quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Armação dos EUA ou loucura do Irã?

Por Antonio Luiz M. C. Costa, na CartaCapital:via BLOG DO MIRO

Ontem, 11 de outubro, o governo de Barack Obama anunciou ruidosamente a desarticulação de uma suposta conspiração de uma facção do governo iraniano para assassinar o embaixador da Arábia Saudita nos EUA e cometer outros atentados contra embaixadas sauditas e israelenses. Em represália, anunciou novas sanções contra Teerã.


A Arábia Saudita se manifestou de imediato contra a “violação fragrante e desprezível da lei internacional” e o governo britânico de David Cameron para dizer que os indícios de envolvimento de “elementos do regime iraniano” eram “chocantes” e oferecer seu apoio aos EUA em relação a medidas punitivas. Os outros aliados dos EUA se mostraram mais cautelosos. A chanceler da União Europeia, Catherine Ashton, diz que as a acusações terão consequências graves “se forem confirmadas” e mídias da França e Alemanha falam de “suposto complô” e “acusação dos EUA”.

O governo iraniano está longe de ser monolítico – são notórios os desentendimentos entre o aiatolá Khamenei e o presidente Mahmoud Ahmadinejad, recentemente acusado de corrupção por vários parlamentares – e não se pode descartar, a priori, a possibilidade de algum componente fanatizado ter-se envolvido em planos insensatos. Mas há razões para duvidar.

A primeira, mais óbvia, é que já se viu EUA e Reino Unido fazerem acusações falsas e forjarem provas contra um governo estrangeiro, quando decidiram invadir o Iraque de Saddam Hussein. Desde então, mudaram os governos, mas as políticas de Estado continuam fundamentalmente as mesmas.

A segunda é que um complô do Irã para atacar os EUA ou a Arábia Saudita se encaixa mal na atual conjuntura internacional, ao passo que um complô anglo-americano contra o Irã combina perfeitamente com o cenário. Nos últimos meses, a Primavera Árabe tem permitido ao Irã romper seu isolamento na região, a começar pela normalização das relações com o Egito, que alarma estadunidenses, sauditas e israelenses. Teerã também continua a buscar a mediação dos BRICS e da Turquia para um acordo sobre seu programa nuclear, voltando a oferecer o fim do enriquecimento de urânio a 20% em troca de combustível. Parece óbvio que o regime não quer provocar um conflito imediato, ao passo que os EUA e seus aliados têm todo interesse em deter a regularização das relações iranianas e voltar a segregar o país.

A terceira é que a história contada pelo procurador-geral (com poderes de ministro da Justiça) dos EUA, o democrata Eric Holder, é, em si, um tanto bizarra. De maio a setembro, ao lado de Gholam Shakuri, integrante de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã, o iraniano-americano Manssor Arbabsiar, preso em 29 de setembro, teria feito contatos no México um informante da DEA (departamento antidrogas dos EUA) que se fazia passar por representante de um cartel de narcotráfico não identificado (provavelmente os Zetas). Depois de discutirem a possibilidade de ataques com explosivos a embaixadas sauditas e israelenses não especificadas (fala-se em Washington e Buenos Aires), teriam fechado um acordo para assassinar o embaixador saudita nos EUA, Adel Jubeir, por 1,5 milhão de dólares, possivelmente num restaurante de Washington, mesmo que isso envolvesse a morte de inocentes. Arbabsiar foi detido ao desembarcar no México para pagar a primeira metade do acordo e teria confessado suas ligações com facções do governo de Teerã, enquanto Shakuri está no Irã.

Por que interessaria ao Irã, ou mesmo a uma facção do seu governo, eliminar um embaixador, ou cometer atentados contra embaixadas neste momento? Tais ações não são típicas de governos, mesmo mal intencionados, mas de organizações em busca de projeção, propaganda e conquista de militantes, como a Al-Qaeda. A tradicional pergunta “cui bono?” ou “cui prodest?” – “quem se beneficia?” –, pode não bastar como prova, mas aponta para outro lado.

Mesmo antes da Primavera Árabe, a Arábia Saudita e os emirados do Golfo pressionavam os EUA a atacarem Irã, visto como uma ameaça revolucionária a seus regimes obsoletos. E é evidente que a nova conjuntura da região os deixou em pânico, pela influência dos aiatolás sobre a região e principalmente os xiitas de sua região oriental e dos países vizinhos. Teerã acusou os sauditas de genocídio na repressão às manifestações de descontentamento dos xiitas do vizinho Bahrein, que é também a principal base da Quinta Frota dos EUA. Por outro lado, na Síria o Irã dá apoio crítico ao regime Assad, enquanto o governo de Riad foi o primeiro a romper relações com Damasco e apoiar abertamente os dissidentes.

Também é evidente o interesse de Washington em criar um incidente, tanto por razões de política internacional – desincentivar negociações e aproximação de outros países com o Irã, dar o “toque de reunir” a seus aliados da Otan – quanto de política interna, uma vez que se aproxima o período eleitoral, Obama já não é favorito para a reeleição e está encurralado entre os ataques dos republicanos pela direita e as críticas do #Occupywallstreet, pela esquerda. Quando a economia é um desastre, nada como forjar um inimigo externo para conseguir o apoio automático da mídia e de parte dos eleitores. O patriotismo é o último recurso, como dizia Samuel Johnson.

Filhos de ex-pacientes de hanseníase lutam por indenizações

Marli Moreira Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Os filhos de ex-pacientes de hanseníase estão se mobilizando para conquistar o direito de receber indenização do governo federal por causa do sofrimento que passaram ao serem separados dos pais quando ainda eram bebês. Com esse objetivo, estão sendo realizadas hoje (12) várias atividades e o encerramento, previsto para as 17 horas, será com um abraço simbólico na Associação Santa Terezinha, um educandário de Carapicuíba, na Grande São Paulo.
Este era um dos endereços para onde eram levadas as crianças cujos pais estavam internados em hospitais colônias, conta Teresa Oliveira, coordenadora regional do Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) em Barueri. Oliveira lembra que até 1980 vigorou no país o isolamento compulsório dos portadores da doença e que ela própria foi vítima desta política de saúde, tendo sido criada por uma família que a adotou. Ela só soube da sua história aos 10 anos de idade.
De acordo com Oliveira, a Lei 11.520, de 2007, estabeleceu o pagamento de uma pensão vitalícia aos ex-pacientes, no valor de R$ 750,00. Mas, conforme revelou, nem todos com direito a esse benefício estão recebendo a pensão, porque foram cadastrados em torno de 12 mil e estariam faltando ainda outros 4 mil na lista. “Agora estamos batalhando para estender os benefícios aos filhos dos ex-pacientes, que poderia ser uma indenização, um valor a ser um pago de uma vez só”, explicou.
Além de brincadeiras com os netos dos ex-pacientes e os 84 internos do educandário escolhido para as atividades, o Morhan promove hoje a realização de testes de DNA. A intenção é identificar vítimas da segregação imposta aos ex-doentes e filhos.
“Estabelecer uma indenização seria uma espécie de pedido de desculpas da sociedade”, defendeu  Artur Custódio Moreira de Souza, coordenador nacional do Morhan. Ele, no entanto, avalia que isso “não vai suprir o sofrimento dessas pessoas, que foram obrigadas a viver separadas dos pais, que só podiam se ver três vezes no ano e, ainda assim, por meio de vidraças, sem qualquer contato físico”.
Ele informou que há disposição política do governo federal para que seja implantada esse benefício. E, pelos cálculos dele, em torno de 20 mil pessoas teriam direito. De acordo com Custódio, caso o governo adote essa política o Brasil será o primeiro país a ter essa iniciativa, em cumprimento à resolução prevista pelo Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
O líder do Morhan afirmou ainda que a incidência de hanseníase no Brasil só perde para a Índia, seguida do Nepal e do Timor Leste. Ele informou que, em 2010, foram registrados em torno de 35 mil casos.  Mas observou que, diferentemente do passado, hoje os pacientes recebem tratamento em postos de saúde e ficam curados.
A hanseníase é uma doença crônica causada  pelo Mycobacterium leprae, bacilo descoberto em 1873 pelo médico Amaneur Hansen, na Noruega. É caracterizada pelo surgimento de manchas brancas, marrons ou avermelhadas no corpo e pela perda de sensibilidade. Entre os sintomas estão  formigamento, dores, fisgadas e agulhadas ao longo dos nervos dos braços e das pernas, além do inchaço das mãos e dos pés.
 
Edição: Andréa Quintiere

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Che Guevara e os mortos que nunca morrem

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia. Assim seria ele hoje. Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che. E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. O artigo é de Eric Nepomuceno.


No dia em que executaram o Che Guevara em La Higuera, uma aldeola perdida nos confins da Bolívia, Julio Cortázar – que na época trabalhava como tradutor na Unesco – estava em Argel. Naquele tempo – 9 de outubro de 1967 – as notícias demoravam muito mais que hoje para andar pelo mundo, e mais ainda para ir de La Higuera a Argel.

Vinte dias depois, já de volta a Paris, onde vivia, Cortázar escreveu uma carta ao poeta cubano Roberto Fernández Retamar contando o que sentia: “Deixei os dias passarem como num pesadelo, comprando um jornal atrás do outro, sem querer me convencer, olhando essas fotos que todos nós olhamos, lendo as mesmas palavras e entrando, uma hora atrás da outra, no mais duro conformismo... A verdade é que escrever hoje, e diante disso, me parece a mais banal das artes, uma espécie de refúgio, de quase dissimulação, a substituição do insubstituível. O Che morreu, e não me resta mais do que o silêncio”.

Mas escreveu:

Yo tuve un hermano
que iba por los montes
mientras yo dormía.
Lo quise a mi modo,
le tomé su voz
libre como el agua,
caminé de a ratos
cerca de su sombra.
No nos vimos nunca
pero no importaba,
mi hermano despierto
mientras yo dormía,
mi hermano mostrándome
detrás de la noche
su estrella elegida.

A ansiedade de Cortázar, a angústia de saber que não havia outra saída a não ser aceitar a verdade, a neblina do pesadelo do qual ninguém conseguia despertar e sair, tudo isso se repetiu, naquele 9 de outubro de 1967, por gente espalhada pelo mundo afora – gente que, como ele, nunca havia conhecido o Che.

Passados exatos 44 anos da tarde em que o Che foi morto, o que me vem à memória são as palavras de Cortázar, o poema que recordo em sua voz grave e definitiva: “Eu tive um irmão, não nos encontramos nunca mas não importava, meu irmão desperto enquanto eu dormia, meu irmão me mostrando atrás da noite sua estrela escolhida”.

No dia anterior, 8 de outubro de 1967, um Ernesto Guevara magro, maltratado, isolado do mundo e da vida, com uma perna ferida por uma bala e carregando uma arma travada, se rendeu. Parecia um mendigo, um peregrino dos próprios sonhos, estava magro, a magreza estranha dos místicos e dos desamparados. Foi levado para um casebre onde funcionava a escola rural de La Higuera. No dia seguinte foi interrogado. Primeiro, por um tenente boliviano chamado Andrés Selich. Depois, por um coronel, também boliviano, chamado Joaquín Zenteno Anaya, e por um cubano chamado Félix Rodríguez, agente da CIA. Veio, então, a ordem final: o general René Barrientos, presidente da Bolívia, mandou liquidar o assunto.

O escolhido para executá-la foi um soldadinho chamado Mario Terán. A instrução final: não atirar no rosto. Só do pescoço para baixo. Primeiro o soldadinho acertou braços e pernas do Che. Depois, o peito. O último dos onze disparos foi dado à uma e dez da tarde daquela segunda-feira, 9 de outubro de 1967. Quatro meses e 16 dias antes, o Che havia cumprido 39 anos de idade. Sua última imagem: o corpo magro, estendido no tanque de lavar roupa de um casebre miserável de uma aldeola miserável de um país miserável da América Latina. Seu rosto definitivo, seus olhos abertos – olhando para um futuro que ele sonhou, mas não veria, olhando para cada um de nós. Seus olhos abertos para sempre.

Quarenta e quatro anos depois daquela segunda-feira, o homem novo sonhado por ele não aconteceu. Suas idéias teriam cabida no mundo de hoje? Como ele veria o que aconteceu e acontece? O que teria sido dele ao saber que se transformou numa espécie de ícone de sonhos românticos que perderam seu lugar? Haveria lugar para o Che Guevara nesse mundo que parece se esfarelar, mas ainda assim persiste, insiste em acreditar num futuro de justiça e harmonia? Um lugar para ele nesses tempos de avareza, cobiça, egoísmo?

Deveria haver. Deve haver. O Che virou um ícone banalizado, um rosto belo estampado em camisetas. Mas ele saberia, ele sabe, que foi muito mais do que isso. O que havia, o que há por trás desse rosto? Essa, a pergunta que prevalece.

O Che viveu uma vida breve. Passaram-se mais anos da sua morte do que os anos da vida que coube a ele viver. E a pergunta continua, persistente e teimosa como ele soube ser. Como seria o Che Guevara nesses nossos dias de espanto? Pois teria sabido mudar algumas idéias sem mudar um milímetro de seus princípios.

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia.

Assim seria ele hoje.

Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che.

E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. Como o Che.

Haddad volta a defender fim do vestibular

Créditos: PORTAL VERMELHO


O ministro da Educação, Fernando Haddad, declarou ontem (10) que o primeiro passo para promover a reforma do ensino médio no país é extinguir o vestibular. Para ele, essa forma de selecionar os estudantes é um “grande mal”. Em outros momentos, no governo Lula, o ministro já defendeu o fim desse sistema de avaliação.


Fernando Haddad
Fernando Haddad condena vestibular como forma de avaliar estudantes/divulgação AgBr


“O vestibular é um grande mal que se fez com a educação brasileira. Se fosse bom, outros países também teriam. Nós estamos em um processo de substituição do vestibular pelo que tem de mais moderno no mundo, o exame nacional”, disse o ministro, referindo-se ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Haddad participou hoje (10) do 1º encontro Pensando o Desenvolvimento do Brasil – Desafios e Perspectivas para a Educação Básica, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Em seu discurso, ele contou que o ensino médio precisa ser alterado para atender melhor às expectativas do estudante. Essas mudanças, segundo explicou o ministro, vão ocorrer a partir de 2012. Já existem projetos piloto com “ensino inovador” em cerca de 600 escolas. “O objetivo é avançar para oferecer o ensino médio mais coerente com a trajetória e com as expectativas do estudante", afirmou.

Para Haddad, o Enem deve se tornar obrigatório em todo país. A decisão, no entanto, cabe aos secretários estaduais de educação. Com relação à adesão ao exame, ele mostrou dados de participação que apontam que o Enem está assumindo um papel de destaque. Para este ano, que acontecerá dias 22 e 23 de outubro, o número de inscritos bateu recorde com mais de cinco milhões de inscrições.

"À medida que o exame vai ganhando a importância com a adesão das instituições, com as múltiplas funções que ele tem hoje pelo ProUni (Programa Universidade para Todos), com a certificação de ensino médio para quem tem mais de 18 anos, ele vai ganhando naturalmente a adesão dos estudantes", afirmou.

Haddad rebateu as críticas sobre os problemas ocorridos nas últimas edições – vazamento e os erros na impressão dos cadernos de prova. "Nós estamos somando inteligência ao processo, a cada nova edição se agregam novos atores para zelar por cada etapa do processo que é extremamente complexo. Conseguir colocar 5 milhões pessoas em sala de aula em um final de semana não é uma operação exatamente simples", ponderou.

Enem

Nos dias 22 e 23 de outubro os mais de 5 milhões de inscritos comparecerão às 150 mil salas de aula, em 1.599 municípios, para realizar as provas do Enem. Essa será a maior edição desde sua criação, em 1998. As provas do sábado serão de ciências da natureza e humanas. No domingo, serão aplicados os cadernos de linguagens, matemática e redação, somando 180 questões nos dois dias de exame.

Para que isso ocorra, 350 mil pessoas estão envolvidas na aplicação da prova, como fiscais de sala, distribuição das provas, entre outros. O governo federal reforçou alguns pontos estratégicos do processo para evitar os erros de 2009 e 2010. A empresa Módulo, especializada em gestão de risco, e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), que fará a certificação do exame, participam da operação.

John McLaughlin & The 4th Dimension - To the One - 2010

Créditos: sitio do Loololoblog
 

http://img855.imageshack.us/img855/1538/1281105145johnmclaughli.jpg
  1. "Discovery" 6:19
  2. "Special Beings" 8:38
  3. "The Fine Line" 7:43
  4. "Lost and Found" 4:26
  5. "Recovery" 6:21
  6. "To the One" 6:34
Todas las canciones escritas por John McLaughlin

http://img580.imageshack.us/img580/1568/johnmclaughlin.jpg

John McLaughlin – guitar, producer
Gary Husband - drums, keyboards, percussion
Etienne Mbappé – bass
Mark Mondesir – drums, percussion

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Brasil: Sem pressão das forças progressistas, Comissão da Verdade não irá além da mera encenação

por Valéria Nader [*]
e Gabriel Brito [**]
Em vias de aprovação no Congresso, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade, resultante de iniciativas e do esforço de correntes políticas vitimadas pela ditadura civil-militar de 1964-1985, sofreu incontáveis mutilações em relação a seus objetivos iniciais. Entre as muitas aberrações, expandiu-se o período de investigação dos crimes políticos, que terá como data inicial o ano de 1946, quando o Brasil se encontrava sob regimes democraticamente eleitos, ainda que com as devidas tensões e violências políticas registradas – mas nunca assumidas como práticas oficiais do Estado.

O procurador de justiça do estado de São Paulo José Damião de Lima Trindade concedeu longa e detalhada entrevista ao Correio da Cidadania, na qual foi implacável em suas críticas a pontos substanciais do projeto. Vencedor do prêmio de Direitos Humanos João Canuto, concedido em 2008 pela ONG carioca Humanos Direitos, Trindade faz uma provocação que muito contribui para a compreensão do perverso caráter conciliatório que prevaleceu na Comissão, conforme manda a tradição brasileira: "Tenho suspeitas sobre essa quase 'unanimidade' entre reacionários de todos os tipos no Congresso em apoio ao projeto" – referindo-se também à base aliada do governo Lula, repleta de herdeiros e amigos da ditadura.

Ao longo de toda a entrevista, o procurador, também autor do livro História Social dos Direitos Humanos, desnuda as típicas facetas da classe dirigente nacional, sempre afeita às "conciliações por cima". "A Comissão deveria ser mais ampla e ser designada após amplíssima consulta pública à sociedade, para garantir-se que nela não tenham assento agentes duplos nem 'reconciliadores' pusilânimes", critica. E entre tantas ofensas aos preceitos dos Direitos Humanos e do Direito Internacional, destaca-se o trecho que estabelece o sigilo de dados, fatos e documentos que o Estado (inclusive o ditatorial) tenha, no passado, catalogado como confidenciais. Um paradoxo gritante para um projeto que se pretende (ou pretendia) não somente a elucidar, mas a publicizar a 'verdade'. "Se todas as informações recebidas pela comissão não forem tornadas públicas, estaremos diante de uma mera encenação ditada pela conveniência de comandantes militares e policiais ou por figurões da política que prestaram bons serviços à ditadura e pretendem manter seu colaboracionismo trancado no armário", sentencia.

Depreende-se com evidência, da avaliação de Trindade, o frustrante engodo em que pode se transformar uma comissão que foi criada sob aura de muita esperança para os vitimados pela ditadura e é comemorada com grande ufanismo pelos 'governistas'. O promotor questiona pautas essenciais da Comissão, explicando as razões que deixam clara sua intenção de praticar "jogo de cena para o público internacional". Basta, neste sentido, reavivar a memória para perceber que o governo Lula só se mexeu após a condenação, a ser reiterada em 2012, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Além de ter nomeado a maior parte dos integrantes do STF, que no ano passado reinventaram o Direito Internacional ao votarem pela legitimidade da auto-anistia concedida pelos militares em 1979.

O procurador evidencia ainda uma Secretaria Nacional de Direitos Humanos (órgão criado e elevado a ministério pelo PT) como um "clube de segunda divisão", cujos objetivos são rotineiramente desprezados quando confrontados com os interesses políticos dominantes e retrógrados. Trata-se nada mais nada menos do que "uma opção política da Presidência da República", completa, sem poupar nenhum dos dois presidentes petistas, muito menos aquele egresso dos movimentos democráticos e populares.

O caminho que até agora se insinua como o mais provável para uma Comissão tão repleta de contorcionismos já é visto com bastante pessimismo e desilusão por correntes de esquerda, progressistas, humanistas e democratas. A 'Comissão do Brasil' parece, portanto, afastar-se inexoravelmente de processos semelhantes realizados com muito maior grau de justiça e transparência em países como Argentina, Chile e África do Sul. A não ser que haja uma retomada de manifestações por parte de movimentos democráticos e progressistas e uma vigilância e pressão sobre os poucos integrantes da Comissão, restará como uma miragem a verdadeira reconciliação brasileira com os princípios básicos de respeito aos direitos humanos e como uma farsa a tão repisada alusão à 'respeitabilidade internacional' de nosso país. "Se não cumpre os tratados internacionais de direitos humanos que subscreveu, e se não cumpre fielmente as decisões de Cortes Internacionais de direitos humanos a que aderiu, como o país espera ser respeitado internacionalmente?", indaga Trindade

A entrevista completa.

Correio da Cidadania: O projeto de lei que cria a Comissão da Verdade está em vias de aprovação definitiva no Congresso, com a finalidade de investigar o passado político do país entre os anos de 1946 e 1988. O que pensa da extensão do período de investigação para além da ditadura, do número de pessoas estabelecido para os trabalhos, ao lado do prazo proposto de dois anos para a duração da empreitada? Há alguma possibilidade de tal configuração confluir para uma Comissão da Verdade 'de verdade'?

José Damião de Lima Trindade Damião Trindade:
O projeto de lei 7376/2010, encaminhado ao Congresso pelo ex-presidente Lula em maio de 2010 e aprovado pela Câmara dos Deputados com duas emendas aditivas em 21 de setembro último, cria na Casa Civil uma Comissão Nacional da Verdade, composta de sete membros a serem designados pela Presidente da República e auxiliados por catorze assessores, com o mandato de dois anos, para investigar e apresentar um relatório sobre as graves violações aos direitos humanos cometidas entre 18/11/1946 e 05/10/1988. O projeto tramita agora no Senado sob o número 88/2011.

O número de componentes dessa Comissão parece mesmo insuficiente, assim como sua assessoria parece diminuta, dada a vastidão e complexidade do trabalho que está à sua espera, o período histórico muito lato a ser examinado – quase 42 anos – e o mandato de apenas dois anos de duração para os integrantes da Comissão. Mas a experiência internacional das Comissões da Verdade criadas em quase cinqüenta países ao final de ditaduras em todo o planeta nos ensina que, além dessas limitações reais, há também outros fatores – pelo menos mais três deles – que podem até se tornar mais importantes.

Correio da Cidadania: Quais são esses três outros fatores?

Damião Trindade:
Em primeiro lugar, importa decisivamente a composição dessas comissões, ou seja, a qualificação dos seus integrantes para investigar as violações, sua familiaridade com o tema e com o período histórico abrangido e, sobretudo, a completa independência política, a determinação e a intrepidez moral dos seus componentes. A Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas, na Argentina, teve apenas 11 integrantes e trabalhou durante apenas nove meses, investigando os sete anos da ditadura militar argentina, mas seus componentes eram inequivocamente comprometidos com a defesa dos direitos humanos e ela foi presidida por ninguém menos do que o escritor Ernesto Sábato. Já a Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación, constituída no Chile por decreto do Presidente Patricio Ailwin para investigar os 17 anos da ditadura de Pinochet, teve 8 membros e 60 assessores, mas quatro dos membros nomeados eram antigos apoiadores da ditadura, que tentaram de tudo para emperrar os trabalhos – só não o conseguiram porque era monstruoso o volume e a profundidade das atrocidades encontradas. Na África do Sul, após vários meses de audiências públicas, foi constituída uma Comissão da Verdade e Reconciliação com 16 integrantes, sob a presidência do arcebispo Desmond Tutu, com o suporte de 300 assessores e quatro escritórios regionais distribuídos pelo país, para investigar, durante dois anos e meio, as violações cometidas ao longo dos 45 anos de apartheid.

No Brasil, ainda não sabemos se, antes de designar os membros da comissão, a Presidenta da República estará disposta a ser permeável a consultas públicas democráticas. Se a comissão sair apenas da algibeira do Palácio do Planalto, em meio a pressões da "base aliada" conservadora e a recados remetidos por generais, tudo poderá estar comprometido logo à partida.

Outro fator relevante é que o marco legal sob o qual trabalha a comissão faz toda a diferença. Na Argentina, foi revogada a anistia que a ditadura se auto-concedeu, e as informações e testemunhos recolhidos pela Comisión foram fundamentais nos julgamentos dos generais. No Chile, mesmo com idêntica lei de auto-anistia, o Poder Judiciário encontrou os meios jurídicos para levar às barras dos tribunais os militares assassinos e torturadores. No Brasil, estamos em situação pior: o Supremo Tribunal Federal – cuja maioria de Ministros foi indicada pelo Presidente Lula – já lavou as mãos quanto à infame auto-anistia da ditadura, mesmo após o Brasil haver sido condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reiteradamente julga como inválidas tais leis de auto-anistias das ditaduras.

Por fim, se faltar autonomia financeira à comissão, ela pode estar condenada a caminhar o tempo todo com o pires na mão. O exemplo tragicômico a esse respeito foi a Comisión Nacional de La Verdad y la Justicia, do Haiti: após trabalhar sob inacreditável penúria financeira durante 10 meses, seu relatório final, de fevereiro de 1996, teve cópias distribuídas para organizações de defesa dos direitos humanos – assim mesmo, após todo um ano de pressões. Nunca foi efetivamente publicado, pois o Ministro da Justiça do país à época "explicou" que o preço da publicação era "proibitivo". O resultado foi que o relatório passou praticamente despercebido pela população e somente algumas de suas recomendações foram implementadas – anos depois, e somente por conta da pressão internacional.

Correio da Cidadania: O que o senhor pensa do fato de tal comissão poder vir a ter a participação de militares?

Damião Trindade:
O artigo 7º, parágrafos primeiro e segundo, do projeto em tramitação, admite expressamente que servidores públicos civis ou militares, de qualquer das esferas de Poder, poderão ser designados para integrar a Comissão Nacional da Verdade – o que deixa abertas as portas para o ingresso na Comissão, por exemplo, de um oficial militar ou de um policial, coisas assim. Por outro lado, o artigo 2º veda a participação na Comissão daqueles que estejam no exercício de cargos públicos em comissão ou função de confiança, ou daqueles que "não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão". Ou seja: sopesando os dois tipos de dispositivos, se a Presidenta da República quiser nomear para a Comissão um militar ou um policial, bastará escolher entre os que não estejam ocupando cargo de comando ou de assessoria, que não hajam mantido laços muito óbvios de colaboração com a ditadura, nem defendam em público posições de extrema-direita...

Todavia, se tivermos em mente, tanto o forte espírito de corpo predominante entre militares e policiais, como a ideologia autoritária que está longe de haver se dissipado nessas corporações, o que poderíamos esperar de uma nomeação desse tipo? Mas, perguntemos: não haveria militares e policiais verdadeiramente democratas, convertidamente interessados em abrir o ventre imundo da ditadura, mesmo à custa de granjear antipatia entre seus pares, mesmo sob o risco de sofrer depois retaliações hierárquicas? Eu desejo sinceramente que haja. Mas ignoro se e quais foram os "entendimentos" previamente estabelecidos para que os altos comandos militares não "vetassem" o encaminhamento do projeto ao Congresso.

E tenho suspeitas sobre essa quase "unanimidade" entre reacionários de todos os tipos no Congresso em apoio ao projeto. Estará a Presidente da República disposta a correr o risco de, logo de partida, desmoralizar a Comissão perante a opinião pública com uma designação indefensável?

Correio da Cidadania: Como o senhor avalia a possibilidade de, aparentemente, o projeto de Comissão da Verdade admitir que sejam investigados militantes de lado a lado, torturados e torturadores, tal como pediram os setores mais conservadores?

Damião Trindade:
Quanto ao risco de a Comissão Nacional da Verdade vir vergar-se a pressões espúrias de saudosistas da ditadura e perder-se numa nova caça às bruxas contra os que combateram aquela ditadura, penso que isso dependerá da envergadura moral dos seus integrantes, de sua convicção democrática, de sua clareza histórica, de sua hombridade pessoal, de sua independência e coragem. Equiparar os golpistas de 1964 aos que resistiram ao golpe seria o mesmo que equiparar o exército de ocupação nazista aos guerrilheiros franceses que heroicamente o enfrentaram.

Ademais, as atividades dos combatentes contra a ditadura já foram sobejamente "reveladas" – foram extorquidas sob tortura, muitas vezes seguida de morte. O que ainda faz falta é revirar e revelar as "atividades" dos agentes da ditadura, as variadas e sempre dilacerantes práticas de tortura e de crimes hediondos que cometeram contra milhares de presos políticos, incluindo estupros contra meninas capturadas, execuções, "desaparecimentos", ocultação de cadáveres etc.

O projeto de lei em tramitação é muito aberto quanto ao objeto de trabalho da futura comissão, havendo, sim, o risco – se os integrantes da comissão forem tíbios ou desfibradamente "reconciliadores" – de ela descambar para a investigação de supostas "violações" assacadas contra os que resistiram à ditadura, como querem as forças mais reacionárias, só interessadas em embaralhar o assunto, como, de fato, aconteceu em boa medida com a comissão chilena, e em alguma medida com a comissão sul-africana.

Penso que só a pressão da sociedade, uma pressão organizada e insistente, com a multiplicação de seminários e debates por todo o país, com manifestações coletivas ao menos em todas as capitais, com o engajamento dos movimentos estudantil e sindical, dos artistas e intelectuais etc, poderá suscitar um sentimento de indignação e de exigência capaz de neutralizar as pressões das forças da escuridão que, com toda certeza, trabalham no sentido de tornar a Comissão Nacional da Verdade em não mais que uma encenação para a platéia internacional.

Correio da Cidadania: E quanto ao sigilo de dados estabelecido no projeto de lei que criou a Comissão, não se trata de um paradoxo gritante para um projeto que se pretende (ou pretendia) não somente a elucidar, mas a publicitar a 'verdade'?

Damião Trindade:
Será crucial a mais completa transparência e publicidade dos trabalhos da comissão. Todavia, há dispositivos, no projeto em tramitação no Senado, que admitem a realização sigilosa de atividades da comissão (artigo 5º) e que até obrigam a comissão a manter o sigilo dos documentos e informações que o Estado, de antemão, houver classificado como sigilosos (artigo 4º, parágrafo segundo). Isso configura, evidentemente, uma aberração risível. Se o propósito for revelar a verdade sobre as violações de direitos humanos daquele período, como respeitar "sigilos" previamente estabelecidos?

A comissão brasileira se prestará ao papel de censurar informações em seu relatório final ou, quiçá, de produzir um relatório "misto", em que uma parte poderá ser franqueada ao público e outra parte permanecerá sob chaves? Se todas as informações recebidas pela comissão não forem tornadas públicas, estaremos diante de uma mera encenação ditada pela conveniência de comandantes militares e policiais ou por figurões da política que prestaram bons serviços à ditadura e pretendem manter seu colaboracionismo trancado no armário.

Na África do Sul, as sessões da Comissão eram transmitidas ao vivo pela rádio estatal durante quatro horas por dias, todos os dias. Na Argentina, o relatório final da Comisión foi publicado na íntegra, sem qualquer censura, e após cerca de 30 reimpressões, já soma quase 500 mil exemplares vendidos.

Correio da Cidadania: No que diz respeito à ausência de poder de punição da Comissão, que poderá no máximo indicar caminhos a serem seguidos pelo Estado brasileiro, trata-se de critério aceitável mediante os preceitos judiciais brasileiros?

Damião Trindade:
A Comissão Nacional da Verdade, como todas as comissões congêneres dos demais países, não é um órgão jurisdicional, punitivo. Sua competência é apurar a verdade, toda a verdade, e entregá-la por completo, sem censura de qualquer espécie, à sociedade brasileira e ao Estado. A jurisdição constitucional para processar e punir pertence ao Poder Judiciário.

O problema é que, como já apontei, o Poder Judiciário brasileiro, por meio de sua Corte mais alta (insisto: cuja maioria de membros foi indicada pelo Presidente Lula), já decidiu que os crimes cometidos pelos agentes da ditadura estão cobertos pela auto-anistia que a ditadura concedeu a si mesma, malgrado toda a jurisprudência em sentido contrário emanada das Cortes internacionais de direitos humanos.

Em 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos voltará a examinar a conduta do Estado brasileiro quanto ao cumprimento da sentença condenatória que exigiu a punição dos crimes da ditadura. E, mais uma vez, o Brasil será chamado às suas responsabilidades, sob pena de colocar-se como um Estado que prefere ficar à margem da comunidade internacional.

Correio da Cidadania: Como o senhor posicionaria a presidenta Dilma Rousseff nesse processo, especialmente à luz do fato de ter sido uma vítima notória da ditadura e de seu discurso de início de mandato, com forte ênfase na não tolerância de nenhuma espécie de violação aos direitos humanos?

Damião Trindade:
Em política, não se pode avaliar uma pessoa apenas por seu passado e, muito menos, por seus discursos. Conta mais a sua prática, as opções que adota a cada circunstância. Fiquemos atentos à conduta que ela adotará e logo teremos a resposta a essa pergunta.

Correio da Cidadania: Acredita que, mesmo enfraquecida e ao gosto dos militares e herdeiros da ditadura (políticos, empresários e órgãos de mídia), como se viu na repercussão do assunto, a Comissão da Verdade terá alguma serventia à elucidação, da história do país e ao estancamento das práticas autoritárias que ainda persistem em nosso sistema penal e judiciário? Em suma, ela pode colaborar minimamente para uma transição democrática ainda não concluída por aqui?

Damião Trindade:
A resposta a essa indagação depende da conjugação de vários fatores políticos que ainda estão em desdobramento. Portanto, ainda não é possível oferecermos uma resposta cabal e segura. Depende das modificações que o Senado vier a introduzir no projeto de lei – e devemos temê-las, pois o Senado está sob controle muito maior das classes dominantes conservadoras do que a Câmara dos Deputados. Se assim for, nenhum acerto de contas farão em relação ao nosso passado. Depende também dos eventuais vetos que a Presidente da República estiver disposta a contrapor ao texto final. Depende, ainda, do conteúdo do decreto presidencial que vier a regulamentar a lei – ele poderá facilitar ou dificultar os trabalhos da comissão. Também depende muito, muito mesmo, da composição que a Comissão Nacional da Verdade vier a ter – o que, por sua vez, depende da pressão que as forças democráticas e progressistas forem capazes de mobilizar na sociedade.

E depende, por fim, de outro fator ainda mais imponderável: um processo de busca da verdade, uma vez deflagrado, pode acabar escapando do controle dos seus planejadores, pode acabar transbordando de limites previamente "combinados". Um fato puxa outro, um depoimento acaba incriminando quem deveria ficar acobertado, e assim por diante. A caixa de Pandora pode, até inadvertidamente, ser destampada. Se a Comissão for idônea e politicamente independente, e se de fato desfrutar de independência operacional, poderá colocar o dedo em feridas sérias e acabar jogando luzes sobre o que "deveria" permanecer nas sombras, malgrado seu número pequeno de membros e de assessores, e apesar do prazo exíguo para as investigações.

Poderá, por exemplo, resolver focar seus trabalhos essencialmente no período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, o que já reduziria para 21 anos o período investigado, até pela impossibilidade de investigar adequadamente todos os 42 anos previstos no projeto de lei. Ou, ao contrário, se seus membros forem politicamente pusilânimes, empenhados muito mais em "reconciliar" do que em desnudar verdades, poderão propositalmente diluir a investigação pelos 42 anos e esquivar-se de investigar fatos e denúncias que, eventualmente, possam vir a comprometer militares ou figurões da República. Os rumos da Comissão também poderão ser expressivamente influenciados pelo jogo de pressões e contrapressões que ela seguramente receberá durante todo o tempo de funcionamento.

Estarão as forças do progresso social e político amadurecidas para se unir, somar e coordenar esforços, ocupar espaços e exercer uma mobilização aguerrida e uma cobrança de resultados sem qualquer comiseração de natureza partidária? Porque as forças das sombras, dos armários trancados, dos arquivos escondidos, e dos crimes ignominiosos que ocultam, essas forças conhecem muito bem quais são os seus interesses, e reconhecem muito bem os momentos em que devem se unir e se acobertar mutuamente.

Correio da Cidadania: O senhor tem uma opinião já formada sobre a atual Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SNDH), ligada diretamente à presidência? Como o senhor a avalia, à luz da atuação do ministro anterior, Paulo Vannuchi, o primeiro ocupante dessa secretaria, com status ministerial, criada no governo Lula?

Damião Trindade:
Passa a impressão de que a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, não importa o status legal de que desfrute, continua sendo um órgão de segundo escalão, um clube relegado à segunda divisão, que não tem força ou respeitabilidade para, em momentos cruciais, convencer o governo federal de suas posições.

Bastam alguns exemplos. O Congresso Nacional editou a lei 10.559/02 que, dentre outras matérias, obrigou o Estado a indenizar as vítimas ou seus familiares pelos crimes cometidos por agentes públicos durante a ditadura. Em decorrência, o Estado vem indenizando os sobreviventes e as famílias dos mortos/desaparecidos, isto é, vem reconhecendo, nesses casos bem documentados, que o Estado tolerou/promoveu condutas criminosas de seus agentes, condutas essas que estão agora gerando efeitos financeiros contra o próprio Estado. Esse dinheiro das indenizações saiu e continua a sair do erário. A rigor, a União estaria juridicamente obrigada, ela mesma, a ingressar diretamente com ações judiciais contra os agentes criminosos identificados, para compeli-los a repor ao erário esses valores que, por culpa deles, o erário está sendo obrigado a desembolsar. Esse tipo de procedimento ocorre todos os dias, em todas as esferas da Administração Pública, contra servidores que causam prejuízos à Administração.

Por que o governo federal não aplicou o mesmo critério no caso das indenizações políticas? Por que a própria União não processou os agentes da ditadura para que ressarcissem ao erário as despesas com as indenizações pagas? Pois foi necessário o Ministério Público Federal tomar essa iniciativa, na defesa do patrimônio público federal. O MP federal ajuizou, em 2008, uma ação contra dois ex-comandantes do DOI-CODI de São Paulo, para responsabilizá-los financeiramente (não penalmente) por cerca de 60 indenizações pagas pela União relativas a mortos/desaparecidos naquele centro de horrores durante o período em que aqueles dois militares o dirigiram. Ou seja: a ação foi em defesa do patrimônio da União. Os réus são os dois militares, não a União. Chamada a pronunciar-se no processo, a União, representada por sua Advocacia Geral, deveria ter endossado a iniciativa do MP. Mas, para assombro e estarrecimento dos próprios meios jurídicos do país, a AGU... defendeu os réus! Colocou-se contra o próprio interesse patrimonial da União! Na ocasião, o Secretário Nacional de Direitos Humanos pronunciou-se em público no sentido de que o Presidente da República deveria determinar à AGU a mudança de posição. E ele tinha inteira base jurídica e processual para defender isso. Mas o Presidente da República não se moveu e a AGU manteve sua posição horrível.

Mais recentemente, houve o vergonhoso episódio das amputações no III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Bastou os comandantes militares torcerem o nariz, a ala conservadora da Igreja protestar, o agronegócio reclamar e os monopólios da grande mídia denunciarem ameaças à "liberdade de imprensa", e o III PNDH, mesmo após debatido e votado democraticamente por milhares de pessoas e de entidades reunidas em conferências por todo o país, foi unilateralmente amputado pelo Presidente Lula de pontos importantíssimos. A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, que era contra essas amputações, foi novamente derrotada.

Por fim, os arquivos militares secretos sobre o período da ditadura, cuja abertura a SNDH sempre defendeu, continuam lacrados e escondidos. Aliás, quanto a isso, como a futura Comissão Nacional da Verdade saberá quais informações deverá requisitar às Forças Armadas, uma vez que não saberá quais informações aqueles arquivos contêm? Como a Comissão poderá requisitar informações que, estando classificadas como sigilosas, ela não faz a menor idéia do que tratam? Na realidade, a coisa toda está toda invertida, pois, primeiramente, os arquivos deveriam ser abertos. Mas, em se tratando de assuntos assim "sensíveis", a SNDH não consegue fazer valer suas posições. É um órgão que vem sendo mantido em posição de fraqueza – o que, é claro, configura, nada mais, nada menos, do que uma opção política da Presidência da República.

Correio da Cidadania: O senhor fez referências a alguns processos de transição democrática mundo afora, os quais, em analogia com nosso país, parecem deixá-lo em uma categoria de muito maior pusilanimidade. Como deve ficar a imagem do Brasil no exterior?

Damião Trindade:
A pergunta já embute uma resposta óbvia. Se não cumpre os tratados internacionais de direitos humanos que subscreveu, e se não cumpre fielmente as decisões de Cortes Internacionais de direitos humanos a que aderiu, como o país espera ser respeitado internacionalmente? Se esse processo de vacilações de passos em falso e de contorcionismos, para não desagradar comandos militares e figurões da política e da alta finança, não for revertido, esse constrangimento internacional do Brasil só crescerá.

O que temia o Presidente Lula, o que tem a temer a Presidenta Dilma? Um novo golpe de Estado? Não há o menor ambiente político ou social para isso. Quando está em jogo completar o processo de transição democrática, o medo, ainda mais o medo deslocado da realidade, é o pior dos conselheiros. A menos que não se trate apenas de medo, mas da reincidência da atávica vocação de nossas classes dominantes e de nossos dirigentes políticos de sempre conciliar pelo alto, de colocar panos quentes nas questões "delicadas", de modo a não perturbar a continuidade da dominação.

Correio da Cidadania: Consideradas as atuais circunstâncias históricas e políticas do país, como deveria ser, na opinião do senhor, uma verdadeira Comissão para elucidar e tomar providências a respeito dos chamados crimes contra a humanidade, imprescritíveis e impassíveis de auto-anistias, nos moldes dos preceitos consagrados pelo direito internacional?

Damião Trindade:
A Comissão deveria ser mais ampla e ser designada após amplíssima consulta pública à sociedade, para garantir-se que nela não tenham assento agentes duplos nem "reconciliadores" pusilânimes, capazes de torcer ou de conter as investigações por medo de desagradar aos poderosos de ontem e de hoje. A comissão deveria contar com ao menos o dobro ou o triplo de assessores e com retaguarda financeira e administrativa assegurada na própria lei. Também deveria ter a sua missão definida mais claramente na lei: investigar e tornar públicas as violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado com farda e sem farda, e por seus comparsas civis, durante os 21 anos da ditadura militar, com todos os arquivos militares e policiais daquele período previamente abertos à sociedade.

Todos os trabalhos da Comissão deveriam ser transparentes e públicos, amplamente divulgados, sem qualquer possibilidade de sessões secretas ou de cumplicidade com sigilo documental. E, para dar conseqüência às revelações a que a Comissão chegasse, deveríamos poder contar com um Poder Judiciário disposto a cumprir sua responsabilidade de oferecer aos criminosos da ditadura que forem identificados exatamente o que eles negaram às suas vítimas: acusações penais justas, isto é, não baseadas em "provas" extorquidas sob tortura, com garantia de amplo direito de defesa, o devido processo legal assegurado e, por fim, sentenças judiciais com direito a todos os recursos previstos na lei processual.

Enquanto isso não acontecer, estaremos "fazendo de conta" que aqueles crimes também não aconteceram, ou que, mesmo após revelados, devem ser "esquecidos" – o que, além de ser por si mesmo abominável, configura um estímulo poderoso, e renovado todos os dias, para que as detenções extrajudiciais, a tortura dos presos pobres e seu assassinato se reproduzam interminavelmente nos dias de hoje. A impunidade dos criminosos da ditadura funciona como uma espécie de "garantia" de impunidade para a violência policial de hoje. Isso já foi demonstrado até em trabalhos acadêmicos.

Correio da Cidadania: Finalmente, por que motivos, políticos ou outros, o governo não seguiu neste rumo, em sua visão? Acredita que a presidente Dilma ainda possa retomá-lo?

Damião Trindade:
O atual projeto de lei sobre a Comissão Nacional da Verdade é fruto da correlação de forças políticas estabelecida no interior do governo Lula e da sua "base aliada" no Congresso, que incorporou, inclusive, setores reacionários da sociedade e antigos colaboradores e simpatizantes da ditadura. E, talvez mais importante que isso, o projeto é fruto do débil grau de convencimento daquele e deste governo em relação à necessidade histórica de desvendar-se todos os crimes e criminosos da ditadura. Fosse esse convencimento maior, e o governo Lula teria adotado essa e outras medidas arejadoras já no início do seu governo, e não apenas no último ano do seu segundo mandato presidencial. Fosse esse convencimento maior, e a atual Presidenta já haveria retirado o projeto do Congresso para consultas à sociedade, visando ao seu aperfeiçoamento. Fosse esse convencimento maior, e Lula ou Dilma já teriam determinado a completa abertura dos arquivos públicos referentes à ditadura – como, aliás, fizeram há vinte anos os governos de São Paulo, Rio Grande do Sul e de outros estados em relação aos arquivos dos respectivos DOPS.

Na Argentina, apenas uma semana após tomar posse, o Presidente Raúl Alfonsín, que estava longe de ser de esquerda, já criou, por decreto mesmo, a Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas. No Chile, o Presidente Patricio Ailwin, que também nunca foi de esquerda, só demorou um mês e meio após sua posse para também criar sua Comisión Nacional de Verdad. Na África do Sul, o Presidente Nelson Mandela demorou pouco mais de um ano para criar a sua Comissão. Sob esse ponto de vista, Lula ficou muito aquém desses líderes que eram meramente liberais. Faltaram ao governo Lula convicção e vontade política para adotar rapidamente uma atitude que, além de ser uma aspiração de todas as forças democráticas, além de ser uma necessidade histórica para superarmos realmente os resquícios da ditadura, era também uma promessa eleitoral. Abrir todos os arquivos, esclarecer e tornar públicos os crimes da ditadura e punir judicialmente os seus criminosos são pontos que sempre constaram de todos os programas do partido capitaneado por Lula.

Vê-se, como sempre, que se conhece melhor o homem – e seu partido – quando chegam ao poder. Assim, não há como apagar a impressão de que o governo Lula só se animou a remeter esse projeto ao Congresso, mesmo com as limitações apontadas, quando ficou evidente que o Brasil estava na iminência de ser condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que de fato aconteceu meses depois, no final de 2010. Quanto à Presidente Dilma, também não demorará para sabermos se, nessa questão, haverá ou não convergência entre discurso e prática.


  • Ver também: PCdoB perdoa os assassinos de todos os que lutaram contra a ditadura!

    [*] Economista, editora do Correio da Cidadania ; [**] Jornalista.

    O original encontra-se em www.correiocidadania.com.br/...


    Essa entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

  • domingo, 9 de outubro de 2011

    Tirem o crucifixo do STF. O Cristo Redentor pode ficar

    Leonardo Sakamoto no seu blog


    O Cristo Redentor completa 80 anos na próxima quarta (12), feriado de Nossa Senhora Aparecida.
    Poucas pessoas que visitaram o monumento não ficam maravilhadas com a vista, lá de cima, do Morro do Corcovado, de uma das mais belas cidades do planeta. O que não impede, contudo, de muitos terem achado um tremendo exagero a eleição da estátua como uma das sete novas maravilhas do mundo – concurso realizado por uma fundação suíça, que também elegeu o Taj Mahal (!), o Coliseu (!!) e Machu Picchu (!!!), entre outros monumentos históricos. Perceberam a desproporcionalidade histórica e a paulada no significado da palavra “maravilha”?
    Mas como a votação foi pela internet e houve até campanha de veículos de comunicação brasileiros inflamando o que há de pior em nosso ufanismo patriótico (se é que há algo de bom nesse caldo), era claro que o monumento de gosto estilístico duvidoso fosse entrar nesse hall da fama.
    Em um país de maioria católica (não praticante, é claro, e que apela para todas as forças do universo em um sincretismo fascinante nos momentos de dificuldade), a estátua, que fica sob os cuidados da Arquidiocese do Rio de Janeiro, tem sua importância. Se aquela referência faz bem à grande maioria das pessoas e não ofende uma minoria, não há problema. O difícil não é ter que conviver com um símbolo de uma crença que não é a sua na rua – a isso damos o nome de tolerância, que deveria ser melhor cultivada por estas bandas, o que protegeria o direito de culto em igrejas, templos e terreiros. O ruim é saber que a presença desses símbolos em prédios que pertencem ao poder público mostram que a saudável e necessária separação entre fé e Estado não ocorre por aqui.
    A questão da retirada de crucifixos, imagens religiosas e afins de repartições públicas gerou polêmicas ao longo da história a partir do momento em que um Estado se afirma laico (e não desde o lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, no ano passado, que previa essa ação). A França retirou os símbolos religiosos de sedes de governos, tribunais e escolas públicas no final do século 19. Nossa primeira Constituição republicana já contemplava a separação entre Estado e Igreja, mas estamos 120 anos atrasados em cumprir a promessas dos legisladores de então.
    Em janeiro de 2010, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
    Na época, auto-intitulados representantes de Deus, afirmaram que se o governo quisesse tirar símbolos religiosos, então deveria começar pelo Cristo Redentor. Chantagem besta, do mesmo DNA de: “se for para começar a discutir as regras do jogo, levo a minha bola embora – humpf”. Particularmente, pode demolir a estátua que não dou a mínima (e, com essa frase iconoclasta, selo a excomunhão deste que já foi até coroinha). Mas sei que a sociedade, que tem apreço por ela, não deixaria meia dúzia de “iluminados” sacerdotes tomar tal medida uma vez que o monumento pertence, na prática, à cidade do Rio e não à Cúria. Em tempo: não é o governo que sugere a retirada dos símbolos religiosos de repartições públicas, mas foi a Conferência Nacional de Direitos Humanos, que derivou de conferência estaduais, reunindo a sociedade brasileira em um debate longo e democrático.
    Adoro quando alguém apela para as “raízes históricas” para discutir algo. Na época, lembrei que a escravidão está em nossas raízes históricas. A sociedade patriarcal está em nossas raízes históricas. A desigualdade social estrutural está em nossas raízes históricas. A exploração irracional dos recursos naturais está em nossas raízes históricas. A submissão da mulher como mera reprodutora e objeto sexual está em nossas raízes históricas. As decisões de Estado serem tomadas por meia dúzia de iluminados ignorando a participação popular estão em nossas raízes históricas. Lavar a honra com sangue está em nossas raízes históricas. Caçar índios no mato está em nossas raízes históricas. E isso para falar apenas de Brasil. Até porque queimar pessoas por intolerância de pensamento está nas raízes históricas de muita gente.
    Quando o ser humano consegue caminhar a ponto de ver no horizonte a possibilidade de se livrar das amarras de suas “raízes históricas”, obtendo a liberdade para acreditar ou não, fazer ou não fazer, ser o que quiser ser, instituições importantes trazem justificativas para manter tudo como está.
    Como foi noticiado neste blog, em 2009, o Ministério Público do Piauí solicitou a retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, atendendo a uma representação feita por entidades da sociedade civil e o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou recolher os crucifixos que adornavam o prédio e converteu a capela católica em local de culto ecumênico. Algumas dessas ações têm vida curta, mas o que importa é que percebe-se um processo em defesa de um Estado que proteja e acolha todas as religiões, mas não seja atrelado a nenhuma delas.
    É necessário que se retirem adornos e referência religiosas de edifícios públicos, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Não é porque o país tem uma maioria de católicos que espíritas, judeus, muçulmanos, enfim, minorias, precisem aceitar um crucifixo em um espaço do Estado. Além disso, as denominações cristãs são parte interessada em várias polêmicas judiciais – de pesquisas com célula-tronco ao direito ao aborto. Se esses elementos estão escancaradamente presentes nos locais onde são tomadas as decisões sem que ninguém se mexa para retirá-las, como garantir que as decisões serão isentas? O Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus símbolos. Mas não pode se envolver, positiva ou negativamente, em nenhuma delas.
    E não sou eu quem diz isso. Em Mateus, capítulo 22, versículo 21, o livro sagrado do cristianismo deixa bem claro o que o pessoal de hoje quer fazer de conta que não entende: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus”.

    Estado é Estado. Religião é religião. Simples assim.

    Os intelectuais no pós-lulismo

    Idelber Avelar na REVISTA FÓRUM
    Há dez anos, nascia a Revista Fórum. Há dez anos, os ataques terroristas a Nova York e Washington—embora não diferentes moralmente de incontáveis ataques realizados pelo terrorismo de Estado ocidental no mundo árabe—inauguravam um momento histórico distinto, caracterizado pelo declínio da aura de invencibilidade dos Estados Unidos e pela lógica perversa da guerra sem fim. Na América Latina, a eleição de Hugo Chávez, três anos antes, e de Lula, um ano depois, dava início à guinada à esquerda que caracterizou a década no continente. Nos ataques de 11 de setembro de 2001, apareceram em tempo real para o grande público, pela primeira vez, testemunhos pessoais compilados em ferramentas de publicação online que então começavam a serem conhecidas como “blogs”. Coincidentemente, a década conclui com enormes protestos populares no mundo árabe, em Israel, Chile, Inglaterra e Espanha, nos quais as novas tecnologias cumpriram papel central. Onde estão os intelectuais que pensaram esta década? Onde é que o pensamento tem se encontrado com a práxis?
    O termo “intelectual” é usado em vários sentidos, alguns deles, inclusive, pejorativos. Em seu sentido estrito, ele remete ao “caso Dreyfus”, na França. O jornal L’Aurore publicou, em 13 de janeiro de 1898, uma carta aberta do então já renomado escritor Émile Zola, dirigida ao presidente da República, com o título que se tornaria célebre: J’accuse (Eu acuso). O texto era um potente ataque ao processo militar que havia injustamente condenado o oficial judeu Alfred Dreyfus por crime de traição. Evocando a verdade e a justiça, denunciando o anti-semitismo do caso, lembrando a França dos direitos do homem, a carta de Zola criou uma mobilização sem precedentes entre artistas e escritores, que logo publicaram textos em apoio a Dreyfus. Foi a retaliação dos adversários que usou pejorativamente, como neologismo para se referir a eles, o termo “intelectuais”, que até então não tinha circulação em francês. Desde então, a palavra se firmou para, nesse sentido estrito, definir aqueles sujeitos sociais que, trabalhando com o pensamento, intervêm para além das suas especialidades particulares, de forma pública, em temas que dizem respeito à pólis como um todo. Seu grande modelo, durante o século XX, também foi francês, Jean-Paul Sartre, mas as últimas décadas nos deram vários indícios de esgotamento do modelo humanista e orgânico do intelectual sartriano, questionado duramente a partir da explosão anárquica e horizontal de Maio de 1968.
    No Brasil, como de resto em outros países da América Latina, a reforma universitária impôs uma tecnificação e uma compartimentalização que limitaram a possibilidade de que a universidade produzisse intelectuais com condições e disposição de intervir publicamente, para além das suas áreas de especialização. Privilegiou-se aqui a produção de um outro espécimen, o técnico, que tem em relação ao intelectual uma diferença marcante: o técnico jamais apresenta suas opções como resultado de escolhas políticas, e sim de uma racionalidade instrumental lógica. O técnico, portanto, não se coloca na posição de ter que assumir as consequências políticas do que preconiza, já que todo o processo de escolha é situado numa arena supostamente externa à política. Seu grande modelo brasileiro, nas últimas décadas, foram os economistas do tucanato, que apresentaram a privatização, a desregulamentação dos mercados e a descapitalização do Estado como produtos de uma escolha puramente racional, técnica, que seguia uma inexorabilidade científica. Foi preciso que um outro modelo se impusesse para que ficasse claro quão ideológicas eram aquelas escolhas. Mas ao longo dos anos 90, os economistas da privatização não se apresentavam, e não eram percebidos por grande parte da população, como representantes de um projeto político. Falavam em nome da ciência.
    Em virtude do enorme grau de concentração e homogeneidade política da mídia brasileira, as figuras que nela falam como intelectuais tendem a ser, em geral, as mesmas. O leque dos chamados a opinar é notavelmente estreito: sobre ações afirmativas, se escutará Yvonne Maggie ou Demétrio Magnoli (de nenhuma produção acadêmica séria sobre o tema) dizendo que elas “racializam” a sociedade; sobre qualquer episódio da história moderna do Brasil, aguarde a entrevista com Marco Antonio Villa. E assim por diante, com a lista completa disponível num texto anterior que publiquei aqui na Fórum (“Acadêmicos Amestrados”, edição 80). Há exceções que desafiam o coro, como mostram as recentes contratações de José Miguel Wisnik por O Globo e Vladimir Safatle pela Folha de São Paulo. Mas, em geral, a intelectualidade que fala na mídia brasileira é bastante homogênea.
    A partir de 2003 e, em especial, do final de 2005, que marca a recuperação do Presidente Lula do episódio do mensalão e o aparecimento mais nítido de indicadores do sucesso sócio-econômico do governo, a reação da intelectualidade alinhada com o lulismo centrou todo o seu poder de fogo na crítica da mídia. Dada a virulência com que os conglomerados de mídia brasileiros atacaram o lulismo com moralidade seletiva e, em muitos casos, com pura e simples falsificação (como na montagem publicada pela Folha como se fosse a ficha do DOPS de Dilma), essa reação era esperável, mas ela também solapou severamente a capacidade dessa intelligentsia de produzir pensamento crítico sobre o Brasil. A proliferação do termo “PiG”, que se fundamenta numa teoria de mídia patentemente ultrapassada, favoreceu atos de leitura seletiva que confundiam com golpismo qualquer crítica ao governo, mesmo as legítimas (como muitas críticas ambientalistas, ou as restrições às nomeações ao STF, ou o lamentável compadrio com Ricardo Teixeira na gestão do futebol). Daí foi um pulo para declarações em que, mesmo confessando ignorância sobre um tema, o intelectual alinhado descartava, por exemplo, com o argumento de que o tema não tinha transcendência. São os momentos em que o intelectual abdica dessa condição para se transformar em puro apparatchik.
    Talvez o grande legado dos últimos anos para a renovação do papel do intelectual no Brasil tenha sido a experiência dos Pontos de Cultura do Ministério de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Mais de quatro mil centros produtores e difusores de cultura, em todo o território nacional, revolucionaram a concepção que regia a relação entre a esquerda e as culturas populares no Executivo. Em vez de “levar” um produto cultural ao povo, os Pontos de Cultura potencializaram expressões já desenvolvidas pelas próprias comunidades, valorizando-as. Quando, por exemplo, os índios ashaninka, da aldeia Apiwtxa, no Acre, produzem um filme como A gente luta, mas come fruta (2006), mostrando o trabalho de manejo agroflorestal e a luta contra os madeireiros, e depois passam a ser uma das primeiras trinta aldeias contempladas como Pontos de Cultura indígenas (2009), é toda uma formação de intelectuais não tradicionais que vai se gerando por disseminação descentralizada. Infelizmente, como a Fórum tem debatido à exaustão nos últimos meses, a restauração conservadora no Ministério da Cultura de Dilma, retomado pelo ECAD, pelo lobby dos direitos autorais e da propriedade intelectual e pela “classe artística” tradicional, tem causado um dano considerável a esse legado. Ele sobrevive no ativismo, mas foi completamente desalojado do aparato estatal e não há perspectiva de que ele encontre grandes brechas ali num futuro próximo.
    O brutal retrocesso no Ministério da Cultura, a intensificação do paradigma desenvolvimentista herdado de Lula, com a consequente destruição ambiental (da qual a Usina Belo Monte é o maior, mas nem de longe o único exemplo) e a timidez do governo na regulamentação das telecomunicações são só alguns indicadores de que a intelectualidade de esquerda terá que ter jogo de cintura para se descolar do governismo sempre que necessário, sem fazer, evidentemente, o jogo da oposição de direita. Estão aí os recados do mundo contemporâneo: Wikileaks, Revoluções Árabes, M-15 espanhol, revoltas de consumidores excluídos em Londres, o radicalizado movimento estudantil no Chile, as surpreendentes manifestações de massa em Israel. Quais serão os pensadores ativistas brasileiros que entenderão que a simples manutenção do atual paradigma não será suficiente por muito tempo mais? Quem será capaz de articular pontes entre o ambientalismo e o combate à desigualdade social, de tal forma que a nova Classe C seja permeável à urgente mensagem de que fazer hidrelétricas e exportar soja até a água e o solo acabarem não é exatamente um bom plano? Quais serão os intelectuais que entenderão o recado das comunidades digitais, da disseminação do comum na internet, do potencial político da troca, cópia e circulação infinita de arquivos? Quais serão os acadêmicos que saberão romper os muros da universidade e vincular suas pesquisas específicas com os interesses gerais em conflito na pólis? As tarefas que se apresentam para a intelectualidade de esquerda são enormes, e repetir a eterna cantilena de atacar e corrigir as distorções de Globo e Folha não é o caminho para enfrentá-las. Embora a luta pelas democratizações continue sendo uma das mais urgentes entre essas mesmas tarefas.

    PS: Como preparação para esta coluna, fiz em meu Twitter (@iavelar) uma breve enquete: quais são os intelectuais que, na última década, o ajudaram a pensar, entender e planejar o Brasil? Deixo para o leitor da Fórum uma seleção dos mais votados, como convite a que se conheçam suas obras. Em primeiro lugar, o meu próprio voto: Maria Rita Kehl, José Miguel Wisnik, Eduardo Viveiros de Castro, Luiz Antonio Simas, Vladimir Safatle, Nei Lopes, Gilberto Gil, Luiz Felipe de Alencastro, Raquel Rolnik, Maria da Conceição Tavares, Márcio Pochmann, Tostão e Lorenzo Mammi. Outros bem votados foram: Roberto DaMatta, Luiz Fernando Veríssimo, Jessé de Souza, Rodrigo Naves, Marcos Nobre, Alexandre Nodari, Raúl Antelo, Marilena Chauí, Pádua Fernandes, Ronaldo Lemos, Sérgio Amadeu, João Reis, Ana Maria Gonçalves, Luiz Costa Lima e Francisco Foot Hardman.

    Este artigo é parte da Edição 102 da Revista Fórum.

    Naomi Klein: Ocupa Wall Street é o movimento mais importante do mundo hoje


    “Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”. Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo. Leia o pronunciamento de Naomi Klein em Nova York.


    ]Foi uma honra, para mim, ter sido convidada a falar em Occupy Wall Street na 5ª-feira à noite. Dado que os amplificadores estão (infelizmente) proibidos, e o que eu disser terá de ser repetido por centenas de pessoas, para que outros possam ouvir (o chamado “microfone humano”), o que vou dizer na Praça Liberty Plaza terá de ser bem curto. Sabendo disso, distribuo aqui a versão completa, mais longa, sem cortes, da minha fala.

    Occupy Wall Street é a coisa mais importante do mundo hoje[1]

    Eu amo vocês.

    E eu não digo isso só para que centenas de pessoas gritem de volta “eu também te amo”, apesar de que isso é, obviamente, um bônus do microfone humano. Diga aos outros o que você gostaria que eles dissessem a você, só que bem mais alto.

    Ontem, um dos oradores na manifestação dos trabalhadores disse: “Nós nos encontramos uns aos outros”. Esse sentimento captura a beleza do que está sendo criado aqui. Um espaço aberto (e uma ideia tão grande que não pode ser contida por espaço nenhum) para que todas as pessoas que querem um mundo melhor se encontrem umas às outras. Sentimos muita gratidão.

    Se há uma coisa que sei, é que o 1% adora uma crise. Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo.

    Só existe uma coisa que pode bloquear essa tática e, felizmente, é algo bastante grande: os 99%. Esses 99% estão tomando as ruas, de Madison a Madri, para dizer: “Não. Nós não vamos pagar pela sua crise”.

    Esse slogan começou na Itália em 2008. Ricocheteou para Grécia, França, Irlanda e finalmente chegou a esta milha quadrada onde a crise começou.

    “Por que eles estão protestando?”, perguntam-se os confusos comentaristas da TV. Enquanto isso, o mundo pergunta: “por que vocês demoraram tanto? A gente estava querendo saber quando vocês iam aparecer.” E, acima de tudo, o mundo diz: “bem-vindos”.

    Muitos já estabeleceram paralelos entre o Ocupar Wall Street e os assim chamados protestos anti-globalização que conquistaram a atenção do mundo em Seattle, em 1999. Foi a última vez que um movimento descentralizado, global e juvenil fez mira direta no poder das corporações. Tenho orgulho de ter sido parte do que chamamos “o movimento dos movimentos”.

    Mas também há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos as cúpulas como alvos: a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o G-8. As cúpulas são transitórias por natureza, só duram uma semana. Isso fazia com que nós fôssemos transitórios também. Aparecíamos, éramos manchete no mundo todo, depois desaparecíamos. E na histeria hiper-patriótica e nacionalista que se seguiu aos ataques de 11 de setembro, foi fácil nos varrer completamente, pelo menos na América do Norte.

    O Ocupa Wall Street, por outro lado, escolheu um alvo fixo. E vocês não estabeleceram nenhuma data final para sua presença aqui. Isso é sábio. Só quando permanecemos podemos assentar raízes. Isso é fundamental. É um fato da era da informação que muitos movimentos surgem como lindas flores e morrem rapidamente. E isso ocorre porque eles não têm raízes. Não têm planos de longo prazo para se sustentar. Quando vem a tempestade, eles são alagados.

    Ser horizontal e democrático é maravilhoso. Mas esses princípios são compatíveis com o trabalho duro de construir e instituições que sejam sólidas o suficiente para aguentar as tempestades que virão. Tenho muita fé que isso acontecerá.

    Há outra coisa que este movimento está fazendo certo. Vocês se comprometeram com a não-violência. Vocês se recusaram a entregar à mídia as imagens de vitrines quebradas e brigas de rua que ela, mídia, tão desesperadamente deseja. E essa tremenda disciplina significou, uma e outra vez, que a história foi a brutalidade desgraçada e gratuita da polícia, da qual vimos mais exemplos na noite passada. Enquanto isso, o apoio a este movimento só cresce. Mais sabedoria.

    Mas a grande diferença que uma década faz é que, em 1999, encarávamos o capitalismo no cume de um boom econômico alucinado. O desemprego era baixo, as ações subiam. A mídia estava bêbada com o dinheiro fácil. Naquela época, tudo era empreendimento, não fechamento.

    Nós apontávamos que a desregulamentação por trás da loucura cobraria um preço. Que ela danificava os padrões laborais. Que ela danificava os padrões ambientais. Que as corporações eram mais fortes que os governos e que isso danificava nossas democracias. Mas, para ser honesta com vocês, enquanto os bons tempos estavam rolando, a luta contra um sistema econômico baseado na ganância era algo difícil de se vender, pelo menos nos países ricos.

    Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo.

    A questão é que hoje todos são capazes de ver que o sistema é profundamente injusto e está cada vez mais fora de controle. A cobiça sem limites detona a economia global. E está detonando o mundo natural também. Estamos sobrepescando nos nossos oceanos, poluindo nossas águas com fraturas hidráulicas e perfuração profunda, adotando as formas mais sujas de energia do planeta, como as areias betuminosas de Alberta. A atmosfera não dá conta de absorver a quantidade de carbono que lançamos nela, o que cria um aquecimento perigoso. A nova normalidade são os desastres em série: econômicos e ecológicos.

    Estes são os fatos da realidade. Eles são tão nítidos, tão óbvios, que é muito mais fácil conectar-se com o público agora do que era em 1999, e daí construir o movimento rapidamente.

    Sabemos, ou pelo menos pressentimos, que o mundo está de cabeça para baixo: nós nos comportamos como se o finito – os combustíveis fósseis e o espaço atmosférico que absorve suas emissões – não tivesse fim. E nos comportamos como se existissem limites inamovíveis e estritos para o que é, na realidade, abundante – os recursos financeiros para construir o tipo de sociedade de que precisamos.

    A tarefa de nosso tempo é dar a volta nesse parafuso: apresentar o desafio à falsa tese da escassez. Insistir que temos como construir uma sociedade decente, inclusiva – e ao mesmo tempo respeitar os limites do que a Terra consegue aguentar.

    A mudança climática significa que temos um prazo para fazer isso. Desta vez nosso movimento não pode se distrair, se dividir, se queimar ou ser levado pelos acontecimentos. Desta vez temos que dar certo. E não estou falando de regular os bancos e taxar os ricos, embora isso seja importante.

    Estou falando de mudar os valores que governam nossa sociedade. Essa mudança é difícil de encaixar numa única reivindicação digerível para a mídia, e é difícil descobrir como realizá-la. Mas ela não é menos urgente por ser difícil.

    É isso o que vejo acontecendo nesta praça. Na forma em que vocês se alimentam uns aos outros, se aquecem uns aos outros, compartilham informação livremente e fornecem assistência médica, aulas de meditação e treinamento na militância. O meu cartaz favorito aqui é o que diz “eu me importo com você”. Numa cultura que treina as pessoas para que evitem o olhar das outras, para dizer “deixe que morram”, esse cartaz é uma afirmação profundamente radical.

    Algumas ideias finais. Nesta grande luta, eis aqui algumas coisas que não importam:

    Nossas roupas.

    Se apertamos as mãos ou fazemos sinais de paz.

    Se podemos encaixar nossos sonhos de um mundo melhor numa manchete da mídia.

    E eis aqui algumas coisas que, sim, importam:

    Nossa coragem.

    Nossa bússola moral.

    Como tratamos uns aos outros.

    Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. Estejam sempre conscientes de que haverá a tentação de adotar alvos menores – como, digamos, a pessoa sentada ao seu lado nesta reunião. Afinal de contas, essa será uma batalha mais fácil de ser vencida.

    Não cedam a essa tentação. Não estou dizendo que vocês não devam apontar quando o outro fizer algo errado. Mas, desta vez, vamos nos tratar uns aos outros como pessoas que planejam trabalhar lado a lado durante muitos anos. Porque a tarefa que se apresenta para nós exige nada menos que isso.

    Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ela é. De verdade, ela é. Mesmo.

    [1] Discurso originalmente publicado no The Nation, em http://www.thenation.com/article/163844/occupy-wall-street-most-important-thing-world-now. Tradução para o português do Brasil, de Idelber Alvelar, da Revista Fórum, em http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9518/a-coisa-mais-importante-do-mundo-.
    Fonte
    http://www.commondreams.org/view/2011/10/07-0

    Bancários reclamam de silêncio dos banqueiros



    Trabalhadores entendem que fechamento ao diálogo vai apenas fortalecer a greve, que já é vista como a maior dos últimos 20 anos, com a adesão dos funcionários de quase nove mil agências em todos os estados.


    A greve dos bancários em todo o país se aproxima do 14º dia, na segunda-feira (10), sem que haja sinalização por parte da Federação Nacional de Bancos (Fenaban) de uma reabertura das negociações. Nenhuma nova reunião é marcada desde o fim de setembro, e a carta enviada pelo comando da paralisação à Fenaban na última semana ainda não foi respondida.

    A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) calcula que esta já seja a maior greve dos últimos 20 anos, com o fechamento de 8.951 agências nos 26 estados e no Distrito Federal. O movimento teve início em 27 de setembro, quando os trabalhadores rejeitaram a proposta de reajuste salarial de 8%, o que significaria um aumento real de 0,56%.

    “Os bancos, cujo lucro cresceu 20% apenas no primeiro semestre do ano, com ganhos de R$ 26,5 bilhões entre as sete maiores instituições financeiras, têm condições de retomar as negociações, melhorar essa proposta e atender às reivindicações da categoria. Os bancários estão abertos à negociação, está nas mãos dos bancos por fim à greve”, disse Juvandia Moreira, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

    Os bancários querem reajuste de 12,8%, o que resultaria em aumento real de 5%, aumento da participação nos Lucros e Resultados, mais contratações, além de uma série de iniciativas para melhorar as condições de trabalho, como o fim das metas consideradas abusivas, o combate ao assédio moral e um atendimento mais cuidadoso dos clientes.

    “Os bancários estão indignados com o silêncio e a hipocrisia dos bancos”, critica Carlos Cordeiro, presidente da Contraf-CUT e coordenador do Comando Nacional dos Bancários, que acusa a Fenaban de divulgar informações falsas na tentativa de desgastar a greve e demonstrar intransigência da categoria. "Além de ignorar as reivindicações da categoria, os bancos desrespeitam o direito constitucional de greve ao utilizar práticas antissindicais, pressionando e intimidando seus funcionários para que furem o movimento. Eles chegam a utilizar helicópteros para levar bancários para os centros administrativos."

    A Fenaban não se manifestou a respeito e não divulgou nova data para a negociação. O último comunicado da entidade a respeito da greve foi emitido em 29 de setembro.

    Fonte: Rede Brasil Atual