sábado, 22 de outubro de 2011

Os gangsters imperialistas

Kadafi foi assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal, onde poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores. O artigo é de Guillermo Almeyra.


Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Kadafi capturado vivo e lichado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, em um bombardeio da OTAN quando fugia em um comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irã, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o atual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar.

(*) Professor de Relações Sociais da UNAM ( Universidade Autônoma do México) e colaborador do jornal mexicano La Jornada.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

1.000 palestinos por 1 soldado israelense


Nossa correspondente traz da Palestina detalhes sobre o acordo histórico entre Hamas e Israel para troca de prisioneiros 




Baby Siqueira Abrão
de Ramallah (Palestina) para o BRASILDEFATO


Mães carregam fotos dos maridos, filhos e pais em protesto na
Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
Da semana passada até agora, o assunto na Palestina e em Israel é um só: o acordo entre o Hamas, partido político que dirige Gaza, e o governo de Israel. O fato em si já chamaria a atenção, porque um acordo entre inimigos declarados é sempre notícia. Mas um acerto como o que aconteceu no Oriente Médio, e que resultou na troca de prisioneiros de ambos os lados, comoveu as duas nações.
No caso palestino, havia muito a comemorar. Cerca de 30% das famílias têm ou já tiveram parentes presos – o número total de prisioneiros, de 1967 até agora, chega a 700 mil. E o acordo colocou em liberdade mais de mil dos atuais seis mil cativos. No caso israelense também havia motivo para celebração. Os detentos palestinos foram trocados pelo soldado Gilad Shalit, capturado pelo Hamas em 2006 e mantido em local secreto desde então. A epopeia de todos eles corresponde, na Palestina e em Israel, à última semana de uma telenovela de sucesso no Brasil: todo mundo acompanha. Com muita emoção.
A emoção, porém, durou até a lista dos 477 prisioneiros com direito à liberdade ser divulgada, pelo Hamas e por Israel. Essa primeira leva foi solta na terça-feira, 18 de outubro, quando Shalit atravessou a fronteira de Gaza com o Egito para ser entregue às autoridades egípcias e depois aos governantes de seu país. Pelo acordo, mais 550 palestinos devem ser libertados daqui a dois meses. Seus nomes ainda não são oficialmente conhecidos, mas a especulação, que corre solta pelas ruas, mantém a população tensa e descontente. A festa pela notícia da libertação transformou-se em anticlímax.
“Meus dois filhos não estão nas listas e continuarão na prisão”, lamenta Samia Abu Diaqiy, moradora de uma vila próxima a Jenin. Ela viajou duas horas para comparecer a uma manifestação em solidariedade à greve de fome dos presos políticos palestinos, no centro de Ramallah, dia 17. “Um deles foi condenado a 100 anos de prisão e o outro, a 85 anos. Por que ninguém pensou neles?”
Palestino protesta na Praça Yasser Arafat, no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
Sami e Sameer Abu Diaqiy, que cumprem pena há 10 e há 7 anos, respectivamente, tiveram a mesma sorte dos demais 4.971 presos políticos palestinos: estão fora das listas de soltura. E isso revolta os palestinos, tanto na Cisjordânia como em Gaza. Os militantes do Fatah e de outros grupos políticos acusam o Hamas de privilegiar seus correligionários. Os militantes do Hamas criticam a cúpula do partido por ter feito a escolha sozinha, sem discutir com as bases. E todos reclamam do fato de dois grandes líderes – Marwan Barghouti, do Fatah, e Ahmed Sa’adat, da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) – permanecerem atrás das grades. Segundo o Hamas, Israel vetou o nomes de Barghouti e de Saa’dat no momento da assinatura do acordo. Essa justificativa, entretanto, não convenceu muita gente.
Para Abdallah Abu Rahmah, um dos líderes da luta não violenta palestina, ligado ao Fatah, Barghouti, apesar de preso, ainda é um grande líder político e seria o vencedor das próximas eleições, caso fosse solto. Ele é o sucessor de Mahmoud Abbas, atual presidente da ANP e da OLP, que já anunciou seu desejo de retirar-se da vida pública. Sa’adat, mais à esquerda no espectro político, também é um nome importante na Palestina. Para Abdallah, ambos, se libertados, tirariam votos do Hamas e enfrentariam os sionistas sem a condescendência de Abbas. Por esse motivo, permanecerão presos.
Abdallah reconhece a importância da libertação dos prisioneiros – esteve num centro de detenção israelense durante 16 meses, até meados de março de 2011 –, mas questiona o fato de o acordo ter sido finalizado e divulgado só agora. Há um ano, segundo ele, as pessoas ligadas à direção da ANP e da OLP sabiam que os 64 meses de negociações difíceis entre o Hamas e os sionistas, com intermediação de Egito e Alemanha, já tinham apontado para um acerto entre as partes. “Eles só divulgaram agora porque precisavam de um fato político que tirasse Abu Mazen [antigo codinome de Mahmoud Abbas] da mídia local e internacional”, afirma Abdallah. “Hamas e Israel estão muito incomodados com a projeção de Abu Mazen e queriam ofuscá-lo.”
Não conseguiram porque Abbas apoiou o acordo e capitalizou-o, recebendo os prisioneiros, no dia da soltura, na sede da ANP/OLP. O Fatah, partido de Abbas, também aplaudiu o acerto. Para Abdallah, o Hamas não tem cacife para vencer o jogo político: “Eles apostam na resistência, enquanto a OLP quer construir o Estado e tem, para isso, respaldo popular”.

Parceria de futuro?

Protesto na Praça Yasser Arafat,no centro de Ramallah - Foto: Baby Siqueira Abrão
E daqui para a frente, como ficarão os novos parceiros? As Brigadas Al-Qassam cumprirão a ameaça de sequestrar outros soldados israelenses porque, segundo um de seus líderes, Abu Obeida, não aceitarão “nada menos do que a libertação de todos os prisioneiros palestinos”? O governo sionista recolocará na cadeia os prisioneiros que libertar, desonrando o acordo com o Hamas? Ou ambos, estimulados pela primeira negociação, serão levados a outra, essencial, pelo fim do bloqueio a Gaza?
Difícil prever. Sempre inflexíveis, as duas partes teriam de fazer concessões ainda maiores, e talvez isso não esteja em seus planos. “Seja como for, tanto Israel como o Hamas continuarão a levar adiante aquilo que julgam ser de seu interesse”, responde Mazin Qumsieh, ativista da luta popular palestina, militante de direitos humanos e professor da Universidade de Belém. “Israel continuará a ser um Estado terrorista e racista. O sionismo seguirá sendo o núcleo de sua ideologia (não separação entre a sinagoga e o Estado). O Hamas continuará a ser um movimento de resistência que não acredita na separação entre a mesquita e o Estado”, avalia ele.
Segundo Mazin, pondo tudo na balança, o Hamas obteve uma vitória política. Abbas está perdendo apoio público por suas posições contra a resistência. Mas ambos, Hamas e Fatah, terão poucas opções de agora em diante, a menos que mudem de rota. “Podem começar pela implementação do acordo que fizeram no Cairo, e que inclui a democratização da Organização para a Libertação da Palestina [OLP], a convocação de novas eleições para o Palestinian National Council [PNC, corpo legislativo da OLP que elege seu comitê executivo] e a elaboração de um novo programa político, discutido e aceito pelos palestinos da Palestina e de todo o mundo”, propõe ele.  

Leia mais na edição 451 do Brasil de Fato, nas bancas

Audiência discute demarcação de terras indígenas e quilombolas


Reunião lotou teatro da Assembleia Legislativa gaúcha | Foto: Marcelo Bertani/Agência ALRS

Igor Natusch no SUL21

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado promoveu nesta sexta-feira (21) um debate sobre os impactos da demarcação de áreas quilombolas e terras indígenas. A política fundiária provoca revolta entre agricultores, que não querem ser forçados a abandonar terras que garantem ter adquirido de forma legal. O debate ocorreu em Porto Alegre (RS) e foi mediado pela senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS).
A tensão entre os diferentes grupos era visível desde o lado de fora do Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa. A maior parte dos presentes na plateia era formada por pequenos e médios produtores rurais, ainda que muitos representantes de quilombolas e grupos indígenas também estivessem presentes. Alguns grupos foram barrados na entrada do auditório e só tiveram seu ingresso autorizado após retirarem os suportes de madeira de faixas e bandeiras. Já dentro do Dante Barone, alguns gritavam contra a disposição dos convidados na mesa, uma vez que somente políticos identificados com o agronegócio estavam presentes. “Não é para ser um debate? Onde estão os índios nessa mesa?”, gritou uma voz em dado momento.
“Debater a questão da regularização fundiária e da demarcação de áreas quilombolas e indígenas no Brasil e no Rio Grande do Sul diz respeito a todos nós”, disse a senadora Ana Amélia Lemos na abertura da atividade, garantindo que o assunto não seria analisado de forma parcial para nenhum dos lados. Os deputados estaduais presentes, de modo geral, garantiram ser favoráveis ao pagamento de dívidas históricas com índios e negros, mas de uma forma que não implique na remoção de produtores rurais. “O que precisamos é construir com o governo outro contrato social que permita ao estado fazer justiça, sem gerar uma injustiça de igual tamanho”, argumentou Alceu Moreira (PMDB), em uma linha que acabou sendo seguida pela maioria dos presentes à mesa.
O prefeito de Getúlio Vargas, Pedro Paulo Prezzotto (DEM), elevou o tom da discussão, garantindo que os proprietários rurais não sairão de suas casas. “Ou se cumpre a Constituição, que garante a propriedade, ou vamos para o confronto”, garantiu, acrescentando que os que querem desapropriação das terras estão pedindo, na verdade, que as crianças e jovens “morem debaixo de lonas pretas”, aludindo de modo pouco disfarçado ao MST.
A resposta veio em seguida, por meio do indígena Francisco dos Santos, de São Leopoldo. “Eu não sou da cidade grande, não era para eu estar aqui. Estou aqui porque destruíram o meu povo e tiraram a minha terra”, acusou. “Hoje, todos nós estamos sofrendo. Os índios, mas os quilombolas e os agricultores também. Respeito quem comprou terra, vocês não têm culpa, mas não aceito que alguém compre a terra que é minha”.
Participam do debate representantes de órgãos como o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Nacional do Índio (Funai), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Federação das Associações de Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Famurs), Fundação Cultural Palmares e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) do governo federal, entre outros. Grupos que lutam pelos direitos de negros e comunidades indígenas também estiveram presentes no ato.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Tarso Genro: grande mídia quer instituir ‘justiça paralela’ no Brasil


Tarso palestrou em congresso contra a corrupção, organizado pelo Ministério Público. “Regredimos até uma situação que leva o Ministério Público à impotência e o Judiciário à irrelevância. É um fascismo pós-moderno” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no SUL21

Em discurso na abertura de um congresso nacional contra a corrupção, organizado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro criticou duramente nesta quinta-feira (20) o modo como a mídia conduz as discussões políticas no Brasil, em especial no que se refere à corrupção. “Criou-se um jornalismo de denúncia, que julga e condena. Usam a corrupção como argumento para dizer que as instituições não funcionam e tentar substituí-las”, afirmou Tarso. Dizendo que as campanhas contra a corrupção podem estar gerando o “ovo da serpente”, o governador gaúcho pediu que se reforce o poder das instituições, como forma de promover um efetivo combate a esse tipo de crime.
Tarso Genro começou falando sobre os recentes protestos contra o sistema financeiro que tomaram conta do mundo. Referindo-se aos manifestantes como “indignados”, o governador aproveitou para dar uma cutucada pouco sutil no grupo que pedia o fim da corrupção, sob o slogan “Agora Chega”. “Alguns jovens uniformizados cantaram em recentes protestos que ‘povo unido protesta sem partido’”, lembrou. “Para mim, isso é como dizer que povo com dor não precisa de promotor”, alfinetou, provocando desconforto em parte dos presentes.
O governador frisou que não defendia “teorias de conspiração” nem pregava a restrição de liberdade de imprensa. No entanto, durante a maior parte de sua fala, Tarso usou artilharia pesada contra os grandes grupos de mídia, aos quais acusou de tentar instituir uma “justiça paralela” no Brasil. Segundo ele, os grandes meios de comunicação se apropriaram do problema da corrupção e o usam para os próprios interesses, transformando um crime comum em crime político. “Atualmente, os casos mais graves são investigados pela mídia e divulgados dentro das conveniências dos proprietários dos grandes veículos”, disse Tarso. “Fazem condenações políticas de largas consequências sobre a vida dos atingidos, e tomam para si até o direito de perdão, quando isso se mostra conveniente”, disparou.
Essa justiça paralela, defendeu Tarso, se dá fora do âmbito do Estado e o esvazia. “Regredimos até uma situação que leva o Ministério Público à impotência e o Judiciário à irrelevância. É um fascismo pós-moderno”, descreveu. “É um juízo público, que faz vibrar a classe média ingênua e os adversários políticos do atingido da vez. Mas essas mesmas pessoas podem ser as próximas atingidas, dependendo de como se mover as disputas dentro dos meios de comunicação”.
De acordo com o governador, é justamente aí que reside o risco de tentar-se esvaziar os partidos políticos, eliminando seu papel de mediador entre os grupos sociais e o exercício do poder. “A corrupção não admite mediação”, frisou. E a grande mídia, de acordo com Tarso Genro, coloca a corrupção em primeiro plano nas discussões, deixando de lado problemas que ajudam a seguir existindo como a tutela financeira, as deficiências do sistema político brasileiro e a despreocupação com políticas sociais. O objetivo, afirma Tarso, é abalar a segurança política e a própria imagem das instituições. “Temos que reforçar as instituições e não enfraquecê-las. É o único modo de realmente combater a corrupção”, defendeu.
Em outro momento, o governador gaúcho apontou o suposto interesse de setores midiáticos em pressionar o Legislativo para a aprovação de leis de seu interesse, em especial as que propõem penas mais duras para criminosos. “Sem verdadeiro conhecimento, assumem o posto de especialistas, acabam formando uma criminologia empírica do poder midiático”, disse Tarso Genro. “Cada crime bárbaro ganha ampla projeção. O que reduzirá a criminalidade é a certeza de punição, não a aplicação de penas mais duras. Inúmeras pesquisas e estatísticas nos mostram isso”.
O congresso do MP, que lança a campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, segue nesta sexta-feira na sede do Ministério Público gaúcho, em Porto Alegre.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Globo organiza o partido da despolitização da política


Por Milton Temer no SUL21

O Globo abriu, com destaque, a convocação para as manifestações anti-corrupção, prevendo cifras de participação significativa de militantes da “causa sem partidos”. Ou seja, transformaram meios que deveriam relatar os fatos em promotor de fatos a serem editorializados de acordo com sua visão conservadora e reacionária da sociedade.
Pois bem, reitero que estou fora. Fiz e faço combate contra a corrupção, e não me ocorre, ao longo de décadas, ter sentido apoio das organizações Globo. Pelo contrário. Indo ao momento significativo mais recente – o do processo de privatizações imposto pela vaga neoliberal que nos assolou durante o mandarinato tucano-pefelista de FHC: de que lado estiveram as organizações Globo? No apoio total ao que o insuspeito Elio Gaspari classificou, sem meias-palavras, como privataria.
Lembro ainda o dia em que, como deputado participante da Comissão Especial que discutia a emenda constitucional determinante da privatização das telecomunicações, me defrontava com o depoimento do então ministro José Serra na audiência pública previamente agendada. Não vou entrar nos detalhes do debate que com ele travei. Estão lá nos anais da Câmara as suas respostas quanto à necessidade de vender nosso patrimônio para nos livrarmos do compromisso da dívida pública, então em torno de R$ 60 bilhões, e que, a despeito da queima de bens estatizados na bacia das almas, se viu alçada a R$ 650 bilhões no fim do mandato que ele defendia.
Vou registrar apenas que, diante de tão importante depoimento, o relator da matéria – o probo deputado Geddel Vieira Lima (personagem do documentário “Geddel vai às compras”, produzido pela repetidora da TV Globo da Bahia, dirigida por Antonio Carlos Magalhães, e por ele distribuída para denunciar os malfeitos do referido personagem) – estava ausente. E a informação que então correu era de que sua ausência se devia a almoço tête-à-tête que então estaria tendo com Roberto Marinho, um dos principais mobilizadores da campanha pela privatização.
O que moveria, portanto, a Globo atual em tão nobre causa? Defender a transparência dos negócios envolvendo a res publica? Doce ilusão. O que move a vênus platinada é uma deliberada operação de despolitização da política. O que move a TV Globo é a conquista de corações e mentes de uma parte fundamental do eleitorado progressista, mas não filiado ou permanentemente ligado às lutas dos movimentos sociais ou dos partidos de esquerda, que não se venderam, nem se renderam, para uma ação organizada de desorganização exatamente dessas correntes de ação e pensamento progressista.
Promover no Brasil uma onda semelhante à que lamentavelmente varre povos de potências capitalistas, que se reúnem em manifestações pontuais e conjunturais, mas que, pela abstenção nos processos eleitorais, por justificado ceticismo, permitem à direita mais reacionária manter o controle absoluto das instituições, ditas republicanas, que realmente deliberam sobre seus destinos, através do modelo de sociedade que desenham com suas leis e decisões dos poderes Executivo e Judiciário.
Que ninguém se iluda. Participar desses movimentos, pode até ser. Mas com colunas específicas e faixas que expressem palavras-de-ordem emanadas dos partidos políticos que lutam contra o grande capital. Participar separadamente, a despeito de os “líderes” dessas “inorgânicas” pretenderem impedir, através da interdição de partidos políticos ou sindicatos combativos numa luta em torno dos temas que sempre lhes foram próprios, e agora se vêem ameaçados de propriedade indébita.

Milton Temer é jornalista e ex-deputado federal.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Haiti, país ocupado

Outras vozes
Eduardo Galeano

Se perguntar a qualquer enciclopédia qual foi o primeiro país a abolir a escravatura, receberá sempre a mesma resposta: Inglaterra. Mas o primeiro país que aboliu a escravatura não foi a Inglaterra mas o Haiti, que continua ainda a expiar o pecado da sua dignidade.

Consulte qualquer enciclopédia. Pergunte qual foi o primeiro país livre na América. Receberá sempre a mesma resposta: Estados Unidos. Mas os Estados Unidos declararam a sua independência quando eram uma nação com 650 mil escravos, que continuaram a ser escravos durante mais um século, e estabeleceram na sua primeira Constituição que um preto equivalia a três quintas partes de uma pessoa.
E se perguntar a qualquer enciclopédia qual foi o primeiro país a abolir a escravatura, receberá sempre a mesma resposta: Inglaterra. Mas o primeiro país que aboliu a escravatura não foi a Inglaterra mas o Haiti, que continua ainda a expiar o pecado da sua dignidade.
Os escravos negros do Haiti tinham derrotado o exército glorioso de Napoleão Bonaparte e a Europa nunca perdoou essa humilhação. Durante um século e meio, o Haiti pagou à França uma indemnização gigantesca por ser culpado da sua liberdade, mas nem isso chegou. Aquela insolência negra continua a ferir os amos brancos do mundo.
***
De tudo isso sabemos pouco ou nada.
O Haiti é um país invisível.
Só se tornou famoso quando o terramoto de 2010 matou mais de 200 mil haitianos.
A tragédia levou o país a ocupar, fugazmente, o primeiro plano dos meios de comunicação. O Haiti não é conhecido pelo talento dos seus artistas, magos da sucata capazes de transformar o lixo em beleza, nem pelas suas façanhas históricas na guerra contra a escravidão e a opressão colonial. Vale a pena repetir uma vez mais, para que os surdos o oiçam: o Haiti foi o país fundador da independência da América e o primeiro país a derrotar a escravidão no mundo.
Merece muito mais que a notoriedade nascida das suas desgraças.
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Actualmente, os exércitos de vários países, incluindo do meu, continuam a ocupar o Haiti. Como se justifica esta invasão militar? Alegando que o Haiti põe em perigo a segurança internacional.
Nada de novo.
Ao longo de todo o século XIX, o exemplo do Haiti constituiu uma ameaça para a segurança dos países que continuavam a praticar a escravatura. Já Thomas Jefferson o dissera: do Haiti provinha a peste da rebelião. Na Carolina do Sul, por exemplo, a lei permitia prender qualquer marinheiro negro enquanto o seu barco estivesse no porto, devido ao risco de contágio da peste antiesclavagista. E no Brasil, essa peste chamava-se «haitianismo».
Já no século XX, o Haiti foi invadido pelos marines, por ser um país «inseguro para os seus credores estrangeiros». Os invasores começaram por se apoderar das alfândegas e entregaram o Banco Nacional ao City Bank de Nova Iorque. E uma vez que já lá estavam, ficaram durante dezanove anos.
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Chama-se «o mau passo» à passagem da fronteira entre a República Dominicana e o Haiti. Talvez o nome seja um sinal de alarme: está a entrar no mundo negro, da magia negra, da bruxaria...
O vodu, a religião que os escravos trouxeram de África e que se nacionalizou no Haiti, não merece chamar-se religião. Do ponto de vista dos donos da civilização, o vodu é coisa de pretos, ignorância, atraso, superstição pura. A Igreja Católica, onde não faltam fiéis capazes de vender unhas dos santos e penas do arcanjo Gabriel, conseguiu que esta superstição fosse oficialmente proibida em 1845, 1860, 1896, 1915 e 1942, sem que o povo se desse por achado.
Mas há já alguns anos que as seitas evangélicas se encarregam da guerra contra a superstição no Haiti. Estas seitas vêm dos Estados Unidos, um país que não tem 13º andar nos seus prédios, nem fila 13 nos seus aviões, habitado por cristãos civilizados que acreditam que Deus criou o mundo numa semana. Nesse país, o pregador evangélico Pat Robertson explicou na televisão o terramoto de 2010. Este pastor de almas revelou que os negros haitianos tinham conquistado a independência à França recorrendo a uma cerimónia vodu, e invocando, do fundo da selva haitiana, a ajuda do Diabo. O Diabo, que lhes deu a liberdade, passou a factura enviando-lhes o terramoto.
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Até quando permanecerão no Haiti os soldados estrangeiros? Eles vieram para estabilizar e ajudar, mas estão há sete anos a desajudar e a desestabilizar este país que não os deseja.
A ocupação militar do Haiti custa às Nações Unidas mais de 800 milhões de dólares por ano.
Se as Nações Unidas destinassem esses fundos à cooperação técnica e à solidariedade social, o Haiti poderia receber um bom impulso para o desenvolvimento da sua energia criadora. E assim se salvariam dos seus salvadores armados, que têm alguma tendência para violar, matar e espalhar doenças fatais.
O Haiti não precisa que venham multiplicar as suas calamidades. Também não precisa da caridade de ninguém. Como diz um antigo provérbio africano, a mão que dá está sempre acima da mão que recebe.
Mas o Haiti precisa de solidariedade, de médicos, de escolas, de hospitais e de uma verdadeira colaboração que torne possível o renascimento da sua soberania alimentar, assassinada pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e por outras sociedades filantrópicas.
Para nós, latino-americanos, essa solidariedade é um dever de gratidão: seria a melhor maneira de agradecer a esta pequena grande nação que em 1804 nos abriu, com o seu contagioso exemplo, as portas da liberdade.
(Este artigo é dedicado a Guillermo Chifflet, que foi obrigado a demitir-se da Câmara de Deputados quando votou contra o envio de soldados uruguaios para o Haiti.)
Fonte: Esquerda.

Ir às ruas contra a ditadura da mídia


Por Altamiro Borges

Hoje, 18, em várias partes do mundo será comemorado o “Dia Mundial pela Democratização da Mídia”. Segundo relata Naira Rosana, no boletim eletrônico do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), a data foi instituída em 2000, em Toronto (Canadá), “como forma de protesto contra a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas pessoas”.

No Brasil, a data passou a ser comemorada a partir de 2003, como base numa proposta da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos). Na sequência, as entidades da sociedade civil optaram por realizar a “Semana pela Democratização da Comunicação”, com várias atividades de formação e mobilização – seminários, debates e protestos de rua.

Ato em SP e “faxina na TV Globo” no RJ

Neste ano estão previstas ações em diversas cidades para marcar a data. Em São Paulo, às 12 horas, haverá um ato na escadaria da TV Gazeta, na Avenida Paulista, organizado pela Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e a Liberdade de Expressão (Frentex).

No Rio de Janeiro, ocorrerão dois atos. Amanhã, às 16 horas, no Buraco do Lume, com atividades culturais e políticas em defesa da regulação da mídia. E na quarta-feira, às 13 horas, ocorrerá a “faxina na TV Globo”, em frente a sua sede no Jardim Botânico.

Recrudescimento nos crimes

A realização destes protestos ganha maior relevância num momento em que a mídia hegemônica recrudesce em seus crimes. É só lembrar as três últimas atrocidades da revista Veja: a tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu num hotel de Brasília; a propaganda de remédio como milagroso emagrecedor, fato já criticado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa); e o ataque à honra do ministro Orlando Silva, do Esporte, com o uso de um “bandido”, investigado e preso, como fonte.

No caso das emissoras de TV, que são concessões públicas, os crimes são ainda mais descarados. É só lembrar recente editorial da Band destilando ódio contra os grevistas dos Correios; ou a exibição de cenas de estupro numa afiliada da Record na Paraíba; ou o merchandising em programas infantis da SBT; e até a sabotagem na TV Globo na transmissão dos jogos Pan Americanos.

Não dá mais para aceitar estas ações criminosas. A exemplo de outros países do mundo, inclusive dos EUA, é urgente a discussão e aprovação de um novo marco regulatório das comunicações no Brasil, que enfrente a crescente monopolização no setor e coíba a manipulação da informação e a deformação de valores. Do contrário, o país ficará à mercê da ditadura da mídia.

“Se eu entregasse uma receita de bolo na sessão daria o mesmo efeito”, diz prefeita cassada


"Foi uma injustiça sem tamanho o que fizeram", diz Rita Sanco | Foto: Dolcimar Luiz da Silva/SECOM/PMG

Rachel Duarte no SUL21

Nesta segunda-feira (17), o Sul21 conversou com a prefeita cassada em Gravataí, Rita Sanco (PT). Ainda inconformada com a decisão dos vereadores da oposição, ela se disse confiante na ação da justiça e no retorno à prefeitura. Para a petista, sua cassação ocorreu unicamente porque a oposição tinha maioria na Câmara, as denúncias eram infundadas e sua defesa não foi levada em consideração na sessão. “Se eu entregasse qualquer receita de bolo na sessão daria o mesmo efeito”, diz.

Sul21 – Como a senhora encara a cassação?

Rita Sanco – Entendemos como uma grande injustiça e atrocidade política o que houve. Uma vez que as denúncias são irrelevantes ou inverídicas, cabia à oposição comprovar as acusações. Nós fomos provar que não tinha fundamento os apontamentos feitos contra nossa gestão, mas a nossa defesa não interessava. Afastaram também o vice-prefeito, que normalmente não tem atividade diretamente ligada à do prefeito. Isto foi para poder tomar a prefeitura. Pelo menos espero que seja apenas este o interesse que está por trás desta atitude. São pessoas que não têm como entrar na prefeitura pela porta da frente, nas eleições, então, entram pela porta de trás. Isto foi uma peça jurídica imprestável. Vamos retomar o mandato.

Sul21 – O que a senhora acredita que estaria movendo uma atitude combinada entre os vereadores de oposição ao seu governo?

Rita Sanco – Eu espero que seja apenas uma disputa política.

Sul21 – Mas que outros interesses seriam?

Rita Sanco – Espero que não tenham outros interesses por trás e que não podem ser divulgados.

Sul21 – Qual será o argumento para recorrer da decisão dos vereadores na justiça?

Rita Sanco - Os advogados estão analisando as medidas e vão entrar com ações para rever esta decisão. Eu acredito na justiça porque não têm fundamento estas acusações. Fazer uma cassação de mandato eleito pelo povo só porque se tem maioria conduz a uma lógica de disputar sempre pela maioria legislativa a qualquer preço. Isto seria fazer acordos a qualquer custo na política. Isto é um risco para a democracia. Este decreto é sem consistência. A peça acusatória baseia-se em decreto da ditadura militar, feito por Castello Branco e, mesmo assim, não apresenta uma prova, uma evidência sequer de qualquer ato de corrupção no meu governo.

Sul 21 – A senhora tem recebido apoio?

Rita Sanco - Estamos visitando as entidades e escolas. Informando as pessoas. Os funcionários públicos estão perplexos. Andei muito nas ruas não há quem defenda isso que aconteceu. É realmente um movimento de 10 vereadores que afeta toda uma cidade.

Sul21 – A proximidade com as eleições influenciou diretamente a ação da oposição?

Rita Sanco – É um ano onde muitas coisas estavam para acontecer. Nós íamos anunciar a construção de 14 creches, 5 unidades de saúde e uma Unidade de Pronto Atendimento. Também está prevista a liberação de recursos para pavimentações.

Sul21 – A senhora respondeu a 11 acusações de irregularidades na sua administração. Como foi a sua defesa?

Rita Sanco – Um dos principais apontamentos dos 11 itens contra mim se tratava de várias ações que fiz para negociação da dívida municipal. Tudo que fiz foi com aprovação da Câmara de Vereadores. No caso da acusação do procurador geral, ele não fazia advocacia privada junto ao seu mandato de procurador. Os documentos que acusavam irregularidades na licitação do Hospital Regional que seria construído são infundados. Mas a defesa não interessava para eles. Se eu entregasse qualquer receita de bolo na sessão daria o mesmo efeito.

Sul21 – A senhora imagina conseguir reverter o que a senhora considera injustiça?

Rita Sanco - Temos 30% de aprovação na população. O deputado Daniel Bordignon (PT) tem uma popularidade imbatível. Eles não ganham eleição, por isso tiveram que apelar. Mas sei que a população não quer voltar à estagnação que foi no governo deste grupo. Estávamos equilibrando as finanças e democratizando a gestão. Foi uma injustiça sem tamanho o que fizeram. Uma violência para com a população de Gravataí que o optou pela nossa gestão na eleição. Se fosse vontade do povo, as pessoas poderiam mudar nas urnas e não o fizeram há 14 anos. No meu governo não teve denúncia de desvio de dinheiro ou mesmo uso da máquina. Tudo que até agora foi movido contra mim foi arquivado sem provas. Não tenho uma representação do Ministério Público contra mim. Nenhuma ação correndo na justiça. Criaram peça jurídica contra mim e vamos reverter.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Madraçais da Veja contra UNB e o MST


Por Maria Mello e Rafael Villas Bôas [1] no SUL21

A disseminação do discurso do medo e o acirramento da intolerância via adesão incondicional e periférica ao “ato patriótico” dos EUA desde o episódio do 11 de setembro de 2001 – recordado à exaustão pela imprensa mundial neste último setembro, quando foram completos dez anos da tragédia – constituem-se em elementos relevantes para a análise da abordagem estigmatizada da mídia brasileira sobre ações organizadas da classe trabalhadora, e em especial sobre os avanços dos movimentos sociais do campo e do movimento negro no âmbito da educação.
Uma das primeiras tentativas de importação do ideário antiterrorista ianque pós 11 de setembro foi o malogrado projeto de lei que propunha a associação, tão esdrúxula quanto original, entre terrorismo e inclusionismo socioeconômico, para com isso perseguir o MST e movimentos congêneres.
As reportagens da revista Veja “Madraçal no Planalto” e “Madraçais do MST”, publicadas em distintos períodos da última década, revelam os mecanismos de importação da retórica do terrorismo e justificam a necessidade de análise permanente da atuação do citado veículo de comunicação como sismógrafo da movimentação das elites brasileiras para deslegitimar sistematicamente os movimentos sociais organizados, além de revelar as conexões relativas ao modo de produção ao qual esse tipo de associação se dispõe.
Poderia se questionar a pertinência do trabalho de análise de reportagens da revista Veja sob a alegação da obviedade do caráter panfletário, à direita, da revista. Contudo, apesar de decrescente, o número de assinantes do semanário ainda é o maior do Brasil. A eficácia da panaceia ideológica de Veja ainda é filtro de interpretação da realidade para muitos brasileiros que acreditam que a “informação” é um bem de primeira necessidade e que é imparcial. Desmontar o discurso de jornalismo objetivo da revista é, portanto, procedimento que pode gerar distanciamento do leitor para com a notícia consumida. Além disso, como não há nenhuma regulamentação social à mídia no Brasil, num contexto de modernização conservadora, partem dos meios de comunicação hegemônicos os principais ataques aos movimentos sociais brasileiros e a suas bandeiras. É a ponta de lança de uma estrutura hegemônica, e pelo risco que oferece de abrir a brecha para o fortalecimento de medidas reacionárias, deve ser estudada e combatida sistematicamente.
Ocupação de terra como ação terrorista: manifestação da pretensão cosmopolita da bancada ruralista na CPMI da Terra
A retórica usada pelo império norte-americano para justificar a invasão e o massacre do Afeganistão e do Iraque foi a luta contra o terrorismo, embalado com termos como “ocupação” e “guerra preventiva”.
No Brasil, a ocupação de terras [2], e mais recentemente de terrenos e construções abandonadas em áreas urbanas, é uma tática de sobrevivência respaldada pelos direitos constitucionais, de que a massa espoliada da população tem feito uso para garantir seu direito à existência. Essas táticas contestam frontalmente os princípios de acumulação de capital e o direito à propriedade como algo maior do que o direito à vida.
Como a elite brasileira depende da vigência desses princípios ideológicos e, principalmente, precisa fazer com que sejam aceitos por todos para garantir seu poder enquanto classe dominante – mesmo os que não têm propriedade e não podem acumular capital -, ela tem de sofisticar suas técnicas de manipulação e coerção para lidar com as confrontações de classes populares que possam abalar seu estatuto de universalidade.
Se o discurso dos meios de comunicação de massa e o poder coercitivo do aparato policial já não são suficientes, resta o apelo à mudança das leis. Foi isso que sugeriu, por exemplo, o projeto de lei PL 7485/06, encaminhado pelo deputado federal da bancada ruralista Abelardo Lupion, do DEM do Paraná, para votação no Congresso.
O relatório do deputado aprovado pela maioria dos parlamentares integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, do Congresso Nacional, em setembro de 2006, encaminhou para votação dois projetos de lei sugerindo que a ação de ocupação de terras como forma de pressionar o Estado a realizar a reforma agrária, como tática de combate ao latifúndio, à grilagem de terras e ao uso irregular de terras brasileiras por empresas multinacionais, fosse considerada crime hediondo e ação terrorista.
Nesse estudo abordaremos a interpretação do significado PL 7485/06 [3] por entendermos que esse projeto é o primeiro a associar o conflito agrário brasileiro ao tema do terrorismo – que passou a ter forte apelo midiático depois do atentado em Nova York em setembro de 2001. A título de análise, transcrevemos abaixo a íntegra da justificativa desse projeto de lei:
O terrorismo é um dos crimes mais multifacetados da história contemporânea. Se apresenta na forma de fundamentalismo religioso no Oriente Médio, sob a forma de insurrecionismo étnico nos Bálcãs, sob a forma de independentismo nacional na Espanha, etc. O terrorismo, que é, eminentemente, um movimento político, se adapta à realidade social, econômica e cultural do local onde se exterioriza. No Brasil, tem se manifestado na forma de inclusionismo sócio-econômico, por meio do qual associações de trabalhadores rurais sem-terra, por exemplo, reclamam a falta de participação social e econômica em razão de uma suposta negação estatal de direitos garantidos constitucionalmente, e, por meio da violência, buscam pressionar o governo a transformar tais direitos abstratos em realidade concreta.
As ações perpetradas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) são inaceitáveis perante o nosso ordenamento constitucional. Aterrorizam por meio de invasões a propriedades legalmente adquiridas por cidadãos brasileiros, muitas vezes até mesmo produtivas – em afronta aos princípios da propriedade privada e da função social da propriedade, anunciados no art. 170 da Constituição Federal –, e, assim fazendo, põem risco a economia brasileira e à regularidade dos contratos. Por meio do terror, que, em 2002, afetou, inclusive, o então Presidente da República, pressionam o governo a materializar direitos ou a apressar políticas anunciadas.
Esse tipo de terrorismo, próprio da realidade brasileira, não deve ser aceito e deve ser punido com o mesmo rigor que as mesmas formas de atos terroristas previstas em nossa Lei de Segurança Nacional (Lei n° 7.170, de 1983), pois, de forma equivalente, afeta a ordem constitucional estabelecida, a integridade territorial, o regime representativo e democrático e o Estado de Direito (art. 1º, I e II, da Lei de Segurança Nacional). Enfim, tais ações fragilizam o Estado.
Com este projeto tornado lei, buscamos dar resposta eficaz ao estágio que chegou esse tipo de terrorismo, que impõe inaceitável desrespeito à liberdade social e à autoridade do Estado e fragilização do processo jurídico-democrático, o qual, há vinte anos, vem se consolidando em nosso país.
Essa foi a primeira manifestação, no parlamento brasileiro, de adoção da retórica da vez do império norte-americano – para justificar arbitrariamente a expansão de seu domínio militar, econômico e político para o Afeganistão e o Iraque – com o objetivo de intervir juridicamente na questão agrária nacional.
A adoção do termo “terrorista” pela bancada ruralista para designar as ações do MST e demais movimentos sociais de massa do campo brasileiro, que usam a mesma tática de ocupação, lança luz sobre a estratégia arcaica dessa fração da elite brasileira para perpetuar a concentração de terra, e consequentemente o poder econômico e político em mãos de poucas famílias e grupos econômicos. Essa classificação inclui os sem terra no rol dos sujeitos potencialmente desestabilizadores do sistema, do status quo. De vítimas da concentração de riqueza, os sem terra passam à condição de algozes. A análise da justificativa do PL 7485/06 pode auxiliar o entendimento sobre a forma como as relações de poder entre classe dominante e trabalhadores está historicamente assentada no Brasil.
A descrição do terrorismo como um crime multifacetado que “se adapta” às realidades locais em que se exterioriza sugere a imagem do terrorismo como um vírus, como dinâmica desprovida de causalidade, que é externa à realidade do contexto em que surge, por isso se adapta em cada local, como se os conflitos no Oriente Médio, nos Bálcãs e na Espanha não tivessem motivações internas que explicassem o surgimento destes movimentos “eminentemente políticos”, como diz o texto.
A adaptação brasileira do terrorismo seria o “inclusionismo socioeconômico”: a organização de trabalhadores para reivindicar direitos constitucionalmente garantidos é encarada como ato violento pela classe dominante brasileira. As palavras e expressões “suposta” antes de “negação estatal”, “por meio da violência” e “direitos abstratos em realidade concreta” indicam o ponto de vista de classe do grupo que formulou tal projeto: a ação de auto-organização popular para conquistar os direitos garantidos legalmente é desqualificada pela classe detentora dos meios de produção, pois a iniciativa ameaça explicitar a lógica de violência e acumulação de capital que garante o monopólio do poder e dos direitos para o grupo minoritário da elite nacional, ou seja, no limite, essa ação ataca a hegemonia da voz do poder soberano, expondo como a promessa de universalidade da lei é uma medida retórica para garantir a concentração de poder.
Quando os alijados das garantias legais se organizam, a elite não tarda em duvidar da lei para todos – “direitos abstratos em realidade concreta”. Não é natural que os condenados à exploração de sua força de trabalho, ou à marginalização social, se organizem para cobrar a efetivação de direitos garantidos constitucionalmente. Diante disso, é preciso garantir juridicamente o respaldo para o uso da força. O poder soberano requer para si o direito de manipular arbitrariamente a lei em seu benefício próprio.
A ação de movimentos sociais de pressionar o governo “a materializar direitos ou a apressar políticas anunciadas”, algo que deveria ser considerado como legítimo em um Estado democrático de direito, merece, segundo o projeto de lei, a punição sob os critérios da Lei de Segurança Nacional, evocada com frequência para justificar a arbitrariedade da violência do último ciclo do regime militar no Brasil.
Verificar os possíveis mecanismos de transposição do projeto criminalizador e do conteúdo ideológico nele contido às páginas da revista mais lidas pela classe média do país também será procedimento deste trabalho.
Matéria Madraçais do MST
A tentativa de a elite brasileira tirar proveito do clima de terror e pânico disseminado pelos EUA depois do atentado de 11 de setembro teve início com reportagens da grande imprensa, como a intitulada “Madraçais do MST”, publicada por Veja em setembro de 2004. Nela, o modelo pedagógico desenvolvido pelo MST também é associado ao arquétipo muçulmano por meio de formações discursivas que constroem a imagem da atuação supostamente persecutória e intolerante por parte do referido movimento social.
Da mesma forma que os internos dos madraçais, as crianças do MST são treinadas para aprender aquilo que os adultos que as cercam praticam: a intolerância.
O problema é fazer isso dentro do sistema de ensino público e com dinheiro do contribuinte. A legislação brasileira preserva a autonomia das escolas, desde que cumpram o currículo exigido pelos Estados e estejam em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, que prega o “pluralismo de idéias” e o “apreço à tolerância” – elementos básicos para que as crianças desenvolvam o raciocínio e o espírito crítico. Não são os critérios adotados no território dos sem-terra. “Essas escolas estão aprisionando as crianças num modelo único de pensamento”, observa a pedagoga Sílvia Gasparian Colello, da Universidade de São Paulo.
O ataque respaldado pelo argumento da incapacidade técnica dos professores complementa o quadro discursivo de oposição deslegitimadora:
Nos assentamentos, pelo menos a metade do corpo docente vem do MST. Já nos acampamentos, todos os professores pertencem ao movimento. Muitos não têm o curso de magistério completo – pré-requisito básico para a contratação na rede pública -, e alguns não chegaram sequer a terminar o ensino fundamental.
“A realidade é que há pessoas atuando como profissionais da educação nessas escolas sem o mínimo de preparo para exercer a função”, reconhece o secretário estadual de Educação do Rio Grande do Sul, José Fortunati.
Por ser um texto de característica panfletária – adjetivado e empobrecido do ponto de vista jornalístico – há o predomínio do caráter opinativo sobre o caráter informativo. Decorre daí o paradoxo entre texto e imagens (de crianças felizes estudando e brincando no pátio, sem nenhum indício de aprendizado do ódio), e o que seria o problema abordado – a demanda não suprida de escolarização nas áreas de reforma agrária e as providências que foram tomadas para saná-la – e o enviesamento do tema conferido pela equipe da revista: a associação com grupos muçulmanos terroristas.
O conjunto de paradoxos da reportagem, que elucidam o caráter rasteiro da manipulação dos dados, explicita também o ponto de vista de que esse grupo editorial compartilha: uma escola que ensine crianças a se indignar contra as diversas formas de injustiça, que assuma uma perspectiva engajada no enfrentamento das mazelas nacionais, e que proponha um modelo de organização social e produção agrária compatível com a vida delas, como é o caso da agricultura familiar, é uma ameaça para o padrão hegemônico de representação da realidade de que a revista é cúmplice e mantenedora, logo, esse modelo não pode ser tolerado, pois ameaça em última instância as relações estruturais de poder, em sua vigência contemporânea.
Das quatro fontes ouvidas, três expõem enunciados em sentidos convergentes – contrários à atuação das escolas do movimento social. Enquanto o professor do MST “justifica” (em quatro palavras) o motivo pelo qual o MST questiona a efetiva independência do Brasil, a pedagoga da USP “observa” brilhantemente: “Essas escolas estão aprisionando as crianças num modelo único de pensamento”.
Matéria “Madraçal no Planalto”
Publicada em julho de 2011 pelo semanário Veja, a matéria trata de suposta guinada “doutrinária” e “esquerdista” que a Universidade de Brasília (UnB) teria tomado a partir do início da gestão do reitor José Geraldo, professor de Direito e militante do Partido dos Trabalhadores (PT) no Distrito Federal.
Em toda sua extensão, a reportagem busca evidenciar a pretensa rotina de intolerância e perseguições a docentes e alunos que não comungam com a política de cotas para negros e/ou questionam a legitimidade do reitor. Vejamos a seguir algumas marcas ou expressões em sequências do texto que integram formações discursivas constituidoras de sentidos.
Professores, estudantes e funcionários da Universidade de Brasília têm sido alvo de perseguição da diretoria e de agressões pelo único crime de não pensarem de acordo com a ideologia dominante. A liberdade de expressão sempre foi um valor sagrado nas universidades, mas na UnB ela foi revogada para que em seu lugar se instalasse a atitude mais incompatível que existe com o mundo acadêmico: a intolerância. VEJA foi ao câmpus da UnB apurar as denúncias de que um símbolo da luta democrática no Brasil está se transformando em um madraçal esquerdista em que a doutrinação substituiu as atividades acadêmicas essenciais. Os depoimentos colhidos pela reportagem da revista deixam pouca dúvida de que essa tragédia está em pleno curso.
“A UnB se tornou palco das piores cenas de intolerância. Não há espaço para o diálogo. Ou você compartilha do pensamento dominante ou será perseguido e humilhado”, diz a procuradora.
Dois adversários de José Geraldo na eleição para reitor, os professores Márcio Pimentel e Inês Pires de Almeida, foram alvo de retaliação por parte da nova administração, que teria começado logo depois da posse. O crime deles? Terem ousado concorrer ao cargo hoje ocupado pelo militante de mar e guerra, reitor da UnB.
Márcio Pimentel e a esposa, a também professora Concepta McManus, desconfiaram que o trabalho de pesquisa de ambos começou a sofrer boicotes – mas tudo de uma maneira sempre muito sutil, indireta.
O jurista Ibsen Noronha, ex-professor voluntário do departamento de direito e um dos maiores especialistas em história do direito brasileiro, deixou a UnB no fim do ano passado. Motivo: sua disciplina desapareceu do currículo. Para ele, no entanto, foi retaliação diante de sua posição extremamente crítica em relação ao polêmico regime de cotas, uma das bandeiras que tem na atual gestão da UnB seus maiores defensores.
Tal como na matéria anteriormente analisada, destaca-se também a construção semântica de sentidos relacionados a ações persecutórias e intolerância. A paridade do peso dos votos dos alunos, professores e funcionários, considerada medida democratizante à luz de qualquer teoria republicana, é outro argumento ideologicamente construído pela revista para desqualificar a eleição do reitor.
“Nenhuma universidade de ponta tem esse tipo de sistema eleitoral. Uma instituição controlada por alunos gravita em torno dos pontos mais mesquinhos da pequena política”, diz o historiador Marco Antonio Villa.
Na citação seguinte, a conexão com a permissividade em relação a drogas atribuída preconceituosamente ao PT e às esquerdas se opõe à austeridade e autoridade de uma docente que teve seu trabalho chancelado por um país da América Latina subordinado ideologica e politicamente aos EUA.
A professora Tânia Montoro, da Faculdade de Comunicação, conta que foi punida por ter criticado as extravagantes concessões que a atual reitoria faz aos alunos, como a permissão de festas nos prédios onde as aulas são ministradas – que transformaram as salas em território livre para consumo de drogas. No ano passado, a professora e duas de suas alunas foram escolhidas como palestrantes em um seminário realizado em Bogotá.
O intento de opor os conceitos de “técnica” e “política”, rebaixando assim o entendimento da política como prática apartada das relações humanas e intelectuais, também é uma marca presente no texto, conforme demonstra o trecho abaixo:
Mesmo em cursos considerados técnicos, como o de arquitetura, a política tem predominado. O urbanista Frederico Flósculo, há dezenove anos professor da UnB, acusa a atual direção de persegui-lo e agir para que seus projetos de pesquisa sejam sistematicamente rejeitados.
O sentido mais significativo constituído pela reportagem, porém – e que alinhava todos os retalhos de preconceitos e bravatas panfletárias da matéria, expondo seu objetivo central – é o produzido pelo uso da palavra “Madraçal” (nome utilizado para designar as escolas muçulmanas), que na matéria tem seu significado ocultado.
Em síntese, a imagem induzida ao longo do texto arbitrário e parcial propõe que, a exemplo das escolas supostamente doutrinárias dos terroristas árabes, a presença de petistas e militantes do movimento negro na UnB representa uma ameaça à sociedade e à democracia.
O recurso da manipulação de imagens também é usado para sustentar a tese defendida pela revista. A principal fotografia da reportagem refere-se a um protesto promovido por alunos para exigir o afastamento do reitor anterior, Timothy Muholand – mas a legenda propõe que se trata de uma manifestação realizada por docentes contra a atual gestão.
Na perspectiva da Análise do Discurso, é possível identificar, ainda, a falta de polifonia – ou a diversidade de enunciados produzidos pelas fontes ouvidas no texto analisado. O simples mapeamento de locutores e enunciados explicita que estes filiam-se aos mesmos interesses de enunciação. Das onze fontes utilizadas, dez são convergentes, enquanto apenas uma (a do próprio reitor José Geraldo) apresenta alteridade opinativa – em apenas uma frase e construída de maneira propositalmente jocosa.
O reitor da UnB nada vê de extraordinário. “Ninguém tem espaço sem esforço. É preciso analisar se não são os professores que, por falta de competência, perderam visibilidade. A Universidade de Brasília nunca foi tão aberta”, afirma José Geraldo.
Cabe destacar que nenhum aluno (notadamente o principal beneficiário da Universidade e de suas políticas) é entrevistado, nem é feita nenhuma referência à condução das aulas na UnB – anulando por completo qualquer possibilidade de reconhecimento do texto como peça jornalística.
Conclusão
Um modelo, acrescente-se, falido do ponto de vista histórico e equivocado do ponto de vista filosófico. Está-se falando, evidentemente, do marxismo. Falido porque levou à instauração de regimes totalitários que implodiram social, política e economicamente. Equivocado porque, embora se apresente como ciência e ponto final da filosofia, nada mais é do que messianismo. De fato, o marxismo não passa de uma religião que, como todas as outras, manipula os dados da realidade a partir de pressupostos não verificáveis empiricamente. E, assim também como as religiões, rejeita violentamente a diferença. (WEINBERG: 2004, p. 49).
Com graus diversos de gradação adjetiva, os meios de comunicação da grande imprensa televisiva, radiofônica e escrita há tempos associam os trabalhadores dos movimentos sociais à condição de baderneiros, vagabundos etc. Dada a rapidez com que a grande imprensa local teceu as arbitrárias associações entre ação do MST e terrorismo internacional, não seria, portanto, infundada a hipótese de que a imprensa tenha pautado o tema no parlamento em 2004 – inclusive porque, no Brasil, parte da elite está calcada na estrutura de poder que articula concentração da terra, monopólio dos meios de comunicação de massa, poder político nas diversas instâncias do parlamento brasileiro e capital transnacional.
Não seria, portanto, infundada também a hipótese de que a retroalimentação política e ideológica da referida estrutura de pode gera novas e difusas investidas contrárias aos avanços das lutas populares na esfera da educação, além das já existentes, como a contestação judicial contra a política de ação afirmativa de cotas para negros e afro-descendentes nas universidades públicas brasileiras, protagonizada pelo senador Demóstenes Torres, do ex-PFL, atual Partido Democrata.
Outra percepção proporcionada pela análise é a de que a mudança de foco da abordagem da revista, do MST para a UnB, mantendo o mesmo parâmetro de comparação, indica também uma provável opção tática pela invisibilização dos movimentos sociais do campo. De inimigos número 1, passaram a ser ignorados sistematicamente, ao mesmo tempo que a democratização das estruturas engessadas das universidades públicas passaram a ser vistas como ameaça pela direita brasileira, na medida em que não apenas os quadros da elite serão por elas formados, conforme a política de direito como privilégio de classe até então vigente.
É possível, finalmente, a partir da constatação de Costa, relacionar a derrota do projeto estadunidense com a degradação do jornalismo conservador brasileiro, que assumiu práticas golpistas – a exemplo do recente episódio envolvendo o político Zé Dirceu.
Às vésperas do décimo aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001, a cotação média das ações nas bolsas dos Estados Unidos, segundo o índice S & P 500, é 39% inferior à do seu pico em 2000, descontada a inflação. A taxa de desemprego aumentou de 3,9% para 9,1%  enquanto o preço do barril do petróleo triplicou. No mesmo período, a participação da economia estadunidense no produto mundial caiu de 30,8% para perto de 23,5%, seu endividamento bruto cresceu de 57,6% para 96, 8% e o líquido de 34,7% para 69%.
Pela primeira vez, os títulos de dívida de Tio Sam perderam sua classificação AAA. A Nasa, que por cinqüenta anos foi vitrine da liderança tecnológica dos EUA, encerrou seu programa de vôos tripulados e passou a depender da agência russa para enviar astronautas ao espaço. O serviço estadunidense de correios, outro tradicional símbolo de excelência, está a ponto de falir. (COSTA: 2011, P. 36).
É procedimento corrente da classe que detém o poder hegemônico lançar uso da força, ou de meios não democráticos, quando a disputa de ideias, o domínio pelo consentimento, já não empilha sucessivas vitórias e começa a lograr derrotas emblemáticas. Papel semelhante cumpriu a imprensa brasileira no desfecho do golpe militar-empresarial de 1964: colaborou para a instauração e difusão da opinião de que regia no país uma situação de desgoverno e instabilidade caótica, para depois, em nome da democracia, dar respaldo para a ação armada ditatorial de duas décadas, com a qual se beneficiou e se fortaleceu a tal ponto que ainda hoje consegue resistir à instauração de conselhos sociais da mídia, como existem na maioria dos países democráticos desenvolvidos.
Zizek (2011) aponta para a semelhança de linguagem entre os discursos do ex- presidente Bush para o povo estadunidense no pós-11 de setembro e os posteriores ao colapso financeiro – evocando a ameaça ao “American way of life”.
Doze anos antes do 11 de Setembro, em 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim caiu. Esse evento parecia anunciar o início dos “felizes anos 90”, a utopia do  “fim da história” de Fukuyama, a crença de que a democracia liberal estava logo ali na esquina e os obstáculos a esse final feliz hollywoodiano eram apenas empíricos e contingentes (bolsões localizados de resistência cujos líderes ainda não  haviam entendido que seu tempo acabara). Por sua vez, o 11 de Setembro simbolizou o fim do período clintonista e anunciou uma época em que vimos novos muros surgir por toda parte: entre Israel e Jordânia, em torno da União Europeia, na fronteira entre os Estados Unidos e México e até no interior de Estados-nações.
No Brasil, conforme apontamos, diante da falência da missão civilizatória do capital, cabe ao poder hegemônico atacar os flancos que ameaçam democratizar radicalmente a estrutura de poder do país. Por isso, qualquer medida com respaldo do Estado que ameace reparar o trauma da escravidão para a população negra, que reconheça o papel do Estado como protagonista da segregação racial, pode impactar diretamente a vida de metade da população brasileira (negra e ou afro-descendente), o que por óbvio teria ressonância sobre a outra metade. Daí parte da animosidade do ataque contra a UnB, que se soma também ao caráter progressista não apenas de seu reitor atual – chamado desrespeitosamente de “Zé do MST” em assembléias dos professores por um docente de ultra-direita, com anuência de parte dos presentes – mas de muitos departamentos, faculdades e institutos, como a Geografia, a Faculdade de Educação, a Antropologia, o curso de Serviços Sociais, a Faculdade de Saúde, a Faculdade UnB Planaltina, que desenvolvem projetos de pesquisa, programas de extensão, ou cursos permanentes voltados para questões de interesse das populações do campo, quilombolas, assentados da reforma agrária, ribeirinhos, e para diversas etnias da população indígena. Em síntese, na manobra arbitrária da revista Veja, o preconceito contra os mulçumanos e suas escolas se reverte contra os excluídos de sempre da democracia e do progresso brasileiro.
Referências bibliográficas:
COSTA, Antonio Luiz M. C. O erro do milênio. In revista Carta Capital: ano XVII, nº 663, 14 de setembro de 2011.
MELLO, Maria. O discurso que Vale: a cobertura hegemônica do jornal O Globo das ações do MST na Companhia Vale. Monografia de conclusão de curso de Jornalismo defendida no Centro Universitário de Brasília em junho de 2009.
RIBEIRO, Gustavo. Madraçal no Planalto. In Revista Veja, 6 julho de 2011, pgs. 111-116.
VILLAS BÔAS, Rafael Litvin. Terrorismo à brasileira: a retórica da vez da classe dominante contra o MST. In Revista Nera. Unesp, 2007.
WEINBERG, Mônica. Madraçais do MST. In Revista Veja, edição 1870, ano 37, nº 36, 08 de setembro de 2004, pgs. 46-49.
ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.
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[1] Jornalistas, pesquisadores do grupo de pesquisa Modos de produção e antagonismos sociais, sediado na Faculdade UnB Planaltina. Maria Mello é assessora de comunicação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), Rafael Villas Bôas é professor doutor do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília.

[2] Os meios de comunicação da grande imprensa têm como regra absoluta sempre substituir o termo “ocupação” por “invasão”, para transmitir a idéia de que se trata de uma ação de bandidos, que pode se estender para todo o país, para as propriedades da cidade, para as propriedades produtivas, etc. O objetivo é gerar cumplicidade com o ponto de vista conservador pelo apelo ao pânico generalizado. Cabe ressaltar que as ilegítimas invasões dos EUA em diversos países pobres do mundo, em geral acompanhadas de brutais massacres, são chamadas pelos mesmos meios de “ocupação”.
[3] PL 7485/06: Acrescenta parágrafo ao art. 20 da Lei n° 7.170, de 14 de dezembro de 1983, para prever o ato terrorista de quem invade propriedade alheia com o fim de pressionar o governo.