terça-feira, 20 de setembro de 2011

Márcio Pochmann defende 10% do PIB em educação e aponta caminhos para elevação do investimento

Atenção, abrir em uma nova janela.
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, defendeu, em entrevista ao Observatório da Educação, a elevação dos investimentos públicos em educação para o patamar de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Para ele, há ao menos três grandes possibilidades de, pela tributação, financiar a efetivação do direito à educação: imposto sobre grandes fortunas; adequação dos tributos diretos praticados no Brasil e combate ao desvio de recursos pelos subsídios e isenções. 

“É evidente que há mais fontes, por exemplo, a realocação dos fundos públicos brasileiros. São gastos não justificáveis, como o gasto com juros no pagamento dos serviços da dívida, que atinge 5,7% do PIB. Poderiam ser reduzidos. É recurso importante e desnecessário, um mau uso do recurso público”, defende.

Em julho, Pochmann já havia apresentado, em audiência Pública na Câmara Federal, a visão de que é possível ampliar o volume de recursos para a educação. “Apresentamos algumas alternativas de financiamento: é insuficiente propor elevação sem dizer de onde provêm os recursos”.
Na ocasião, ele explicou as três possibilidades acima apontadas de, pela tributação, financiar a educação. “Uma fonte seria, sobretudo, a introdução no Brasil do imposto sobre grandes fortunas. É uma lacuna do sistema tributário brasileiro”. Pochmann afirma que o atual investimento poderia ser reparado com a introdução, no Brasil, dessa taxação que é praticada em países desenvolvidos e prevista na Constituição Federal de 1988. “Não há razão para que não venha a ocorrer, e proporciona um ingresso de algo equivalente a pouco mais de 1% do PIB”.

Outra fonte está relacionada ao uso inadequado dos tributos diretos praticados no Brasil, como do Imposto sobre a Propriedade Território Rural (ITR). “A propriedade rural, na prática, não é tributada no Brasil. É um país reconhecido pelos latifúndios que, porém, não pagam os impostos devidos. Esta é uma fonte de recursos”. Também o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) não é devidamente praticado. “As prefeituras não praticam tributação progressiva, de modo que há sub-arrecadação. Os moradores de favela pagam, proporcionalmente à renda, mais do que a taxação sobre mansões”.
Por fim, o pesquisador ressaltou como fonte de recursos os subsídios e isenções feitas para pagamento de saúde e educação privadas, por abatimentos de tributação, no imposto de renda. “Há o abatimento pela apresentação de recibos de educação, saúde e previdência privadas. Isso é desvio de recursos que poderiam financiar área social, principalmente a educação”. Ele também destaca que a Desvinculação das Receitas da União (DRU), cuja prorrogação está em pauta no Congresso Nacional, não se sustenta. “Esta é mais uma informação de como se poderia utilizar recursos de outra forma. A DRU não se justifica, principalmente no gasto social”.

Pochmann lembra que o processo de universalização da oferta de ensino fundamental se deu em um quadro de ausência de crescimento substancial de recursos destinados à educação, o que explica a universalização incompleta, com ampliação de acesso, porém sem garantia de condições adequadas para a efetivação do direito. “Isto resulta em baixa qualidade do ensino. O recurso é condição necessária para universalização do ensino e elevação de qualidade”, finaliza.
 
Clique aqui para baixar a apresentação de Marcio Pochmann – Financiamento da Educação para o desenvolvimento

Fonte: observatório da educação

Máquinas hostis


Apresentada como meio de reduzir as tarefas monótonas, a automação não valoriza o livre-arbítrio ou a competência (o modo de proceder não é atribuição do agente), mas sim a capacidade de conter o estresse e a agressividade. Tudo é feito não para resolver problemas, mas p/ impedir que os responsáveis sejam atingidos
por *Jean-Noël Lafargue no LEMONDE-BRASIL
Nao é raro passar pela experiência de violência nos portões automáticos do metrô parisiense. Uma distração, uma mochila meio grande ou de mãos dadas com uma criança... e a tenaz de borracha esmaga os ombros ou bate nas têmporas. A aventura faz rir os que aprenderam a se adaptar às máquinas. As vítimas simplesmente culpam-se por serem desastradas. Mas, por um instante, imaginemos que esses portões sejam substituídos por vigilantes encarregados de distribuir tapas ou golpes nos usuários que não circulam na velocidade adequada. Seria escandaloso. Porém, aceitamos que isso seja feito pelas máquinas, elas não pensam. Deduzimos que não tenham má intenção. Errado: embora os autômatos sejam inconscientes, sempre obedecem a um programa resultante de uma regulagem intencional.

A aparente lógica do controle dos bilhetes cria outros constrangimentos. As barreiras delimitam zonas precisas para o público: ou ele está dentro ou fora. Na estação da SNCF (companhia de trens da França) de meu vilarejo nos arredores de Paris, a recente instalação de portões impede que os usuários saiam da plataforma para comprar um jornal ou voltar ao guichê e pedir uma informação. O viajante pode utilizar apenas a cara máquina que vende refrigerantes e guloseimas instalada na plataforma. Para ler, contente-se com painéis publicitários.
Inúmeros dispositivos programados gerenciam ou acompanham nosso dia a dia.

Quem nunca ficou louco diante de um desses aparelhos interativos que articulam com voz in-te-li-gí-vel expressões grotescas? – “Se você deseja informações, diga ‘informação’”. – “Informação”. – “Sinto muito, não compreendi sua resposta, tentar novamente”. – “Informação”. – “Favor chamar novamente mais tarde”.
Ao nos comunicarmos apenas por uma interface textual, como saber se nosso interlocutor é uma pessoa ou um programa bem concebido? As práticas do marketing telefônico ou dos serviços de suporte técnico por telefone acrescentam um parâmetro a esse problema: com quem realmente falamos durante essas interações programadas? Em muitos casos, os empregados das centrais de atendimento seguem um programa “de inteligência artificial” e não dispõem de margem de manobra. Esses automatismos são concebidos com a ideia de que a grande maioria das perguntas são mais ou menos as mesmas para todo o mundo.

Os empregados “robotizados” servem de filtro e evitam a mobilização de técnicos para problemas menores. Muitas vezes o filtro se revela tão poderoso que é totalmente impossível chegar à pessoa competente. Mas se são seres humanos que respondem e não programas interativos é também porque, quando seus problemas não são resolvidos, os usuários têm o sentimento de ter uma certa empatia com seu interlocutor ou, na pior das hipóteses, têm a possibilidade de desabafar.

Para completar, os teleoperadores cuja conversa segue um roteiro programado têm a vantagem de serem substituíveis. Proletarizados (privados de suas experiências acumuladas), os empregados das centrais de atendimento não têm a possibilidade de tomar iniciativas, nem sequer de adquirir (e ganhar dinheiro com) conhecimentos ou uma experiência: não há o menor risco de tal empregado se tornar indispensável. De maneira aleatória, outros programas robotizados (dessa vez, 100% mecânicos) solicitam que os clientes confirmem seu grau de satisfação. Raramente, as perguntas se referem ao serviço, mas à qualidade da conversa: “O atendente foi educado? Falou corretamente?”. Esse questionário passa o controle do trabalho para o usuário que se torna auxiliar do supervisor de equipe e é colocado em posição de apoio ao patrão, desempenhando o papel de coprodutor.

Apresentada como meio de reduzir as tarefas monótonas, a automação não valoriza o livre-arbítrio ou a competência, mas sim a capacidade de conter o estresse e a agressividade. Tudo parece ser feito não para resolver problemas, mas para impedir que responsáveis por eles sejam atingidos.
Observemos nossa carteira de identidade. Nela, nossa fotografia é irreconhecível: sem sorriso, os olhos vagos, uma imagem triste, que não se parece conosco e na qual ninguém nos reconhecerá. São diretrizes oficiais do Ministério do Interior francês: o sujeito deve “olhar para a objetiva. Adotar uma expressão neutra e ter a boca fechada” (Norma ISO/IEC 19794-5). O ministério da tristeza tem um bom motivo: essa imagem não se destina a olhares humanos, mas a programas biométricos complexos, que só reconhecem as pessoas em condições padronizadas. Assim, a fisionomia oficial de cada um é definida pelas necessidades de um programa que, nela, vê apenas uma soma de dimensões e uma imagem da qual qualquer brilho expressivo deve ser banido.

Atualmente, estão testando programas que leem os lábios das pessoas filmadas, analisam gestos, a postura e os deslocamentos. Um indivíduo parado em uma plataforma deixando passar vários trens é suspeito. Outro, caminhando no sentido oposto da multidão, também. Cada acontecimento desviante desencadeia uma sirene e provoca um controle. Pior ainda: o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos pretende equipar os aeroportos com um sistema chamado Fast (Tecnologia para detectar atribuições futuras, na sigla em inglês), cujo objetivo é identificar atitudes precursoras de más ações: olhar fugaz, batimentos acelerados etc. Como no filme de Steven Spielberg, Minority Report, o crime é conhecido antes de ter sido cometido.
Dispositivos numéricos aparentemente bem mais neutros podem ter também uma característica coercitiva. A informática individual modificou radicalmente inúmeras práticas profissionais, tornando obsoletos alguns conhecimentos acumulados. Antigamente, era preciso anos para formar um retocador de fotos, pois ele deveria ter uma destreza particular nas mãos, conhecer o material e as ferramentas utilizados. Hoje, a técnica é desviada para um programa, o artesão é proletarizado: torna-se dependente de decisões tomadas pelos engenheiros das empresas Adobe ou Apple. Como explica o artista e designer John Maeda, ninguém pode pretender ser um “grande mestre do Photoshop”: “Quem de fato detém o poder? A ferramenta ou o mestre?” Para ele, a saúde do criador passa pela posse de seus meios de produção.

Como voltar a deter nosso “destino numérico” numa época em que, sendo todos usuários de ferramentas programadas, corremos o risco de nos tornar objeto delas? Os debates em torno das questões do hacking (utilizar uma ferramenta numérica mais do que sua funcionalidade), do programa livre (nada ignorar sobre o funcionamento de um programa e poder melhorá-lo) e do amadorismo (faça você mesmo) são bem mais políticos do que tecnológicos.

*Produtor multimídia, professor da Université Paris 8 e autor, com Jean-Michel Géridan, de Processing: Le code informatique comme outil de création, Pearson, Paris, 2011.

Urgência na saúde


O momento atual é de defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. A urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.


Ao longo do processo de reconstrução da ordem político-institucional, no período que sucedeu ao fim da ditadura militar, o Brasil ofereceu ao mundo um exemplo significativo de arranjo na ordem social. Caminhando na contracorrente de todo o movimento desregulamentador e mercantilizador que se apoiava nas idéias e propostas do chamado neoliberalismo, os consensos construídos para a votação do texto da nova Constituição no final da década de 1980 tentavam recuperar as propostas de um Estado de Bem Estar Social.

No caso específico da saúde, o processo também chama a atenção, principalmente se analisado numa perspectiva histórica e levando em consideração as dificuldades ideológicas daquele momento. Mas o fato é que a defesa de um modelo de saúde que fosse público e de atendimento universal ultrapassou os muros da polêmica político-partidária, em função da atuação fundamental de uma articulação que passou a ser conhecida como “PS” - o chamado “partido dos sanitaristas”.

Reunindo políticos de diversas orientações e filiações, sua ação unitária dava-se na defesa do modelo que veio a ser incorporado ao texto constitucional, entre os capítulos 196 e 200, que trata justamente da Seção da Saúde, no Capítulo da Seguridade Social. O Brasil apresentava ao mundo o Sistema Único de Saúde - SUS, com base naquilo que havia sido construído a partir da articulação de distintos setores da sociedade interessados em montar um sistema de natureza pública, com um amplo atendimento, com financiamento público e fundado num sistema federativo de repartição de atribuições e recursos. Apesar de sintético, o texto dos 5 capítulos é bastante claro quanto às intenções dos representantes na Constituinte. A seguir, alguns exemplos:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

“O sistema único de saúde será financiado (...) com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” [1]

Porém, as dificuldades começaram já mesmo a partir da implementação do modelo do SUS. Havia - e ainda há! - uma série de questões complexas a serem solucionadas, tais como: i) a garantia de fontes orçamentárias de financiamento; ii) a definição clara da repartição entre as atribuições e as origens de recursos entre União, Estados e Municípios; iii) os limites e as tangências entre a presença do setor privado e o setor público na oferta de serviços de saúde; entre outras. Exatamente por estar sendo construído num período em que o paradigma hegemônico da ordem social e econômica no mundo era baseado na idéia da supremacia absoluta do privado sobre o público e na tentativa de reduzir a presença do Estado a uma dimensão mínima, o SUS já nasceu sendo bombardeado por setores comprometidos com tal visão reducionista das políticas públicas.

Os conceitos teóricos que algumas correntes da economia haviam criado em torno da idéia de bens públicos (saúde, educação, saneamento, etc) sofreram forte oposição e a idéia de transformar todos esses direitos da cidadania em simples mercadoria passou a ganhar força. O mercado privado atuante na área da saúde recebeu grande impulso, a partir da idéia de “complementaridade” ou “suplementaridade” à ação do Estado. Ao lado das antigas e tradicionais instituições da filantropia, cresceu bastante a atuação de grupos empresariais privados, que passam a operar no setor com a lógica pura e simples da acumulação de capital e da obtenção de lucros. E o acesso a esses hospitais, maternidades, laboratórios, centros clínicos passa a contar com a sofisticação dos planos privados de saúde e os seguros de saúde. Tudo baseado em preços, contratos, condições, exceções, carências e outros elementos que confluem para reduzir a despesa e aumentar a receita. A saúde deixa cada vez mais de ser um direito e se transforma numa mercadoria.

O espaço de disputa desse novo campo de negócio, obviamente, dá-se com a própria rede do SUS. Colabora para tanto um processo de sucateamento do sistema público, cujo principal instrumento de atuação ocorre por meio de redução de seus recursos orçamentários. Com isso, a rede pública não consegue avançar a contento em termos de equipamentos e de pessoal. E os meios de comunicação complementam com seu papel de desconstruir o modelo, apontando as falhas e as ineficiências de atendimento da população, com a mensagem sub-reptícia de que isso ocorre em função de sua natureza pública, estatal.

Mas o fato é que pouco a pouco vão sendo reduzidos os gastos estatais com a saúde, enquanto que os gastos privados passam a crescer a cada ano. A política de ajustes fiscais a qualquer custo - que se tornou mais evidente a partir do Plano Real, em 1994 - terminou por estrangular os orçamentos da seguridade social como um todo, aí incluído o drama da saúde. Assim, em 1997 o governo federal acaba por lançar mão de um tributo específico e emergencial para dar conta da falta de recursos orçamentários para essas áreas. Foi aprovada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas parte dos recursos ficava retida para contingenciamento e outros dribles com objetivo de contribuir para o superávit primário. Após compartilhar a dotação com previdência e assistência social, menos da metade dos recursos ficava com a área da Saúde.

Esse tributo resistiu por quase 10 anos, quando foi finalmente suspenso em 2007, em votação ocorrida no âmbito do Congresso Nacional. O discurso generalizado dos setores ligados ao mundo empresarial e das forças conservadoras em geral acabou prevalecendo, na figura da falsa imagem da “elevada carga tributária”. Na verdade, o grande incômodo do sistema financeiro era mesmo a possibilidade de rastreamento de todas as suas operações, uma vez que a contribuição incidia sobre as mesmas. E isso permite ao poder público uma maior capacidade de controle e fiscalização, inclusive para reduzir a prática de operações ilegais, Tendo perdido essa fonte de recursos, o SUS voltou a sofrer ainda mais o risco do sucateamento. Desde 2008 tramita no legislativo um projeto para recriar uma fonte específica para a Saúde (não mais para o conjunto da Seguridade Social). O princípio é bastante semelhante à CPMF: trata-se da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Tal tributo incidiria sobre as transações financeiras, a exemplo da anterior, mas teria uma alíquota inferior: 0,10% ao invés de 0,38%.

Alguns especialistas já apontam a necessidade de um índice mais elevado, dada a urgência de recursos para o SUS. De qualquer maneira, o mais importante é assegurar que as verbas sejam direcionadas para o gasto na ponta do sistema e não fiquem esquentando o caixa do Tesouro Nacional para formar o superávit primário e pagar os juros da dívida. Além disso, faz-se necessário criar algum mecanismo para atenuar a regressividade implícita na CSS. Isso porque todas as camadas de renda da população sofrem a incidência do tributo, pois vivemos em um mundo marcado pela generalização das atividades bancárias e financeiras. Assim, seria importar promover uma medida de justiça tributária e isentar as faixas de renda mais baixa.

A situação é de extrema urgência! Caso contrário, corre-se o risco da saúde sofrer processo análogo ao do ensino fundamental e médio. Ao longo das últimas décadas, em razão do sucateamento da rede pública de ensino, setores expressivos da classe média passaram a optar por estabelecimentos privados de educação para seus filhos. A rede pública, salvo raras exceções, padecia de falta de verbas, com baixo investimento na construção, equipamento e, principalmente, no estímulo aos professores. Estes setores médios tendem a ser vistos como “caixa de ressonância da opinião pública” e com maior capacidade de pressão sobre os representantes políticos. Como eles deixaram de pressionar pela melhoria da qualidade do ensino público pré-universitário, isso contribuiu para a situação ter chegado ao quadro atual de difícil e urgente recuperação.

O momento atual é defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. Um direito de cidadania, um dever do Estado. É claro que muito ainda há para ser realizado no sentido de aperfeiçoar a sua gestão, com o intuito também de reduzir as perdas do sistema. O mesmo vale para a necessidade de redefinir os cálculos dos gastos com saúde, tal como previsto pela famosa Emenda Constitucional n° 29, que estabelece percentuais orçamentários mínimos para que os governos federal, estaduais e municipais apliquem no sistema. E também para introduzir maior grau de justiça social na forma de apropriação dos recursos, inclusive físicos do SUS. E aqui entram aspectos como a atual renúncia tributária para setores que gastem com saúde privada, o uso descontrolado da rede privada dos setores de excelência da rede pública nas áreas de alta complexidade a baixo custo, as facilidades de isenção tributária para os grupos empresariais que operam no sistema privado de saúde, entre tantos outros aspectos.

Enfim, as tarefas são muitas e complexas. Mas a urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

VIVA A LUTA PELA CAUSA PALESTINA!!


Palestina Já! por CUCAUNE  no Videolog.tv.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Palestina e Israel


    A comunicação é uma arte comparada em pintar um quadro, escrever um livro, esculpir uma estátua ou dirigir um filme. Há que preparar-se. Há que estudar  cada palavra, saber que se quer dizer, como deseja fazer. Nesta semana a palavra, o discurso, a comunicação, a articulação, a negociação será vital numa intensa atividade diplomática nas Nações Unidas que pode decidir o futuro do conflito palestino e israelense e que poderá afetar consideravelmente a precária estabilidade em todo Oriente Médio. O Presidente da Palestina, Mahmud Abbas discursará na ONU exigindo  uma vaga como membro com pleno direito da ONU.  Abbas é consciente que na Assembléia Geral da ONU reúne todos os triunfos com mais 130 países dos 193 com assento na ONU que já reconhecem o Estado Palestino. Dentro do jogo de pôquer, quanto mais alta a aposta maior será o preço a pagar a troca de um acordo, e à Assembléia Geral não pode reconhecer a Palestina como Estado de pleno direito, ou seja, com direito a voto. No entanto, pode dar condição de Estado observador como é o Vaticano. Esta condição significa muito. Não é por acaso que o presidente de Israel, Benjamín Netanyahu tomou a decisão de ir para Nova York com intuito de mudar este panorama ou tendência que para os palestinos seriam uma vitória. Caso a Palestina seja um Estado observador, Israel teria grande possibilidade de ser denunciado a Corte Penal Internacional de Haya pela ocupação ilegal dos territórios palestinos e as violações dos direitos humanos. Não é só isto: os dirigentes israelenses correriam o risco de ordem de busca e captura que transformariam muitos líderes de Israel em párias, confinados em seu próprio país. 
 Nesta batalha da comunicação, Israel já tem o apoio garantido dos Estados Unidos. Diante do fato que dentro de um ano haverá uma eleição nos EStados Unidos e já se especula da possibilidade que Obama possa perder as eleições, evidentemente, dentre outros fatores, mas este pode pesar mais o fato dos eleitores judeus dentro do Partido Democrata não apoiarem o mesmo em 2012. Quanto a Europa, se os americanos não estão satisfeitos com o momento atual europeu, principalmente da divisão entre os sócios europeus no tema Palestina e uma ausência da política exterior, cabe aí recordar que é uma reprodução ou produto de uma política externa dos Estados Unidos. Esta brecha entre os europeus e americanos há que ter em conta a distância que separa Oriente Médio da Europa devido a menor importância dos interesses europeus por lá. O movimento político de Abbas é arrojado. Os americanos ameaçaram em cortar o financiamento das instituições Palestinas. De todo modo, esta ameaça não afetaria muito, pois supostamente seria substituída aos sauditas. Enfrenta também o partido político Hamas que tem como objetivo transformar o conflito nacional palestino, que é de uma natureza étnica e política, em um enfrentamento fundamentalmente religioso. A sociedade palestina  é muito laica comparada a outras sociedades mussulmanas do mundo arábe. Este projeto de radicalização do Hamas é partilhado desde a Al Quaeda até Hizbulá. Quanto aos Brics, constituído por Brasil, China, India e Rússia que decidiram em resgatar a economia mundial, e este gesto e atitude diz muito, onde apenas dois pertencem ao Conselho de Segurança (China e Rússia) que possuem objetivos ambiciosos, onde este grupo na Assembléia irão apoiar a causa Palestina. Uma semana complicada com um final incerto. Os dois, Abbas e Netanyahu, dependerão mais do que nunca do verbo, o que dirão, como enviarão a mensagem, pois da capacidade de comunicação dependerão em abrir ou fechar definitivamente a porta para a negociação.

A história do Haiti é a história do racismo’

Eduardo Galeano no PATRIA LATINA
 
A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
 
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
- Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
 
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema:
- Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
 
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
 
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
 
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

* Escritor e jornalista uruguaio

Pós modernidade”, moda cultural do neoliberalismo




Enraizado no passado do pensamento burguês, o pós-modernismo emergiu em contraposição ao marxismo e prega a fragmentação e o “vale-tudo” cultural, o apoliticismo, a rejeição ao conhecimento científico e a ideia de que a sociedade (e a história) não podem ser mudadas pela ação coletiva dos homens.


Por José Carlos Ruy (*) no PORTAL VERMELHO


A “pós-modernidade” é um tema que emergiu especialmente após a década de 1970, embora suas teses fossem anteriores. Sua emergência (nos anos 70) refletiu as mudanças que ocorriam no sistema capitalista. O termo “pós-moderno” acaba trazendo alguma confusão para os desatentos. Há um sentido explícito de superação da modernidade. Ele não representa propriamente uma novidade no campo do pensamento, mas a acentuação de tendências mais antigas e permanentes no pensamento burguês.

Muitas das ideias que surgem como “novidade” estão enraizadas nesse pensamento burguês que vem desde o século 19, com uma ênfase no indivíduo e no conflito (ou contradição) entre este e a sociedade, ideia que se fortaleceu desde Kant (pensador alemão do século 18).

A pós-modernidade enfatiza e superestima o papel individual sobre o social e apregoa isso com um sentido retrógrado, especialmente após a queda do Muro de Berlim e a extinção do socialismo nos países do Leste europeu, quando se proclamou o “fim da história” e a vitória final do capitalismo sobre o socialismo.

O pós-modernismo, como um modismo cultural, é paralelo à hegemonia do neoliberalismo e corresponde a ela. Sua emergência está fortemente vinculada às mudanças ocorridas nos países de capitalismo desenvolvido (na Europa e nos EUA, particularmente) a partir da década de 1960.

Uma derrota para os trabalhadores

O arranjo político estabelecido depois da II Guerra Mundial, que fundamentou o estado do bem-estar social, trouxe para o núcleo do aparelho estatal correntes ligadas ao movimento operário. Partidos socialistas e comunistas e a estrutura sindical passaram a fazer parte do bloco governante, com impacto na própria política defendida por aqueles partidos e organizações.

Quando o capitalismo começou a dar os primeiros sinais da crise de que ainda sofre hoje, mais de meio século depois, o movimento operário representado por aquelas organizações sindicais e políticas não conseguiu formular uma proposta avançada para ela. Refém de políticas reformistas, foram incapazes de assumir papel dirigente quando a resistência operária e popular eclodiu sob forma insurrecional, nos famosos movimentos de 1968. E em países como Itália e França juntaram-se aos governos contra aqueles movimentos.

Neste sentido, a efervescente atividade operária na Europa e nos EUA na década de 1960, decaiu do status de revolução social, de luta de classes, para uma mera transformação cultural. Dava ênfase a aspectos superestruturais (liberação feminina, luta contra o racismo, pela afirmação da juventude etc.) e na resistência contra a guerra do Vietnã.

Isto é, incapaz de formular uma saída proletária para a crise do capitalismo, as organizações políticas e sociais ligadas aos trabalhadores entraram num processo de degenerescência política e eleitoral cuja culminância seria, poucas décadas depois, na crise organizativa vivida a partir dos anos 80.

Aqueles acontecimentos têm uma qualificação: representaram uma derrota para os trabalhadores, para a luta do proletariado e para o avanço para o socialismo. Eles prepararam o caldo de cultura político que, já no final da década de 1970, levou à hegemonia neoliberal com a ascensão de Margareth Thatcher (em 1979) como primeira ministra britânica, a eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA (em 1980), e à virada privatizante do governo de François Mitterrand (eleito em 1981) na França.

O alto ritmo de crescimento das economias capitalistas, que vinha desde o final da II Guerra Mundial, começou a desacelerar desde o final da década de 1950. Os trabalhadores resistiam também às rotinas alienantes e repetitivas do trabalho nas empresas capitalistas e, ao mesmo tempo, exigiam salários mais altos e condições de trabalho mais adequadas. A saída conservadora para aquela crise deu à burguesia os instrumentos políticos que lhe permitiram dobrar a resistência operária e impor perdas sociais, salariais, e organizativas para os trabalhadores.

Financeirização

Em sua busca para potencializar os lucros, as empresas capitalistas adotaram várias estratégias para derrotar os trabalhadores. Uma delas foi a migração das instalações industriais para locais onde os salários fossem mais baixos e a organização dos operários mais frágil.

Nos EUA, por exemplo, as empresas iniciaram uma migração dos tradicionais centros operários do nordeste do país (como Michigan, Pensilvânia, Nova York) para estados do sul; ultrapassar a fronteira foi um passo, em busca da mão de obra barata na América Latina, transbordando depois para nações mais distantes na Ásia, como a Indonésia ou, na década de 1980, a China.

Na Europa a ânsia por mão de obra barata moveu a produção capitalista rumo ao leste, principalmente depois das mudanças radicais vividas pelas antigas democracias populares do bloco soviético, e também à atração de fortes correntes de migrantes vindos de países latino-americanos, asiáticos e africanos, que vendiam a preços aviltados sua força de trabalho nos países ricos europeus.

Neste período a acumulação capitalista mudou de rumo; a produção fabril, nos países ricos, deixou de ser seu eixo principal, substituída preferencialmente por investimentos financeiros cada vez maiores e mais sofisticados. A produção industrial começou a declinar, o número de trabalhadores ligados à produção encolheu, e houve um acentuado crescimento no setor de serviços. O trabalhador típico deixou de ser aquele que antes manipulava peças de automóveis e seu lugar foi ocupado crescentemente por trabalhadores precarizados.

A ética “produtivista” anterior, que legitimava o lucro obtido na produção e preconizava a vida austera e a economia para o futuro, foi crescentemente substituída por uma lógica de jogo, de cassino, guiada pela lógica do “destino”, do “azar”, sob a qual o que vale é viver o presente (carpe diem, como dizia um filme que fez época, “Sociedade dos Poetas Mortos”).

As mudanças no pensamento acompanham e correspondem a essas transformações ocorridas na sociedade. A França foi um dos lugares pioneiros da formulação do que se convencionou chamar de pós-modernismo. Lá, no pós-guerra, o prestígio do comunismo e da União Soviética foi a base para a presença marcante do marxismo entre os intelectuais e artistas, fomentando um debate cujos desdobramentos ocorreram de forma paralela às mudanças na produção, e na própria luta de classes, que se aprofundou principalmente depois do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956. O choque das denúncias feitas pelo dirigente soviético Nikita Kruschev provocou, inicialmente, uma divisão no movimento comunista, opondo os marxistas que se pode chamar de “ortodoxos” àqueles que manifestavam seu desencanto através da busca de um marxismo “humanista”, sem compromissos claros com a mudança social e a luta de classes, e fortemente crítico em relação à ortodoxia soviética.

Anti-marxismo

O passo seguinte foi o crescente abandono do marxismo por inúmeros intelectuais e a passagem para formas de pensamento que, ainda reivindicando algum precário compromisso libertário (Michael Foucault é um exemplo veemente), que rompiam com a compreensão da história como um processo que pode ser conhecido e no qual se pode intervir, e com o próprio conhecimento científico. Saltavam para o primeiro plano, desta forma, linhas teóricas que defendiam uma história sem processo e enfatizavam o discurso, desprezando a correlação entre o pensamento conceitual, o mundo material e objetivo, e a ação prática concreta dos homens.

Estava aberta a porta, assim, para a hegemonia do “pós-modernismo”, uma forma de pensamento que rompeu com o materialismo e com qualquer compromisso com a compreensão do mundo real e com programas coletivos de intervenção no curso dos acontecimentos. E que corresponde à “lógica de jogo” que passou a predominar, na qual não se pode ter certeza de nada a não ser do efêmero presente – e também que, como nos jogos de azar, há poucos vencedores e muitos perdedores que, por partilhar a lógica do azar, “não podem reclamar” do destino, nem interferir nele.

"Atitude intelectual genérica"

Outra consequência foi a inauguração de um relativismo radical na consideração de todas as atividades culturais, sociais, humanas; esta é a raiz dio “multiculturalismo” que acompanha esta maneira de pensar e que valoriza de forma equívoca a relevância das múltiplas contribuições culturais dos variados grupamentos humanos. Enfim, esta é a faceta do “vale-tudo” pós-modernista, em cuja esteira estão: a desvalorização de movimentos políticos organizados, da ação coletiva e dos partidos, a atomização da ação social em movimentos fragmentários, a valorização do efêmero e do instantâneo, a recusa à pesquisa e compreensão da mudança e do avanço. Dentro do vale tudo pós-modernista, tudo é igual, tudo permanece, tudo é valorizado pelo que “parece ser” e não pelo que “é”.

A dificuldade em se definir o que seja pós-modernismo decorre disto. É um rótulo que designa inúmeras e muitas vezes contraditórias correntes artísticas e intelectuais, que o historiador espanhol Julio Ariostégui definiu, em minha opinião com uma precisão paradoxal, com a expressão “atitude intelectual genérica”.

Um dos marcos fundamentais na formulação do pós-modernismo foi a publicação na França, em 1979, do livro La condition postmoderne, de Jean-Francois Lyortard (traduzido no Brasil com o título O pós-moderno, em 1985), obra que se transformou numa espécie de catecismo inicial desta forma de pensar. Ali está o rompimento com o marxismo e com a tradição iluminista, a pretexto dos desastres que a “razão instrumental” teria provocado. Em outro lugar, Lyotard cita os assassinatos em escala industrial ocorridos no campo de concentração nazista de Auschwitz como exemplo da degeneração da “razão”. Ali está também o “giro linguístico” que punha a ênfase no discurso.


Tudo passava a ser considerado dentro do campo do discurso, sendo o mundo encarado como um conjunto de fenômenos linguísticos. O critério de verdade deixa de ser a correspondência entre o enunciado e o mundo real e objetivo ao qual ele se refere, substituído apenas pela coerência interna do enunciado. Neste sentido, toda e qualquer questão filosófica passa a ser tratada apenas como um problema de linguagem. Ao contrário do processo de conhecimento que busca uma aproximação do Real, houve um deslocamento discursivo do Real. A partir daí, nem mesmo o conhecimento científico é mais importante e há uma recusa a ele (há mesmo uma denúncia do conhecimento científico, como “técnica” ou “razão instrumental”) que fundamenta o desprezo a qualquer possibilidade de explicação objetiva do mundo. E se fortaleceu a ideia relativística de que tudo é válido e todas as explicações verbais (discursivas) seriam legítimas.

O que é "modernidade"?

Termino com uma reflexão e uma pergunta: o que é a modernidade? Para os comunistas e os marxistas, a questão pode estar mal colocada e a “modernidade” se contrapõe ao problema da revolução. A ideia de modernidade define a modernização capitalista do mundo, que se manifestou nos séculos passados na luta contra o passado feudal, e antigo, que precisava ser superado. E a “modernidade” continua descrevendo, na época do declínio do capitalismo e da necessidade da abertura da transição para o socialismo, a modernização capitalista. Neste sentido, ela não traz nada de fundamentalmente novo, pois o moderno, numa compreensão mais profunda e contemporânea, significa rompimento com o capitalismo e alteração não da aparência das relações sociais (com seus modismos consumistas e tecnológicos), mas da essência destas relações, transitando para formas de sociabilidade baseadas na busca do atendimento das necessidades humanas prementes, e não do lucro. Assim, “modernidade” não significa ruptura dentro do sistema capitalista, mas apenas acomodações teóricas sempre com a finalidade de perpetuá-lo e a seu status quo.


(*) Este texto é um resumo de minha apresentação ao debate “Pós-modernidade, Cultura e Educação: tensões e contradições”, realizado pelo Coletivo de Cultura do Comitê Distrital do PCdoB de São Paulo (SP), em 6/9/2011. Agradeço à Mazé Leite por ter anotado minha fala e organizado este texto, que revisei para esta publicação e portanto assumo a responsabilidade pelos erros que possam existir nele.

domingo, 18 de setembro de 2011

EUA prometem barrar Estado palestino. Europa está dividida



No próximo dia 23 de setembro, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, pedirá na ONU o reconhecimento da Palestino como Estado de pleno direito. Aliados incondicionais de Israel, os EUA, que nada fizeram desde que Obama chegou ao poder para desbloquear o processo de paz, manifestaram-se rapidamente para julgar "contraproducente" a iniciativa de Abbas enquanto que a União Europeia está dividida. O artigo é de Eduardo Febbro.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, acendeu um pavio que fez voar em pedaços a máscara das potências ocidentais. Abbas anunciou que no próximo dia 23 de setembro pedirá ante o Conselho de Segurança da ONU o reconhecimento da Palestina como Estado de pleno direito. 

Aliados incondicionais de Israel, os Estados Unidos, que nada fizeram desde que Obama chegou ao poder para desbloquear o processo de paz, manifestaram-se rapidamente para julgar « contraproducente » a iniciativa de Abbas enquanto que a União Europeia, por meio da chefe da diplomacia europeia, a escandalosa e inoperante Catherine Ashton, defendeu uma « solução construtiva » que conduza à retomada das negociações entre Israel e Palestina.

A fórmula da comissária europeia é de um cinismo calamitoso: ao cabo de 18 anos de negociações o processo não conduziu a nenhum acordo tangível. Os europeus, lúcidos na hora de falar, mas imobilistas na hora de agir, não conseguiram influir em nenhuma das administrações israelenses enquanto Washington foi incapaz de obter de Israel a mais mínima concessão capaz de fazer o processo avançar.

A proclamação de um Estado palestina pretende por fim ao infrutífero regime de negociação instaurados pelos acordos de Oslo. Por outro lado, o movimento de Mahmud Abbas não tem saída já que os EUA adiantaram que exercerão seu poder de veto no Conselho de Segurança. A Palestina não se converterá então no Estado número 194 das Nações Unidas. O máximo que pode conseguir é um estatuto semelhante ao do Vaticano. 

Contudo, a decisão do presidente da Autoridade Plaestina é tanto mais emblemática na medida em que ela ocorre no momento em que os países árabes passam por um intenso processo revolucionário. Resulta incongruente para Estados Unidos e União Europeia opor-se a um Estado palestino, ou seja, seguir apoiando Israel incondicionalmente, ao mesmo tempo em que, ainda que tardiamente, apoiraram a primavera árabe. O cinismo sempre se faz evidente quando chega o momento de tomar uma posição.

Mahmud Abbas ignorou as insistentes recomendações dos emissários norteamericanos, da União Europeia e do inócuo Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, Russia, União Europeia e ONU). Ainda que os diálogos tenham fracassado, o Velho Continente insiste em dizer que a União Europeia vai « redobrar » seus esforços para « retomar as negociações entre as partes o mais rápido possível ». Segundo disse a senhora Ashton, « esse é o único meio de por fim ao conflito ». 

Assim como ocorre com outras grandes temas cruciais da política internacional, os países da União Europeia estão profundamente divididos sobre a questão. Itália, República Tcheca, Holanda e Polônia se mostram hostis à criação de um Estado palestino reconhecido pela ONU. Ainda que em menor medida, a Alemanha não simpatiza com a ideia. O resto dos países da UE tem uma tendência favorável, mas sabem que a iniciativa palestina pode causar divisões na unidade do grupo. Paris afirmou que « assumirá suas responsabilidades » e precisou que a posição francesa está « guiada pela tripla preocupação de preservar a perspectiva de uma reativação do processo de negociação, evitar a confrontação diplomática e manter a unidade europeia ». As três aspirações simultâneas parecem hoje inalcançáveis.

O portavoz do Departamento de Estado norteamericano, Mark Toner, considerou que a proclamação de um Estado palestino não conduzirá à meta desejada, ou seja, a existência de « dois Estados convivendo em paz e segurança ». Washington e os europeus clamam por um acordo de paz « completo », mas esta perspectiva foi se evaporando com a ampliação da colonização israelense na Cisjordânia. 

A posição de Mahmud Abbas tampouco é confortável. Desde maio passado não consegue formar um governo de unidade nacional, seu mandato já expirou, e o território palestino de Gaza permanece mais dividido do que nunca através de suas respectivas administrações, os fundamentalistas do Hamas e a OLP. Quando anunciou que falaria na ONU no próximo dia 23, Abbas manteve intactas as reivindicações históricas da OLP : um Estado palestino dentro das fronteiras do armistício de 1948, um Estado com Jeruslaém Oriental como capital, o retorno dos refugiados e a plena soberania. 
A atuação da administração Obama na crise palestina tem sido um fracasso total. Obama suscitou enormes esperanças quando foi eleito e, há pouco mais de dois anos, em um discurso pronunciado no Cairo (junho de 2009), realimentou-as quando disse : « A situação dos palestinos é intolerável ». Mas, até agora, não foi capaz sequer de impedir que Israel siga construindo colônias na Cisjordânia.

Tradução: Katarina Peixoto

O fim da ética da IstoÉ, a revista que vende reportagens por quilo


Da Direção Nacional do MST


A revista IstoÉ publica na capa da edição desta semana um boné do MST bem velho e surrado, sob terras forradas de pedregulhos.
Decreta na capa “O fim do MST”, que teria perdido a base de trabalhadores rurais e apoio da sociedade.Premissa errada, abordagem errada e conclusões erradas.A mentiraA IstoÉ informa a seus leitores que há 3.579 famílias acampadas no Brasil, das quais somente 1.204 seriam do MST.A revista mente ou equivoca-se fragorosamente. E a partir disso dá uma capa de revista.Segundo a revista, o número de acampamentos do MST caiu nos últimos 10 anos. E teria chegado a apenas 1.204 famílias acampadas, em nove acampamentos em todo o país.Temos atualmente mais de 60 mil famílias acampadas em 24 estados.Levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aponta que há 156 mil famílias acampadas no país, somando todos os movimentos que lutam pela democratização da terra.A revista tentou dar um tom de credibilidade com as visitas a uma região do Rio Grande do Sul, onde nasceu o Movimento, e ao Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Se contassem apenas os acampados nessas duas regiões, chegariam a um número bem maior do que divulgou.A reportagem poderia também ter ido à Bahia, por exemplo, onde há mais de 20 mil famílias acampadas que organizamos.O repórter teve oportunidade de receber esses esclarecimentos e até a lista de acampamentos pelo país.Mas não quis ou não fez questão, porque se negou a mandar as perguntas por e-mail para o nosso setor de comunicação.Outra forma seria perguntar para o Incra ou pesquisar no cadastro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Tampouco isso a IstoÉ fez.Se foi um erro, além de incompetente, a direção da IstoÉ é irresponsável ao amplificá-lo na capa da revista.Se não foi um erro, há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia, como escreveu William Shakespeare.O desvioA IstoÉ se notabilizou nos últimos tempos nos meios jornalísticos como uma revista venal. A revista é do tipo “pagou, levou”. Tanto é que tem o apelido de "QuantoÉ".Governos, empresas, partidos, entidades de classe, igrejas (vejam a capa da semana anterior) compram matérias e capas da revista. E pagam por quilo, pelo “peso” da matéria.A matéria da IstoÉ não é fruto de um trabalho jornalístico, mas de interesses de setores que são contra os movimentos sociais e a Reforma Agrária.Não é de se impressionar uma vez que a revista abandonou qualquer compromisso com jornalismo sério com credibilidade, virando um “ativo” para especuladores.Nelson Tanure e Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, banqueiro marcado por casos de corrupção, disputaram a compra da revista em 2007.Com o que esses tipos têm compromisso? Com o dinheiro deles.Reação do latifúndioA matéria é uma reação à nossa jornada de lutas de agosto.Foram mobilizados mais de 50 mil trabalhadores rurais, em 20 estados.Um acampamento em Brasília, com 4 mil trabalhadores rurais, fez mobilizações durante uma semana e ocupou o Ministério da Fazenda para cobrar medidas para avançar a Reforma Agrária.A jornada foi vitoriosa e demonstrou a representatividade social e a solidez das nossas reivindicações na luta pela Reforma Agrária.O governo dobrou o orçamento para a desapropriação de terras para assentar 20 mil famílias até o final do ano, liberou o orçamento para cursos para trabalhadores Sem Terra, anunciou a criação de um programa de alfabetização e a criação de um programa de agroindústrias.Interesses foram contrariados e se articularam para atacar o nosso Movimento e a Reforma Agrária. Para isso, usam a imprensa venal para alcançar seus objetivos.Os resultados da jornada e a reação do latifúndio do agronegócio, por meio de uma revista, apenas confirmam que o MST é forte e representa uma resistência à transformação do Brasil numa plataforma transnacional de produção de matéria-prima para exportação e à contaminação das lavouras brasileiras pela utilização excessiva de agrotóxicos.
A luta vai continuar até a realização da Reforma Agrária e a consolidação de um novo modelo agrícola, baseado em pequenas e médias propriedades, no desenvolvimento do meio rural, na produção de alimentos para o povo brasileiro sem agrotóxicos por meio da agroecologia.