sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As escolhas do CPERS e seus riscos políticos



A assembleia geral do CPERS realizada na tarde desta sexta-feira (18), no Gigantinho, deliberou pela greve já por tempo indeterminado em defesa do pagamento imediato do piso nacional da categoria pelo governo Tarso Genro (PT). A decisão não foi unânime. Uma parte da categoria defendeu que a greve fosse deflagrada no início do próximo ano letivo (março de 2012), alegando que não há mobilização suficiente neste momento para garantir uma greve vitoriosa. Saiu vitoriosa, porém, a tese da direção, defendida na assembleia pela presidente do CPERS, Rejane de Oliveira. Filiada ao PT, a presidente do sindicato manifestou enfaticamente na assembleia sua autonomia em relação ao governo. De fato, essa autonomia acabou prevalecendo, coincidindo com posições de setores ligados ao PSOL e ao PSTU dentro do sindicato, que fazem oposição ao governo Tarso Genro.
O sucesso ou fracasso da greve dependerá, entre outras coisas, do grau de adesão que o movimento terá no início da próxima semana. O CPERS sabe que não há nenhuma possibilidade de o governo estadual pagar o piso este ano (não há sequer previsão orçamentária para tanto), o que foi reafirmado, aliás, logo após o final da assembleia, pelo Secretário Estadual da Educação, José Clóvis de Azevedo. A opção da greve é, portanto, uma opção pelo confronto, apostando no desgaste político do governo a 30 dias do encerramento do ano letivo. Mas esse desgaste pode respingar na própria direção do CPERS. Os professores que falaram em defesa do início da greve em março advertiram para o risco de uma greve fraca agora prejudicar toda a mobilização da categoria no próximo período.
Em entrevista à rádio Gaúcha, logo após a decisão da assembleia, o secretário José Clóvis de Azevedo disse que respeita a decisão da categoria, mas questionou a validade do movimento que, segundo ele, “trará grandes prejuízos para estudantes, pais e os próprios professores”, na medida em que “o CPERS rompeu unilateralmente o diálogo com o governo”.

Opinião do blog: A mobilização do CPERS é legítima e deve ser respeitada. No entanto, a atual direção do sindicato corre o risco de sofrer uma pesada derrota política. A falta de consenso na assembleia desta sexta já é um indicador desse risco. O CPERS apoiou Tarso Genro na campanha eleitoral e parte para o confronto agora, após apenas 11 meses de governo, baseado na cobrança da temporalidade de uma promessa. Tarso diz que prometeu pagar o piso até o final de seu governo e reafirmou esse compromisso. O CPERS, por sua vez, cobra o cumprimento imediato da promessa e espalhou cartazes pelo Estado chamando o governador de mentiroso. Repete, assim, movimento realizado no governo Olívio Dutra, que também recebeu as acusações de “traidor” e “mentiroso”. Os discursos contra Olívio foram tão enfáticos quanto os usados agora contra Tarso. E o que é mesmo que foi conquistado? Quatro anos de governo Rigotto e quatro de Yeda, com os resultados bem conhecidos.
O CPERS apoiou a candidatura Tarso sabendo que os problemas salariais da categoria não seriam resolvidos em onze meses. Mente quem diz que o governo Tarso é igual ao governo Yeda. Quem quiser tirar a dúvida, converse, por exemplo, com o reitor da UERGS ou com a direção da FAPERGS. O governo Tarso não é um governo revolucionário de esquerda que vai romper com o capitalismo (afirmação um pouco surreal de ser feita a essa altura do campeonato, mas necessária, diante da reincidência de certos discursos e cobranças). Disso se segue, entre outras coisas, que os problemas salariais dos servidores não serão resolvidos no curto prazo. Mas, até aqui, as negociações com os servidores não vem sendo conduzidas pelo coronel Mendes. E, ao contrário do que ocorreu no governo Yeda, várias categorias de servidores começaram a ter alguma recuperação salarial.
Diante do que aconteceu no Rio Grande do Sul nos últimos quatro anos, um sindicato importante como o CPERS tem o dever de olhar um pouco além de sua pauta corporativa, pois mais legítima e justa que ela seja. Desconsiderar isso não é exercer autonomia sindical, mas sim optar pela aventura política. Na política como na vida, nem sempre a opção mais radical é a correta.
Mas a greve é do jogo e não adianta chorar. Na oposição, o PT apoiou movimentos similares. Agora, cada um com as suas tarefas: cabe ao governo manter a tranquilidade, tentar manter as escolas funcionando e buscar o diálogo com os setores que estiverem dispostos a fazê-los; cabe ao CPERS mostrar que tem a adesão que diz ter para a greve; e cabe aos dirigentes do sindicato assumir por inteiro suas responsabilidades políticas e suas respectivas consequências.

Perfil do corrupto

Frei Betto, no SUL21

Manifestações públicas em várias cidades exigem o fim do voto secreto no Congresso; o direito de o CNJ investigar e punir juízes; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012; e o combate à corrupção na política.
Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade – a mãe dos corruptos. Você conhece um notório corrupto brasileiro? Foi processado e está na cadeia?
O corrupto não se admite como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca peixe não belisca.
O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito.
Há vários tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para extrair vantagens a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.
Sua lógica é corrupta: “Se não aproveito, outro sai no lucro em meu lugar”. Seu único temor é ser apanhado em flagrante. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais e a cara na TV.
O corrupto não tem escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-no com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas.
Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua. É o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor sabe ler nas entrelinhas.
O corrupto “franciscano” pratica o toma lá, dá cá. Seu lema: “quem não chora, não mama”. Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção.
O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o pasto de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira.
O corrupto cúmplice assiste ao vídeo da deputada embolsando propina escusa e ainda finge não acreditar no que vê. E a absolve para, mais tarde, ser também absolvido.
O corrupto previdente fica de olho na Copa do Mundo, em 2014, e nas Olimpíadas do Rio, em 2016. Sabe que os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, orçados em R$ 800 milhões, consumiram R$ 4 bilhões.
O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido.
Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos.
Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. twitter: @freibetto.

A IDENTIDADE DOS QUADRINHOS NACIONAIS

Por Tiago Bacelar - ZINE BRASIL

Apesar de a produção nacional de quadrinhos ter tido início no século XIX, os gibis brasileiros sempre lutaram para ter uma identidade nacional, quando ao mesmo tempo lutavam para enfrentar os comics americanos e os mangás japoneses e as várias mudanças políticas da nossa história. Poderia se afirmar com isso, que nessa vertente, foi à tira, a única a desenvolver características profundamente nacionais. Apesar de não ter nascido por aqui, a tira ganhou um formato de abordagem bem diferenciado de outros países ocidentais. Somada a rebeldia durante a Ditadura Militar e o underground dos anos 80, a tira ganhou uma roupagem ácida e nada comportada.
Os primeiros vestígios do quadrinho nacional surgem pelas mãos do italiano Angelo Agostini, que firmou carreira no Brasil. Em 1859, veio para São Paulo com sua mãe, a cantora lírica Raquel Agostini. Cinco anos mais tarde, dá inicio à sua carreira de cartunista, com a revista "Diabo Coxo", que contava com textos do poeta Luiz Gama e foi o primeiro jornal ilustrado publicado em São Paulo.
Com o fechamento do Diabo Coxo, Agostini lançou o Cabrião, que circulou até 1867. No mesmo ano, o desenhista parte para a luta abolicionista no Rio de Janeiro, onde inicia a sua fase satírica, principalmente em tudo no que dizia respeito ao governo do Imperador Dom Pedro II. Foi nesse período que colaborou com as publicações "O Mosquito", "Revista Ilustrada" e "Vida Fluminense”.
Em 30 de janeiro de 1869, Agostini publica na revista "Vida Fluminense", Nhô-Quim, considerado o primeiro gibi brasileiro e um dos mais antigos do mundo. Sete anos mais tarde, lança As Aventuras de Zé Caipora, na Revista Ilustrada, sendo o primeiro quadrinho lançado por aqui a ter um personagem fixo. Por desentendimentos com a elite local, Agostini volta a Paris, onde vive por vários anos. Na sua volta ao Brasil, entra para a revista "Dom Quixote" e "Tico-Tico", com a publicação de novas histórias do Zé Caipora, o qual foi publicado até dezembro de 1906. Quatro anos, Angelo Agostini morre e deixa aberto um longo caminho de lutas para o gibi nacional.
A revista Tico-Tico, primeira revista em quadrinhos publicada no Brasil com histórias fechadas e completas, foi lançada, em 1905, pelo jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva. Em seus primeiros anos, limitou-se a reproduzir os comics americanos de Richard Outcault, “Buster Brown e Tige”, que foram chamados por aqui de Chiquinho e Jagunço. Com o sucesso da publicação, a Tico-Tico decide abrir espaço para desenhistas brasileiros como J. Carlos, autor dos personagens Melindrosa e Lamparina, Max Yantok, criador das histórias de Joca Bemol, Barão de Rapapé e Chico Muque, e Alfredo Storni com as Aventuras de Zé Macaco e Faustina.
Mais tarde se juntariam a estes artistas, o desenhista Luiz Sá com as populares histórias de Reco-Reco, Bolão e Azeitona. A grande maioria dos quadrinhos listados acima eram cópias de obras estrangeiras. A revista Tico-Tico foi publicada até 1956 e ganhou em sua existência leitores como o político Rui Barbosa e o poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1929 foi lançada a Gazeta Infantil, como encarte do jornal A Gazeta, onde foi publicado o nacional Juca Pato. Em 1950 a revista foi extinta.
Conhecido ainda como histórias em quadrinhos, o termo só viria a mudar para Gibi em 1939 com o lançamento de uma revista de mesmo nome, pela Editora Globo. Inicialmente, ela foi lançada como suplemento do jornal O Globo, e foi chamada originalmente de O Globo Juvenil, como uma reação de Roberto Marinho ao sucesso do Suplemento Juvenil do jornal A Nação, que mais tarde viraria a Editora Ebal. Na época, Gibi era uma gíria carioca para menino negro. Por isso que, quando foi lançada pela Editora Globo, a logomarca da revista era a cabeça de uma criança negra.
A revista O Guri, de propriedade de Assis Chateaubriand, surgiu na mesma época, e publicava a charge mais madura do Amigo da Onça, desenhada pelo cartunista Péricles de Andrade Maranhão. O Amigo da Onça foi publicado pela primeira vez na revista O Cruzeiro em 23 de outubro de 1943. Recheado de ironias e críticas, a história do Amigo da Onça mostra um personagem que gosta de quebrar as máscaras e falsidades dos outros, colocando-os em situação para lá de embaraçosas. Foi dessa criação de Péricles que nasceu o jargão popular Amigo da Onça.
A Editora Ebal foi fundada em 1945 por Adolfo Aizen, considerado o Pai dos Gibis no Brasil por sua ousadia em querer difundi-lo no país. O primeiro título lançado pela Ebal foi a Seleções Coloridas, que traziam histórias da Disney e de Carl Barks. Já firmada como a principal editora do gênero no Brasil nos anos 50 e 60, a Ebal era líder nas bancas, chegando a ter mais de 30 títulos mensais com tiragens acima de 150 mil exemplares. Além de comics americanos, a Ebal publicou vários gibis feitos por brasileiros, como Álbum Gigante, Edição Maravilhosa, com adaptações de obras de Euclides da Cunha e José de Alencar, Série Sagrada, com biografias de santos católicos e Episódios e História do Brasil e Figuras do Brasil, com adaptações de fatos históricos.
Durante a década de 50 com a popularização das rádios novelas, seus personagens mais heróicos ganharam versões em quadrinhos. Foi o caso de Jerônimo e O Vingador. Os anos 50 também marcam a ascensão do gênero Terror. Muitos autores brasileiros aproveitaram para preencher o vazio deixado pelos quadrinistas americanos como Eugênio Colonnese, Jayme Cortez, Nico Rosso e Helena Fonseca. Em 1960 começou a ser publicada a revista A Turma do Pererê de Ziraldo, que contava as aventuras do saci pererê, uma das muitas lendas do folclore brasileiro.
Também na década de 60 o cartunista Henfil deu início à tradição do formato "tira" com seus personagens Graúna e Os Fradinhos. Foi nesse formato de tira que surgiu Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica. De 1970 a 1986, as revistas de Mauricio foram publicadas na editora Abril, e a partir de 1987 começaram a ser lançadas pela editora Globo, em conjunto com os estúdios Mauricio de Sousa. Suas tiras são publicadas em diversos jornais desde 1959.
Nascido em 27 de Outubro de 1935, Mauricio de Sousa acabou se tornando e se consolidando como o desenhista brasileiro de maior prestígio mundial da atualidade, sendo um dos poucos no Brasil a viverem só de quadrinhos e produtos relacionados a seus personagens. Filho de Antônio Maurício de Sousa, poeta e barbeiro, e de Petronilha Araújo de Sousa, poetisa, Mauricio de Sousa começou sua carreira, desenhando cartazes e ilustrações para rádios e jornais de Mogi das Cruzes, onde viveu. Começou a desenhar histórias em quadrinhos em 1959, com as aventuras do cachorrinho Bidu, que mais tarde viraria a logomarca da Maurício de Sousa Produções.
Mauricio montou uma grande equipe de desenhistas e roteiristas e depois de algum tempo passou a desenhar somente as histórias de Horácio, o dinossauro. Pai de dez filhos, além de criar personagens baseados em seus amigos de infância, Mauricio sempre criou personagens baseados em seus filhos, tais como: Mônica, Magali, Marina, Maria Cebolinha, Nimbus e Do Contra.
Certo dia, o desenhista das histórias da Turma da Mônica, Maurício de Sousa, foi a Tóquio, objetivando estudar a realidade das crianças japonesas. Ele pretendia averiguar quais eram os seus hábitos, desejos, como eram tratados e o que o governo fazia por elas. A viagem foi patrocinada pela Fundação Japão. “Eu queria de todas formas conhecer quem era Osamu Tezuka, um ídolo de mais de três gerações de japoneses”, revelou Maurício. Na chegada ao Japão, o desenhista brasileiro foi surpreendido pela recepção inesperada de Tezuka.

O resultado desse primeiro encontro foi o surgimento de um elo de amizade entre Maurício e o criador do mangá moderno, fortificada com a vinda dele ao Brasil. “Tezuka foi um amigo de fato, confidente e aberto para confidências. Discutíamos em profundidade os caminhos passados e eventualmente os futuros dos quadrinhos e da animação. E foi dele a sugestão de que, mesmo que a Turma da Mônica se espalhe por todo o mundo, ela deve continuar com a poesia, carinho e cuidados na sua produção como até hoje tivemos”, explicou. A amizade do desenhista brasileiro com Tezuka acabou influenciando os seus próprios desenhos.
“Tanto eu, quanto muitos dos artistas da nossa equipe se motivaram a desenhar após conhecerem a obra de Tezuka. A maioria, niseis. E isso quando ainda não havia a febre dos mangás, que hoje influenciam orientais e ocidentais. Tezuka iniciou o processo que, sem dúvida, também ajudou a influenciar nossos traços limpos e firmes”, ressaltou. No início de 1989, Maurício tentou entrar em contato com Tezuka, mas não conseguia. “Recebi várias desculpas pelo telefone, e, nada. Logo em seguida, viajei para Tóquio para realizar algumas transações comerciais. Já tinha desistido de encontrá-lo”, relembrou. Na chegada ao Japão, Maurício recebeu uma ligação de um assistente de Osamu Tezuka. Ele queria que Maurício fosse imediatamente para o Hotel New-Otani, pois Tezuka o estaria esperando para uma conversa.
“Fiquei feliz de rever um amigo, e, fui para lá com uma intérprete. Ao entrar no local marcado, entendi o porquê das desculpas dos seus assessores. Fiquei chocado ao vê-lo abatido e magro, em virtude do estágio avançado do câncer. Mas, no decorrer da conversa, esqueci da sua aparência ao verificar que sua energia e lucidez estavam todas ali, intocadas pela doença”, recordou. Tezuka falou com Maurício sobre muitos assuntos como: a crise da Mushi Produções, as suas últimas produções e uma co-produção, onde os seus personagens se misturariam com os da Turma da Mônica.
Terminado o encontro, um diretor da Tezuka Productions o levou de volta para o hospital. Tezuka tinha fugido para ver o desenhista brasileiro. Maurício recebeu a notícia de sua morte, assim que chegou ao Brasil. Finalizando a nossa entrevista, Maurício explicou o quanto Tezuka foi importante para os quadrinhos e desenhos animados de modo geral, não somente os japoneses. “Um mega criativo como foi o mestre Tezuka deixa círculos que se expandem, na sua forma de influenciar. É como se fossem os círculos que se abrem na água tranqüila após receber uma pedra. Com Tezuka, a água recebeu um pedaço de diamante. Até hoje quando me lembro dele, agradeço por ter tido o privilégio de conhecê-lo e aprendido muitas coisas que me ajudaram na minha carreira”, finalizou.
A década de 60 foi à era de ouro para os gibis de super-heróis no Brasil. Influenciados pelas histórias da Marvel, que chegaram ao País em 1967, tais histórias sustentaram as pequenas editoras paulistas durante um bom tempo. Os super-heróis brasileiros só atuavam quando a editora andava bem das pernas. O primeiro super-herói brasileiro surgiu em 1959, quando a editora Outubro lançou um gibi, inspirado no seriado de televisão, o Capitão Sete, uma cópia do Super-Homem.
O gibi narrava às aventuras de Carlinhos, um garoto levado ao Sétimo Planeta onde desenvolve super-poderes iguais aos do herói da DC. O personagem foi adaptado para o gibi por Jaime Cortez, diretor de arte da Outubro. O gibi do Capitão Sete foi publicado até 1965, passando por vários desenhistas, como Juarez Odilon, Shimamato, Sérgio Lima e encerrando-se nas mãos do argentino Osvaldo Talo. Esta atitude de plagiar descaradamente, comum para a época, só viria a mudar nos anos 70, quando foi criada uma nova lei de direito autoral.
Em 1965 surgiu o Raio Negro de Gedeone Malagola, que acabou agradando os leitores brasileiros, que tinha até então certo nojo das produções brasileiras. Raio Negro abusou do uso em seu formato da concepção de Andy Warhol sobre a cultura de massa, contando as bravuras dos super-heróis Homem-Lua e Hydroman. No mesmo ano, Minami Keizi funda a editora Edrel, em meio ao Golpe Militar de 64.
Sua primeira ação foi contratar os niseis Cláudio Seto, Fernando Ikoma e Paulo Fukue, no intuito de trazer novidades para os leitores brasileiros. No ano seguinte, a Edrel lançou a revista Humor Negro, desenhada por Seto. Entretanto, a baixa qualidade do material não agradou o público-leitor, resultando no seu cancelamento após três edições publicadas. Mesmo com esse fracasso inicial, Minami Keizi não se abateu.
Era uma questão de tempo para os “mangás” nacionais se tornarem o símbolo desse curto período de vida da Edrel. A editora lançou várias revistas com histórias de samurais e outras com personagens inspirados em várias obras de Osamu Tezuka, como Astro Boy, a Princesa e o Cavaleiro e Kimba. Em 1967, a Edrel publica o especial Álbum Encantado, inspirado no estilo shonen, um gênero japonês voltados para adolescentes do sexo masculino. No mesmo ano, Minami Keizi lança Tupãzinho, uma revista de ação e aventura. Na época, a editora Abril chegou a propor para Keizi uma publicação especial para Tupãzinho. Por não querer prejudicar sua empresa, ele não aceitou a oferta da Abril e contra-atacou com uma nova publicação.
No início de 1968, a Edrel publicou Flavo, de Cláudio Seto, na recém lançada, revista Ídolo Juvenil. Flavo era um misto de ficção e contos de fadas. Como forma de enfrentar a Disney e os super-heróis da DC e da Marvel, a Edrel decidiu explorar a questão do erotismo, das doenças sexualmente transmissíveis e dos assassinatos complexos. Na prática, esse projeto acabou sendo voltado para o público adulto, com destaque para os desenhos de Fernando Ikoma e Paulo Fukue.
Numa linha inspirada no shoujo, voltado para meninas, Cláudio Seto, lançou, em março do mesmo ano, a revista Lágrimas do Céu. Suas tramas eram apimentadas de seqüências melodramáticas, cheias de romance. Em agosto, a Edrel publicou o gibi Ninja, desenhado pelo irmão de Seto. Seu público, que era formado só por niseis, não se agradou com as histórias. Essa revista foi cancelada depois de duas edições.
No final de 1968, os censores do Governo Militar se instauraram na sede da Edrel, assim como foi feito nos jornais, nas emissoras de televisão, enfim, em qualquer lugar que fosse conveniente para a ditadura controlar. Dessa forma, todas as publicações passaram a ter o seu conteúdo fiscalizado. Em 1969, Seto emplacou o grande sucesso O Samurai, em clássicos épicos com muito erotismo e violência. Até então, nunca, no Brasil, havia se visto tanto sangue, fúria e paixão numa publicação de quadrinhos.
O governo do general Emílio Garrastazu Médici foi marcado pela violência e repressão a qualquer tipo de manifestação contrária ao regime. O presidente estabeleceu o aumento da censura prévia em todos os meios de comunicação, no intuito de controlar o fluxo de informações, vendendo a todos a idéia do país em grande desenvolvimento econômico, buscando legitimar o golpe através deste crescimento. Em 1973, Médici, irritado com as publicações ousadas da Edrel, ordena o seu fechamento imediato. Com isso, Keizi, Fukue, Seto, Ikoma e a própria Edrel acabaram caindo no esquecimento perante o público. Nesse período, muitas editoras tiveram o mesmo destino da Edrel. O Judoka, da editora Ebal, foi criado às pressas para substituir o personagem Judô-Master, de Charlton Comics, que deixara de ser produzido nos EUA. Sobreviveu até 1973.
Nos anos 90, os artistas brasileiros começam a apelar para o gênero “mangá” brasileiro. Muitas revistas lançadas na época delas eram inspiradas nos animes, desenhos animados japoneses que estavam passando na televisão como a Hyper Comics, de João Vicente. Lançada pela editora Magnum, ela fazia sátiras de séries como Sailor Moon e Cavaleiros do Zodíaco.
“O seu cancelamento reflete o mau sistema de distribuição das publicações, que torna as vendagens quase como uma loteria, onde o editor conta infelizmente com poucos pontos de venda. Na maioria das vezes, isso prejudica publicações de grande tiragem. As de baixa tiragem acabam ficando com um preço elevado por exemplar”, justificou o desenhista Daniel HDR. Por sua vez, em 1999, surge o fenômeno do mangá nacional, Holy Avenger, de Marcelo Cassaro e Érika Awano. A série foi encerrada com 40 edições. Atualmente, um desenho animado estaria sendo produzido pelo cineasta Sérgio Martinelli, diretor de animação e professor de cinema na Universidade Mackenzie, de São Paulo. Holy Avenger foi inspirado nas histórias medievais dos RPGs e no estilo presente nos mangás desse gênero no Japão.
“O fenômeno Holy Avenger pode ser explicado pela forte ligação das histórias com as publicações de RPG que a sua editora já publicava. Por ser uma atividade sociabilizante, o RPG tem a capacidade de manter vínculos por muito tempo com seu publico, podendo com o tempo ganhar novos adeptos. Isso se repetiu com Holy Avenger. Muitos quadrinhos, por não acompanharem seu público, acabam não conseguindo essa proeza. No aspecto de distribuição, Holy Avenger teve os mesmos problemas que a maioria das revistas no país. Mas, a editora soube lidar com os exemplares a mais, relançando-os, mantendo, assim, uma constância no material”, analisou o desenhista Daniel HDR, que nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Eu já gostava de quadrinhos desde pequeno. Meu pai colecionava quadrinhos, mas tinha como profissão o trabalho de desenhista técnico e projetista. Inicialmente, tive o ímpeto do fã que gosta de se dedicar exclusivamente com isso, mas com as dificuldades do mercado brasileiro, levo essa atividade prazerosa, em paralelo com a de publicitário e professor universitário”, revelou.
Em seguida, Daniel HDR foi trabalhar nas editoras norte-americanas Dark Horse e Marvel Comics, onde passou a desenhar quadrinhos de super-heróis. “Atuar nesse mercado, para mim, tem a mesma importância de publicar em editoras daqui. O essencial, para um desenhista, é está lançando suas produções, o que é algo muito difícil hoje em dia, em meios convencionais. A internet tem se mostrado como uma boa alternativa para os autores iniciantes e experientes”, explicou.
Nesse período que esteve nos Estados Unidos, o artista fez a adaptação americana oficial do mangá de Digimon, que acabou sendo publicada no Japão. “Esse trabalho foi gratificante, pois me aproximou do traço oriental. Ele abriu para mim portas no mercado asiático, onde não havia atuado ainda”, relembrou.
Juntamente com Daniel HDR veio mais um representante do “mangá” nacional, Combo Rangers, criado pelo desenhista Fábio Yabu, nascido em 1979 na cidade de Santos, estado de São Paulo. Suas principais influências foram Osamu Tezuka, Jack Kirby, Walt Disney, Mauricio de Sousa e Stan Lee. Yabu não se considera um desenhista. “Eu sou um contador de histórias, um produtor de conteúdo. Não desenho todas as minhas obras, mas escrevo todas elas com muito prazer”, revelou Fábio Yabu.
Durante a entrevista, o artista contou como surgiu à idéia de criar um quadrinho on-line, os Combo Rangers. “Eles surgiram da minha vontade de trabalhar com meus próprios personagens, o meio on-line foi à forma que encontrei de distribuir meu conteúdo a um baixo custo. Minha inspiração para fazê-los partiu das histórias de seriados japoneses, animes e desenhos antigos como Superamigos”. Para transportar os Combo Rangers da Internet para a publicação pela JBC, Fábio Yabu teve que adaptá-la.
“Nesse projeto, eu tive que fazer uma criação totalmente nova, pois as histórias seguiam rumos diferentes. Então não houve muito problema, além de ter que recomeçar tudo do zero”. Em 2003, Combo Rangers passou a ser publicado pela Panini, onde foi encerrado no ano seguinte. Encerrando o nosso papo, Fábio Yabu fez uma análise do período em que sua obra foi lançada por aqui no Brasil.
“Foi um processo de evolução, como tudo na vida. Foram períodos distintos, dos quais me orgulho muito”. Recentemente, Fábio Yabu lançou o seu primeiro livro, Princesas do Mar - O Mundo de Salácia. Hoje em dia, o gibi nacional ainda tenta sobreviver às duras penas num mercado, que antes era dominado pelos quadrinhos americanos e hoje vive uma enxurrada de mangás nas bancas. Artistas como Mauricio de Sousa e Ziraldo, que vivem unicamente de quadrinhos, infelizmente, ainda é uma exceção. Se isso vai mudar, só vai depender do incentivo das editoras brasileiras a publicação de histórias em quadrinhos feitas por artistas nacionais.

Magistério do RS pode encerrar de braços cruzados o primeiro ano de governo Tarso


Greve do magistério seria primeira no governo Tarso Genro, no apagar das luzes do primeiro ano de mandato | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

O governador Tarso Genro está às vésperas de enfrentar a primeira greve geral do magistério durante seu mandato. O Cpers reúne os professores da rede pública estadual na tarde desta sexta-feira (18) para deliberar sobre a possibilidade de paralisação por tempo indeterminado.
Leia Mais:
A presidente do sindicato, Rejane de Oliveira, informa que dos 42 núcleos regionais do Cpers, 29 definiram por realizar uma greve. Seis optaram por não realizar o movimento, cinco querem uma greve somente em março e dois acatarão a decisão que for tomada pela maioria.
O magistério gaúcho, assim como em outros estados, reivindica o pagamento imediato do piso nacional de R$ 1.187,00 para uma jornada de 40 horas semanais – considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com Rosane de Oliveira, 29 dos 42 núcleos regionais do Cpers já optaram pela greve: "as reformas que o governo quer fazer são uma afronta aos professores" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rejane alega também que as propostas de reforma educacional defendidas pelo Palácio Piratini acirraram o descontentamento da categoria. “Até estávamos pacientes esperando o pagamento do piso. Mas as reformas que o governo quer fazer são uma afronta aos professores e jogam sob os nossos ombros as responsabilidades pelas mazelas da escola pública”, critica a presidente do Cpers, em referência a um sistema de promoções e avaliações que o governo pretende implantar.

“Que o Cpers não se lance na aventura de romper o diálogo”, pede o governador

O Palácio Piratini já se mobiliza diante da possibilidade de ter que enfrentar uma greve dos professores da rede pública estadual. Nesta quinta-feira (17), o governador Tarso Genro fez um apelo ao sindicato da categoria: “Estamos pedindo ao Cpers que não se lance na aventura de romper o diálogo conosco. Se quiserem virar as costas para nós, saibam que quando olharem para trás ainda estaremos de frente para conversar”, disse o petista durante cerimônia em que anunciou a liberação de R$ 44 milhões para a reforma de escolas.
Tarso Genro pede manutenção do diálogo: "Se quiserem virar as costas para nós, saibam que quando olharem para trás ainda estaremos de frente para conversar” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O governador lamentou que estejam divulgando a informação de que ele teria dito que pagaria o piso nacional do magistério já no primeiro ano de governo – quando, na verdade, sempre sustentou que quitaria o compromisso ao longo dos quatro anos de mandato. “Isso é uma inverdade vergonhosa. Lastimo profundamente que essa informação esteja sendo divulgada, porque isso desautoriza a credibilidade de uma instituição que tem uma história respeitável de lutas como o Cpers”, criticou.
Tarso ressaltou, ainda, que se houver greve, ela será respeitada. Mas alertou que os professores não devem aderir à paralisação baseados em falsas informações. “Os trabalhadores têm o direito de entrar em greve, mas não entrem por informações falsas, entrem em greve conscientemente, se isso for um desejo da categoria”, defendeu.
“Essa ato nos surpreende, porque várias pautas foram atendidas. Lamentamos essa atitude do Cpers, que rompe com as negociações", diz Miriam Marroni | Foto: Marcos Eifler/ALRS

“Greve é injusta, inoportuna e prejudica a sociedade”, dizem deputados petistas

A base aliada do governo estadual resolveu engrossar o coro em defesa do Palácio Piratini, diante da ameaça de uma greve no magistério gaúcho. Os líderes do PT, PSB, PCdoB, PDT, PTB e PRB convocaram uma coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (17) para reafirmarem o apoio às medidas adotadas pelo governador Tarso Genro na área educacional.
O deputado estadual Raul Pont disse que uma greve às vésperas do final do ano letivo é “inoportuna e irá atrapalhar a sociedade, as famílias e os alunos”. O petista lembrou que o orçamento de 2012 traz um aumento de R$ 1,1 bilhão para a educação, dos quais R$ 400 mil serão destinados à recomposição salarial dos professores – e outros R$ 100 mil podem ser incorporados ao montante.
A líder do governo na Assembleia Legislativa, deputada Miriam Marroni, disse que os parlamentares estão surpresos com a possibilidade de uma greve. “Essa ato nos surpreende, porque várias pautas foram atendidas. Lamentamos essa atitude do Cpers, que rompe com as negociações. Uma greve no final do ano letivo não é justa”, condenou a deputada.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

John Pilger: O filho da África reclama as joias da coroa



Barack Obama conduz os EUA à cabeça de um grupo de países ocidentais que disputam a primazia no saque dos recursos de África. E qual é o seu objetivo principal? Cercar a China, que está sedenta de matérias-primas.

Por John Pilger, em ODiário.info


Em 14 de outubro, o presidente Barack Obama anunciou o envio de forças especiais dos EUA para Uganda a fim de tomar parte na guerra civil nesse país. Nos próximos meses, tropas de combate norte-americanas serão enviadas para o Sudão do Sul, o Congo e a República Centro-Africana. Vão “envolver-se” apenas “para se defenderem”, refere Obama em tom satírico. Com a Líbia segura, uma invasão norte-americana do continente africano está a ser preparada.

A imprensa refere-se à decisão de Obama como “muito invulgar”, “surpreendente”, até mesmo “bizarra”. Não é nada disto. É a lógica da política externa dos EUA desde 1945. Por exemplo, o Vietnã. A prioridade era impedir a alegada influência da China, um rival imperialista, e “proteger” a Indonésia, a que o presidente Richard Nixon chamou “o mais rico tesouro de recursos naturais da região … o maior prêmio”. O Vietnã meteu-se no caminho; o massacre de mais de três milhões de vietnamitas e a devastação e o envenenamento da sua terra foram o preço a pagar para os EUA atingirem o seu objetivo.

Em todas as subsequentes invasões norte-americanas, num rastro de sangue que se estende desde a América Latina até o Iraque e o Afeganistão, a justificação foi a de que estavam a “defender-se”, ou por razões “humanitárias”, palavras que logo perderam o significado que lhes dá o dicionário.

Guerra por procuração

Na África, afirma Obama, a “missão humanitária” consiste em ajudar o governo de Uganda a derrotar o Exército de Resistência do Senhor (ERS), que “assassinou, violou e raptou dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças na África Central”. Esta é uma descrição exata do ERS, que evoca múltiplas atrocidades administradas pelos EUA, tais como o banho de sangue que se seguiu, nos anos 1960, ao assassinato, orquestrado pela CIA, de Patrice Lumumba, líder independentista e o primeiro a ser legalmente eleito primeiro-ministro do Congo, e ao golpe da CIA que instalou no poder Mobutu Sese Seko, considerado o mais corrupto tirano de África.

A outra justificação de Obama é também risível. Trata-se, segundo ele, da “segurança nacional dos EUA”. O ERS vem praticando desde há 24 anos os seus atos deploráveis. Hoje, tem menos de 400 guerrilheiros e nunca esteve tão enfraquecido. Contudo, a expressão “segurança nacional dos EUA” normalmente significa comprar um regime corrupto e canalha que possui qualquer coisa que Washington pretende. O “presidente vitalício” de Uganda, Yoweri Museveni, está já a receber a maior parte dos US$ 45 milhões em “ajuda” militar dos EUA, incluindo os drones de que Obama tanto gosta. Este foi o preço que ele pagou para combater uma guerra por procuração contra o último inimigo-fantasma islâmico dos EUA, o bando al-Shabaab, sediado na Somália. O ERS irá desempenhar um papel de relações públicas, distraindo os jornalistas ocidentais com as suas constantes histórias de terror.

Contudo, a razão principal para os EUA invadirem a África não é diferente da que deu origem à guerra do Vietnã. Trata-se da China. No mundo da paranoia autoinfligida e institucionalizada, que justifica o que o general David Petraeus, antigo comandante do Exército dos EUA e atual diretor da CIA, chama de estado de guerra perpétuo, a China substitui a al-Qaeda como “ameaça” oficial.

Quando entrevistei Bryan Whitman, secretário de Estado adjunto da Defesa, no Pentágono no ano passado, perguntei-lhe quais eram os perigos atuais para os EUA. Visivelmente incomodado, repetia: “são ameaças assimétricas … ameaças assimétricas”. Estas justificam os conglomerados de armas patrocinados pelo Estado e a lavagem de dinheiro, e o mais elevado orçamento militar e de guerra na história. Com Osama Bin Laden eliminado, chegou a vez da China.

A África é a história do sucesso chinês. Os norte-americanos levam drones e a desestabilização onde os chineses constroem estradas, pontes e barragens. O que estes pretendem são recursos naturais, em especial combustíveis fósseis. Com as maiores reservas de petróleo da África, a Líbia de Kadafi era um dos maiores fornecedores de petróleo à China. Quando rebentou a guerra civil e a Otan apoiou os “rebeldes” com recurso a uma história inventada sobre um “genocídio” que estaria a ser planejado por Kadafi em Bengazi, a China retirou os seus 30 mil trabalhadores da Líbia. A subsequente resolução do Conselho de Segurança da ONU que permitiu a “intervenção humanitária” das potências ocidentais foi sucintamente explicada numa proposta apresentada ao governo francês pelo Conselho Nacional de Transição “rebelde”, revelado no mês passado no jornal Libération, em que se ofereceu à França 35% da produção bruta de petróleo da Líbia “em troca” (foi o termo utilizado) do apoio “total e permanente” dos franceses ao Conselho Nacional de Transição. À frente dos interesses norte-americanos na “libertada” Trípoli, o embaixador dos EUA Gene Cretz reconheceu: “sabemos que o petróleo é a joia da coroa dos recursos naturais da Líbia”.

O domínio mundial

A real conquista da Líbia pelos EUA e seus parceiros imperialistas anuncia uma versão contemporânea da “Partilha da África” dos finais do século 19. Tal como na “vitória” a que chegaram no Iraque, também aqui os jornalistas desempenharam um papel fundamental na distinção entre vítimas válidas e não válidas. Uma primeira página recente do Guardian trazia uma fotografia de um aterrado combatente “pró-Kadafi” e dos seus captores de olhar selvagem que, de acordo com a legenda, “festejam”. De acordo com o general Petraeus, temos agora guerras “de percepção … levadas a cabo continuamente através da mídia”.

Durante mais de uma década, os EUA tentaram estabelecer um comando no continente africano, o Africom, mas este foi recusado pelos governos receosos das tensões regionais que iria causar. A Líbia, e agora Uganda, o Sudão do Sul e o Congo representam a grande oportunidade. Como demonstram o Wikileaks e a Estratégia Nacional Contra o Terrorismo, os planos dos EUA para a África são parte de um plano global de acordo com o qual 60 mil soldados de forças especiais, incluindo esquadrões da morte, operam em 75 países. Como disse o então secretário da Defesa Dick Cheney, nos anos 1990, os EUA querem simplesmente mandar no mundo.

Que este seja agora o dom de Barack Obama, o “filho da África”, é de uma ironia suprema. Mas será mesmo? Como explicou Frantz Franon em Pele Negra, Máscaras Brancas, o que conta não é tanto a cor da pele mas o poder que se serve e os milhões de pessoas traídas.

Do capital ao social

Por Frei Betto no GRABOIS.ORG
 
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, calcula que, em 2010, através de programas sociais, o governo federal repassou a 31,8 milhões de brasileiros - a maioria, pobres - R$ 114 bilhões. Ao incluir programas de transferência de renda de menor escala, o montante chega a R$ 116 bilhões.
Este valor é mais que o dobro de todo o investimento feito pelo governo no mesmo ano - R$ 44,6 bilhões, incluindo construção de estradas e obras de infraestrutura. Os R$ 116 bilhões foram destinados à rede de proteção social, que abarca aposentadoria rural, seguro-desemprego, Bolsa Família, abono salarial, Renda Mensal Vitalícia (RMV) e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esses programas abocanharam 3,1% do PIB.
A RMV, criada em 1974, era um benefício previdenciário destinado a maiores de 70 anos ou inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que não exerciam atividades remuneradas, nem obtinham rendimento superior a 60% do valor do salário mínimo. Também não poderiam ser mantidos por pessoas de quem dependiam, nem dispunham de outro meio de prover o próprio sustento.
Em janeiro de 1996, a RMV foi extinta ao entrar em vigor a concessão do BPC. Hoje, a RMV é mantida apenas para quem já era beneficiário até 96. Já o BPC é pago a idosos e portadores de deficiências comprovadamente desprovidos de recursos mínimos.
Há quem opine que o governo federal “gasta” demais com programas sociais, prejudicando o investimento. Ora, como afirma Lula, quando o governo canaliza recursos para empresas e bancos, isso é considerado “investimento”; quando destina aos pobres, é “gasto”...
O Brasil, por muitas décadas, foi considerado campeão mundial de desigualdade social. Hoje, graças à rede de proteção social, o desenho da pirâmide (ricos na ponta estreita e pobres na ampla base) deu lugar ao losango (cintura proeminente graças à redução do número de ricos e miseráveis, e aumento da classe média).
Segundo o Ipea, entre 2003 e 2009, 28 milhões de brasileiros deixaram a miséria. Resultado do aumento anual do salário mínimo e da redução do desemprego, somados ao Bolsa Família, às aposentadorias e ao BPC.
A lógica capitalista considera investimento o que multiplica o lucro da iniciativa privada, e não o que qualifica o capital humano. Essa lógica gera, em nosso mercado de trabalho, a disparidade entre oferta de empregos e mão de obra qualificada. Devido à baixa qualidade de nossa educação, hoje o Brasil importa profissionais para funções especializadas.
Se o nosso país resiste à crise financeira que, desde 2008, penaliza o hemisfério Norte, isso se deve ao fato de haver mais dinheiro em circulação. Aqueceu-se o mercado interno.
Há queixa de que os nossos aeroportos estão superlotados, com filas intermináveis. É verdade. Se o queixoso mudasse o foco, reconheceria que nossa população dispõe, hoje, de mais recursos para utilizar transporte aéreo, o que até pouco tempo era privilégio da elite. Há, contudo, 16,2 milhões de brasileiros ainda na miséria. O que representa enorme desafio para o governo Dilma. Minha esperança é que o programa “Brasil sem miséria” venha resgatar propostas do Fome Zero abandonadas com o advento do Bolsa Família, como a reforma agrária.
Não basta promover distribuição de renda e facilitar o consumo dos mais pobres. É preciso erradicar as causas da pobreza, e isso significa mexer nas estruturas arcaicas que ainda perduram em nosso país, como a fundiária, a política, a tributária, e os sistemas de educação e saúde.
 
Frei Betto é escritor, autor de Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin (Vozes), entre outros livros.

A LITERATURA SOVIÉTICA COM VENIAMIN KAVERIN: OS DOIS CAPITÃES

Copiado do blog da MILU



O mercado editorial brasileiro tem lançado boas obras da literatura russa, mas existe, ainda, uma enorme lacuna, principalmente no que concerne à literatura soviética, que legou grandes obras, obras geniais e que são completamente desconhecidas  - ou quase - por aqui. Podemos citar "O Don Silencioso", fantástico romance de Mikhail Cholokhov. Desconheço edição desta obra em português do Brasil, só sendo encontrado (e quando o é) em edição portuguesa, mesmo assim, maior parte das vezes, em sebos. Tem, ainda, a obra de Ilf e Petrov, com seu clássico "As doze Cadeiras", seguido de "O bezerro de ouro", isto para não citar outros, como Zamiatin (Nós), "Casamento Por Interesse", de Mikhail Zoschenko, além de um dos maiores clássicos desta literatura: "Os Dois Capitães, de Veniamin Kaverin. Estes dois últimos só são encontrados em espanhol e, o de Kaverin, apenas nos sebos. Realmente, não dá mesmo para compreender, tendo em vista a qualidade das obras citadas. 
Como já fiz posts em relação aos outros títulos citados(excetuando-se o de Zoschenko), hoje é a hora e a vez de Kaverin.: "os dois capitães" é seu melhor romance, assim reconhecido, inclusive, por ele mesmo na introdução do livro,escrito entre 1938 e 1944. Esta obra é muito conhecida tanto na Rússia, quanto nas antigas repúblicas soviéticas, sendo considerada mesmo um dos maiores clássicos da literatura da antiga URSS. Muito premiado em seu país, o romance conta a história do jovem russo Aleksandr Grigóriev,desde sua infância na Rússia czarista, passando pela Revolução Bolchevique e indo até a Segunda Grande Guerra.  
O epicentro é a busca de Aleksandr pelas terras geladas do norte, onde se perdeu a expedição do capitão Ivan Tatárinov, pai de Katya. Grigóriev tomou conhecimento desta expedição através de cartas que sua tia achou dentro de uma pasta, possivelmente perdida por algum carteiro afogado, boiando em um rio de sua aldeia natal. O menino cresce ouvindo sua tia ler as cartas e, algumas, ele guardou de cor na memória para sempre.
Seu tema prende o leitor, sendo basicamente um triângulo amoroso em cenários da guerra, numa narração amena, que mescla realismo e romance, ingredientes responsáveis pelo sucesso da obra desde sua primeira edição, por diversas gerações de soviéticos. 

Kaverin se baseou, na elaboração de Os Dois Capitães, em um relato que ouviu de um jovem cientista, que descansava no mesmo sanatório que ele, nas proximidades de Leningrado. Era um rapaz que reunia a paixão e a sinceridade em seu caráter, atributos estes aliados à tenacidade e à uma incrível clareza de objetivos. Sabia alcançar o êxito naquilo que almejava, sendo detentor de uma clara inteligência e um profundo sentimento. Assim, também, era a personalidade de Grigoriev, cjujo lema era "lutar, buscar, encontrar e não se render!", personagem talhada à sombra deste jovem cientista que, em seis tardes, contou a Kaverin a história de sua vida, cheia de acontecimentos ímpares, ao mesmo tempo que era uma vida como a de outros tantos jovens soviéticos.Ele foi um menino que teve uma infância muito difícil, tendo sido educado pela sociedade soviética, por pessoas às quais ele se afeiçoou e que lhe apoiaram os sonhos. Mas o determinante em tudo isto, foi a pergunta que o jovem fez à Kaverin no final dos relatos: "Você sabe o que eu teria sido, se não tivesse havido a Revolução? Um bandido!". A partir disto, Kaverin resolveu escrever seu livro na primeira pessoa, mantendo a forma de um relato.Ele apenas ambientou a história em sua própria cidade natal, mudando-lhe o nome de Pskov para Esquis.Seu personagem  estudou em Moscou, onde o próprio Kaverin havia estudado.
O relato do jovem cientista vai ser intercalado com a historia de um carteiro afogado, que trazia a carta do piloto Klímov. Esta é a segunda linha do romance: a partir de Klímov surge a história do capitão que intentou em uma embarcação fazer a Grande Rota Marítima do Norte e aí entra algo de História, que ele pesquisou muito, para dar vida a Tatárinov, segundo protagonista do romance. A navegação a deriva de Tatárinov - a "Santa Maria" - repete os feitos da histórica "Santa Ana", de Brussílov, personagem real. O diário do piloto Klimov foi baseado no diário do piloto de "Santa Ana", de nome Albánov, um dos sobreviventes do fato histórico.Seu capitão foi moldado em Sedov, um hidrógrafo russo, explorador polar, morto em uma expedição.Foto abaixo.Serviu de molde a Tatárinov.

Tem-se, assim, que para modelar seus dois capitães, Veniamin buscou a história de dois intrépidos conquistadores do Ártico: Brusыilov (foto a seguir) e Sedov.




 Kaverin pesquisou muito estes fatos históricos, tanto em livros, como por meio de depoimentos de pessoas que conheceram Sedove Brussilov, inclusive da viúva de Sedov. Assim, deste Veniamin tomou emprestado "o esplendor e a valentia de caráter, a pureza de pensamento e a claridade de metas e tudo o que distingue uma pessoa de grande alma"; de Brussílov, ele tomou a história real da viagem. Os capítulos relativos ao Ártico foram lidos e aprovados tecnicamente pelo pesquisador geógrafo russo Vladímir Yulievitch Vize.
O livro só foi terminado após o final da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que o autor conseguiu ser enviado, como correspondente de guerra do periódico Izvestia ao norte, entre aviadores e marinheiros, onde conseguiu minúcias para terminar o segundo tomo da novela, que passou a incorporar dados relativos dados de como o povo soviético suportou as duras provas de uma guerra e como saíram vitoriosos.
E Katya, citada há parágrafos atrás? Katya é o elo de ligação entre Grigóriev e seu pai, Tatárinov. É o toque maior de romance do livro. É a história de amor no cenário soviético, no cenário da guerra...

Escrevi muito, talvez seja enfadonho a quem ainda não leu o livro de Kaverin ler um post deste tamanho, mas é que gostei tanto da obra, que gostaria de vê-la editata em nosso país, a fim de ser acessível a um maior número de leitores. O Brasil possui excelentes tradutores do russo, a exemplo do prof.Boris Shneiderman, Tatiana Belinky, Arlete Cavaliere, entre outros. Fica, então, minha sugestão à Editora 34, à Cosac Naify, à Cia. das Letras. Com certeza teriam público garantido!


Um pouco sobre o autor:
 Veniamin nasceu em 1902,  na cidade russa de Pskov, matéria de futuro post deste blog.Viveu até 1989. Teve influência dos formalistas russos e foi ligado ao grupo conhecido como "Irmãos Serapião", união de escritores (prosa, verso e crítica), criada em 1921, em Leningrado..O grupo era formado por mestres e estudantes, que se reunião na "Casa da Cultura"local. Inicialmente, Kaverin pertencia ao grupo de estudantes, ao lado de Zamiatin, autor de "Nós" (com tradução de Portugal).Veja foto do grupo abaixo.
Kaverin é o do canto, olhando da esquerda para a direita



Pskov
Durante as reuniões  no círculo dos Irmãos Serapião, travou contato com Gorki, que o ajudou com conselhos e críticas construtivas.Dos livros que escreveu, foi Os Dois Capitães que lhe deu fama. A obra já virou filme e peça teatral: Nord Ost, que estava em cena quando os tchetchenos explodiram a Casa da Cultura de Moscou, em 2002. Estive lá poucos dias antes, assistindo à peça, sendo este meu primeiro contato com a obra de Kaverin.Lembrança triste, a explosão, mas não posso me furtar de ter uma gratíssima lembrança desta peça, para mim, inesquecível...

obs: se você é da turminha da língua russa, pode adquirir o livro na loja eletrônica Ozon:várias edições, desde o livro usado (em ótimo estado), a preços bem baixinhos.

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Aos que não se importam em adquirir livros usados, recomendo o Estante Virtual, onde fiz uma busca e encontrei apenas um volume, em espanhol, a R$ 9,00. Encontrei também, nas mesmas condições(usado e em espanhol) fazendo busca no site "toda oferta", a R$ 23,00.
Mais a respeito das expedições citadas neste post você podera ler no "Diário da Rússia: http://www.diariodarussia.com.br/fatos/noticias/2011/07/14/em-busca-da-expedicao-perdida/

Eric Clapton - Just One Night [Live] - 1979


http://img853.imageshack.us/img853/7756/10justonenight.jpg

DiscO 1
1. "Tulsa Time" (Danny Flowers) – 4:00
2. "Early In The Morning" (Traditional) – 7:11
3. "Lay Down Sally" (Clapton, Marcy Levy, George Terry) – 5:35
4. "Wonderful Tonight" (Clapton) – 4:42
5. "If I Don't Be There By Morning" (Bob Dylan, Helena Springs) – 4:26
6. "Worried Life Blues" (Big Maceo Merriweather) – 8:28
7. "All Our Past Times" (Clapton, Rick Danko) – 5:00
8. "After Midnight" (J.J. Cale) – 5:38

DiscO 2
1. "Double Trouble" (Otis Rush) – 8:17
2. "Setting Me Up" (Mark Knopfler) – 4:35
3. "Blues Power" (Clapton, Leon Russell) – 7:23
4. "Rambling On My Mind" (Robert Johnson/Traditional) – 8:48
5. "Cocaine" (J.J. Cale) – 7:39
6. "Further on Up the Road" (Joe Medwick, Don Robey) – 7:17


http://img862.imageshack.us/img862/8956/20055119.jpg 

Eric Clapton: Guitar and vocals.
Henry Spinetti: Drums.
Chris Stainton: Keyboards.
Albert Lee: Guitar, keyboard and vocals on "Setting Me Up".
Dave Markee: Bass guitar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A luta contra o ventre da barbárie capitalista


  Por Gilson Caroni Filho - do Rio de Janeiro no CORREIO DO BRASIL

Israel
As Bestas se reúnem no Oriente Médio

Liga Árabe suspende a Síria; Israel, com o apoio dos EUA, se prepara para atacar o Irã; consórcio franco-alemão toma o poder na Grécia e ameaça soberania italiana; corporações midiáticas censuram repressão policial aos movimentos sociais nos EUA. Com o arsenal nuclear existente, uma escalada militar global terá consequências imprevisíveis. Mais uma vez o mercado se aproxima do ventre que pariu a Besta. Os primeiros dias de novembro acenam para um perigoso redesenho do cenário internacional.
O roteiro, de tão açodado, não deixa qualquer espaço para dúvidas quanto aos reais interesses que movem as marionetes do teatro macabro. O relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) contendo acusações contra o governo foi divulgado um dia antes de a imprensa inglesa anunciar que o governo de Benjamin Netanyahu planeja uma ampla ofensiva contra as instalações iranianas. Estados Unidos e União Européia prontamente defenderam a adoção de medidas adicionais. São muitas as variáveis em jogo, mas há dados conjunturais que não podemos ignorar.
Em primeiro lugar, é preciso voltar no tempo, para entender o xadrez geopolítico no Oriente Médio. É fundamental reconhecer os motivos que levariam o governo israelense, respaldado pelo imperialismo norte-americano na região, a jogar todo o seu peso em uma aventura bélica de alto risco. E estes motivos só podem ser encontrados na derrota dos EUA na revolução iraniana e, principalmente, na derrocada militar do seu então representante, o Iraque, frente às massas iranianas imbuídas (apesar dos desvios da direção islâmica) de uma proposta anti-imperialista. Passados tantos anos, é plausível trabalharmos com essa hipótese? A resposta é afirmativa.
Se, na época, a derrota não veio sozinha, mas sim juntamente com um ascenso dos trabalhadores na região, que passava pelo surgimento do movimento Paz Agora em Israel – primeiro movimento de massa israelense a questionar a própria essência do Estado de Israel como um “estado policial” dos EUA – o fato que atualiza o quebra-cabeças foi a bem sucedida ofensiva diplomática do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmud Abbas, pedindo ao Conselho de Segurança o reconhecimento de um Estado independente. Somando-se a isso a adesão da Palestina como membro pleno da Unesco, as reações foram imediatas: os Estados Unidos suspenderam seu apoio financeiro à entidade. E Israel, sabotando qualquer possibilidade de paz, acelerou o processo de colonização em Jerusalém Oriental.
A perspectiva de isolamento, ainda que conte com o apoio incondicional dos principais países da União Européia, levou os ianques e seus títeres a organizarem uma aventura ousada e perigosa que, se levada a cabo, contará com o apoio do Partido Trabalhista, de “oposição”, em Israel. O alcance desta operação, com toda sorte de atrocidades que comporta, liberará forças que dividirão mais ainda a própria sociedade israelense e a comunidade judaica em geral.
Os ensaios fascistas, que se alastram perigosamente em escala mundial, precisam ser detidos e só serão evitados com o movimento de protesto de milhões de pessoas e governos progressistas, unidos com um único objetivo: banir as guerras, banir as armas de extermínio, impondo, pela força dos povos, a paz e o desarmamento. A luta contra o ventre que pariu inúmeras Bestas é cada vez mais um confronto contra a lógica capitalista.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista de Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.

A USP, a Tropa de Choque da Polícia e a Tropa de Choque da Mídia

Valéria Nader, da Redação   do CORREIO DA CIDADANIA

Mais uma vez, a USP, a maior e mais famosa universidade do país, se vê às voltas com a polícia. Verdadeira operação de guerra, com Tropa de Choque, cavalaria, bombas, estilhaços, sobrevôo de helicópteros. Mais de 400 homens para retirar cerca de 70 estudantes que tinham ocupado a reitoria, em uma manifestação de protesto contra a presença da PM no campus da universidade.

O que de fato aconteceu por estes dias? Para responder a esta pergunta, é preciso primeiro externar, sem complacência, o quão estarrecedor é perceber o teor predominante da informação à qual a população de todo o país tem tido acesso. O que a maioria saberá sobre os acontecimentos, e que poderá ser introjetado pela memória coletiva, é a versão gravada e ventilada através dos grandes veículos de comunicação.

A Folha e o coro em uníssono

Nem é preciso gastar tempo com semanários a la Veja e assemelhadas, cujo sensacionalismo associado a um raciocínio tacanho e primário já está por demais manjado e desmascarado por todos que pensam em jornalismo com um mínimo de respeito e seriedade. Basta olhar para a Folha de S. Paulo, afinal, o órgão de mídia impressa mais lido no país, como faz sempre questão de anunciar em suas páginas, gabando-se com freqüência de tal façanha e de sua pretensa isenção e progressismo.

Editorial da sexta-feira, 4 de novembro, antes portanto da ação da PM na reitoria, é notório em sua visão monocórdia a defender, quase exaltar, a presença da PM no campus.  Os estudantes que ocuparam a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) são tidos como “grupelhos situados na mais extrema franja da esquerda”. O citado editorial, este mesmo que utiliza as expressões “grupelhos” e “extrema franja da esquerda”, critica ainda um tal “excesso de susceptibilidade ideológica” por parte daqueles que ainda associariam a presença da PM no campus com traumas advindos da ditadura. Com este vocabulário, é o caso de questionar de quem seria realmente o tal excesso de susceptibilidade ideológica.

Conclui finalmente o editorial que “quem agride a democracia, o ensino e a pesquisa na USP é a paranóica minoria que invadiu a reitoria, no intuito de provocar um confronto que só atende às suas pueris fantasias de contestação”. São muitos, além de bastante reconhecidos, os intelectuais e estudiosos que poderiam contribuir para enriquecer este olhar enviesado sobre a realidade uspiana. Estivessem os editorialistas realmente preocupados com o princípio da isenção que tanto pregam, estariam com os ouvidos mais atentos para as diversas facetas que conformam a complexa situação hoje vivida pela universidade.

E não pára por aí o diário dos Frias. Na segunda feira, dia 7 de novembro, uma tropa de choque jornalística antecedeu a tropa de choque da PM que atuaria na USP na madrugada de terça. Para ficar em alguns casos mais exemplares, o colunista Vinícius Mota carrega no verbo ao questionar “grupelhos semi-alfabetizados e violentos que impõem a sua agenda sem encontrar resistência à altura” na FFLCH, desqualificando sem piedade o desempenho da faculdade nos dias de hoje. Acusa-a de se deixar encantar “por um bordão do passado, mera forma sem conteúdo, quando clama pela saída da PM do campus”. No entanto, são as próprias linhas traçadas por Mota, com sua virulência patente, que causam uma certa confusão temporal: estariam mesmo sendo escritas na atual e tão aclamada ‘democracia’?

Outro colunista que, neste mesmo dia, 7 de novembro, escreve sobre os episódios uspianos é o colaborador semanal das segundas-feiras, o filósofo Luiz Felipe Pondé. Entrar em algum tipo de discussão mais pormenorizada e edificante sobre o episódio que se desenrolou na USP esteve bem longe do espectro de preocupação do filósofo. Os “baderneiros” – como foram cunhados os estudantes da FFLCH – são nada mais do que parte daquilo que o filósofo toma como um “partido mundial de jovens”, abraçados pela “mídia ideológica, cansada do marasmo desde maio de 1968 (aquela ‘revolução francesa’ dos estudantes entediados que acabou numa noite gostosa de queijos e vinhos)”.

Last but not least, a Folha não se fez de rogada após consumada a invasão policial na madrugada de terça-feira, 8 de novembro. Até algum tempo atrás, provavelmente estaria mais antenada em cravar uma no ferro e outra na ferradura, em função das cenas truculentas protagonizadas pela polícia de São Paulo, que foram mostradas a todo o país. Entretanto, manchetes e matérias da quarta-feira, 9 de novembro, não evidenciaram a menor preocupação com uma cobertura que tivesse o mínimo de isenção.

Desde a capa do diário, até as páginas internas, os estudantes foram exaustivamente chamados de invasores, baderneiros e pichadores, com imagens selecionadas a dedo de forma a corroborar esta visão. Não é, ademais, gratuito que o caderno a fazer a cobertura dos episódios tenha sido o de Cotidiano. Esse caderno, que no passado já foi denominado de Cidades, há tempos vem se tornando um espaço de discussões gerais, rasteiras e apelativas, sem se aprofundar no tratamento da cidade a partir de um enfoque urbanístico e social mais elaborado.

A ‘grande’ emissora de TV

E se estamos no âmbito dos grandes veículos, tome-se ainda a exploração dos fatos aqui narrados pela mídia televisiva de maior porte no país. A Rede Globo de Televisão, em uma de suas apresentações mais imediatas após a ocupação da reitoria (o Bom Dia Brasil de 8 de novembro), teve desempenho emblemático.

Não se absteve de explorar as fortes imagens dos policiais que cercaram a USP, afinal, um prato cheio para a audiência. Quem se ateve à observação destas imagens, com a concomitante narração dos fatos pelos repórteres que os acompanhavam in loco, não teria dúvidas de que se estava diante de um cenário de dura repressão policial. Mais ao final da reportagem, porém, viria a fala que não quer calar – aquela que, no intuito de parecer ocupar um lugar inadvertido, é a que realmente ecoa o pensamento da emissora global.

A jornalista Renata Vasconcelos, uma das locutoras da reportagem juntamente com Chico Pinheiro, soltou finalmente as trivialidades que não mais surpreendem aqueles mais antenados com as entrelinhas da mídia corporativa. A jornalista enfatizou, indignada, que a reitoria teria sido invadida “por causa de três estudantes que foram detidos porque estavam de posse de maconha”. E encerrou a reportagem com sutil torcida para que, se comprovado o vandalismo, os alunos sejam responsabilizados!

Fatos e versões fora do páreo

“Acreditar que alunos de uma das Faculdades mais importantes do país se mobilizaram numa ação que ganhou tamanha proporção por desejarem usufruir do direito ainda ILEGAL de fazer uso de MACONHA dentro do Campus me parecia inconcebível”. Assim se expressou uma aluna em um grupo de discussão de uma das muitas redes sociais que estão contribuindo para a visibilidade de uma versão que não encontra a mais mínima guarida nos veículos de maior circulação.  “Antigamente, o melhor aliado das manifestações sociais era a imprensa, agora é a internet, tudo tem que ir parar no You Tube”, avalia um outro aluno diante dos episódios.

Um estudante, talvez com a forte sensação de impotência decorrente da impossibilidade de ter voz, chegou até mesmo a fazer uma auto-entrevista e a divulgá-la pela rede, desbancando com muita sensatez os sensos comuns que estão imperando. Dentre as perguntas que redigiu, uma se referia à presença da PM no campus, um dos pontos mais polêmicos na discussão em pauta. À afirmativa de que a PM deveria sim estar presente no campus, como meio fundamental na manutenção da ordem, o estudante avalia que “PM não traz segurança nem fora do campus. Se PM é segurança, para que empresas de segurança privadas, fazendo ronda em bairros chiques? Para que seguranças particulares, cercas, alarmes, grades, carros blindados? Isso tudo em áreas policiadas. Além disso, a PM de São Paulo mata mais que todas as polícias dos EUA juntas. Muitas áreas têm menos problemas com segurança, mas são sempre bem iluminadas e cheias de gente - esse é o ponto. Alunos e professores já manifestaram soluções alternativas, como iluminação massiva e eficiente de todo o campus. O rapaz que morreu na FEA resistiu a um assalto e foi, sim, assassinado no campus. Mas, nota importantíssima: havia PM trabalhando dentro da USP naquele dia. De nada adiantou. Levar a PM em ações ostensivas por conta de furtos e roubos não faz sentido, ainda mais podendo evitá-los com uma guarda universitária concursada, com plano de carreira, treinada, em grande número, com ala feminina treinada para lidar com casos de abuso sexual e estupro”.

O estudante conclui sua resposta narrando que “a ação da PM está afinada com as ações políticas do reitor João Rodas em seu processo de privatização da Universidade. Não é lenda, não é mania de perseguição, não é inventado. Lutamos contra algo real aqui. Propostas de fechamento de cursos que não dão lucro, abertura de cursos pagos usando a infra-estrutura e os docentes da USP, tudo isso faz parte da privatização gradual - que também se manifesta nas terceirizações (que, aliás, no caso da guarda universitária, colabora com os sumiços de celulares, laptops etc.)”.
Quem se dá ao trabalho de ‘navegar’ por aí, e fugir, por pouco que seja, do noticiário do mainstream, vai perceber de fato uma profusão de visões profundamente dissonantes daquela que é bombardeada incessantemente pela mídia corporativa. São dezenas de estudantes, professores e intelectuais que, notoriamente ignorados nos noticiários de maior visibilidade, há anos avaliam temas essenciais afeitos à política universitária.

Com o sentido de reorganizar a universidade como campo efetivo de participação e decisão política, estes estudiosos vêm ressaltando que a direção e gestão dos processos decisórios na USP têm se mostrado incapazes de representar os segmentos diversos que compõem a universidade, e de lidar com a profusão de conflitos e movimentos sociais e políticos que emergem em seu seio. E isso não é de hoje. Conselho universitário, associações e distintos fóruns de discussão foram sendo esvaziados nos últimos anos, com o estreitamento e a centralização das instâncias de decisão. O governo do estado, por sua vez, dominado há mais de 20 anos pelo tucanato, jamais demonstrou sequer entender o que seja o conceito de autonomia universitária.

Por que a resposta policial se tornou a forma natural de reação? É a pergunta que já se fazia a filósofa Marilena Chauí em ato contra a presença da PM na USP, em 16 de junho de 2009, no anfiteatro da Geografia, na FFLCH, com presença de Antônio Cândido e de Maria Victoria Benevides. A resposta a esta pergunta está diretamente associada à falta de fóruns de discussão e debate, que faz com que, a cada manifestação de oposição, exigência e reivindicação, a única reação que se conheça seja aquela que ‘vem de cima’.

A prisão dos mais de 70 alunos que ocuparam a reitoria em ato de manifestação política – prisão que se deu em moldes bem distintos daqueles apregoados pelos veículos de comunicação dominantes, segundo relato de dezenas de estudantes - é um ataque frontal à liberdade nesta que se chama democracia representativa. Novamente, “governo do estado e reitoria entraram no jogo da radicalização, da violência e do acirramento do conflito, sem esforço de construção de uma estratégia política menos tosca, que efetivamente expressasse a vontade das maiorias, que não foram consultadas”, destaca a urbanista e professora da USP Raquel Rolnik em seu blog no dia 10 de novembro.

Tempos sombrios

Uma Comissão da Verdade que de verdadeira tem quase nada. Um deputado carioca que precisa sair do país para proteger sua vida, após bulir com os interesses de poderosos milicianos do Rio. Tropa de Choque da Polícia Militar na USP, prontamente seguida pela Tropa de Choque Midiática. Tempos sombrios estes que vivemos, em plena primavera nos Trópicos!

Com a palavra final, um estudante

“Ontem (dia 10 de novembro, no centro de São Paulo), éramos mais de 5000 demonstrando que não é uma minoria que se indigna na USP. Mas onde estavam as câmeras e agentes da TV que NÃO filmaram tudo ali? A grande mídia ordena o pensamento assim como o governador ordena à polícia invasões de favelas, massacres do Carandiru e invasões policiais no campus da USP. Disciplinam sua mente, brutalizam e ganham muito dinheiro e poder com isso...”.

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Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.