totalizar 49) com 1 100 novos leitos, em barracas de campanha desenhadas e elaboradas para esses fins na Noruega e outros países, já adquiridas com os fundos para enfrentar o terremoto, entregadas a Cuba por Venezuela para a reconstrução do sistema de saúde no Haiti.

Ao anoitecer de hoje chegou uma noticia alentadora do Doutor Somarriba: durante os últimos sete dias não houve nenhum falecimento pela cólera nos centros atendidos pela missão médica cubana. Seria impossível manter esse índice, visto que outros fatores podem incidir nesse resultado, mas oferece uma idéia muito reconfortante a experiência adquirida, os métodos adequados e o grau de consagração atingidos.

Satisfaz-nos igualmente que o presidente René Preval, cujo mandato finaliza no próximo dia 16 de janeiro, tenha decidido converter a luta contra a epidemia na atividade mais importante de sua vida, a qual legará ao povo do Haiti e ao Governo que o suceda.


Fidel Castro Ruz

Bolcheviques contra o racismo

Sergio Domingues no Pilulas Diárias

A esquerda costuma ser acusada de colocar em segundo plano a luta contra o racismo. Infelizmente, é verdade. Grande parte dos partidos que se assumem socialistas ou comunistas consideram esse combate como algo menor e “divisionista”. Talvez, uma herança do desprezo dos primeiros marxistas em relação aos povos não brancos.

Não foi o caso dos bolcheviques. Os revolucionários russos que tomaram o poder em 1917 eram grandes defensores das lutas anticoloniais. Por isso, conquistaram o apoio dos povos do antigo império russo. Em 1920, o 2º congresso da Internacional Comunista aprovou as “Teses sobre a questão colonial”.

O documento dizia que a “revolução proletária e a revolução nas colônias são complementares para a vitória de nossa da luta”. E que a “Internacional Comunista” deveria trabalhar “pela destruição do imperialismo nos países economicamente e politicamente dominados.” Lênin foi duro com seus antecessores. Ele dizia que para a Segunda Internacional o “mundo só existia dentro dos limites da Europa”. Desse modo, “tornaram-se eles próprios imperialistas.”

Em 1922, ocorreu o último congresso da Internacional antes de Stalin assumir o controle do partido russo. Nele, aprovaram-se as “Teses sobre a Questão Negra”. Era a primeira vez que o tema seria discutido no movimento socialista mundial.

Entre suas resoluções, estava “a necessidade de apoiar qualquer forma de resistência dos negros que busque minar e enfraquecer o capitalismo ou o imperialismo, ou barrar a sua expansão”. Além disso, lutar para “assegurar aos negros a igualdade de raça e a igualdade política e social.”

Como se vê, a luta contra o racismo faz parte da tradição revolucionária dos socialistas.

Leia as “Teses sobre a questão negra”, aqui.

Uma semana de solidariedade ao povo palestino

www.vermelho.org.br

Acompanhando calendário global, organizações da sociedade civil brasileira, juntamente com a comunidade árabe-palestina no País, realizam a Semana de Solidariedade ao Povo Palestino. Atividades centrais ocorrerão em vários estados no dia 29 de novembro próximo (confira agenda abaixo).

A data marca o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino – conforme resolução da ONU (Organização das Nações Unidas) nº 32/40 de 1977. Anualmente, em todo o mundo, ocorrem inúmeras manifestações no período. No Brasil, é também lei em várias localidades.

Em 29 de novembro de 1947, portanto há 63 anos, em Assembleia-Geral da ONU, foi aprovada a Resolução nº 181, que decidiu pela partilha do território da Palestina histórica para o estabelecimento de um estado judeu e um árabe, sem qualquer consulta aos habitantes locais. Como consequência, o Estado de Israel foi implementado em 15 de maio de 1948 e o da Palestina não foi assegurado, culminando na nakba (catástrofe), em que foram expulsos mais de 700 mil palestinos de suas casas e centenas de vilas foram destruídas. O resultado é a ocupação mais longa do período contemporâneo, que tem sido aprofundada, ao arrepio das leis e convenções internacionais. Uma das maiores injustiças de que se tem notícia na história.

Consequentemente, todos os direitos inalienáveis do povo palestino têm sido desrespeitados: à autodeterminação, à saúde, à educação, a transitar livremente. Um muro em construção desde 2002, que corta a Cisjordânia ao meio – projetado para ter 720 metros de extensão e 9 metros de altura –, e centenas de checkpoints e assentamentos sionistas, além de estradas exclusivas proibidas a palestinos, são símbolos do apartheid que se configura no território ocupado. Em Gaza, o lugar mais densamente povoado do mundo, com 1,5 milhão de pessoas que se espremem em cerca de 360km2, um bloqueio criminoso tem feito com que grasse a fome e a miséria, numa punição coletiva que deveria ser impensável em pleno século 21. O território palestino, mediante esses aparatos, é mantido sob a forma de bantustões à la África do Sul. É hoje impossível, por exemplo, ir da Cisjordânia a Gaza.

Diante da barbárie, realizar atividades em 29 de novembro faz-se urgente. É uma forma de o mundo levantar suas vozes e clamar pelo fim imediato da ocupação na Palestina. A semana de solidariedade pretende contribuir para dar visibilidade a essa questão e lembrar que, dia após dia, famílias são separadas, plantações são destruídas, crianças são impedidas de ir à escola e mães, de dar à luz com dignidade. Mais do que isso: soma-se às iniciativas em que a comunidade internacional é chamada à responsabilidade pela drástica situação na Palestina e cobrada a dar continuidade a ações concretas que pressionem e levem à mudança dessa realidade.

Confira a programação e participe! É por direitos humanos e justiça!

Semana de Solidariedade ao Povo Palestino no Brasil

SÃO PAULO/SP
Semana do Povo Palestino
Dia: 29 de novembro de 2010 – segunda-feira
Horário: 14h
Local: FEA-USP Sala G-1
Instituto de Relações Internacionais
Exibição do documentário: Palestina Espera
(Palestine is waiting, EUA-Palestina, 2001, cor, 10 min -documentário)
Direção: Annemarie Kattan Jacir
Há mais de 5 milhões de refugiados palestinos, muitas vezes indesejados, vivendo em condições-limite em todo o mundo.
Participação: Maren Mantovani
Analista política, diretora de Relações Internacionais da Campanha Palestina contra o Muro do Apartheid e Representante para a América Latina do Comitê Nacional Palestino por Boicotes, Sanções e Desinvestimento (BNC)

Dia: 29 de novembro de 2010 - segunda-feira
Horário: 19h
Local: Auditório Franco Montoro - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - Av. Pedro Álvares Cabral, 201
Atividade: Ato político com convidados e autoridades, exibição de curta-metragem e poesias árabes. Participação de representante do movimento Stop the Wall.
Organização: Frente em Defesa do Povo Palestino
frentepalestina@yahoo.com.br

Dia: 4 de dezembro de 2010 - sábado
Horário: 16h
Local: Matilha Cultural - Rua Rego Freitas, 542
Atividade: Exibição dos filmes:
Ponto de Encontro (Encounter Point) - Direção: Júlia Bacha e Ronit Avni. Documentário, 85 min, 2008 e Nós e os Outros (Selves and Others, A Portrait of Edward Said) - Direção: Emmanuele Hamon. Documentário, 54 min, 2003.
Haverá debate com a participação de companheiros que participaram do Fórum Mundial da Educação na Palestina
Realização: Núcleo de Estudos Edward Said - Instituto da Cultura Árabe, Oboré e Matilha
Apoio: Frente em Defesa do Povo Palestino
contato@icarabe.org

CAMPINAS/SP
Dia: 24 de novembro de 2010 – quarta-feira
Local: Facamp – Faculdades de Campinas (Estrada Municipal Unicamp - Telebrás km 1, s/nº - Cidade Universitária)
Apresentação das pesquisas sobre a Palestina – história – sionismo e holocausto

Dia: 29 de novembro de 2010 – segunda-feira
Locais e atividades: Câmara Municipal de Campinas – homenagem à data Parque da Paz e Memorial Yasser Arafat – visitação pública
Colóquio – Mostra Afro-brasileira – Secretaria Municipal de Educação
Realização: Instituto Jerusalém do Brasil
institutojerusalembr@terra.com.br

PORTO ALEGRE/RS
Dia: 29 de novembro de 2010 - segunda-feira
Horário: 19h
Local: Plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul – Praça Mal. Deodoro, 101
Atividade: Sessão com convidados, Embaixada da Autoridade Palestina na República Federativa do Brasil e Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados)
Organização: Comitê Gaúcho de Solidariedade ao Povo Palestino
comitepalestinars@gmail.com

FLORIANÓPOLIS/SC
Dia: 30 de novembro de 2010 - terça-feira
Horário: 19h
Local: Câmara de Vereadores - Plenário do Centro Legislativo Municipal
Rua Anita Garibaldi, 35 - Centro
Atividade: Sessão solene e Ato político com convidados e autoridades
Lei 34/40 PMF – 1990 - 29 de novembro - Dia Municipal de Solidariedade ao Povo Palestino em Florianópolis
Lei nº 13850 - 2006 - Dia Estadual de Solidariedade ao Povo Palestino em Santa Catarina
Organização: Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino
comitepalestinasc@yahoo.com.br

BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC
Semana de Difusão da Cultura Árabe-Palestina
22 a 29 de novembro de 2010
Dia: 24 - quarta-feira
Horário: 19h
Local: Biblioteca Pública Municipal Machado de Assis - 3º Avenida, esquina com Rua 2.500
Atividade: cerimônia de abertura do evento com a presença de amigos, convidados e autoridades. Entrega de certificados de participação no concurso escolar “Paz para a Palestina”. Exibição do filme: “Palestina - A história de uma terra” (Simone Bitton)

Dia: 25 - quinta-feira
Horário: 9h
Local: Auditório BI 4 - Curso de Relações Internacionais – Univali
Campus Balneário Camboriú
Tema: Palestina: história, cultura, religião e atualidades
Palestrantes: Fairuz Saleh Bujaa - advogada, integrante do Grupo Palestino Terra / Miriam Ramoniga - advogada, mestre em Direito e professora de Direito Internacional / Saleh Bujja - palestino (80 anos) residente no Brasil há 60 anos / Queila Martins - coordenadora do curso de Relações Internacionais da Univali / Márcia Sarubbi - professora do curso de Direito e Relações Internacionais da Univali
Dia: 25 - quinta-feira
Horário: 17h
Local: Câmara de Vereadores de
Balneário Camboriú
Atividade: Acompanhamento da votação da legislação municipal que institui o “Dia 29 de novembro como o Dia de Solidariedade ao Povo Palestino no município de Balneário Camboriú - SC”
Dia: 26 - sexta-feira
Horário: 20h
Local: Restaurante Pharol - Av. Atlântica
Barra Sul, 5.740
Atividade: Jantar árabe - comidas típicas da gastronomia árabe, músicas, apresentações de danças folclóricas

Dia: 27 - sábado
Horário: 18h
Local: Livraria Nobel - Av. Alvim Bauer, 250, sl. 04 – Centro
Atividade: Cultura e lazer, exposição de livros, sugestão de roteiros de viagem, apresentações de dança do ventre e degustação de pastas e doces árabes
Organização: Instituto Amigos da Cultura
ramoniga@hotmail.com
www.amigosdaculturasc.com

RIO DE JANEIRO/RJ
Dia: 29 de novembro de 2010 - segunda-feira
Horário: 18h
Local: IFCS-UFRJ (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro) - Largo de São Francisco
Atividade: Ato político em defesa do povo palestino. Lançamento da Campanha Mundial de BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel e da Campanha de Boicote Acadêmico e Cultural. Exposição do livro “Impressões de uma brasileira na Palestina”
Organização: Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino
vivaintifada@gmail.com

BELO HORIZONTE/MG
Dia: 26 de novembro de 2010 - sexta-feira
Horário: 9h30
Local: Auditório do Instituto de Ciências Exatas Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Atividade: Seminário de Solidariedade Internacional. Palestrante: Jadallah Safa
Comitê Democrático Palestino
Coordenação: UJC e Casa da América Latina www.seminariodesolidariedadeinternacional.
blogspot.com

AÇÃO MIDIÁTICA
Divulgação do balanço da maratona na Semana contra o muro e das atividades do dia 29 de novembro
Coordenação: Ciranda Internacional da Informação Independente e Movimento Palestina para Tod@s
www.ciranda.net e www.palestinalivre.org.

Celulares são cada vez mais importantes na África, diz ativista da FreedomFone


Amanda Rossi

A massificação dos celulares é um fenômeno vivido em toda a África. Em grande parte dos países africanos, o acesso aos telefones móveis é maior que à energia elétrica. Devido ao baixo custo do aparelho e dos serviços (muito menor que no Brasil), os celulares se transformaram em uma das poucas opções de comunicação disponíveis e assumiram diversas funções: desde de realizar pequenas operações bancárias até para receber recomendações médicas.
Considerando essa realidade, uma organização do Zimbábue chamada Kubatana procura encorajar cidadãos e a sociedade civil a usarem o celular para se mobilizarem e promoverem um “ativismo eletrônico”. Fundada em 2002, a organização desenvolveu o Freedom Fone, sistema operacional com código aberto (qualquer organização pode usar livremente o software e modificá-lo), que funciona como um disque notícias. O usuário pode receber e enviar informações em mensagens de voz ou SMS.

Efe
Upenyu Makoni-Muchemwa é ativista da Kubatana, organização que estimula o ativismo eletrônico via celular 

Upenyu Makoni-Muchemwa, ativista da Kubatana, esteve no Brasil para apresentar a experiência da organização no II Fórum de Cultura Digital, realizado entre 15 e 17 de novembro na Cinemateca, em São Paulo. Ela conversou com Opera Mundi sobre o uso dos celulares para promover cidadania e a situação de seu país, considerado o menos desenvolvido do mundo pelo último Relatório de Desenvolvimento Humano, lançado este mês.

Qual é a importância dos celulares na África? Os celulares estão se tornando cada vez mais importantes, principalmente nas áreas rurais e remotas. Há lugares no Zimbábue onde não existe nem telefonia fixa, mas existe sinal de celular, que se transforma na única ferramenta disponível para se comunicar com o resto do mundo. Nós vemos casos como a Uganda, onde as pessoas estão usando a tecnologia dos celulares para microfinanças e operações bancárias. Ao redor da África, estão usando celular na saúde.

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Qual é o número de pessoas que tem acesso a telefonia móvel no Zimbábue? Nós estimamos em 5 milhões pessoas. A população do país é de 6 milhões, segundo o último censo – realizado há 10 anos. Mais pessoas têm acesso aos celulares que à energia elétrica. A eletricidade está distribuída em grandes centros urbanos. Mas nas vilas não há eletricidade. Recentemente, foi lançado no Zimbábue um celular com bateria solar, o que o torna ainda mais acessível para as pessoas que vivem nas zonas rurais. Você não precisa mais plugar o aparelho na tomada, você apenas o coloca no sol e ele está carregado!
Como funciona o Freedom Fone? Quem o acessa, de que local, que tipo de informação as pessoas buscam? As pessoas ligam e então ouvem as informações que estão disponíveis no Freedom Fone. Você não precisa estar na Internet para usá-lo, o que o torna muito conveniente para pessoas que vivem nas áreas rurais, onde não existe acesso a computadores. O sistema também pode ligar de volta, o que é importante caso a pessoa não possa pagar.
Qualquer organização pode usar a tecnologia do Freedom Fone. Na Kubatana nós criamos um canal alternativo de mídia, em que cada número do telefone te destina para um conteúdo diferente.
Nós descobrimos que muitos estavam interessados no noticiário porque ele era equilibrado, ao contrário dos outros veículos. Não dizia que o governo era maravilhoso. Nós apenas colocamos os fatos. Quanto ao local de acesso, eu imaginava que as pessoas só escutariam em Harare (capital do Zimbábue), mas a audiência é em todo o país, mesmo nas áreas mais remotas, mesmo em uma vila com duas pessoas. Foi incrível o jeito que se espalhou.

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A informação produzida pelo Freedom Fone pode atingir mais pessoas que a produzida pelos canais informativos tradicionais, como jornais e televisão? Sim, considerando o grande número de pessoas que têm celulares - e todo mundo no Zimbábue tem celular. O nosso maior desafio no momento é fazer com que as pessoas participem, mas para isso elas precisam parar de ter medo. Há no Zimbábue a exigência de que todas as pessoas registrem suas linhas. Com o registro e a vigilância constante do governo, como fazer para que uma pessoa perceba que não há problema em ouvir informações e em informar? Sempre ouvimos a pergunta: o governo vai saber que eu estou enviando a informação, vão vir me pegar?
Em setembro, celulares foram usados para promover uma grande revolta popular em Moçambique, na fronteira com o Zimbábue, contra o aumento do custo de vida. Os celulares são um bom instrumento para mobilizar as pessoas para agendas políticas e temas sociais? No contexto africano sim e não. Os celulares têm suas limitações, mas são a mídia mais acessada e o canal mais adequado para fornecer informações para as pessoas. Então podem ser usados para promover ativismo, mobilizar. Mas o problema é que os operadores são movidos pelo lucro, não por moral. Se o governo os pressiona e diz: nós queremos saber quem está mandando essas mensagens, eles vão liberar essa informação. O registro das linhas também está ocorrendo em Moçambique. Isso torna o espaço democrático e de liberdade de discurso muito menor e ameaça o uso dos celulares para ativismo, para debater o que está acontecendo no seu país.
Recentemente, foi lançado um novo Índice de Desenvolvimento Humano, que coloca o Zimbábue na posição do país menos desenvolvido do mundo. Essa é uma realidade perceptível? Sim e não. Nós deveríamos ter progredido mais nesses 30 anos de independência. Mas em comparação com outros países, nós não estamos tão mal. Temos mais de 90% da população alfabetizada. Eu ainda não conheci uma criança zimbábueana que não soubesse ler e escrever. É verdade que nos últimos dez anos a educação sofreu muito porque não havia dinheiro, muitos professores saíram do país. Talvez, por isso, a próxima geração pode não ser tão alfabetizada quanto as que vieram antes. Eu não sei qual é o critério desse índice de desenvolvimento, mas eu não acho que seja uma classificação justa.

Em termos de desenvolvimento como eu o entendo, o Zimbábue não está mal. O país é capaz de conquistar mudança? Sim! Nosso dinheiro valia menos que nada e nós sobrevivemos. Por outro lado, se compararmos o Zimbábue com outros países, como o Brasil, com transporte público, saúde, educação, eu acho que não estamos onde deveríamos estar.
Qual é a situação do Zimbábue hoje, depois da grande crise que abateu o país?
Nós estamos lutando. Para recuperar a posição em que estávamos nos anos 90 é um trabalho grande e para avançar é um trabalho ainda maior. Estamos no meio do caminho, ainda tentando descobrir se nossa economia vai se estabilizar, se o número de empregos vai aumentar (nossa taxa de desemprego é de 90%), como essa situação vai mudar. Mas o mais importante é que o Zimbábue enfrenta hoje uma crise de liderança. Você não diz: “esta é a pessoa que vai nos tirar do ponto A e nos levar para o ponto B”. Não. Nós temos um longo caminho pela frente, há muito trabalho.

domingo, 28 de novembro de 2010

Energia nuclear iraniana: guerra ou negociações?


Se chegarem a um acordo sobre local e data, uma conversa entre Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Alemanha e Irã deve ocorrer em dezembro para discutir o enriquecimento de urânio no país persa. Ao que parece, Paris, Londres e Tel Aviv estão empurrando a administração Obama à intransigência
por Alain Gresh no LeMonde-Brasil
O governo iraniano, que aceitou a ideia das negociações com o grupo “5+1” (os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha), propôs que a reunião fosse na Turquia. A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, intermediária das grandes potências nesse dossiê, reagiu afirmando que esperava “uma proposta oficial do Irã” para determinar o local. Ashton tinha proposto um reencontro em Viena, de 15 a 18 de novembro. A Turquia concordou, em princípio, acolher as negociações interrompidas desde outubro de 2009 e as datas propostas pelo Irã foram o dia 23 de novembro ou 6 de dezembro. (Até o momento, o encontro estava confirmado para o dia 5 de dezembro, mas ainda não haviam chegado a um acordo sobre o local).
 O Irã desenvolveu fortes relações com a Turquia, especialmente depois do acordo co-assinado pelos dois países e o Brasil, em maio de 2010. O que previa esse texto? “A princípio, em conformidade com o TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear), o Irã teria direito ao enriquecimento. Para isso, o país aceitaria a troca de 1200 quilos de urânio fracamente enriquecido (UFE) por 120 quilos de urânio enriquecido (UE) à 20%, indispensáveis ao funcionamento de seu reator de pesquisa; e que os 1200 quilos de UFE ficassem estocados na Turquia, até que o Irã recebesse os 120 quilos de UE. E ainda que o Irã enviaria à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), na semana seguinte ao 17 de maio, uma carta oficial formalizando seu acordo. Renunciando uma parte importante do seu urânio, Teerã limitaria seriamente suas capacidades para produzir uma bomba.”
 Sabemos que esse acordo foi rejeitado pelos Estados Unidos (que, no entanto, tinham confirmado, por meio de carta enviada ao Brasil, o apoio ao procedimento) e, de maneira ainda mais radical, pela França. Alguns dias mais tarde, em 9 de junho, o Conselho de Segurança da ONU votou novas sanções, apesar da oposição do Brasil e da Turquia. Descontentes com essas medidas, os Estados Unidos e a União Europeia decidiram por sanções unilaterais ao Irã, apesar das críticas da Rússia e da China.
 Desde então, por várias vezes, houve tentativas de retomar as negociações e a proposta de Teerã se situa nesse contexto, no momento em que Israel elevou o tom e pediu, através da voz de seu primeiro ministro, “uma ameaça militar credível” contra o Irã. Benjamin Netanyahu fez essa exigência em uma reunião com o vice-presidente americano, Joe Biden, no dia 7 de novembro. “A única maneira de assegurar que o Irã não tenha armas nucleares é brandir uma ameaça credível de ação militar contra o país se ele não parar sua corrida pela bomba atômica.”
 Na mesma ocasião, um importante senador, Lindsey Graham, declarou, no Fórum de Hallifax sobre a Segurança Internacional, que toda ação militar contra o Irã deveria incluir não somente suas instalações nucleares, mas também afundar sua marinha, destruir suas forças aéreas e dar golpes severos nos Guardas da Revolução (“Lindsey Graham makes the case for strike on Iran”, The Huffington Post, 6 de novembro). Sobre essa reunião, lemos também Roger Cohen, “An Unknown Soldier” (The New York Times, 8 de novembro), que previne sobre uma nova guerra contra o Oriente Médio: uma operação militar contra o Irã.
O secretário estadunidense de Defesa, Robert Gates, rejeitou as propostas israelenses: “não estou de acordo para dizer que somente uma ameaça militar credível pode convencer o Irã a colocar fim ao seu programa de armas nucleares. (...) Estamos prontos para fazer o que for necessário, mas nesse momento, continuamos acreditando que a abordagem econômica e política que adotamos teve, de fato, um impacto sobre o Irã”. (AFP, 8 de novembro).
Quanto à atitude da França (e do Reino Unido), sua característica é a intransigência, como confirma o artigo do Le Monde do dia 5 de novembro, “energia nuclear iraniana: Paris e Londres se opõem a um projeto de oferta americana”.
Extratos:
“Em uma nova tentativa, de ‘mão estendida’ ao Irã, a administração Obama prepara a partir desse verão uma nova oferta diplomática para tentar resolver o imbróglio nuclear. Essa iniciativa, segundo nossas informações, contraria fortemente os responsáveis franceses e britânicos. A unidade das grandes potências sobre esse dossiê parece assim ser questionável no plano transatlântico. Paris e Londres comunicaram fortes ressalvas sobre o método adotado pelos estadunidenses, que discutiram a nova abordagem primeiro com os russos e os chineses, antes de falar com os europeus. E também criticaram o conteúdo do esquema proposto, que correria o risco de legitimar as atividades iranianas de enriquecimento de urânio, enquanto o Conselho de Segurança da ONU pede sua suspensão desde 2006.”
Em que consiste essa proposta?
“Um novo projeto de evacuação do urânio enriquecido iraniano para o estrangeiro, indo bem além daquele já proposto em outubro de 2009 (mas rejeitado por Teerã). O objetivo é privar o Irã, durante algum tempo, da capacidade de optar, caso ele tenha que decidir, pela fabricação de matéria físsil utilizável em uma arma atômica (...). A grande novidade é que Washington propôs que o Irã evacue pela Rússia dois mil quilos de urânio fracamente enriquecido (a menos de 5%), sobre alguns dos três mil quilos que ele detém hoje. Essa matéria será, então, transformada para servir de combustível à central nuclear iraniana de Bouchehr (de fabricação russa). Segundo David Albright, cujo ponto de vista coincide com a análise feita em Paris e em Londres, tal projeto ‘forneceria ao Irã a legitimidade internacional que ele procura há muito tempo para o enriquecimento de urânio”. “Dando à Teerã a possibilidade de prosseguir por esse caminho, será ainda mais difícil controlar, por meio de inspeções, que nenhum desvio de matéria nuclear aconteça a partir da instalação de Natanz”, argumenta.
Lembremos que o TNP prevê explicitamente o direito de enriquecimento.
“(...) Será que a administração Obama se lança em um solo diplomático suscetível de marginalizar os europeus? Franceses e britânicos insistiram, nas reuniões com os oficiais americanos, para que uma frente comum seja cuidadosamente preservada. Seria prematuro fazer uma oferta espetacular e inédita ao Irã, enquanto os efeitos das sanções unilaterais de Washington não cessam de aumentar e apenas começam a se fazerem sentir”, julgam eles.
Em resumo, Paris e Londres, assim como Tel Aviv, empurram a administração Obama à intransigência.

Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).


Gargalos para desapropriações de latifúndios prejudicam Reforma Agrária


Por Vanessa Ramos
 

Da Página do MST

O 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), elaborado durante o primeiro mandato do presidente Lula, previa desapropriar 30 milhões de hectares de terras para assentar um milhão de famílias. Tratava-se, portanto, de desapropriar uma quantidade grande de terras, hoje nas mãos de latifundiários.
No entanto, inúmeros tropeços e dificuldades enfrentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) prejudicaram a implementação das medidas que garantiriam a desapropriação das terras.
Em 2009, por exemplo, o governo assentou de fato 23 mil famílias apenas, segundo Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP).
Para ele, o papel desempenhado pelo Incra continua o mesmo dos tempos do governo do Fernando Henrique, Itamar Franco, Fernando Collor de Mello e no governo militar. “O Incra só fez assentamento onde há pressão e conflito. Do contrário, ele nunca esteve empenhado em cumprir o que o plano estabelecia”, diz.

Função social

A Constituição brasileira, promulgada em 1988, determina no artigo 186 que um latifúndio será desapropriado sempre que o proprietário não fizer um aproveitamento racional e adequado; não preservar o meio ambiente; desrespeitar as leis trabalhistas e prejudicar o bem-estar social.
De acordo com Valdez Adriani Farias, procurador federal do Incra de Santa Catarina, somente depois do lançamento da 2º PNRA, o alvo da Reforma Agrária passou a ser na prática não só as terras improdutivas, mas também aquelas em que o proprietário descumpria a sua função social, ou seja, as leis trabalhistas, ambientais e de bem-estar.
“O Incra vem sendo orientado para fazer a fiscalização de todos estes aspectos. Até então, a função social era reduzida apenas ao aspecto econômico, de forma que o imóvel considerado produtivo ficava imune à desapropriação ou sanção, mesmo que a exploração do imóvel se desse em afronta as leis ambientais ou até mesmo com trabalho escravo. Uma interpretação, obviamente, absurda”, aponta Valdez.
No entanto, a primeira área desapropriada pelo Incra por desrespeitar a legislação ambiental foi a Fazenda Alegria, em Felisburgo, em 2009. Nessa área, foram mortos cinco Sem Terra seis anos atrás. O latifundiário ainda tenta suspender o processo na Justiça.
Em relação às questões trabalhistas, a Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê o confisco de terras de latifundiários que exploram trabalho escravo, está parada aguardando votação desde 2004 na Câmara dos Deputados.
Nesse quadro, foram assentadas muito menos famílias do que o esperado. Cerca de 220 mil famílias em oito anos, sustenta Umbelino. No segundo mandato, a situação ficou ainda pior, porque não foi elaborado um novo plano nacional. “O governo se descompromissou em fazer a Reforma Agrária e passou a adotar uma política de contra Reforma Agrária”, avalia o professor da USP.
Segundo o Dr. Rosinha, deputado federal do PT-PR, o Incra tem de fato ainda muitas dificuldades de implementar medidas de desapropriação de terras no Brasil. Para ele, não é falta de vontade política, mas ausência de quadros de funcionários.
“Hoje o número de funcionários do Incra é insuficiente para a viabilização todo um programa de Reforma Agrária, mesmo que tenha maior disponibilidade orçamentária, o número de funcionário não daria conta de executar as tarefas”, informa.

Poder Judiciário

Para Umbelino, o Brasil tem leis suficientes para resolver os problemas da estrutura agrária do país. “A questão é que o Ministério Público não fez ações para obrigar o Incra a fazer a Reforma Agrária. O que está faltando é isso, pressão do Ministério Público”, conta.
Contudo, os instrumentos postos à disposição do Incra podem ser mais eficientes, na opinião de Valdez. Alguns precisam ser reformulados e outros melhor compreendidos ou potencializados.
Por exemplo, um dos instrumentos a ser utilizado pelo órgão é a aquisição de imóveis pela modalidade compra e venda. Este método vem sendo pouco utilizado porque a forma de pagamento se dá em condições e prazos parecidos com a desapropriação ou a sanção, que não são bem aceitos pelo mercado imobiliário.
“Sendo a compra um ato que depende da concordância do vendedor, poucos proprietários concordam em vender os imóveis nas condições e prazos previstos no Dec. 433/92. Este instrumento, que é complementar à desapropriação, poderia ser potencializado com uma reformulação no sentido de prever prazos e condições condizentes como mercado de terras”, explica o procurador federal.
Ainda na opinião do procurador, esse instrumento propicia vantagens. Uma delas é que o Incra utilizaria essa ferramenta somente para comprar terras de qualidade e localizadas próximas aos grandes centros ou com fácil escoamento da produção.
Além disso, seria possível evitar a judicialização, ou seja, compra e venda são encerradas com uma escritura pública. Outro benefício é a possível diminuição de pagamentos dos pesados juros compensatórios e moratórios que incidem nos processos judiciais de desapropriação.
“Mas repito, este instrumento é complementar à desapropriação e não pode substituí-la. A desapropriação-sanção deve ser o principal instrumento do Incra para aquisição de imóveis. Mas a eficiência desse instrumento depende da atualização dos índices de produtividade, que como sabemos estão muito defasados, pois estão baseados no Censo Agropecuário de 1975”, reforça Valdez.
Assim, a eficiência do instrumento da desapropriação depende, sobretudo, de uma mudança de entendimento que predomina no âmbito do Judiciário.
A Lei Complementar 76/93, no artigo 18, ordena que o processo judicial de desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária tem caráter preferencial e prejudicial em relação a outros processos que envolvam o imóvel.
“A Constituição é clara, mas a maioria esmagadora dos juízes que possuem visão eminentemente civilista continua suspendendo os processos de desapropriação em clara afronta à Constituição e à Lei Complementar”, afirma o promotor.
Por essa razão, os processos se prolongam por vários anos, o que atrasa consideravelmente a implantação da Reforma Agrária, além de elevar os custos, pois as indenizações acabam incidindo pesados juros compensatórios.

Perspectivas

A solução definitiva desses problemas depende, segundo Valdez, da boa vontade do Poder Judiciário em aplicar a Constituição e a Lei Complementar que ordena que o processo de desapropriação deva ter trâmite preferencial.
Para ele, os problemas burocráticos existem, mas podem ser resolvidos com gestão. E completa ao dizer que não é concebível “que um processo que encerra uma urgência e tem em vista o atendimento de um interesse social, já declarado pelo Presidente da República, fique no aguardo do desfecho de uma ação declaratória de produtividade ajuizada pelo proprietário do imóvel”.
Um levantamento realizado pela Procuradoria do Incra informa que existem mais de 200 processos de desapropriação suspensos em face desse entendimento que, de acordo com o procurador federal do Incra, simplesmente desconsidera a previsão constitucional e legal.
“Portanto, penso que a realização da Reforma Agrária depende de vontade política e de uma efetiva atuação dos três poderes da República. Por outro lado, é fundamental a existência dos movimentos sociais organizados reivindicando a efetivação da Constituição da República”, finaliza Valdez.

A guerra no Rio de Janeiro

A farsa e a geopolítica do crime

por José Claudio S. Alves [*]
Favela. Nós que sabemos que o "inimigo é outro", não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.

Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 [1] consegue sustentar tal versão.

O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos.

De um lado, milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.

Exemplifico. Em Vigário Geral, a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela milícia. Hoje, a milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.

O blindado Caveirão. Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram na lista dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de "segurança".

Sabemos igualmente que as UPPs [2] não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.

Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemônicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparato que ocupa militarmente, etc.

Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadam Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?

UMA GUERRA PELA HEGEMONIA DO CRIME

Clique para ampliar. Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas.

Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.

Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.

A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI [3] das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.

Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro, que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e áreas pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos faz esquecer que ela tem outra finalidade e não a hegemonia no controle do mercado do crime no Rio de Janeiro?

Mas não se preocupem. Quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Pontos Maravilha da cidade.

Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão [4] e o Bope passarem.
28/Novembro/2010
1. Segunda versão do filme Tropa de elite. Ver O veneno da mensagem em Tropa de Elite 1 e 2
2. UPPs: As chamadas Unidades de Polícia Pacificadora
3. CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito
4. Caveirão: alcunha de viatura blindada utilizada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro

Ver também:
  • Repúdio ao revide violento das forças de segurança pública no Rio de Janeiro, e às violações aos direitos humanos que vêm sendo cometidas
  • Ocupação militar das comunidades desencadeou ataques
  • La "guerra" brasileña
  • A crise no Rio e o pastiche midiático


  • [*] Sociólogo da UFRRJ

    O original encontra-se em pcb.org.br/...


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

    UM IOIÔ CHAMADO PDT


     
    Finalmente, depois de muito resmungar, o PDT acertou a sua participação no governo de Tarso Genro no RS. Nada de mais, quando se trata da negociação de espaços num governo de coalizão, onde as diversas forças políticas que o integrarão disputam espaços visando a respectiva afirmação no cenário geral da política.


    No entanto, a coisa fica irônica quando este partido concorreu, na mesma eleição, inclusive participando da chapa com o vice, CONTRA a candidatura vencedora de cujo governo agora faz exigências para integrar.

    Pois foi exatamente o que ocorreu no Rio Grande do Sul. O PDT, que concorreu na chapa de José Fogaça (PMDB), inclusive oferecendo o vice, e que foi derrotado por Tarso Genro no primeiro turno, “aceitou” fazer parte do governo petista, fazendo diversas exigências quanto aos espaços a serem ocupados no futuro governo.

    É algo como entrar num restaurante lotado e querer a melhor mesa, mesmo que para isso os atuais ocupantes, em plena refeição, tenham que ser enxotados. É por essa e outras que o PDT caminha a passos largos para se tornar um partido nanico no cenário da política nacional.

    Quando do fim do bipartidarismo, em 1979, uma das grandes promessas da política brasileira era o ressurgimento do trabalhismo. Criado por Getúlio Vargas, sob o manto do antigo PTB foram instituídos os principais direitos dos trabalhadores, além do fortalecimento do nacionalismo em defesa das riquezas nacionais. Com Leonel Brizola, quando governador do Rio Grande do Sul, ganhou relevo a educação, que viria a ser a marca do trabalhismo moderno.

    No entanto, a perda da sigla PTB para o grupo ligado pela falecida deputada Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio, por obra e graça do general Golbery do Couto e Silva, ideólogo do regime militar de 64, e a conduta muitas vezes errática de Brizola, o PDT, criado a partir da perda da sigla histórica, foi perdendo espaço na política nacional, até virar um partido de expressão cada vez menor, mesmo no RS.

    Inicialmente, quando da reorganização do trabalhismo, Brizola, a partir das relações firmadas com líderes da social-democracia européia, decidiu dar ao novo PDT uma inflexão mais à esquerda.

    Esta nova fase, que se inicia com o histórico "Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio", ocorrida em Lisboa em 1979, visava modernizar o velho trabalhismo, cujo apelo ainda era muito forte em nosso País, mercê dos avanços trazidos pelos governos nacionais de Getúlio e Jango, bem como de Brizola em nível regional. Neste contexto, Brizola criou uma até uma expressão, para designar a inflexão ideológica do novo projeto, que ficaria famosa: “Socialismo Moreno”.

    No entanto, com o andar da carreta, os grupos remanescentes do antigo trabalhismo, que a par dos avanços referidos produziu, como subproduto do populismo, um paternalismo voltado à prática de favores e compadrios, acabaram por vencer a disputa com os que viam neste renascimento a oportunidade de dar ao trabalhismo histórico uma feição modernizada, voltada ao socialismo democrático.

    A partir daí, o PDT passou a gravitar cada vez mais em torno de figura de Brizola que, apesar de ser homem com idéias sociais avançadas (quando governou o RS, além de uma campanha inédita pela educação, com a construção de milhares de escolas, nacionalizou empresas estrangeiras e implantou um projeto de reforma agrária revolucionário), devia também a sua formação ao passado caudilhesco e populista do getulismo cujo modelo, como soi acontecer na espécie, remete à intuição e ao carisma do líder todo o destino do partido.

    Dono de uma personalidade marcante e algo autoritária, Brizola passou a agregar e romper com aliados, alguns antigos, sem deixar surgir novas lideranças, levando-o paulatinamente ao isolamento.

    Após fazer um governo bem sucedido no Rio de Janeiro (1983-1986), com a criação, concebida pelo inesquecível Darcy Ribeiro, do monumental projeto de educação através dos Centros Integrados de Educação Pública - CIEPs, cuja proposta era dar atenção integral ao aluno, não repetiu o desempenho em seu segundo governo carioca (1991-1994), quando fez uma administração apagada.

    Em 1989 quase chega ao segundo turno da eleição presidencial, perdendo para Lula por apenas 0,5% dos votos. É o melhor momento do PDT. Apoiou Lula no segundo turno e chegou a ser seu vice em 1998, rompendo após, como era do seu hábito.

    Mas Brizola foi colecionando desafetos e fazendo acordos e alianças eleitorais que ninguém entendia muito bem. No RS merece destaque a desastrosa aliança de 1986 com o PDS (sucessor da ARENA, partido do regime militar). Brizola justificava com o mesmo argumento utilizado para firmar uma aliança com o integralismo em 1958, quando se tornou governador do Rio Grande: seriam os trabalhistas quem chefiariam o governo.

    A morte de Brizola, em 2003, não melhorou as coisas, pois o PDT continuou funcionando na mesma lógica: no plano federal, integra o governo Lula e integrará o Dilma (que deixou o PDT, em 2001, exatamente pela inconstância política do partido), e aqui, no RS esteve nos últimos três governos, de características políticas muito diversas (o governo Olívio foi marcadamente de esquerda; o de Germano Rigotto, do PMDB, de centro-direita, e o da tucana Yeda, neoliberal). Ficou até o fim apenas no governo do PMDB, rompendo com os dois outros no curso dos mandatos.

    Em 2004, o PDT aliou-se novamente ao PMDB para tirar o PT da prefeitura de Porto Alegre, apresentando como candidato a vice o ex-petista José Fortunati, o qual ficou com o cargo quando José Fogaça renunciou para concorrer ao governo do Estado, aliás na chapa na qual os trabalhistas também entraram com o vice.

    Perdendo a eleição e convidado por Tarso para integrar o governo do PT, os pedetistas ficaram criando caso, querendo escolher secretarias e desfiando a paciência do novo governador. Aliás, apesar de alardear o seu compromisso histórico com a educação, estranhamente o PDT gaúcho não reivindicou a secretaria respectiva, fato novamente a apontar a falta de rumo do partido (más línguas afirmam que os trabalhistas ficaram com medo de que o ex-governador Alceu Collares forçasse a indicação de sua mulher, Neusa Canabarro, criadora do desastrado calendário rotativo no governo do marido e responsável pelo seu naufrágio político).

    Esta conduta errática acaba por confundir a posição política do partido perante o seu eleitorado. Ao aderir a governos de todos os matizes ideológicos, acaba por se parecer com o seu arqui-rival, o PTB “fake”criado pela ditadura, eclético no apoio a governos em troca de cargos.

    Lamentável ocaso para uma herança de grandes conquistas para o povo brasileiro.

    "Brasil precisa se proteger e cuidar das contas externas"

    A economista Maria da Conceição Tavares defendeu nesta sexta-feira, durante a Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo IPEA, em Brasília, que o Brasil deve proteger sua economia, reverter o processo de sobrevalorização do real e adotar mecanismos de controle de capital para evitar um ataque especulativo. Em sua fala, ela deixou algumas sugestões para o futuro governo Dilma: "Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos". O artigo é de Katarina Peixoto.

    O sexto painel da Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em Brasília, apresentou um tema abrangente e desafiador: Macroeconomia e Desenvolvimento. Um tema à altura da homenagem feita pelo IPEA aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares, formadora de mais de uma geração de economistas brasileiros. Bem humorada, ela brincou com a relação entre a homenagem e o tema escolhido para a conferência:

    “Esta homenagem está gloriosa, porque o clima é Woodstock, não é. Vamos ver se sou capaz de tocar guitarra elétrica. O tema proposto para mim, só tocando guitarra elétrica. Macroeconomia e desenvolvimento não são temas pensados conjuntamente, geralmente”.

    O propósito da política macroeconômica, lembrou, é evitar os desequilíbrios. E agora mais do que nunca em função da crise econômica mundial. Maria da Conceição Tavares fez um rápido resumo do quadro atual.

    “Neste ano que passou foram os países ditos emergentes que cresceram. O primeiro mundo não cresceu nada. A crise de 2008, agora em 2010, veio repicada com a crise na Europa. A política macroeconômica na Europa deve estar fazendo Keynes se remover na tumba. Um desemprego cavalar e eles vêm com ajuste fiscal. Além de tudo há uma pletora de dólares. O Banco Central europeu está sustentando os países mais pobres da UE, mas o problema não é de liquidez, mas de insolvência”.

    Frente a essa situação, alertou, o Brasil precisa ficar atento:

    “Nossa taxa de juros é historicamente cavalar. Não é uma maluquice do presidente do Banco Central. Desde a década de 70 que a taxa de juros primária é muito alta. E as taxas ativas dos bancos também são muito altas. Então estamos numa situação braba: que tipo de investimentos essa taxa de juros elevada atrai? O investimento direto não tem nenhum problema, desde que sejam estertores importantes do desenvolvimento. Mas nossas taxas de juros fazem com que sejamos atrativos para o capital especulativo. Resultado: estamos com uma grande sobrevalorização do real”.

    Diante deste quadro, acrescentou, a economia brasileira precisa se proteger, não apenas dos Estados Unidos, mas também da China. Neste ponto, ela fez algumas advertências importantes ao governo Lula e, principalmente, ao futuro governo Dilma:

    “Temos aumentado desvairadamente as importações. Está um festival de importação. Nós estamos diminuindo o conteúdo de valor agregado de nossa indústria, até com coeficiente em importação em aço, no qual temos competitividade internacional, temos 15% da importação em aço. Há sobra de aço na Europa, que está fazendo dumping para cima da gente e nós deixamos. Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos. Foi a primeira vez que o Brasil passou por uma crise sem se arrebentar. Ao contrário, somos credores líquidos internacionais. Passar dessa situação, outra vez, para devedor líquido é péssimo. Só não passamos a tanto porque o governo é credor líquido. Mas as grandes empresas, o capital privado já está devendo. O que significa que qualquer repique da crise internacional pode nos trazer problemas”.

    O governo tem de estar atento, enfatizou a economista, para não agravar o déficit fiscal. “A inflação é de custos, não de demanda. Então, não é o caso elevar taxa de juros, para não agravar o déficit fiscal, aumentando o serviço da dívida. Isso tira a possibilidade de desenvolvimento. Como se faz desenvolvimento com uma taxa de juros dessas?” - indagou.

    A economista garantiu que não discutiu pessoalmente esses temas com ninguém do governo. E reafirmou a defesa da adoção do controle de capitais para proteger o país de um ataque especulativo.

    “Já disse publicamente e repito, penso que numa situação como essa tem de ter controle de capitais. Todos os controles quantitativos. Aumenta o compulsório. Controla a taxa de crédito. Mas não com essa taxa de juros. Mesmo que o FMI tenha dito que controle de capitais pode ser recomendado, na atual conjuntura, o “mercado” e “os do mercado” aqui no Brasil não suportam ouvir isso. Mas temos no Banco Central gente discreta, não vedetes. Eu acho que a mudança do presidente do BC se prende a isso”.

    O Brasil, recomendou ainda a economista, precisa fazer uma política fina e ir diminuindo lentamente a taxa de juros e a taxa de câmbio. “Devagar com o andor que o santo é de barro. Tem de andar devagar”, enfatizou.

    E criticou aqueles que defendem o corte de gastos para promover um duro ajuste fiscal.

    “O eixo deste governo é a política econômica com eixo social. Esse é o nosso custeio. Cortar para investir, para agradar a imprensa? Eu acho que não há sentido nenhum. No desenvolvimento econômico, o eixo social está correto. Mas se não cuidarmos da parte cambial, não conseguiremos fazer política industrial e tecnológica e, no longo prazo, não há desenvolvimento econômico regredindo nessas coisas”.

    Maria da Conceição Tavares manifestou confiança na capacidade da presidente eleita Dilma Rousseff enfrentar esses problemas:

    “Graças a deus a nossa presidente é uma mulher de coragem, de discernimento e economista competente. Este primeiro ano dela é complicado, em todos os sentidos. Enfim, que deus a proteja. Não adianta pedir que deus proteja individualmente nestas questões. Nestas questões é melhor proteger o coletivo”.

    “Tenho muita fé na presidente, mas uma coisa é saber, outra é operar – não sei se a proporção de forças dos industriais pesam tanto quanto a dos banqueiros. Para sair dessa encrenca, agora mais do que nunca, não dá para deixar para o mercado ou a divina providência. A solução é humana e de todo o governo. Até o fim dessa década vamos erradicar a miséria, para que isso ocorra não podemos fazer coisas que abortem essas intenções.”


    O Brasil tem um caminho duro pela frente, concluiu, e “deve agir com a autonomia de um país independente e soberano”. “Precisamos fazer uma defesa soberana da política industrial, cambial e de balanço de pagamentos. Não quero que me impinjam política macroeconômica que me atrapalhe o desenvolvimento. E que não se espere que o G7, G20, o G 400 resolvam alguma coisa, porque a ordem mundial está uma bagunça e o mundo hoje é multipolar. Acho melhor cumprir o nosso papel”.


    Fotos: Antonio Cruz/Abr

    Vale-tudo: o Estado pode usar métodos de criminosos?

    Por Sakamoto em seu blog



    Um colega de um grande veículo de comunicação me perguntou, na manhã de hoje, qual minha posição sobre uma discussão que ganhou algumas redações: por que a polícia não metralhou os 200 traficantes da Vila Cruzeiro quando estes corriam em fuga após a entrada dos blindados da Marinha na comunidade. Segundo ele, parte das opiniões culpou a “turma dos direitos humanos”, que iria chiar internacionalmente quando a contagem de corpos terminasse, manchando a imagem do Rio de Janeiro (como se o Estado precisasse de ajuda para isso). Outra acredita que as câmeras presentes nos helicópteros da Globo e da Record que sobrevoavam a área – e foram alvo de reclamações do Bope pelo twitter (ah, esse admirável mundo novo…) – impediram um massacre. Uma terceira falou das duas ao mesmo tempo.
    De qualquer maneira, o problema em questão não é de que o “Estado não pode usar método de bandido sob o risco de se tornar aquilo que combate”, mas sim de que “droga, tem alguém olhando”. Muita gente torceu para que os criminosos em fuga fossem executados sumariamente. Ao mesmo tempo, parte da imprensa (e não estou falando dos programas sensacionalistas espreme-que-sai-sangue) parece vibrar a cada pessoa abatida na periferia, independentemente quem quer que seja. Jornalistas, cuja opinião respeito, optaram pela saída fácil do “isso é guerra e, na guerra, abre-se exceções aos direitos civis”, tudo em defesa de uma breve e discutível sensação de segurança. Afe.
    Relembrar é viver: as batalhas do tráfico sempre aconteceram longe dos olhos da classe média e da mídia, uma vez que a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia. Mesmo no pau que está comendo hoje no Rio, sabemos que a maioria dos mortos não é de rico da orla, da Lagoa, da Barra ou do Cosme Velho. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma origem social, é uma batalha interna. Então, que morram, como disseram alguns leitores esquisitos que, de vez em quando, surgem neste blog feito encosto.
    De tempos em tempos, essa violência causada pelo tráfico retorna com força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza social”. Já bloqueei comentários que, praticamente, pediam que os moradores de favelas fossem retirados do Rio.
    Quando a atual onda de violência acabar, gostaria que fossem tornados públicos os exames dos legistas. Afinal de contas, acertar um tiro na nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita precisão do policial – e depois registrar o ocorrido como auto de resistência demanda criatividade. Em 2007, a polícia chegou chegando nos morros, cometendo barbaridades, sem diferenciar moradores e traficantes, sem perguntar quem era quem. Duas dezenas de pessoas morreram. Naquele momento, o Rio optou pelo caminho mais fácil do terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como garantir qualidade de vida à população para além de força policial dia e noite) para viabilizar os Jogos Panamericanos. Imagina agora com a Copa e as Olimpíadas então. Dose dupla.
    Ninguém está defendendo o tráfico, muito menos traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em jogo aqui é que tipo de Estado queremos e o tipo de sociedade que estamos nos tornando. Muitas das ações que estão ocorrendo vão criar uma sensação de segurança na população passageira e irreal, que vai durar até a próxima crise.