domingo, 31 de julho de 2011

Entrevista com Noam Chomsky


''A imensa maioria dos árabes pensa que a maior ameaça vem dos EUA-Israel''


John Berger, no BRASIL DE FATO

Para sua segunda entrevista em menos de um ano com o professor Noam Chomsky (a primeira ocorreu em Cambridge, em setembro de 2010), Frank Barat pediu a renomados artistas e jornalistas que cada um lhe enviasse a pergunta que gostaria que fosse formulada a Noam.

Frank Barat: A prática política surpreende frequentemente pelo seu vocabulário político. Por exemplo, diz-se que a recente revolução no Oriente Médio se produz para exigir democracia. Podemos encontrar palavras mais adequadas? Não é, por acaso, a utilização das velhas e tão frequentemente traiçoeiras palavras uma maneira de absorver o impacto, no lugar de reuni-lo e seguir transmitindo? (Coordenador do Tribunal Russel sobre Palestina)


Noam Chomsky: Para começar, acredito que a palavra revolução é um pouco exagerada. Talvez possa converter-se em uma revolução, mas, no momento, é um apelo a uma reforma moderada. Há vários elementos, como o movimento de trabalhadores, que tentou seguir mais além, mas ainda está por se ver até onde chega. A questão é correta, mas também não é fácil de sair dela. Não ocorre somente com o termo democracia, mas também com cada palavra que tenha que ver com a discussão de assuntos políticos. Há dois significados. Um significado literal e um significado que se estabelece com respeito ao bem-estar político, à ideologia, à doutrina. Portanto, ou deixamos de falar ou tentamos utilizar as palavras de forma consciente. Como digo, isto não ocorre somente com a palavra democracia.
Tome uma palavra simples, como “pessoa”. Parece simples. Dê uma olhada. É muito interessante ver o que ocorre com essa palavra nos EUA. Os EUA garantem direitos pessoais que talvez cheguem mais longe que em qualquer outro país. Mas aprofunde-se neles. As emendas da constituição afirmam muito explicitamente que não se poderá privar nenhuma pessoa de seus direitos sem o devido processo legal. Isso volta a aparecer na 14° emenda, mas foi a 5° emenda que tratou de aplicar aos escravos libertos, sem êxito. Os tribunais vêm reduzindo e ampliando seu significado de forma crucial. Ampliaram o significado para incluir as corporações: entidades legais fictícias estabelecidas por um poder estatal. Portanto, concederam-lhes os direitos das pessoas, inclusive direitos que iam mais além dos das pessoas. Por outro lado, também reduziram seu alcance porque o lógico era pensar que o termo “pessoa” seria aplicado, igualmente, a essas criaturas que caminham em nossa volta fazendo os trabalhos sujos da sociedade e que não dispõem de documentação. Mas não foi assim, porque era necessário privar-lhes de seus direitos. Portanto, os tribunais, em sua infinita sabedoria, decidiram que não são pessoas. As únicas pessoas são aqueles que têm cidadania. Assim, as entidades corporativas não humanas, como o Barclays Bank, são pessoas, com direitos de grande alcance. Mas os seres humanos, a gente que varre as ruas, não são pessoas, não têm direitos e o mesmo ocorre com cada termo que seja examinado.
Tomemos agora a expressão “acordos de livre comércio”. Por exemplo: há um Acordo de Livre Comércio Norte-Americano: Canadá, Estados Unidos e México. O único termo exato que há aí é “norte-americano”. Não é realmente um “acordo”, se considera que os seres humanos formam parte de suas sociedades, porque a população dos três países estava contra o mesmo. Portanto, não é um acordo. Tampouco se trata de “livre comércio”, é protecionista em grau extremo, estabelece tremendas proteções aos direitos de monopólio nos preços das corporações farmacêuticas, etc. Uma grande parte de tudo isso não é um comércio em absoluto. Na realidade, o que chamamos “comércio” é uma espécie de piada.
Por exemplo, na antiga União Soviética, se certas peças eram fabricadas em Leningrado e eram enviadas à Varsóvia para que fossem montadas e depois fossem vendidas em Moscou, eu não chamaria a isto de comércio, ainda que cruzasse fronteiras nacionais. Eram interações dentro de uma economia de comando único. E ocorre exatamente o mesmo se a General Motors fabrica algumas peças na Índia, as envia ao México para que sejam empacotadas e as vende em Los Angeles. Isto seria comércio em ambos os sentidos. Na realidade, se busca a parte comercial, somente representa 50%. O que é bastante pouco. E grande parte do acordo tem a ver somente com direitos de investimento: garantir a General Motors, por exemplo, os direitos das companhias nacionais no México, coisa que os mexicanos não conseguem nos EUA. Tomem o termo que quiserem. Irão se deparar sempre com exatamente o mesmo. Portanto, sim, isso é um problema e temos que afrontá-lo tentando esclarecer de que modo utilizamos uma terminologia equivocada.

Chris Hedges: Julien Benda, em The Treason of Intellectuals defende que somente quando os intelectuais não perseguem objetivos práticos ou vantagens materiais é que podem servir como consciência e sanção. Você poderia abordar o tema da perda de filósofos, líderes religiosos, escritores, jornalistas, artistas e acadêmicos que em algum momento viveram suas vidas em oposição direta ao realismo das multidões e o que isto implicou para nossa vida moral e intelectual? (Jornalista estadunidense especializado na cobertura de conflitos)

Posso compreender os seus sentimentos e compartilhá-los, mas não sei que perda foi essa. Alguma vez isso foi certo? Que eu lembre não houve nenhuma época; o termo intelectual chegou a ser de uso comum em seu sentido moderno geral na época dos partidários de Dreyfus. Era uma pequena minoria. Uma minoria pequena e impopular. A massa de intelectuais apoiava o poder estatal. Durante a primeira guerra mundial e pouco depois, em cada um dos países, os intelectuais apoiavam apaixonadamente ao seu próprio estado e sua própria violência. Houve um punhado de exceções, como Bertrand Russel na Inglaterra ou Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht na Alemanha ou Eugene Debs nos Estados Unidos, mas todos eles foram para a prisão. Eram marginalizados e jogados na prisão. No círculo de John Dewey, os intelectuais liberais dos EUA que eram fervorosos partidários da guerra, houve um de seus membros, Randolph Warren, que se manteve aparte. Não lhe colocaram na prisão, EUA é um país bastante livre, mas lhe tiraram das revistas, ficou intelectualmente exilado, etc. Assim é como sempre ocorreu.
Dê uma olhada cuidadosa nos anos sessenta, um período de grande ativismo: os intelectuais apoiavam muito a Martin Luther King e o movimento pelos direitos civis sempre e quando se limitasse a atacar alguém. Enquanto o movimento pelos direitos civis perseguia xerifes racistas no Alabama, era extraordinário. Todo mundo o exaltava. Quando se ocupou de questões de classe, ele foi marginalizado e suprimido. As pessoas costumam esquecer que Martin Luther King foi assassinado quando tomava parte em uma greve dos trabalhadores do setor sanitário e que ia a caminho de Washington para ajudar a organizar o movimento popular dos pobres. Bem, isso supunha cruzar um limite, isso fazia sentir que ia por nós. Ia contra os privilégios e o norte, etc. Por isso os intelectuais desapareceram.
Com relação à guerra do Vietnã, ocorre exatamente o mesmo. Quase não houve nada entre os intelectuais conhecidos – houve desde cedo pessoas à margem da sociedade, jovens e demais -, mas entre os intelectuais com prestígio, praticamente nada. Já no final, após a ofensiva de Tet em 1968, quando a comunidade empresarial se voltou contra a guerra, então tu poderias ver aparecer pessoas dizendo “Sim, sempre estive contra a guerra”... Mas não há nem o menor indício disso, nada em absoluto.
Na realidade, há que recorrer à história mais antiga. Vamos à Grécia Clássica, quem bebeu a cicuta? Ao indivíduo se lhe acusou de corromper os jovens de Atenas com falsos deuses. Tomem os registros bíblicos. Não aparece o termo “intelectual”; mas há um termo que significa o que eles entendiam por intelectual, o de “profeta”. É uma má tradução de uma obscura palavra hebréia. Havia os chamados profetas, intelectuais, que formulavam a crítica política, condenavam o rei por provocar desastres, condenavam os crimes do rei, pediam misericórdia para os viúvos e os órfãos, etc. Bem, estas pessoas nós poderíamos chamar de intelectuais. Como os tratavam? Eram denunciados como pessoas que odiavam Israel. Essa é a frase exata que se utilizava. Essa é a origem da frase “auto-ódio judio” no período moderno. E os aprisionavam, deixavam-lhes no deserto, etc. Mas bem, haviam intelectuais que eram elogiados: os aduladores da corte. Séculos depois, chamaram-se de “falsos profetas”. Mas não neste preciso momento. Desde então, ocorre quase sempre a mesma história.
Há umas quantas exceções. No período atual, a principal exceção que conheço é a Turquia. É o único país onde eu sei que importantes artistas, acadêmicos, jornalistas e editores – uma gama muito ampla de intelectuais – não somente condenam os crimes do Estado, mas também se envolvem em constantes desobediências civis contra ele. Enfrentando e suportando frequentemente castigos muito duros. Dá-me vontade de rir quando chego à Europa e escuto as pessoas queixarem-se de que os turcos não são o suficientemente civilizados para se incorporar à sua avançada sociedade. Poderiam aprender várias lições com a Turquia. E isso é bastante incomum. Na realidade, é tão incomum que apenas se conhece, não é possível nem sugeri-lo. Mas, à parte da palavra “perdida”, creio que os comentários de Chris Hedges são exatos, mas eu não consigo perceber nenhuma perda.
Acredito que quase sempre aconteceu o mesmo. Desde cedo, o que varia é a forma com que se trata esses intelectuais. Digamos que pode ser que nos EUA sejam difamados ou algo assim, na antiga União Soviética, na Checoslováquia nos anos sessenta e nos setenta, podiam ser presos, como prenderam Havel. Se nessa época te encontravas nos domínios americanos, como El Salvador, o batalhão de elite treinado na escola especial de guerra dos EUA podia arrebentar-te a cabeça. Portanto, sim, dependendo do país, tratam-se as pessoas de forma diferente.

Amira Hass: Os levantes dos países árabes fizeram-lhe mudar ou revisar as suas antigas análises? Afetaram, e como, as suas ideias sobre, por exemplo, massas, esperança, Facebook, pobreza, intervenção ocidental, surpresa? (Jornalista israelense que vive na faixa de Gaza)

Amira e eu nos reunimos na Turquia há um par de meses, tivemos um par de horas para falar e nenhum de nós previu nada, talvez ela sim, mas se o previu não disse nada, certamente eu não previ nada, não estava sucedendo nada no mundo árabe, portanto, sim, mudei de opinião a esse respeito porque foi algo inesperado. Por outra parte, quando olhas para trás, não há diferença com o que ocorria antes, exceto que no passado os levantes eram violentamente reprimidos, e isso foi o que ocorreu em novembro, no início dos levantes, no Saara Ocidental que Marrocos invadiu há 25 anos, violando as resoluções das Nações Unidas e ocupando brutalmente.
Em novembro se produziu esse primeiro protesto não violento que as tropas marroquinas controlaram violentamente, que é algo que há 25 anos seguem fazendo; foi bastante grave como para que se apresentasse uma petição de investigação nas Nações Unidas, mas então a França foi e interveio. A França é o principal protetor de atrocidades e crimes na África Ocidental, são as velhas propriedades francesas, por isso bloquearam a investigação das Nações Unidas do que foi o primeiro protesto. O seguinte foi na Tunísia, de novo mais ou menos uma zona francesa, mas teve êxito, derrubaram o ditador. E depois veio o Egito, que é o mais importante devido a sua relevância no mundo árabe, que foi imensamente notável, uma imensa demonstração de valor, dedicação e compromisso. Tiveram êxito ao se desfazerem do ditador, ainda que o regime não tenha, todavia, mudado. Talvez mude, mas ainda segue aí, diferentes nomes, mas nada novo; esse levante, do 25 de janeiro, foi dirigido pelos jovens que se autodenominaram como o Movimento do 6 de abril.
Bem, o seis de abril se chama assim por uma razão, eles elegeram esse nome porque foi a data de uma ação importante de luta um par de anos antes, no complexo industrial têxtil de Mahalla, e que se acreditava que seria uma greve importante, levaram-se a cabo atividades de apoio e outras. Bem, foram reprimidos violentamente, isso foi em 6 de abril e essa foi uma da série de greves. Certo é que pouco depois da repressão do levante de 6 de abril, o presidente Obama foi ao Egito dar seu famoso discurso sobre a aproximação ao mundo muçulmano e os demais. Solicitou-se a ele em uma conferência de imprensa que dissesse algo sobre o governo autoritário do presidente Mubarak e disse que não, que Mubarak era um bom homem, que estava fazendo coisas boas mantendo a estabilidade e derrotando a greve de 6 de abril e que isso estava bem.
O mais chamativo é Barein. O que aí sucede está alarmando o Ocidente, em primeiro lugar porque Barein alberga a quinta frota americana, uma força militar importante na região. Segundo, porque é de maioria xiita e se chega até ali justamente através de uma estrada construída desde o leste de Arábia Saudita, que tem também uma população de maioria xiita, e sucede que é onde se encontra a maior parte do petróleo. Durante anos, os planejadores ocidentais se preocuparam pelos incidentes históricos e geográficos dali, porque a maior parte do petróleo mundial se encontra nas zonas xiitas, justamente ao redor desta parte do Golfo, Irã, sul do Iraque, leste da Arábia Saudita. Bem, se o levante de Bahrein se estende à Arábia Saudita, as potências ocidentais vão se ver realmente em dificuldades e de fato Obama modificou a retórica que utilizava oficialmente para falar dos levantes. Durante um tempo falou de mudança de regime, agora fala de alteração do regime. Não queremos que haja mudanças, é extraordinário poder contar com um ditador que nos faça o trabalho sujo.
Na atualidade, um fato bastante surpreendente sobre tudo isto é que..., dê uma olhada nos vazamentos de WikiLeaks, é muito interessante. Os mais conhecidos no Ocidente, as grandes manchetes, os vazamentos dos embaixadores que diziam que o mundo árabe nos apoia contra Irã... Mas havia algo que faltava nessas reações nos jornais, nos colunistas e outros, a saber: a opinião pública árabe, o que queriam dizer com isso de que os ditadores árabes nos apoiam? O que se passava com a opinião pública árabe? Não havia nada, não se informava nada. Nos EUA: zero, creio que há um informe na Inglaterra, de Jonathan Steele, e provavelmente nada na França, não sei. Mas sabe-se bem, e muitas agências prestigiosas publicaram, que os árabes que pensam que Irã é uma ameaça representam 10%.
A maioria, a imensa maioria, pensa que a maior ameaça vem dos EUA e Israel. No Egito, 90% dizem que os EUA é a maior ameaça, na realidade a política dos EUA é tão dura que eu acredito que no Egito quase 80% pensam que o regime seria melhor se Irã tivesse armas nucleares. Por toda a região, a maioria pensa assim. Voltando a John Berger e ao termo democracia, a valorização dos intelectuais ocidentais da democracia é tão profunda e está tão profundamente arraigada que a ninguém ocorre perguntar o que pensam os árabes; quando nos sentimos eufóricos de que os árabes nos apoiem, a resposta é que não nos interessam, enquanto estejam quietos e submetidos e controlados, enquanto há isso que chamamos de estabilidade, não importa o que pensam. Os ditadores nos apoiam e ponto, sentimo-nos eufóricos perante este tipo de vínculos, junto a uma boa quantia de questões... Mas, voltando ao comentário de Amira Hass, o sucedido deveria nos levar a pensar no que esteve sucedendo não somente no mundo árabe, mas em mais lugares e que muito frequentemente está motivado por uma razão essencial: a de terem sido submetidos com violência e assim ocorreu ao longo de todo um século.
Quero dizer que os britânicos estiveram reprimindo o movimento democrático no Irã há mais de um século. No Iraque, houve um levante xiita e, tão logo como os britânicos improvisaram o país após a primeira guerra mundial, reprimiram violentamente os grandes levantes; um dos primeiros usos da aviação foi para atacar os civis. Lloyd George escreveu em seu diário que isso foi algo grandioso porque tínhamos que nos reservar o direito de bombardear os “negros”. Continuou em 1953 quando os EUA e a Grã Bretanha se uniram para derrotar no Irã o governo parlamentarista. De 1936 a 1939, houve um levante árabe na Palestina contra os britânicos que foi violentamente combatido.
A primeira Intifada foi de novo um levante popular muito importante. Não foi violento em absoluto, mas sim, um verdadeiro movimento popular, com grupos de mulheres protestando contra a estrutura feudal, tentando destruí-la. Foi combatida sem piedade. Tão logo sucediam coisas como essas, elas eram combatidas. O que é incomum nesta ocasião é que na maioria dos países são suficientemente fortes como para poder sustentar-se. Não sabemos o que sucederá no Barein e Arábia Saudita. Na realidade, não sabemos o que vai suceder no Egito. O exército, que conservou até agora ao menos o controle e o alto comando militar, está profundamente embutido no velho regime opressor. Haviam se apoderado de grande parte da economia, eram os beneficiários da ditadura de Mubarak, não vão ceder facilmente, por isso nos resta ver o que vai suceder ali.

Ken Loach: Como superar o sectarismo na esquerda? (Cineasta britânico)

Não acredito que consigamos algum dia. Há uma forma de sectarismo que é bem vinda, a saber: a discrepância. Há muitas coisas pouco claras, deveríamos discutir, buscar diferentes opções e, além disso, ver o que quer expressar Ken com sectarismo e o que significa em geral; são uma série de iniciativas que algumas vezes tentam, e frequentemente conseguem, dividir os movimentos populares. As pessoas individuais ou os grupos políticos que têm sua própria agenda e querem se construir com o controle se convertem em pequenos Lênin. Não acredito que algum dia esse tipo de sectarismo seja eliminado. Pode-se marginalizá-lo, como por exemplo, durante os levantes do mundo árabe, ou seja, Egito, a Praça de Tahrir, eles foram surpreendentemente muito pouco sectários e havia muitos pontos de vista diferentes, mas havia unidade e um objetivo comum. Lamentavelmente, isso está começando a alterar-se.
Justamente ontem houve uma manifestação de mulheres para exigir seus direitos. Foram reprimidas. É uma sociedade muito sexista e atacaram as mulheres. Ok, isso é sectarismo. Agora, há também um sectarismo religioso em desenvolvimento, quero dizer que quando um objetivo comum já não serve para unir as pessoas em luta, então te deparas com o sectarismo. Essa é a forma de unir as pessoas. Por exemplo, no movimento de trabalhadores nos EUA. A força trabalhadora foi extremamente racista e não necessariamente só contra os negros; por exemplo, no final do século XIX, tratavam-se igualmente os irlandeses e os negros. Quero dizer que podias passear por Boston e ver cartazes que diziam “Nem cachorros nem irlandeses”, etc.
Éramos chamados de hunos, isso significa alguém que vem da Europa Oriental, um amargo racismo contra os bárbaros, contra os italianos, estendia-se até onde alcançava a vista. Mas quando começam as ondas de greves nos fins do século XIX e vão adquirindo importância, houve lugares como os centros mineiros do carvão e do aço no oeste da Pensilvânia, nos quais as pessoas tomaram as cidades e as governaram. Neste ponto, o sectarismo desapareceu, o racismo desapareceu e se uniram para tratar de conseguir algo. O mesmo ocorreu com a organização CIO na década de 1930, superou o racismo contra os negros e trabalharam juntos. Essa é a única forma que eu conheço de conseguir as coisas. O mesmo aconteceu no movimento pelos direitos civis. Se tiveres um objetivo comum e podes coordenar-te para tentar alcançá-lo, então se deixam de lado os esforços sectários, não é que desapareçam, há pessoas que seguem manobrando na periferia e talvez se os motivos e os compromissos se suavizam, elas podem começar a tentar fazê-lo com o todo, como começamos a ver no Egito, mas não conheço outra forma de consegui-lo.

Paul Laverty: Provavelmente não houve nunca uma época na qual tenha ocorrido tanta concentração da riqueza e de poder em tantas poucas mãos. Os poderosos utilizam sistemas sofisticados para manter este estado de coisas, mas talvez nós, na esquerda, utilizamos isto também como desculpa para ocultar nossas deficiências. O que você pensa que falhou em nosso esforço imaginativo para construir uma campanha de massas internacional que democratize os recursos e desafie o poder corporativo? Você pode imaginar uma época na qual possamos organizar com êxito nossas vidas e economias sobre uma base de cooperação ao invés de uma base competitiva? (Advogado e cineasta escocês)

Claro que posso imaginar e, na realidade, houve diversos experimentos com êxito, alguns deles justamente agora. Nenhum deles utópico, nenhum deles do tipo que eu ou você ou outros aspirariam, mas não foram insignificantes. Tomemos, por exemplo, o sistema de Mondragón, na Espanha, gerenciado pelos trabalhadores. É uma forma de cooperativa que teve muito êxito, com um êxito muito amplo.
Se olha ao redor dos EUA, há provavelmente centenas de empresas autogerenciadas, não são imensas, ainda que algumas, sim, são bastante grandes, mas estão tendo êxito. Tomemos justamente agora o Egito, uma das coisas mais interessantes que estão sucedendo no Egito é que o movimento dos trabalhadores, que se manteve militante durante anos (como mencionei antes, este levante não saiu do nada), em alguns dos centros industriais, como o caso de Mahalla, ao que tudo indica os trabalhadores tomaram a empresa e a estão dirigindo. Bem, se isso é verdade, esse poderia ser o começo de uma revolução, para voltar às palavras de Berger. Portanto, sim, é perfeitamente factível.
O comentário sobre a desigualdade é muito real. Não conheço as estatísticas detalhadas de outros países, mas nos EUA a desigualdade está justamente agora no nível mais alto de sua história desde a década de 1920. Mas isso é enganoso, porque a desigualdade nos EUA está muito concentrada, no alto temos exatamente 1% da população. Observe a distribuição dos ingressos, vai de forma muito aguda até o extremo superior e é, literalmente, a décima parte do 1% da população. Aí se dá uma riqueza extraordinária. De fato isso está impulsionando a desigualdade, se tomas essa parte, vês que é desigual, mas não pode se ocultar totalmente. Quem são? São os gestores de fundos de cobertura, os diretores executivos, os banqueiros, etc. Bem, algo muito grave esteve acontecendo.
Desde os anos setenta, a economia mudou de forma significativa, “financiarizou-se”. Voltando aos setenta, as instituições financeiras, os bancos, as empresas de investimento representavam uma pequena percentagem dos benefícios corporativos. Agora, em 2007, por exemplo, alcançaram 40%. Não beneficiam à economia, na realidade provavelmente a prejudicam, não têm utilidade social, mas são poderosas. Com poder econômico se controla o poder político. Por razões bastante óbvias. Por isso conseguiram um extenso poder político, por exemplo, as instituições financeiras que colocaram Obama no poder, é delas que procede a maior parte de seu financiamento.
Com poder político tens a oportunidade de modificar o sistema legislativo e isso é o que estiveram fazendo. Portanto, sobretudo desde os anos oitenta, modificaram-se as políticas fiscais, as políticas tributárias, para assegurar uma muito alta concentração da riqueza. Modificaram-se as normas da governança corporativa. Permitem, por exemplo, que o diretor executivo de uma corporação selecione a junta que vai determinar o seu salário. Bem, tu podes imaginar quais são as conseqüências de tudo isso. Na atualidade, lemos todos os dias nos portais dos jornais, lemos sobre os imensos bônus que são dados aos encarregados da gestão, daí é de onde sai.
Toda a regulação veio abaixo, com efeitos muito destacados. Isto se generaliza pelo resto do mundo. Estou falando dos EUA porque é o que melhor exemplo que conheço. Realmente, a regulação do New Deal impediu até os anos oitenta que surgisse uma crise financeira. Desde a década de 1980, crise após crise, várias durante os anos de Reagan, bastante graves, de fato Reagan deixou o poder com a pior crise financeira desde a depressão. O escândalo de Sayings & Loans, depois chegou Clinton, depois esta crise da moradia, malditos oitocentos bilhões de dinheiro desapareceram, a economia devastada. Bem, tudo isso é fruto de decisões políticas.
Enquanto isso, o custo das campanhas eleitorais segue incrementando-se e isso obriga as partes a irem profundamente aos bolsos dos setores corporativos onde está o dinheiro. Espera-se que as próximas eleições, em 2012, custem ao redor de 2 bilhões de dólares. Dê uma olhada na administração Obama e se dará conta que esteve incorporando executivos ao seu governo. São os que têm acesso ao financiamento das corporações que vão comprar as eleições. As eleições estão convertendo-se em uma mera farsa dirigida pela indústria das relações públicas. É um esforço de marketing, estão dizendo abertamente. Na realidade, Obama ganhou o prêmio da indústria da publicidade pela melhor campanha de marketing em 2008, sabe-se exatamente do que se trata o assunto. Bem, tudo isso é uma espécie de círculo vicioso. Aumenta a concentração da riqueza, incrementa o poder político, que atua para aumentar ainda mais a riqueza.
Por que não há reação? Agora, sim, está havendo reação, pela primeira vez, o que está sucedendo em Wisconsin é uma reação muito importante. Há dezenas de milhares de pessoas nas ruas, dia após dia, com muito apoio popular, talvez lhes apoiem as duas terceiras partes da população. Estão tentando defender os direitos dos trabalhadores, o direito à negociação coletiva, que está sob ataque. Refiro-me ao fato de que o mundo dos negócios compreende muito bem que a única barreira perante a sua total tirania corporativa é o movimento organizado de trabalhadores. Por isso há que destruí-lo. A história do movimento dos trabalhadores nos EUA foi extremamente violenta, mais que na Europa e ali se fizeram esforços e mais esforços para acabar com os sindicatos, mas seguem renascendo. Agora há um esforço importante contra, mas está se resistindo. Os grandes movimentos populares resistem.
Mas onde está a esquerda? É interessante o que está sucedendo agora com a esquerda. Depois da década de 1960, na qual houve um grande renascimento, não houve grande ativismo na esquerda. Há agora muito jovens mais ativistas que nos anos sessenta. Mas os problemas mudaram. Algumas vezes são denominados como pós-materialistas. São temas importantes, não os deprecio. Os direitos dos homossexuais, os direitos ambientalistas, os direitos das mulheres, são todos importantes, mas não chegam a preocupar as pessoas que estão sofrendo um desemprego em níveis de época de depressão. Não chegam aos 20% da população que necessita de bônus de ajuda alimentícia. Não houve este tipo de difusão e organização. Por isso, quando começaram há umas duas semanas os protestos em Wisconsin, não houve praticamente nenhuma iniciativa da esquerda. Bom, um par de personalidades bem conhecidas chegou para dar uma palavra, mas nada mais, não estava organizado por grupos de esquerda que deveriam estar no mesmo coração de tudo. Mas estão por aí e é melhor que se apresentem ou vamos ter problemas.
Ainda que o ativismo de esquerda seja importante, muito importante, está bastante divorciado da luta diária pela sobrevivência e uma vida decente da maioria da população e essa é uma brecha que deve ser superada de algum modo.

Alice Walker: Creio que é inevitável a solução de um único Estado ao impasse Palestina/Israel, e que é mais justa do que poderia ser a solução dos dois estados. Isto se deve ao fato de que não acredito que Israel deixe alguma vez de tentar ter sob seu controle os palestinos, sejam já cidadãos de Israel ou vivam nos territórios ocupados. Com a solução dos dois Estados haveria um estado israelita e um bantustão palestino. (Escritora estadunidense e autora do livro A Cor Púrpura)

Surpreendeu-me muito seu rechaço à ideia de um Estado como algo quase absurdo e gostaria de entender por que pensa assim. Não há nenhuma esperança de que israelitas e palestinos possam viver juntos como os brancos e negros após a caída do apartheid, na África do Sul?
É uma pergunta interessante. Ela é uma mulher maravilhosa, faz um bom trabalho, está realmente comprometida com a causa palestina, mas a pergunta diz algo sobre o recente movimento de solidariedade palestino. Quero dizer, se eu tivesse lhe feito a pergunta, digamos, por que pensa que é absurdo tentar defender direitos civis para os negros nos EUA? Ela teria se sentido desconcertada, dedicou grande parte de sua vida nisso. De fato, a única resposta possível seria: De que planeta você saiu? Isso é o que estive fazendo toda a minha vida.
É exatamente o mesmo aqui. Já faz setenta anos que estamos defendendo o que na recente ressurreição recebe o nome de um acordo para Um Estado. O acordo para Um Estado, que não é solução. Esse Acordo de Um Estado chama-se, frequentemente, de um acordo binacional e se se pensa nele, sim, terá de ser um acordo binacional. Isso foi o que eu estive fazendo quando era um jovem ativista nos anos quarenta, em oposição a um Estado judeu. E assim continuarei sempre. E é duro perder isso. Desde os últimos anos da década de 1960 escrevi toda uma série de livros, um número imenso de artigos, palestras constantemente, milhares delas, entrevistas, sempre ao redor do mesmo. Tentando trabalhar por um acordo binacional, em oposição a um Estado judeu.
Fiz toneladas de trabalhos sobre este tema, trabalho ativista, escrevendo, etc. Mas não é somente o slogan e acredito que é por isso que alguém como Alice Walker o desconhece. Não é somente um slogan, “vivamos juntos e felizes”. Trata-se de enfrentar seriamente o problema. Quando és sério sobre isso, pergunta-te “como podemos conseguir?” Bem, depende das circunstâncias, como todas as opções táticas. No período anterior a 1948, era simples, não queremos um Estado judeu, tenhamos um Estado binacional. De 1948 a 1967, dizias a ti mesmo que não era sensato eleger essa posição. Em 1967 abriu-se de novo a possibilidade. Houve uma oportunidade em 1967 de avançar para algum tipo de sistema federal para depois chegar a uma integração mais estreita, talvez um autêntico Estado laico binacional.
Em 1975, cristalizou o nacionalismo palestino e se introduziu na agenda, e a OLP ponderou um acordo de dois estados, com o imensamente doloroso consenso internacional dessa época para um acordo de dois estados na forma que todo o mundo conhece. De 1967 a 1975 era impossível defendê-lo diretamente e era um anátema, algo odiado, denunciado porque era ameaçador. Era ameaçador porque podia cumprir-se e isso prejudicaria a formação política. Portanto, enquanto se davam conta, denunciava-se e difamava-se. Desde 1975 podias ainda manter esta posição, mas tinhas de enfrentar a realidade, que teria que se alcançar por etapas. Há somente uma proposta que nunca escutei, a de que vivamos todos juntos em paz; a única proposta que conheço, começando com o consenso internacional, é a do acordo de dois Estados. Reduzirá o nível de violência, o ciclo de violência, abrirá possibilidades para uma interação mais estreita que já se produz em algum nível, inclusive nas circunstâncias atuais, comercial, cultural e outras formas de interação. Isso poderia levar a desgastar as fronteiras. Isso poderia levar a uma maior interação e talvez a algo como o velho conceito de Estado binacional.
Chamo agora de acordo porque não acredito que este seja o final do caminho. Não vejo razão particular alguma para render culto às fronteiras imperialistas. Assim que quando minha esposa e eu nos voltamos para quando éramos estudantes e íamos com a mochila pelo norte de Israel, e sucedia que cruzavas o Líbano, porque não há uma fronteira marcada, já se sabe, aparecia alguém nos gritando e nos dizendo para voltar. Por que deveria fazer uma fronteira ali? Foi imposto mediante a violência francesa e britânica. Tínhamos que avançar até uma maior integração de toda a região, não se fazia um acordo de um Estado se é que falamos da palavra. De qualquer forma, há uma série de coisas equivocadas com respeito aos Estados, por que deveríamos prestar culto às estruturas estatais? Teríamos de miná-las. Mas bem, em uma série de passos. Se alguém pode pensar em outra via para chegar até aí, então deveria nos contar. Podemos lhe escutar e falar sobre isso. Mas não sei de outra via. Portanto, tudo o que estive escrevendo e falando é demasiado complexo para colocá-lo em uma mensagem de twitter. Nesta época, isso significa que não existe. Tens de apoiar tanto o acordo para dois Estados como o acordo para um Estado. Tens de apoiar ambas as coisas, porque uma delas é o caminho para conseguir a outra. Se não fazes o primeiro movimento, não vai a lugar algum. Agora Alice Walker diz que Israel não aceitará um acordo de dois Estados. Tem razão. Tampouco vai aceitar o acordo de um Estado. Portanto, se esse argumento tem alguma força, sua proposta está fora de lugar, a minha também.
Por esse mesmo argumento, poder-se-ia tratar de demonstrar que o apartheid nunca teria fim. Que os nacionalistas brancos nunca aceitariam por fim ao apartheid, o que é verdade, então, Ok, renunciamos a luta contra o apartheid. Indonésia nunca renunciaria a Timor Leste, os generais diziam alto: “é uma província nossa e vamos mantê-la”. Isso tinha sido verdade se as ações tivessem se produzido no vazio. Mas não havia tal vazio, havia outros fatores implicados. Um dos fatores, que é importante, e de fato nestes casos é decisivo, é a política norte-americana. Bem, isso não está gravado em pedra. Quando a política dos EUA mudou sobre a Indonésia e Timor Leste, tomou-se literalmente uma frase do presidente Clinton para conseguir que os generais indonésios se fossem. Em um determinado momento ele disse: “Acabou-se”. E se retiraram.
No caso do apartheid, foi um pouco mais complicado. Cuba desempenhou um grande papel. Por exemplo, Cuba expulsou os sul-africanos de Namíbia e protegeu Angola. Isso teve um grande impacto. Mas foi quando mudou a política dos EUA, até 1990, quando esse movimento, o apartheid, veio abaixo. Agora, no caso de Israel, EUA é decisivo. Israel não pode fazer nada sem contar com o apoio dos EUA. Proporciona-lhe apoio democrático, militar, econômico e ideológico. Quando esse apoio se retira, fazem o que os EUA dizem. E assim sucedeu realmente uma e outra vez.
Portanto, se fosse verdade que se estivesse atuando em um vazio, nunca teriam aceitado algo que não fosse o que estão fazendo agora. Apoderando-se da prisão que é a Gaza, apoderando-se de todo o território que lhes dá vontade, já se sabe, e assim seguirão. Mas não estão atuando em um vazio. Há coisas que podemos fazer, como em outros casos, para mudar isso. E neste caos, penso que pode se considerar e, inclusive, traçar-se um plano para poder avançar em direção ao acordo de um Estado como um passo até algo inclusive melhor; há que seguir. Pelo que se pode ver, o único caminho para conseguir isso é apoiando o consenso internacional como primeiro passo. Um passo, um prelúdio para mais passos. Isso significa ações muito concretas. Não temos de organizar um seminário para discutir as possibilidades abstratas. Há passos muito concretos que podemos dar.
Por exemplo, retirar o exército israelense da Cisjordânia. Essa é uma proposta concreta e há toda uma série de medidas a adotar para levá-la a cabo. Por exemplo, a Anistia Internacional, que não é precisamente uma organização revolucionária, pediu um embargo de armas sobre Israel. Bem, se os EUA, Grã Bretanha, França e outros, se os povos podem pressionar os seus governos para que aceitem essa proposta e dizer que haverá um embargo de armas ao menos que retires o teu exército da Cisjordânia, isso teria efeito. Há outras ações que poderiam ser feitas. Se o exército sai da Cisjordânia, os colonos irão também com eles. Subirão nos caminhões que lhes facilitem e se transladarão desde suas casas subvencionadas na Cisjordânia para as suas casas subvencionadas em Israel. Da mesma forma como fizeram em Gaza, quando lhes foi dada a ordem. É provável que alguns fiquem, mas isso não importa, se querem seguir em um Estado palestino, isso é assunto seu. Portanto, há coisas muito concretas que podem ser feitas. Sei que não é questão de estalar os dedos e já está, mas não é pedir muito mais que o tipo de coisas que sucederam em outras partes quando a política das grandes potências mudou, sobretudo a dos EUA.

Frank Barat é coordenador do Tribunal Russel sobre Palestina e acaba de editar o livro de Noam Chomsky e Ilan Pappé Gaza in Crisis: Reflections on Israel’s War Against the Palestinians.

Traduzido do inglês para Rebelión por Sinfo Fernández
Traduzido para Diário Liberdade por Gabriela Blanco

Mais um que lutou (e luta) pela paz, na Palestina ocupada...

Frederico Drummond: Em Minas, governo usa TV contra greve

Anastasia (MG) gasta dinheiro público para disseminar inverdades em rede de TV contra professores.
 

1 – O governo de MG, sob o comando de Anastasia, passou a divulgar comunicados em rede de emissoras de TV, fazendo gasto com recurso público, na tentativa de jogar a população contra o movimento dos professores mineiros, em luta por melhoria de sua condição de trabalho e na defesa do ensino público.
2 – No momento o pleito dos professores, amparados em uma Lei Federal e em uma decisão do Supremo Tribunal Federal, constitui na implantação do Piso Nacional de Salário para toda o sistema de ensino no Estado.
3 – Sobre a Lei do Piso Mínino, no STF: O relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, defendeu que o piso se refere ao salário básico, sem vantagens ou benefícios e disse que a lei não oferece risco à autonomia dos estados. Barbosa afirmou que os estados tiveram tempo para se adaptar à regra. “Não me comove, não me sensibiliza nem um pouco argumentos de ordens orçamentárias”, disse o ministro em suas alegações.
4 – O governo de Minas usa o subterfúgio de juntar sob o nome de Subsídio a soma do seu piso (mais ou menos um salário mínimo) com vantagens por tempo de carreira, idenização do “pó de giz” e outros e afirma que ao pagar este valor está cumprindo a Lei. Mas o Supremo já decidiu em contrário e por isto professores permanecem em greve.
Estamos lutando, através deste instrumento legal, por um outro direito: o piso salarial nacional, assegurado em lei, considerado plenamente constitucional pelo STF, mas que o governo de Minas insiste em não cumprir tal lei. Ao invés de cumprir o que diz a legislação, o governo mantém o pior piso salarial do país: R$ 369,00 para o profissional com ensino médio, quando, pela lei do piso, deveria estar pagando no mínimo o dobro deste valor, e aplicando nas tabelas dos educadores os reajustes correspondentes aos diferentes níveis e progressões nas carreira, e mais as gratificações a que fazemos jus.
Ao contrário disso, o governo aplicou-nos um calote, o subsídio, que destrói a nossa carreira, incorpora gratificações ao vencimento básico encolhido, reduz percentuais de promoção para menos da metade, posiciona os colegas mais antigos no início da carreira, enfim, aplica um confisco aproximado – e confesso – de cerca de R$ 2,8 bilhões, ou o equivalente a duas cidades administrativas no bolso dos educadores.
O governo de Minas não aplica os 25% da receita do estado, como manda a Constituição Federal, e com isso os prejudicados são os alunos e somos nós, educadores, pois a Educação é cada vez mais privada (nos três sentidos) de mais este direito garantido em lei.
5 – No próximo dia 3 de agosto os professores estaduais farão nova assembléia para definir os rumos do movimento.  A posição do governo de Minas usando rede de emissoras para indispor os professores com a população em nada contribui para o progresso das negociação, ao contrário apenas enfatiza seu caráter antipopular, antidemocrático e antisocial.

Frederico Drummond – professor de filosofia

A dialéctica da estrutura e da história: Uma introdução


István Mészáros
 
 
Este importante texto de István Mészáros contém um largo leque de perspectivas de análise da situação atual do sistema capitalista. Um destaque, entre outros possíveis: “o verdadeiro significado da expressão “retirada do estado” […] é a camuflagem editorial da apologia do “planeamento” […] dos modos de transferência dos benefícios financeiros libertados pelos drásticos cortes nos “salários públicos, pensões e postos de trabalho do setor estatal”, assim como nos “serviços públicos”, para os bolsos sem fundo das empresas capitalistas, elas mesmas ainda mais gravemente falidas”.
 
Leia aqui o texto na íntegra

sábado, 30 de julho de 2011

Sílvio Tendler quer massificar documentário sobre agrotóxicos




Sílvio Tendler
Sílvio Tendler (d) lançou na última segunda o documentário "O veneno está na mesa"| Foto: TV Brasil/Divulgação


Felipe Prestes no Sul21


“O veneno está na mesa”, novo documentário do cineasta Silvio Tendler lançado na última segunda-feira (25), traz o relato de especialistas e agricultores e coloca em xeque a atual modelo de produção de alimentos. “O que me motivou a falar sobre o tema foi ter descoberto que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos. Cada brasileiro consome, em média, 5,2 litros por ano”, diz o cineasta, em conversa com o Sul21. “Estamos sujeitos a um envenenamento”, alerta o documentarista, que quer massificar a audiência sobre seu documentário.
Tendler nunca fora ligado à causa agroecológica. Um alerta do escritor uruguaio Eduardo Galeano há cerca de dois anos o fez ter maior interesse pelo tema. Depois de percorrer o Brasil, recolhendo depoimentos em Estados como Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, o cineasta faz defesa ardorosa de um novo modelo de agricultura. “A grande conclusão do filme é que se a gente quer continuar vivendo e salvar o planeta temos que buscar outro modelo, de agricultura orgânica, temos que abandonar os transgênicos e os defensivos agrícolas, que nada mais são do que agrotóxicos”, afirma.
Durante a conversa por telefone, Tendler afirmou que “estamos sujeitos a um envenenamento” e chamou atenção para o fato de que, muitas vezes, o consumidor pensa no agrotóxico apenas quando vai escolher verduras ou legumes. “Por estar no trigo e na soja, o agrotóxico está em muitos outros produtos, como pães e pizzas”.
Entre os depoimentos mais estarrecedores do documentário, o cineasta destaca o que ocorreu com uma agricultora que sofreu uma esclerose múltipla gravíssima com apenas 32 anos de idade. Desde os doze anos, ela trabalhava na lavoura de fumo no Rio Grande do Sul.
Segundo Tendler, é bem mais difícil estabelecer quais são os efeitos dos agrotóxicos para os consumidores do que nos agricultores que manejam estes produtos. Mas ele afirma que o crescimento da incidência de algumas doenças como o Mal de Alzheimer e o câncer indicam uma relação, defendida por especialistas, embora não haja provas. “Acho que não vale a pena pagar para ver”, sentencia.
O filme mostra ainda uma pesquisa realizada com 62 mulheres no Mato Grosso, que mostra que todas as 62 tinham agrotóxico no leite. “Bem não pode fazer. Você vai querer que seu filho tome agrotóxico pelo leite materno?”, questiona Tendler. E apresenta alternativas ao atual modelo de produção, como a história de um pequeno agricultor e a experiência da Argentina, onde a presidenta Cristina Kirchner abriu investigação oficial sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde.
A película também traz dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que mostram que, em 2009, 30% de cerca de 3 mil produtos analisados traziam níveis acima dos toleráveis de agrotóxicos.  Após o lançamento do filme, no Teatro Casa Grande, Rio de Janeiro, uma especialista da Anvisa participou de debate. Letícia da Silva falou sobre a pressão exercida pelas transnacionais fabricantes de agrotóxicos. “Primeiro, tentam desqualificar nossos argumentos com pesquisas científicas mostrando que os agrotóxicos não fazem mal; depois, recebemos pressão diretamente de deputados ligados à bancada ruralista; por fim, entram com ações na justiça para continuar a venda dos agrotóxicos”, disse Letícia, segundo o portal do MST.
Silvio Tendler acredita que o filme, com duração de 50 minutos, não ficará restrito a um grupo pequeno de militantes das causas ecológicas e de esquerda. “Acho que este filme não tem clivagem entre direita e esquerda. Todos podem se interessar por este tema, ninguém apenas por ser de direita vai querer gerar um monstro”, diz. Para que a divulgação do tema seja efetiva, ele afirma que a película será distribuída gratuitamente e disponibilizada na internet. “O importante é que as pessoas assistam”, resume.

Mundo árabe, Revolta, reação ou revolução?



Os acontecimentos no mundo árabe revelam bem como a situação internacional é caracterizada por grandes perigos mas simultaneamente por reais potencialidades de desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos.
Quando, no início deste ano, os tunisinos e os egípcios saíram à rua exigindo melhores condições de vida e direitos democráticos muitos foram os que afirmaram que, numa região tradicionalmente fustigada pelo domínio colonial e imperialista, nada iria ficar na mesma. A questão é saber que sentido terá essa evolução, se avanços de carácter progressista e democrático, se novas e mais sofisticadas formas de exploração e domínio imperialista e neocolonial.

Efeito dominó?

Os acontecimentos nesta região do Globo – rica em recursos estratégicos como o petróleo e o gás natural, chave de rotas fundamentais de transporte de mercadorias e de energia e onde se travam importantes batalhas em torno de recursos vitais como a água – são uma clara expressão das diferentes tendências e dinâmicas de fundo da actual situação internacional, marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e pela ofensiva do imperialismo face a essa mesma crise.
Contrariamente a teses que tentam apresentar as situações destes países como iguais, e a região como um bloco homogéneo reagindo de forma idêntica (a teoria do «dominó»), a análise da realidade demonstra como estamos perante situações muito diferentes entre si. Há evoluções distintas consoante a situação social e política de cada país e a sua relação com o sistema de domínio imperialista na região.
Analisando alguns indicadores económicos e sociais constam-se níveis muitos diferentes de desenvolvimento económico e social. Os valores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) vão desde o valor do Iémen (0,439 – 133.ª posição mundial) até o da Líbia (0,755 – 53.ª posição, o maior IDH de todo o continente africano)(1). As percentagens de população a viver abaixo do limiar nacional da pobreza vão desde valores muito baixos, como a Tunísia (3,8%)(2), a valores impressionantes, como no Iémen – 42% segundo dados do próprio regime iemenita, passando por valores como no Egipto, com 22%(3).
Igualmente importante é constatar as diferentes relações destes países com as principais potências imperialistas. Países como o Egipto, a Arábia Saudita, o Bahrein e o Iémen foram e são pilares fundamentais do domínio imperialista norte-americano na região. O Egipto de Mubarak, um dos mais importantes aliados dos EUA na região, alinhado com a política de Israel de genocídio do povo palestiniano, é o segundo país do Mundo que mais «ajuda» recebe dos EUA (essencialmente para manter o seu poderoso exército). A monarquia do Bahrein está às ordens da ditadura saudita e dos EUA, albergando no seu território a V Esquadra norte-americana. O Iémen (onde a intervenção e ingerência externas dos EUA e da Arábia Saudita foram determinantes para pôr fim ao processo revolucionário no Sul do país e onde o actual regime abraçou a «guerra contra o terrorismo») é um dos mais importantes pontos estratégicos para o domínio norte-americano do Golfo de Áden e da entrada para o Mar Vermelho. Por outro lado, países como a Síria e a Líbia, com notáveis histórias de luta contra o colonialismo, o imperialismo e a agressão sionista (no caso da Síria) e com políticas económicas que ao longo dos anos puseram as suas riquezas naturais ao serviço do desenvolvimento social, são, ainda hoje, países soberanos que apesar de alguns desenvolvimentos negativos (como a adesão da Líbia à «luta contra o terrorismo» de Bush, os acordos de Kadhaffi com o FMI e a progressiva rendição do Governo de Al Assad à «economia de mercado») representam obstáculos ao domínio do imperialismo norte-americano na região, e de forma crescente ao imperialismo europeu. A Síria é um importante ponto de apoio para os movimentos de libertação árabes, como é o caso dos movimentos palestinianos.
Não estamos portanto perante situações iguais com desenvolvimentos copiados a papel químico. Estamos, isso sim, perante a confluência de factores internos e externos vários que evoluem e se relacionam dialecticamente. Na região coexistem uma poderosa presença e ofensiva imperialista e movimentos vários de resistência, travando-se aí algumas das mais importantes batalhas geoestratégicas da actualidade.

A crise como pano de fundo

Se é importante ter presente as diferenças acima referidas, é necessário e possível identificar tendências que são indissociáveis do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e que estão na origem de alguns dos acontecimentos.
É o caso central do desemprego entre as gerações mais jovens. Os dados disponíveis sobre as taxas de desemprego revelam mais uma vez realidades diversas que vão de valores inferiores à actual taxa oficial portuguesa, como é o caso da Síria e do Egipto – com taxas de desemprego de 8,4% e 9,2% em 2010, respectivamente(4) –, até aos 13% da Tunísia(5), ou aos 34% do Iémen, segundo dados do próprio regime iemenita(6).
Se há tendência que marca a realidade da esmagadora maioria dos países do mundo árabe é um forte e continuado crescimento demográfico. O Egipto viu aumentar a sua população de 70 milhões de pessoas, nos últimos dez anos, para mais de 84 milhões(7). O resultado são sociedades extremamente «jovens» onde os sistemas económicos e políticos – marcados pela corrupção generalizada, pela entrega das receitas provenientes das suas riquezas naturais (como o petróleo) às grandes burguesias e ao capital estrangeiro, rendidos de forma crescente ao neoliberalismo, fiéis executantes das políticas do FMI e do Consenso de Washington, enfeudados ao imperialismo e aos interesses das multinacionais – não conseguem dar resposta à necessidade de criação de postos de trabalho que assegurem o direito ao trabalho e perspectivas de vida às imensas massas de população jovem.
Acresce que as políticas anti-sociais, decorrentes da ofensiva que visa transferir os efeitos da crise para as massas trabalhadoras e populares, acentuam estes fenómenos. Se é verdade que o problema vem detrás, as consequências da crise económica do capitalismo e as políticas neoliberais aplicadas na maioria destes países aumentaram a pressão de uma «panela» que já estava em situação limite, como o demonstram os valores apontados para o desemprego na região na faixa etária dos 15 aos 24 anos, cuja média se situa entre 30 e 40%, ou ainda a acentuação de enormes desigualdades sociais e a polarização da riqueza nesta região, bem visível nos elevadíssimos valores do índice de Gini.
Mas o caldo de revolta popular não se limita às questões centrais do direito ao trabalho e à polarização da riqueza. A crise alimentar e a crise energética estão também na origem das genuínas explosões de revolta. A acrescentar à falta de emprego e de perspectivas de amplas camadas da população, essencialmente jovens, somam-se as consequências do brutal aumento dos preços dos alimentos a nível mundial. De acordo com dados da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO), o valor de mercado dos principais bens alimentares aumentou 138% nos últimos oito anos. Em Dezembro de 2010, os preços do trigo, do óleo, do milho, do arroz, da carne e do leite atingiram preços recordes e esperam-se novos recordes este ano. O milho aumentou 60%, o trigo 43% e o açúcar 77%. Consequência geral do agravamento da crise estrutural do capitalismo, tais aumentos tiveram, e continuam a ter, efeitos devastadores do ponto de vista social numa região que importa cerca de 60 a 70% dos seus alimentos, especialmente em países como a Tunísia e o Egipto, onde quase metade dos orçamentos familiares é consumida na alimentação. No Egipto, esta tendência fez-se ainda sentir de forma mais vincada se tivermos em conta a pressão demográfica num país com uma muito larga extensão territorial desértica, assim como as consequências das políticas de liberalização do sector agrícola e o progressivo esgotamento de terras aráveis das margens do Nilo.
A crise energética também teve influência em alguns destes países. Mais uma vez o Egipto é um caso sintomático. Por um lado, o crescimento acentuado da sua população determina um crescimento significativo do consumo energético do país, por outro, o facto de o país ter já atingido o seu pico de produção de petróleo e de ter entregue ao capital estrangeiro uma parte muito significativa da sua exploração petrolífera, fez com que passasse nestes anos da condição de país exportador de petróleo para país importador. As consequências rapidamente se fizeram sentir nos bolsos da população por via dos aumentos brutais do preço dos combustíveis e da energia.
Em conclusão, algumas das razões dos levantamentos populares em países como o Egipto, a Tunísia e outros países, residem na questão social e de distribuição da riqueza, ou seja na luta de classes, e são de facto indissociáveis do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo nas suas diversas vertentes – económica, financeira, alimentar e energética.

Lutas que não nasceram agora

Muitas destas razões não nasceram agora, tal como não nasceram agora as contradições do capitalismo, a crise que lhe é intrínseca e as crescentes contradições de classe. Nem os povos do mundo árabe «acordaram» só agora para estes problemas, como alguns levianamente se apressaram a analisar.
Não! No Egipto e na Tunísia houve uma confluência de factores que adensaram as contradições de classe em dois países com violentos regimes ditatoriais, e portanto sem «válvulas de escape» que retirassem um pouco de pressão à «panela».
Como o demonstram as várias lutas e movimentos grevistas que há vários anos vinham marcando a realidade egípcia e tunisina, os problemas daquelas sociedades não nasceram agora. Nem foram as redes sociais e as novas tecnologias os factores determinantes para que, como por milagre, despertasse no povo uma nova consciência social. No Egipto, os utilizadores de Internet eram em Dezembro de 2010, 24,5% da população(8) e nessa altura a taxa de penetração do Facebook era aproximadamente 7%. Como referiu um activista egípcio na altura das grandes mobilizações na Praça Tahrir, o Facebook foi essencialmente usado para divulgar as acções e os seus resultados e não para organizar as acções e muito menos definir o seu conteúdo político.
A verdade é que os problemas destas sociedades já existiam e eram alvo da luta dos trabalhadores e das forças progressistas que viviam esmagadas pelas ditaduras apoiadas pelos EUA, a União Europeia e a Internacional Socialista.
Lutas que no Egipto foram violentamente reprimidas (como em 2008 e 2009) e que determinaram a criação de novos sindicatos dissociados da central sindical egípcia controlada pelo regime de Mubarak, que vieram a ter um importante papel na pressão grevista que acabaria por se revelar fundamental para o afastamento de Mubarak.
Lutas que, no caso da Tunísia, foram fundamentais para arrastar a UGTT para posições contrárias ao regime de Ben Ali, e para, por acção das diferentes forças progressistas, incluindo os comunistas, construir rapidamente uma frente popular e progressista que fez frente às sucessivas tentativas de esmagamento e subversão da revolta tunisina, demonstrando assim o quão importante é aliar à criatividade, e mesmo espontaneidade, das massas em movimento a acção de forças organizadas portadoras de projectos e estratégias de luta política e ideológica capazes de imprimir a movimentos de revolta o carácter de movimentos de real transformação social.
No entanto, as questões sociais não são as únicas que estão na origem destes levantamentos. Como é particularmente evidente nas situações do Iémen e do Bahrein, a revolta contra a presença estrangeira e o domínio norte-americano (não poucas vezes correctamente identificada pelas massas como uma das principais razões para muitos dos problemas económicos e sociais e para a corrupção generalizada) teve um peso importante no desenrolar dos acontecimentos. Tal como teve, aliás, no Egipto, a questão da solidariedade para com o povo palestiniano e a condenação do regime de Mubarak pelo seu apoio à estratégia dos EUA e de Israel, sobretudo após os acordos de Camp David em 1979, razão pela qual o novo regime, ainda que intimamente ligado aos interesses do imperialismo norte-americano, se viu forçado a tomar a decisão de abrir a passagem de Rafah, aliviando o criminoso cerco israelita à Faixa de Gaza.
Independentemente de ulteriores desenvolvimentos, os levantamentos em países como a Tunísia, o Egipto, o Iémen (país com largas tradições progressistas e mesmo revolucionárias) e o Bahrein associaram de forma natural a luta social a um sentimento anti-imperialista. Tal facto não pode ser desligado da História de resistência e luta dos povos do mundo árabe e é por isso que o imperialismo viu nestes movimentos reais perigos para o seu já de si decadente sistema de domínio económico, político e geoestratégico na região. Num tempo em que o imperialismo tenta retomar o velho projecto de Bush do «Grande Médio Oriente», os acontecimentos no mundo árabe têm uma importância central. Independentemente dos seus desfechos, despertaram nas massas reais sentimentos anti-imperialistas e isso coloca estes povos em rota de colisão com os projectos do imperialismo para esta região.

A contra ofensiva do imperialismo

Mas como seria de esperar o imperialismo não assistiu «sentado» ao questionamento do seu poder na região e as respostas não se fizeram esperar. Se o aprofundamento da crise do capitalismo; o acentuar do declínio económico relativo das potências do centro capitalista; a gigantesca movimentação das «placas tectónicas» da economia mundial com a entrada em cena das potências emergentes em busca de matérias-primas e recursos energéticos para sustentar os seus crescimentos económico e demográfico, são factores que já tinham desencadeado novos episódios da ofensiva das principais potências imperialistas para garantir e aprofundar o seu domínio desde o continente africano à Ásia Central, estes acontecimentos vieram acelerar projectos como o do «Grande Médio Oriente» – retomado em força por Obama na autêntica declaração de guerra aos povos da região que foi o seu último discurso sobre o mundo árabe – bem como velhos projectos de domínio da França, da Grã-Bretanha, da Itália e da Espanha que viram nestes acontecimentos, e na resposta de força a eles, uma oportunidade para aumentar o seu quinhão de saque das riquezas naturais da região e para subir um degrau na hierarquia do domínio imperialista na região, sonhando com a recuperação de posições perdidas com o fim dos seus impérios coloniais.
Não obstante contradições inter-imperialistas que de dia para dia se adensam, os EUA e as principais potências da União Europeia rapidamente se puseram de acordo, manobraram e conspiraram contra os povos em luta, tentando desde logo abrir frentes de ofensiva e ingerência que «reequilibrem» os «pratos da balança» de domínio na região.
Confrontado com a força imparável dos protestos populares na Tunísia e no Egipto, o imperialismo tentou recuperar espaço e ganhar tempo para conter e «domesticar» os levantamentos e, simultaneamente, reganhar alguma «credibilidade» completamente perdida com a defesa até ao limite dos ditadores. Tendo sido obrigadas a deixar cair Mubarak e Ben Ali, as principais potências imperialistas apressaram-se então em tentar promover figuras e definir soluções políticas que garantissem o essencial da sua cadeia de poder económico, político e militar, incluindo a promoção de forças islâmicas ditas «moderadas» como a Irmandande Muçulmana.
Simultaneamente foi lançada uma campanha ideológica e mediática de âmbito mundial em torno do conceito «revolução» (tão bem propalada pela cadeia Al-Jazeera, sedeada no Qatar e claramente ao serviço da reacção árabe e do imperialismo), que, tirando partido da volatibilidade da situação no terreno, da relativa debilidade das forças progressistas e do movimento operário, mantivesse dentro dos limites do «aceitável» as consequências das movimentações populares indo assim também ao encontro de sectores das burguesias nacionais que desejam uma espécie de «modernização» de um mesmo sistema de exploração e opressão ao qual necessitam conferir uma «capa» democrática. Trata-se de «revoluções de faz de conta» encharcadas com milionários pacotes de «ajuda» do FMI, do Banco Mundial e da União Europeia, que tentam impedir reais revoluções populares, democráticas e nacionais, acentuar a dependência destes países face às principais potências imperialistas mundiais e ao mesmo tempo comprar as burguesias nacionais e associar ainda mais os seus interesses aos interesses dos grandes grupos económicos transnacionais.
Trata-se de manobras que desde o início foram cuidadosamente preparadas pelos serviços secretos, agências e agentes do imperialismo norte-americano e europeu e que foram mais uma demonstração de hipocrisia e da sua determinação em não dar espaço e campo de manobra à soberania dos povos, à verdadeira democracia e ao respeito pela vontade popular.
Tal ficou bem patente na forma com os EUA e a União Europeia lidaram com as situações no Iémen e no Bahrein, dois pontos demasiadamente importantes do ponto de vista geoestratégico (tendo sempre presente o confronto e latente conflito militar com o Irão) para que aqui se possam jogar as cartadas das «revoluções faz de conta». Neste dois países a resposta a meses de poderosos movimentos de massas está a saldar-se por centenas de mortes e milhares de feridos, além de uma brutal perseguição e repressão. No Bahrein, a Arábia Saudita, às ordens da Administração dos EUA, enviou para o território (sob a capa de um mandato da Liga Árabe completamente instrumentalizada pelos EUA) 1500 soldados sauditas com a missão de esmagar pela força os protestos populares, atirando a matar sobre os manifestantes pacíficos. No Iémen, os EUA jogam a cartada da divisão étnica, bombardeiam o Sul com a sua força aérea em nome do combate à sempre conveniente e oportuna Al-Qaeda, e o regime de Ali Abdullah Saleh envolve-se em conspirações que permitam, em nome do «combate ao terrorismo», acentuar ainda mais a repressão sobre os movimentos populares.

Os casos da Líbia e da Síria

É tendo em conta esta estratégia de resposta multifacetada e de força aos acontecimentos e as grandes tendências de fundo da situação internacional – nomeadamente a resposta de força do imperialismo à crise do centro capitalista, tirando partido da sua vantagem militar (resposta bem patente no conceito estratégico da NATO aprovado na sua Cimeira de Lisboa) – que devem ser analisados os acontecimentos na Líbia e na Síria.
As situações sociais nestes países diferem, para melhor, de situações em países já aqui analisados. Tal não significa que aí não existam problemas vários de ordem social, económica e política. Quer o governo Líbio, quer o Estado sírio e os dois Partidos Comunistas ali existentes reconhecem a existência de problemas. Estes sistemas políticos não são para os comunistas portugueses exemplos de democracia e participação popular, apesar das suas tradições progressistas e anti-imperialistas.
Mas seria um crasso erro de análise atribuir exclusivamente (ou mesmo maioritariamente) a factores internos as causas dos actuais desenvolvimentos nestes dois países. Se é certo que existe descontentamento popular e que a situação social se tem vindo a degradar em função da adopção progressiva da «economia de mercado livre», da aplicação das receitas do FMI (Líbia), da prossecução de políticas de privatização e de desinvestimento nas funções sociais (Síria), o facto é que se a situação rapidamente resvalou para conflitos armados internos isso foi fruto de poderosas acções externas de desestabilização e incitação ao conflito, que visaram preparar e justificar a ingerência e agressão externa a dois países que estão na mira do imperialismo norte-americano há vários anos e que, como é bem patente no caso da Síria, são alvos de constantes provocações e ataques.
O espaço disponível não permite a denúncia detalhada das múltiplas conspirações dos EUA e de países europeus como a Grã-Bretanha na preparação da agressão à Líbia, ou ainda a desmontagem de mentiras como «o banho de sangue» levado a cabo pelo regime Líbio em «bombardeamentos de civis pela força aérea». Acusações essas desmentidas pelo embaixador de Portugal em Tripoli, cujas declarações foram convenientemente ocultadas e ignoradas pelo Governo português, que votou no Conselho de Segurança das Nações Unidas a agressão e a interferência nos assuntos internos da Líbia num acto de claro desrespeito pela Constituição da República e pela Carta das Nações Unidas.
No caso da Líbia, a realidade está a encarregar-se de desmentir rapidamente a patranha da «protecção de civis», o eufemismo utilizado para justificar a aplicação do novo conceito estratégico da NATO de intervir militarmente em conflitos internos. Como o PCP denunciou, a resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas – um gravíssimo passo e precedente deste órgão no desrespeito pelo Direito Internacional e a soberania dos povos, demonstrativo do grau de instrumentalização a que a ONU está sujeita – visou avançar (apesar das contradições evidenciadas nas posições de países como a Alemanha) com uma típica guerra de agressão imperialista, que visa submeter, dividir ou ocupar o país com as maiores reservas de petróleo e gás natural não exploradas do continente africano. Uma guerra em tudo semelhante às guerras da Jugoslávia, do Iraque e do Afeganistão, construída com base em mentiras, em acções de desestabilização e divisão interna e numa poderosa campanha mediática de diabolização e isolamento do legítimo Governo líbio. Os bombardeamentos de complexos residenciais e de infra-estruturas civis várias (incluindo estruturas fundamentais para o funcionamento dos hospitais líbios), as centenas de mortos e milhares de feridos vítimas dos bombardeamentos da NATO, as denúncias da presença de instrutores da NATO no comando das operações em terra dos ditos «rebeldes», a utilização de mercenários iemenitas, egípcios e argelinos na guerra contra o exército regular líbio, são algumas das muitas provas do crime que a NATO ali leva a cabo, desrespeitando inclusive a já de si criminosa resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU.
As riquezas naturais da Líbia, a possibilidade de ali ser instalado o AFRICOM e, acima de tudo, o perigo que uma Líbia independente e soberana pode significar para os planos do imperialismo, numa região em convulsão social, são as reais razões desta guerra. Mas há uma terceira: é que esta agressão é desencadeada contra o povo líbio mas também contra todos os povos da região. Ela foi uma clara mensagem do imperialismo que pretende dizer às massas populares em luta que essa «estranha coisa» da vontade soberana e popular tem limites e que quem se mete com o sistema de domínio do imperialismo e o põe em causa «leva». É por isso que independentemente das críticas que se possam – e podem – fazer ao actual regime líbio, a solidariedade com a resistência deste povo à agressão externa é um dever internacionalista e um acto de solidariedade para com todos os povos da região e do Mundo.
Não sabemos quais serão os desenvolvimentos na Síria à altura da publicação deste artigo, mas os dados existentes apontam claramente para uma mesma estratégia de desestabilização externa e possível agressão militar. Aliás, Líbia e Síria fazem parte da conhecida lista, elaborada pela Administração norte-americana e divulgada pelo General Wesley Clark, de sete países que, após 2001, deveriam ser, mais cedo ou mais tarde, alvos de intervenção militar dos EUA e de invasão, nos quais se incluem o Iraque e o Afeganistão e também o Irão. A consolidação do eixo Irão/Síria na resposta à política criminosa e de genocídio de Israel, dos EUA e da União Europeia contra o povo palestiniano e na resistência ao projecto do «Grande Médio Oriente» são algumas das razões que estão por detrás da decisão de avançar com a desestabilização e possível agressão contra o povo sírio.
Nos media lança-se mais uma campanha de diabolização do Governo sírio e de incitamento à violência, ocultando-se cirurgicamente factos como o massacre de mais de uma centena de polícias sírios – que, como é óbvio, só pode ser o resultado de uma operação militar de considerável envergadura; a apreensão pelas autoridades sírias, nas semanas que precederam a deterioração da situação no terreno, de barcos e automóveis carregados de armamento proveniente do Norte do Líbano; a denúncia de que refugiados iraquianos a viver na Síria (cerca de um milhão) estariam a ser pagos para participar em manifestações contra o Governo de Bashar Al-Assad, ou ainda a revelação de que uma suposta bloguer síria lésbica, alegadamente vítima de repressão, era afinal um cidadão escocês.
Tal como na Líbia, na Síria a questão não é se existem ou não problemas. Existem e são bem denunciados pelos seus dois Partidos Comunistas. As lutas verdadeiramente populares por mais justiça social e avanços democráticos (que não começaram agora) têm a nossa solidariedade, tal como a luta de todo o povo sírio pela integridade territorial do seu país e pela recuperação dos territórios ocupados por Israel, com destaque para os Montes Golã.
O que está em causa na Síria neste momento é precisamente a sua soberania, independência e integridade territorial. É tempo de manifestar, sem tibiezas, a solidariedade a este povo, de condenar as manobras de desestabilização e de denunciar a tentativa de instrumentalização de dificuldades internas para a abertura de uma nova frente de guerra imperialista contra um país soberano do Médio Oriente. País que, ao longo dos anos, se tem recusado a submeter-se ao domínio imperialista na região, opondo uma tenaz resistência à política de terrorismo de Estado de Israel.

Os povos terão a última palavra…

Os acontecimentos no mundo árabe estão intimamente ligados às tendências de fundo da situação internacional. É um facto que a resposta do imperialismo se revelou forte, articulada e sofisticada e conta com enormes recursos económicos, políticos e militares e amplo apoio dos media dominantes. Mas também é verdade que, apesar das insuficiências, indefinições e debilidades das forças progressistas e revolucionárias na região, os povos do mundo árabe se levantaram, reganharam dignidade e estilhaçaram preconceitos construídos ao longo dos últimos anos em torno do famigerado conceito de «choque de civilizações». Oprimidos e enxovalhados pelo discurso do imperialismo durante décadas, estes povos voltaram a demonstrar que os trabalhadores e os povos, unidos, mobilizados e protagonizando poderosos movimentos de massas, têm de facto poder para transformar o Mundo. Esperamos que, apesar da dimensão da contra-ofensiva do imperialismo nesta região, os povos saibam de que lado da barricada é necessário estar em cada momento, assegurando que, numa situação extremamente complexa e plena de contradições, sejam eles a ter a última palavra, derrotando a reacção e transformando revoltas em verdadeiras revoluções.
Notas
(1) Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 (PNUD).
(2) Banco Mundial – dados relativos a 2005.
(3) Banco Mundial – dados relativos a 2008.
(4) FMI – World Economic Outlook – Abril 2011.
(5) Idem.
(6) Economic Annual Report – Ministry of Planning and International Corporation.
(7) Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 – PNUD.
(8) ITU – Agência das Nações Unidas para as tecnologias da informação e da comunicação – dados de Dezembro de 2010.

Época, IstoÉ e os atentados na Noruega

Por Mauro Malin, no Observatório da Imprensa: via BLOG DO MIRO

Duas das mais importantes revistas semanais brasileiras, Época e IstoÉ, poderiam ter disputado, no fim de semana de 23-24/7, para saber quem foi capaz de errar mais na avaliação dos violentíssimos atos terroristas cometidos na sexta-feira (22/7), na Noruega, por um fascista local.

IstoÉ errou de cabo a rabo: simplesmente atribuiu o atentado à Al Qaeda. Ilustra a reportagem com uma foto de prédios abalados em Oslo e outra de Ayman Al-Zawahiri, sucessor de Osama bin Laden.

A revista, como as demais, apresentou a Noruega como um cenário político idílico. Esse engano se repetiu em todas as mídias. Ou quase. Na noite de terça-feira (26/7), Alberto Dines abriu o programa do Observatório de Imprensa na TV com um comentário que colocou em contexto histórico o ato aparentemente desvairado de Anders Behring Breivik:

“O monstro de Oslo certamente agiu sozinho, mas ele não estava nem está sozinho. Breivik faz parte de uma legião mundial de extrema-direita que não nasceu agora, começou nos anos 20 do século passado e levou a humanidade à mais sangrenta guerra de todos os tempos. A ideologia de Breivik só difere do nazifascismo no acréscimo do ingrediente religioso. De resto, nada a diferencia do rancor hitlerista e fascista. Sua xenofobia é gêmea do Tea Party americano. O antissocialismo que levou Breivik a atacar a sede do governo e massacrar 68 jovens conterrâneos num acampamento de verão é o mesmo que leva a direita americana a travar o orçamento do país com o pretexto de que Barack Obama é socialista. A pacífica Noruega foi invadida em 1940 pelas tropas de Hitler, que lá instalaram um ditador local, chamado Quisling, cujo nome tornou-se sinônimo de colaborador do nazismo. A Segunda Guerra Mundial ainda não acabou.”

Os suspeitos habituais

A Época evitou a imagem de uma Noruega isenta de riscos, mas os atribuiu exclusivamente à hostilidade de fundamentalistas islâmicos devido à participação do país no contingente da Otan que combate o Talibã no Afeganistão e à reprodução, em jornais noruegueses, de charges dinamarquesas que, em 2005, provocaram a ira de religiosos muçulmanos.

No fim da reportagem, mencionou a hipótese de o ataque ter sido promovido pela extrema direita norueguesa, dada a nacionalidade do atirador preso, mas isso não abalou o tom geral do texto, encimado por um subtítulo onde se lia: “Um duplo atentado à [sic] bomba e a tiros, endereçado ao governo norueguês, lembra o Ocidente de que o sinistro legado de Osama bin Laden continua à espreita”.

Presente desenraizado?

Veja esperou para dar as informações corretas, embora não tenha deixado de mencionar a hipótese de uma ação de fundamentalistas islâmicos. O que não saiu a contento foi o cenário norueguês. O clichê usado na capa da revista, “Terror no país da paz”, patenteia granítica ignorância histórica.

Por sinal, a reportagem afirma, logo no início, para criar um mote com o qual “amarra” o texto no final, que Alfred Nobel, antes de morrer, em 1896, estabeleceu que a entrega do prêmio que leva seu nome seria feita na Noruega, porque ela era “um país sem apego ao militarismo e dirigido por uma elite tolerante”.

Ocorre que em 1896 a Noruega não era um país, mas parte da Suécia (desde 1814, após uma dominação pela Dinamarca que remontava a meados do século 16). Tornar-se-ia independente em 1905 e, num plebiscito, escolheria como rei um príncipe dinamarquês. O regime é desde então essencialmente democrático, em molde parlamentarista.

O colaborador norueguês

A Noruega independente é um país pacífico, que ficou fora da Primeira Guerra Mundial e teria repetido essa escolha na Segunda se não tivesse sido invadida por Hitler. A Alemanha importava da Suécia o ferro que era escoado pelo porto norueguês de Narvik e daí pelo Mar do Norte. Hitler adiantou-se aos britânicos, que teriam invadido o país para cortar esse fluxo. O exército da Noruega resistiu dois meses aos alemães até capitular, tempo suficiente para a família real e o governo buscarem refúgio.

Forças antinazistas norueguesas impuseram ao invasor uma resistência nada desprezível, que, juntamente com a possibilidade de ataque dos Aliados, obrigou Hitler a manter no país 300 mil soldados que teriam sido preciosos em outras frentes de batalha.

O Quisling mencionado por Dines no programa de TV, Vidkun Quisling (sobrenome aportuguesado como quisling, sinônimo de quinta-coluna), foi primeiro-ministro entre 1942 e 1945, sob a égide de um “comissário civil” alemão, o nazista Josef Terboven. Das fotos que ilustram este texto (publicadas na Coleção 70º Aniversário da II Guerra Mundial, 1939-1945, vol. 4), uma mostra Quisling durante uma visita a Berlim e outra é de seu julgamento.

Por vontade própria

O que importa aqui não é a narrativa histórica, mas sinalizar para o leitor a força que teve e tem na Noruega, como na Europa inteira, nos Estados Unidos e alhures, a extrema-direita racista, antissemita, xenófoba.

Quisling era um homem da elite norueguesa, filho de conhecido pastor luterano. Foi ministro da Guerra entre 1931 e 1933. Depois, fundou o Nasjonal Samling, agremiação nacionalista que acabaria transformada em partido nazista, com escassos votos (2% nas eleições de 1935), embora tenha chegado a 45 mil filiados sob a ocupação hitlerista. Logo após o desembarque alemão, em abril de 1940, tentou sem êxito formar um governo pró-nazista. Não foi aceito. Só em 1942 conseguiu tornar-se primeiro-ministro.

Essas informações servem para sublinhar que Quisling não foi um colaborador “forçado”, ou alguém que se deixou cooptar em nome do “mal menor”. Era nazista convicto. Uma parte da intelectualidade norueguesa simpatizava com o nazismo – como, de resto, acontecia em todos os países.

O caso mais notório foi o do escritor Knut Hamsun, autor do celebrado romance A Fome e Prêmio Nobel de Literatura em 1920. O cartaz de propaganda nazista reproduzido abaixo mostra a expectativa de entendimento entre nazistas e noruegueses “contra o bolchevismo”.

Punição radical

Quisling, acusado de corrupção, assassinatos e traição, foi julgado, condenado e executado em outubro de 1945. Segundo Tony Judt (Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945), na Noruega todos os integrantes do Nasjonal Samling (ele dá o número de 55 mil) foram julgados, “além de outros 40 mil indivíduos; 17 mil homens e mulheres receberam penas de detenção e trinta sentenças de morte foram expedidas, das quais 25 levadas a cabo. Em nenhum outro local as proporções [de punição a colaboracionistas pró-nazistas] foram tão elevadas”.

Segundo algumas interpretações, penas punições adotadas podiam ser classificadas como retaliações. Esse rigor era tanto antinazista como anti-alemão. Não funcionou para “sepultar” o radicalismo de direita, como se deu a entender depois da guerra (minha geração cresceu com essa ideia na cabeça, até que, no Brasil, a ditadura militar, com suas indisfarçáveis inclinações fascistas, enterrou ilusões).

Teimosa erva daninha

Giogio Almiranti fundou o Movimento Social Italiano, sucessor do Partido Nacional Fascista, em 1946. Franco, o ditador espanhol, governou de 1939 até morrer, em 1975. O ditador Antônio de Oliveira Salazar morreu em 1970, mas só em 1974 Portugal se viu livre do regime por ele instaurado em 1933.

Em 1999, a revista The Economist publicou um artigo cujo título é expressivo: “Fascismo ressurgente?”. O motivo imediato era a ascensão, na Áustria – país que teve proporcionalmente o maior número de nazistas, mas não os puniu em escala comparável à da Noruega e mesmo às de outros países ocupados por Hitler −, de Jörg Haider e seu Partido da Liberdade. Haider, que morreu num acidente automobilístico em 2008, propagandeava sua admiração por algumas políticas de Hitler.

Em relação à Noruega, a The Economist assinalava o crescimento do Partido do Progresso, de Carl Hagen (cerca de 15% dos votos nas eleições daquele ano; hoje, é o segundo partido no Parlamento, com 41 cadeiras), mas não o considerava uma ameaça à democracia escandinava, “menos ainda um herdeiro da depravação de Vidkun Quisling”. Entre as características do Partido do Progresso, a revista apontava o empenho em “espremer o estado de bem-estar social” e “um sopro de agressividade anti-imigrantes”.

Armas da direita

Com o terrorista Breivik o sopro virou vendaval, voltado contra noruegueses que seriam complacentes. O Christian Science Monitor disse na quinta-feira (28/7) que a oposição ao multiculturalismo e os sentimentos anti-imigrantes são “supreendentemente comuns” na Noruega.

Breivik não é louco. Ele aparentemente agiu sozinho, mas, como constatou Dines, não estava nem está sozinho. Com raríssimas exceções, atentados de direita de grandes proporções ou intensa repercussão política produziram recuos da democracia nas últimas décadas.

Isso aconteceu, por exemplo, na Itália (1976, assassinato de Aldo Moro; os autores se imaginavam de esquerda radical; 1980, atentado de Bolonha) e nos Estados Unidos (1995, bomba de Oklahoma, detonada por um simpatizante da milícia, governo Clinton; 2001, Torres Gêmeas e Pentágono, governo G.W. Bush).

Teria acontecido no Brasil em 1981, truncando a reconquista democrática, se a bomba destinada ao Riocentro não tivesse explodido no colo do sargento que a portava.

A Segunda Guerra Mundial derrotou Mussolini e Hitler, mas não o fascismo, que brota e rebrota indiferente ao grau de severidade com que seus praticantes tenham sido punidos após a vitória aliada.

As revistas que noticiaram o terror em Oslo informaram, na edição do mesmo fim de semana, que a prefeitura de Wunsiedel, sul da Alemanha, decidiu destruir o túmulo do segundo homem na hierarquia nazista, Rudolf Hess, exumar seus ossos, cremá-los e jogar suas cinzas no mar, para acabar com a peregrinação de neonazistas ao cemitério onde ele estava enterrado havia quase 25 anos.

A consciência dessa desafiadora realidade está um pouco distante das redações brasileiras.