domingo, 25 de março de 2012

EUA-MISÉRIA 20,7% CRIANÇAS AMERICANAS SÃO POBRES

EUA: Cresce quantidade de crianças em situação de extrema miséria

Muitas crianças dos Estados Unidos se encontram hoje em situações extremas de pobreza, de abusos e outros problemas sociais, sem que se tenha colocado um fim a esses flagelos.

Recentemente, Michael Petit, presidente da organização governamental estadunidense de defensa dos direitos da infância, Every Child Matters, questionou por que a violência contra as crianças é muito mais forte nesta nação do que em qualquer outra do mundo industrializado. Petit colocou em evidência um dos muitos problemas que afetam a infância estadunidense.

Segundo estatísticas, nos últimos 10 anos estima-se que 20 mil crianças morreram em suas próprias casas devido à violência familiar, quase quatro vezes o número de soldados estadunidenses mortos no Iraque e no Afeganistão.

Violência contra crianças

De acordo com a BBC Mundo, a cada cinco horas uma criança morre nos EUA como consequência de abusos e negligência.

Dados conservadores do governo revelam que aproximadamente 770 menores perderam a vida por maus tratos em 2009, ainda que um informe do Congresso considere que o número pode chegar a cerca de 2,5 mil.

A BBC advertiu que os estadunidenses têm os piores registros de abusos do mundo.

Esta situação tende a ser agravada, pois enquanto a economia estadunidense tenta se recuperar, a pobreza infantil aumenta e os estados cortam bilhões em serviços para as crianças, o que pressiona a frágil rede de seguridade da nação.

Preconceito com latinos

Por outro lado, as minorias são as mais afetadas por este e outros problemas. Um informe mencionado pelo diário californiano A Opinião, indica que os alunos hispanoamericanos recebem mais castigos nas escolas que os estadunidenses brancos.

O texto detalha que os estudantes representantes de minorias sociais no ensino médio são suspensos e expulsos com mais freqüência que seus colegas brancos, por decisão de docentes e diretores.

Vulnerabilidade infantil

As crianças são o setor mais vulnerável da sociedade estadunidense. Cerca de 17 milhões sofrem com insegurança alimentar, segundo dados da Feeding America, uma organização que reúne 200 Bancos de alimentos e a organização beneficente de distribuição de comida mais importante do país.

CRIANÇAS POBRES 20,7% SÃO POBRES

Na principal economia do mundo, 20,7% das crianças são pobres, situação que afeta os hispanoamericanos em 33,1%, indicou recentemente um informe do Instituto Pan para o Mundo, um movimento religioso contra a fome.

Um estudo de 2009 sobre a insegurança alimentar afirma que 26,9% dos lares de hispanoamericanos enfrentam este problema, em especial aqueles nos quais há menores de idade.

Fome e desemprego

O escritório do Censo e o Departamento de Agricultura asseguram que, no território estadunidense, pelo menos 34,9% dos latinos menores de 18 anos tiveram fome, cifra superior aos 23,2% das crianças na população total do país.

Devido à atual crise econômica e o desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas que afeta os Estados Unidos, 30% das famílias latinas recorreram a fundos de ajuda de alimentos para amenizar a fome.

Dados da Fundação Annie E. Casey garantem que a recente recessão eliminou muitos dos benefícios econômicos para as crianças nascidas no final dos anos 1990, enquanto se desenha como preocupante a quantidade de menores afetados pelas execuções hipotecárias, pelas quais foram embargadas suas casas e complicaram seu bem-estar.

Essa organização afirma que em 2010, 11% das crianças tinha ao menos o pai ou a mãe sem emprego. Os menores latinos são a população que mais aumenta nos EUA e, ao mesmo tempo, engrossam sua porção mais pobre.

Segundo Pew Hispanic Center, uma em cada quatro crianças vive sem acesso seguro a suficiente comida nutritiva: "Os menores afroamericanos enfrentam a pior crise desde os tempos da escravidão e, em diversas áreas, as crianças hispanoamericanas e indígenas se encontram em situação similar", pontuou.

Os menores latinos não sabem se comem hoje, nem se comerão amanhã: mais de um terço vive em condições de pobreza e de insegurança alimentar, assegura o informe The State of American’s Children (O Estado das Crianças Estadunidenses), 2011.

A partir de 2007, quando se intensificou a recessão econômica, se incorporaram mais de 800 mil pessoas ao programa de ajuda WIC — Supplemental Nutrition Program for Women, Infants and Children (Programa de Nutrição Suplementar para Mulheres, Lactantes e Crianças). 76 % dos destinatários de este programa são crianças e adolescentes.

A Fundação Annie E. Casey aborda outro problema extremo que repercute sobre a infância estadunidense: a pobreza infantil, pontua, cresceu 18% desde 2000 até 2009, saltando de 2.5 milhões para 14.7 milhões, com incidência notável nos estados do sul e as minorias.

Diferentes informes e estatísticas atestam que a população infantil nos EUA ocupa posições extremas, o que deveria envergonhar seus dirigentes e políticos.

Fonte: Prensa Latina via VOLTAIRE77
Tradução: Vanessa Silva

Argentina: Ditadura, democracia e sociedade civil


Em ato realizado em Buenos Aires para marcar passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. Não é um detalhe. A cada dia , vai se conhecendo melhor a participação de empresas transnacionais e setores da sociedade civil em um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina. O artigo é de Amílcar Salas Oroño.

I
 
No principal ato realizado em Buenos Aires pela passagem dos 36 anos do golpe militar de 1976, foi lido um documento elaborado por mais de vinte organizações sob o lema “Os grupos econômicos também formaram a ditadura, justiça e castigo já!”. A referência aos grupos econômicos e, em um sentido mais amplo, à sociedade civil em geral não é um detalhe. Há vários anos, a informação sobre as atuações de certas empresas transnacionais no que diz respeito a um dos esquemas repressivos mais brutais da história da América Latina, em função da delação e conivência com as torturas e desaparições de seus trabalhadores, está disponível no arquivo da memória coletiva e dos tribunais penais. Mas, de um tempo para cá e, sobretudo, com o que cada dia vai se conhecendo melhor a respeito do esquema e plano sistemático de apropriação de bebês - e o que foi a participação de cidadãos comuns e instituições de diversos tipos -, vão se reorganizando algumas caracterizações a respeito do que foi a sociedade civil durante a ditadura. Não é um detalhe ver o envolvimento d ealguns setores sociais na ditadura.

II
 
Com o transcorrer das décadas, por diversos motivos, a Argentina se converteu em um exemplo de respeito à luta contra a impunidade; assim testemunham diferentes reconhecimentos em diferentes lugares do mundo: as mães e as Avós da Praça de Mayo, os HIJOS (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio, na sigla em espanhol) e um importante número de organizações de direitos humanos são uma referência de sentida legitimidade. Não só porque souberam encontrar as fórmulas apropriadas, como movimentos, para que os poderes públicos habilitem e disponham dos meios suficientes para iniciar as punições, com o dramatismo que o exercício de autoexposição supõe: como não acontece em quase nenhum país, hoje existem 273 pessoas que estão condenadas por delitos de lesa humanidade cometidos durante o Terrorismo de Estado – 43 com sentença firme; há 875 pessoas processadas; na Argentina neste momento há 15 juízos orais em andamento nos quais se julgam delitos cometidos contra 460 vítimas.

Esse mesmo exemplo das Mães, das Avós, dos HIJOS também ganhou outro território: o dos imaginários coletivos; já não existem lugar nem espaço social, no plano nada secundário das linguagens circulantes para a “teoria dos dois demônios” ou interpretações semelhantes.

III
 
O kirchnerismo foi fundamental com respeito a várias questões, mas, sobretudo frente à construção da memória histórica do país. Acabou com os entraves legais que impediam os processos e dispôs que as informações, os arquivos, os documentos fossem postos a disposição, além de reconhecer e pedir desculpas como Estado pela atuação repressiva. Mas tão importante como estas medidas, às quais seria preciso agregar uma série de gestos de suma relevância, talvez um aspecto fundamental tenha sido o de gerar as condições para que, nesses mesmos processos, as testemunhas se apresentassem.

A participação da sociedade não se dá exclusivamente nas manifestações públicas: em democracia também há uma infinita presença cidadã nas audiências, os testemunhos judiciais e âmbitos similares. São peregrinações, neste caso, muito dolorosas e por sua vez muito nobres. Movimentos de uma sociedade civil que luta, ainda, por diferenciar-se do que foi parte de si mesma em outros momentos da história.

(*) Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (UBA)

Tradução: Libório Junior

(Elis Regina-Saudade do Brasil (1980)

Elis Regina-Saudade do Brasil (1980)
Release não informado
Créditos: Makingoff
Poster
Sinopse
Em 1980, Elis Regina apresentou no Canecão no Rio de Janeiro, o show Saudade do Brasil, do disco homônimo, lançado em Abril de 80. Trata-se de um show grandioso, com arranjos geniais do mestre César Camargo Mariano, com uma banda fantástica incluindo o grande guitarrista Natan Marques.
O show foi dirigido por Ademar Guerra, e o show mistura de forma sensacional um grupo de dançarinos e cantores de grande talento que faziam coreografias elaboradíssimas no decorrer do show, juntamente com a Elis cantando que em alguns momentos arrisca uns passos junto com a turma.
Trata-se de um show grandioso, com momentos áureos, como a versão de "Aquarela do Brasil" do genial Ary Barroso, misturada com cantos indígenas, criando um efeito glorioso. Além de um repertório fantástico, incluindo "Redescobrir" do genial Gonzaguinha, "Alô Alô Marciano" da sua amiga-irmã a grande Rita Lee, numa versão que a Rita pirou(um pouco mais) quando ouviu.
Enfim, um registro cinematográfico de um show histórico e grandioso, um show que nos traz profunda "Saudade do Brasil".
 
Quem não tiver acesso ao MKO solicite torrent pelo email do blog
Screenshots


Elenco
Informações sobre o filme
Informações sobre o release
Elis Regina
César Camargo Mariano
Nathan Marques
E grandes artistas
Gênero: Documentário/Musical
Diretor: Ademar Guerra
Duração: 54 minutos
Ano de Lançamento: 1980
País de Origem: Brasil
Idioma do Áudio: Português
Qualidade de Vídeo: TV Rip
Vídeo Codec: XVID
Vídeo Bitrate: 1234 Kbps
Áudio Codec: MPEG-1 Layer 3
Áudio Bitrate: 102 Kbps
Resolução: 352 x 272
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Tamanho: 516 MB Mb
Legendas: Sem Legenda
  

Democracia à venda nos EUA

Idelber Avelar  na Revista Fórum

A cada temporada eleitoral nos EUA, vários colunistas da mídia brasileira tecem comentários deslumbrados sobre as prévias partidárias e o espetáculo democrático. Mesmo daqueles que criticam a política externa ou a arrogância autocentrada dos EUA, é comum escutar elogios ao funcionamento interno da democracia estadunidense. Nas últimas eleições presidenciais, contei pelo menos dez ocorrências da expressão “uma democracia em funcionamento” nos grandes jornais, revistas ou portais brasileiros. Na verdade, se estudamos o sistema político dos EUA, especialmente sua história em décadas recentes, à luz de todos os atributos que poderíamos associar ao termo “democracia”, vemos que a definição não se sustenta. O movimento Ocupar Wall Street sabe disso e essa é, inclusive, a raiz principal da mobilização. Mas o mesmo jornalismo que alude ao caráter “vago” das reivindicações do OWS não tem, da democracia, uma compreensão menos vaga que “sistema em que os cidadãos comparecem às urnas e escolhem seus representantes” – o que pode parecer uma definição perfeitamente concreta, até que você comece a se perguntar quem qualifica as pessoas como cidadãos, o que significa exatamente escolher e quais são as condições de possibilidade desse ato de escolha. Que seja feito este tipo de pergunta, convenhamos, é esperar demais do nosso jornalismo.
Uma das indagações mais frequentes de quem acompanha de longe o sistema político dos EUA e nota a quase inexistência de diferenças significativas entre a política externa de democratas e republicanos é sobre o porquê de não existirem outras alternativas. Certamente, isso não se deve ao fato de que os eleitores estejam satisfeitos com as duas opções. Pesquisa recente revelou que 86% dos estadunidenses reprovam o Congresso do país em sua totalidade, ou seja, se manifestam insatisfeitos tanto com democratas como com republicanos. Se apenas míseros 14% aprovam a atividade legislativa de ambos os partidos representados no Congresso, por que não emerge um terceiro? (Há uma infinidade de “terceiros partidos” nos EUA, claro, mas nenhum com representação real no Legislativo e chances reais de acesso ao Executivo). Digamos que há, para isso, uma resposta longa e uma curta. A curta é a seguinte: porque é impossível. Não difícil, não improvável, mas impossível, a não ser que se destrua completamente o sistema político existente para a construção de outro. Vamos à resposta longa que fundamenta a curta.
Dois pilares principais sustentam o atual bipartidarismo dos EUA – que é tentador chamar de unipartidarismo, posto que as políticas aplicadas por democratas e republicanos não se diferenciam significativamente, por mais que Obama seja uma pessoa diferente de Romney, e Clinton bastante diverso de Bush. Esses pilares são, por um lado, o papel do dinheiro nas campanhas eleitorais – sustentado por uma jurisprudência recente que basicamente concede estatuto de cidadania ao capital – e, por outro, uma legislação eleitoral que impossibilita a emergência de candidatos que não tenham se comprometido até os ossos com esse mesmo capital. Na prática, ambos os pilares tornam letra morta qualquer definição minimamente completa de demo-cracia, ou seja, governo do povo, governo da plebe, governo dos pobres, da maioria. Passemos a esses detalhes.
Entender o financiamento das campanhas eleitorais nos EUA exige, em primeiro lugar, entender a diferença entre soft money e hard money. Este último é o dinheiro doado diretamente a candidatos. Ele é regulado pela Comissão Federal das Eleições, limitado a pessoas físicas e a um máximo de US$ 2.500 por candidato, e aproximadamente US$ 46.000 para o total de candidatos com os quais o indivíduo deseje contribuir. No universo milionário das campanhas eleitorais de hoje, pode até parecer um limite razoável – até que você entenda o que é o soft money, o dinheiro doado, tanto por pessoas físicas como jurídicas, a partidos políticos, organizações e grupos que não sejam o comitê de campanha do candidato. Dentre esses grupos, os mais decisivos são os Comitês de Ação Política (PACs, na sigla em inglês) e os 527s. Em agosto do ano passado, o jornalista brasileiro Elio Gaspari afirmou que “no atual sistema [brasileiro], os diretores das empresas privadas tiram dinheiro do cofre dos acionistas e jogam-no nas campanhas de seus candidatos. Esse tipo de financiamento poderia ser limitado, ou mesmo proibido, como sucede nos Estados Unidos”. A afirmação é completamente absurda, e se baseia no fato de que empresas não podem, nos EUA, contribuir diretamente com o comitê de campanha de um candidato. Mas isso não quer dizer que elas não façam campanha. A afirmação de Gaspari só é possível graças à total omissão do papel dos PACs e dos 527s nas eleições.
Um Comitê de Ação Política é o nome dado a um grupo de qualquer natureza que se forma para fazer campanha para um candidato ou para defender uma pauta, em geral no Legislativo. O dinheiro doado aos PACs também é limitado mas, como sempre é o caso nos limites ao capital nas campanhas eleitorais dos EUA, trata-se de uma limitação formal, muito mais que real. As contribuições das pessoas físicas aos PACs de um determinado candidato não podem exceder US$ 5.000 ao ano, o que ainda pode parecer um limite razoável – até que você se dê conta de que a legislação permite doações ilimitadas a PACs que façam “gastos independentes”, ou seja, que advoguem contra ou favor de um candidato sem coordenar suas ações com o comitê de campanha do candidato beneficiado. Num mundo em que a informação trafega na velocidade da internet e no qual só existem dois partidos políticos e no máximo dois candidatos competitivos a qualquer cargo, no Executivo ou no Legislativo, essa cláusula basicamente elimina qualquer limitação aos PACs. Também sobre a ação dos próprios Comitês de Ação Política aplica-se a mesma regra: eles só podem contribuir com US$ 5.000 à campanha de cada candidato mas, sempre que o gasto for “independente” (ou seja, não coordenado com o comitê do candidato), eles são ilimitados. As pessoas jurídicas (empresas ou sindicatos, por exemplo) não podem contribuir com os PACs, mas podem financiar seus custos administrativos e levantar dinheiro com executivos, lobistas e acionistas. Não é preciso muita imaginação para perceber como também essa limitação é formal, muito mais que real. Para que se tenha uma ideia, nas eleições de 2008, o PAC Federal da AT&T gastou mais de US$ 3,1 milhões. Mas, mesmo assim, esses limites ainda são “modestos”, até o momento em que introduzimos a figura dos 527s, de papel decisivo nas eleições presidenciais de 2004.
Não há qualquer limite para doações aos 527s. A contrapartida é que eles não podem pedir votos explicitamente para um candidato mas, num sistema bipartidarista, isso simplesmente não é necessário. Tomemos um exemplo, a Swift Boat Veterans for Truth, uma organização 527 que investiu dezenas de milhões de dólares em comerciais de televisão que caluniavam o candidato democrata à Presidência em 2004, John Kerry, dizendo que ele havia colaborado com o inimigo na Guerra do Vietnã. Os comerciais manipulavam as posições antiguerra abraçadas, depois da volta ao país, por um militar condecorado, em favor, evidentemente, do seu único adversário, George W. Bush (que, aliás, escapou da guerra por um estratagema montado por seu pai, que interveio junto às Forças Armadas para que ele ficasse pilotando aviõezinhos no Alabama). O efeito dos comerciais foi devastador, decisivo para o resultado da eleição. Os Swift Boaters não precisavam pedir votos para Bush para que soubéssemos que trabalhavam para ele. Nas últimas eleições presidenciais, alguns dos maiores 527s gastaram as seguintes quantias: a Associação dos Governadores Republicanos gastou US$ 131 milhões. A Associação dos Governadores Democratas gastou pouco menos da metade, US$ 64 milhões. A Citizens for Strength and Security [“Cidadãos pela Força e Segurança”, não é um lindo nome?], financiada pelo lobby das armas, levantou quase US$ 7,2 milhões. Etc. Lembre-se: toda essa grana pode vir de contribuições de empresas, sem qualquer limitação.
Mas a brincadeira não termina aí. Uma decisão recente e já histórica da Corte Suprema, no caso Citizens United vs. Federal Election Commission, acaba de sepultar qualquer veleidade democrática que possa ter o sistema eleitoral dos EUA ante o poder do dinheiro. A espantosa decisão, tomada por 5 a 4, estabeleceu que seria uma violação da Primeira Emenda (a famosa, que proíbe a promulgação de leis contra a liberdade de expressão) limitar os gastos de corporações de qualquer tipo em campanhas eleitorais. Suas contribuições a comitês de campanha e PACs ainda estão reguladas pelas regras descritas acima. Mas, em nome próprio, as empresas já podem (de certa forma, sempre puderam, mas agora o fazem sancionadas explicitamente por uma decisão da Suprema Corte) gastar o quanto quiserem para promover ou atacar quaisquer candidatos. A decisão, conhecida nos EUA como a que sacramentou o status de personhood para as corporações (ou seja, deu a elas a condição de pessoa humana), trata o poder do dinheiro de comprar uma eleição como uma questão de liberdade de expressão. O ministro John Paul Stevens, não exatamente um juiz de esquerda, redigiu a opinião da minoria em termos eloquentes: “a opinião desta Corte é uma rejeição do senso comum do povo americano, que desde a fundação reconheceu a necessidade de impedir que as corporações sabotem a autogovernança, e que desde os dias de Theodore Roosevelt tem lutado contra o claríssimo potencial corruptor da politicagem eleitoral corporativa. É uma estranha hora para se repudiar esse senso comum. A democracia americana é imperfeita, mas pouquíssimos além da maioria desta Corte pensariam que um de seus defeitos é a escassez de dinheiro de empresas na política”. O New York Times, não exatamente um jornal comunista, afirmou em editorial: “a Suprema Corte acaba de entregar aos lobistas mais uma arma. Um lobista pode agora dizer a qualquer político eleito: ‘se você votar errado, minha empresa, meu sindicato ou meu grupo de interesse gastará quantias ilimitadas de dinheiro fazendo campanha explícita contra a sua reeleição’”. A decisão da Suprema Corte no caso Citizens United vs. FEC confere ao capital um enorme poder de chantagem, já que qualquer político sabe que uma barragem de comerciais negativos na televisão, financiados com dinheiro ilimitado, pode sepultar uma candidatura, mesmo a de um deputado ou senador favorito à reeleição.
Considerando-se a combinação entre todos os elementos descritos acima, o quadro é, na prática, aquele que descreve Michael Barone, ex-editor do Yale Law Journal e do Harvard Crimson: “Uma viagem a qualquer capital estadual – por exemplo, Harrisburg, Pennsylvania, ou Springfield, Illinois – permite descobrir que tal ou qual pessoa na Califórnia doou US$ 1.000. Mas permanecerá escondido aquilo que os proprietários do fundo nacional de soft money dos partidos sabem muito bem, ou seja, que esse doador da Califórnia também lhes deu um cheque de US$ 100 mil. Em outras palavras, aqueles que se beneficiam do dinheiro sabem de onde ele veio, mas o público está efetivamente barrado de sabê-lo”. Limites estritos para a cidadania, liberdade completa de ação para o capital.
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Acesso à cédula

Não surpreende, portanto, que democratas e republicanos se diferenciem tão pouco. O próprio poder do dinheiro já é um enorme impedimento à emergência de outras alternativas, mas a homogeneidade é ainda mais reforçada quando se consideram os obstáculos impostos pela legislação eleitoral, especialmente o acesso à cédula. Toda a regulamentação do acesso dos candidatos à cédula, mesmo nas eleições federais, é prerrogativa dos estados. Um passeio pelas legislações estaduais mostra por que é praticamente impossível que um terceiro partido ameace a hegemonia da plutocracia democrata e republicana. Na Geórgia, qualquer terceiro partido ou candidato independente só poderá aceder à cédula caso apresente uma petição com as assinaturas de 5% dos eleitores aptos a votar no estado. Quando nos lembramos de que George W. Bush se elegeu presidente dos EUA com os votos de menos de 20% dos eleitores aptos a votar (quase metade deles ficou em casa), formamos uma ideia do que é esse requisito.
Desde 1943, não há candidatos independentes ou de terceiros partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados na Geórgia. Na Flórida, a taxa de registro de uma candidatura independente é 7% do salário anual do cargo (uma soma considerável de dinheiro) e o número de assinaturas exigidas é 196 mil. Na draconiana legislação da Virgínia Ocidental, além de a coleta de assinaturas para candidatos independentes ou de terceiros partidos ter de ser feita antes das primárias republicanas e democratas, o eleitor que assinar uma dessas petições está proibido de votar em qualquer uma delas. É um crime eleitoral coletar assinaturas sem informar ao eleitor “se você assinar minha petição, não poderá votar nas primárias”. O resultado é que o candidato independente ou de terceiro partido não tem certeza se cumpriu o requisito, pois não sabe quantas assinaturas serão invalidadas pela participação dos respectivos eleitores nas primárias. Desde 1920, não há um terceiro partido que consiga colocar candidatos nas cédulas de sequer metade dos distritos do país. Democracia?
Quando se analisam essas limitações à emergência de qualquer alternativa à plutocracia democrata e republicana no contexto da gigantesca força do dinheiro que descrevíamos acima, fica claro por que os estadunidenses, apesar de reprovarem em níveis recordes os dois partidos, não têm como mudar o sistema dominado por eles, a não ser por meio de movimentos completamente externos a essas estruturas. Torna-se mais compreensível o fato de que, mesmo quando há terceiros candidatos minimamente viáveis (como, mais recentemente, Ross Perot em 1992), eles tendem a ser multimilionários que arcam quase sozinhos com os enormes custos da campanha, e, portanto, tendem a representar os mesmos setores sociais já representados no sistema plutocrático bipartidarista. Fica mais clara a revolta do Ocupar Wall Street.
Considerando todo o dito acima, como é possível ter qualquer ideia do que significa a palavra grega demos e continuar falando em democracia para se referir ao sistema político dos EUA?  Em que planeta vivem nove de cada dez jornalistas da grande mídia brasileira, que apresentam esse sistema como uma espécie de modelo ao qual o Brasil deveria aspirar? “Democracia em funcionamento” para quem, cara-pálida?

A sangrenta estrada para Damasco: A guerra da tripla aliança contra um Estado soberano


James Petras [*] 
 
James Petras 
Assim como a “esquerda” e “progressistas” declararam o brutal ataque à Líbia ser a “luta revolucionária de democratas insurgentes” e a seguir afastaram-se, lavando as mãos da sangrenta consequência de violência étnica contra líbios negros, eles agora repetem os mesmos apelos à intervenção militar contra a Síria. Os mesmos liberais, progressistas, socialistas e marxistas que estão a apelar ao Ocidente para intervir na “crise humanitária” da Síria a partir dos seus cafés e gabinetes em Manhattan e Paris, perderão todo interesse na orgia sangrenta dos seus mercenários vitoriosos depois de Damasco, Alepo e outras cidades sírias terem sido bombardeadas pela NATO até à submissão.

Há uma clara e esmagadora evidência de que o levantamento para o derrube do presidente Assad, da Síria é uma violenta tomada de poder conduzida por combatentes apoiados no estrangeiro que mataram e feriram milhares de soldados, polícias e civis partidários do governo sírio, bem como a sua oposição pacífica.
A indignação expressa por políticos no Ocidente, em estados do golfo e nos mass media acerca da “matança de pacíficos cidadãos sírios a protestarem contra a injustiça” é cinicamente concebida para encobrir informações documentadas da tomada violenta de bairros, aldeias e cidades por bandos armados, brandindo metralhadoras e colocando bombas nas estradas.
O assalto à Síria é apoiado por fundos, armas e treino estrangeiro. Devido à falta de apoio interno, contudo, para ter êxito, será necessária intervenção militar directa estrangeira. Por esta razão foi montada uma enorme campanha de propaganda e diplomática para demonizar o legítimo governo sírio. O objectivo é impor um regime fantoche e fortalecer o controlo imperial do Ocidente no Médio Oriente. No curto prazo, isto destina-se a isolar o Irão como preparativo para um ataque militar de Israel e dos EUA e, no longo prazo, eliminar outro regime laico independente amigo da China e da Rússia.
A fim de mobilizar apoio mundial a esta tomada de poder financiada pelo Ocidente, Israel e Estados do Golfo, vários truques de propaganda tem sido utilizados para justificar mais uma flagrante violação da soberania de um país após a destruição com êxito dos governos laicos do Iraque e da Líbia.

O contexto mais amplo: Agressão em série

A actual campanha ocidental contra o regime independente de Assad na Síria faz parte de uma série de ataques contra movimentos pró democracia e regimes independentes que vão desde a África do Norte até o Golfo Pérsico. A resposta imperial-militarista ao movimento egípcio para a democracia que derrubou a ditadura Mubarak foi apoiar a tomada de poder da junta militar e a campanha assassina para prender, torturas e assassinar mais de 10 mil manifestantes pró democracia.
Confrontado com movimentos democráticos de massa semelhantes no mundo árabe, ditadores autocrático do Golfo apoiados pelo Ocidente esmagaram seus respectivos levantamentos no Bahrain, Iémen e Arábia Saudita. Os assaltos estenderam-se ao governo laico da Líbia onde potências da NATO lançaram um bombardeamento maciço por ar e mar a fim de apoiar bandos armados de mercenários, destruindo assim a economia e a sociedade civil da Líbia. O desencadeamento de gangster-mercenários armados levou à devastação da vida urbana na Líbia, assim como das regiões rurais. As potências da NATO eliminaram o regime laico do coronel Kadhafi, que foi assassinado e mutilado pelos seus mercenários. A NATO superintendeu a mutilação, aprisionamento, tortura e eliminação de dezenas de milhares de apoiantes civis de Kadhafi, assim como funcionários do governo. A NATO apoiou o regime fantoche quando ele iniciou um massacre sangrento de cidadãos líbios descendentes de africanos sub-saharianos bem como imigrantes africanos sub-saharianos – grupos que beneficiaram de generosos programas sociais de Kadhafi. A política imperial de arruinar e dominar na Líbia serve como “modelo” para a Síria: Criar as condições para um levantamento em massa conduzido por fundamentalistas muçulmanos, financiados e treinados por mercenários ocidentais e de estados do golfo.

A estrada sangrenta de Damasco para Teerão

Segundo o Departamento de Estado, “A estrada para Teerão passa através de Damasco”: O objectivo estratégico da NATO é destruir o principal aliado do Irão no Médio Oriente; para as monarquias absolutistas do Golfo o objectivo é substituir uma república laica por uma ditadura vassalo teocrática; para o governo turco o objectivo é promover um regime cordato aos ditames da versão de Ancara do capitalismo islâmico; para a Al Qaeda e os seus aliados fundamentalistas Salafi e Wahabi, um regime teocrático sunita, limpo de sírios laicos, alevis e cristãos servirá como trampolim para projectar poder no mundo islâmico; e para Israel uma Síria divida ensopada em sangue assegurará a sua hegemonia regional. Não foi sem uma antevisão profética que o senador estado-unidense Joseph Lieberman, um uber-sionista, dias após o ataque da “Al Qaeda” de 11 de Setembro de 2001, pediu: “Primeiro devemos atacar o Irão, Iraque e Síria” antes mesmo de considerar os autores reais do feito.
As forças anti sírias armadas reflectem uma variedade de perspectivas políticas conflituantes unidas apenas pelo seu ódio comum ao regime nacionalista independente e leito que tem governado a complexa e multi-étnica sociedade síria desde há décadas. A guerra contra a Síria é a plataforma de lançamento de uma nova ressurgência do militarismo ocidental a estender-se desde a África do Norte até o Golfo Pérsico, sustentado por uma campanha de propaganda sistemática que proclama a missão democrática, humanitária e “civilizadora” da NATO em prol do povo sírio.

A estrada para Damasco está pavimentada com mentiras

Uma análise objectiva da composição política e social dos combatentes armados na Síria refuta qualquer afirmação de que o levantamento é feito em busca da democracia para o povo daquele país. Combatentes fundamentalistas autoritários formam a espinha dorsal do levantamento. Os Estados do Golfo que financiam estes bandidos brutais são eles próprios monarquias absolutistas. O Ocidente, depois de ter impingido um brutal regime gangster sobre o povo da Líbia, não pode apregoar “intervenção humanitária”.
Os grupos armados infiltram cidades e utilizam centros populosos como escudos a partir dos quis lançam seus ataques às forças do governo. No processo eles expulsam milhares de cidadãos dos seus lares, lojas e escritórios os quais utilizam como postos avançados. A destruição do bairro de Baba Amr em Homs é um caso clássico de gangs armadas a utilizarem civis como escudos e como matéria de propaganda na demonização do governo.
Estes mercenários armados não têm credibilidade nacional junto à massa do povo sírio. Uma das suas principais centrais de propaganda está localizada no coração de Londres, o chamado “Syrian Human Rights Observatory” onde, em coordenação estreita com a inteligência britânica, despejam chocantes estórias de atrocidades para estimular sentimentos a favor de uma intervenção da NATO. Os reis e emires dos Estados do Golfo financiam estes combatentes. A Turquia proporciona bases militares e controla o fluxo transfronteiriço de armas e os movimentos dos líderes do chamado “Free Syrian Army”. Os EUA, França e Inglaterra proporcionam as armas, o treino e a cobertura diplomática, jihadistas-fundamentalistas estrangeiros, incluindo combatentes Al Qaeda da Líbia, Iraque e Afeganistão, entraram no conflito. Isto não é “guerra civil”. Isto é um conflito internacional contrapondo uma perversa tripla aliança de imperialistas da NATO, déspotas de Estados do Golfo e fundamentalistas muçulmanos contra um regime nacionalista independente e laico. A origem estrangeira das armas, maquinaria de propaganda e combatentes mercenários revela o sinistro carácter imperial e “multinacional” do conflito. Em última análise o violento levantamento contra o estado sírio representa uma sistemática campanha imperialista para derrubar um aliado do Irão, Rússia e China, mesmo ao custo de destruir a economia e a sociedade civil síria, de fragmentar o país e desencadear duradouras guerras sectárias de extermínio contra os Alevi e minorias cristãs, bem como apoiantes laicos do governo.
As matanças e a fuga em massa de refugiados não é o resultado de violência gratuita cometida por um estado sírio sedento de sangue. As milícias apoiadas pelo ocidente capturaram bairros pela força das armas, destruíram oleodutos, sabotaram transportes e bombardearam edifícios do governo. No decorrer dos seus ataques eles interromperam serviços básicos críticos para o povo sírio incluindo educação, acesso a cuidados médicos, segurança, água, electricidade e transporte. Assim, eles arcam com a maior parte da responsabilidade por este “desastre humanitário” (do qual seus aliados imperiais e responsáveis da ONU culpam as forças armadas e de segurança sírias). As forças de segurança sírias estão a combater para preservar a independência nacional de um estado laico, ao passo que a oposição armada comete violências por conta dos mestres estrangeiros que lhes pagam – em Washington, Riyadh, Tel Aviv, Ancara e Londres.

Conclusões

O referendo do regime Assad no mês passado atraiu milhões de eleitores sírios em desafio às ameaças imperialistas ocidentais e aos apelos terroristas a um boicote. Isto indica claramente que uma maioria de sírios prefere uma solução pacífica, negociada, e rejeita a violência mercenária. O Syrian National Council apoiado pelo ocidente e o “Free Syrian Army” armado pelos turcos e Estados do Golfo rejeitaram categoricamente apelos russos e chineses para um diálogo aberto e negociações, os quais foram aceites pelo regime Assad. A NATO e as ditaduras dos Estados do Golfo estão a pressionar seus apaniguados a tentarem uma “mudança de regime” violenta, uma política que já provocou a morte de milhares de sírios. As sanções económicas estado-unidenses e europeias são concebidas para arruinar a economia síria, na expectativa de que a privação aguda conduzirá uma população empobrecida para os braços dos seus violentos apaniguados. Numa repetição do cenário líbio, a NATO propõe “libertar” o povo sírio através da destruição da sua economia, sociedade civil e estado laico.
Uma vitória militar ocidental na Síria simplesmente alimentará a fúria crescente do militarismo. Encorajará o Ocidente, Ryiadh e Israel a provocarem uma nova guerra civil no Líbano. Depois de demolir a Síria, o eixo Washington-UE-Riyadh-Tel Aviv mover-se-á para uma confrontação muito mais sangrenta com o Irão.
A horrenda destruição do Iraque, seguida pelo colapso da Líbia do pós guerra, proporciona um terrífico modelo do que está reservado para o povo da Síria. Um colapso precipitado dos seus padrões de vida, a fragmentação do seu país, limpeza étnica, dominação de gangs sectárias e fundamentalistas e insegurança total quanto à vida e propriedade.
Assim como a “esquerda” e “progressistas” declararam o brutal ataque à Líbia ser a “luta revolucionária de democratas insurgentes” e a seguir afastaram-se, lavando as mãos da sangrenta consequência de violência étnica contra líbios negros, eles agora repetem os mesmos apelos à intervenção militar contra a Síria. Os mesmos liberais, progressistas, socialistas e marxistas que estão a apelar ao Ocidente para intervir na “crise humanitária” da Síria a partir dos seus cafés e gabinetes em Manhattan e Paris, perderão todo interesse na orgia sangrenta dos seus mercenários vitoriosos depois de Damasco, Alepo e outras cidades sírias terem sido bombardeadas pela NATO até à submissão.
 
Ver também: USAF Strategic Studies Group: Special Operations Forces Are “Already on the Ground,” Training the “Free Syrian Army”, “Global Intelligence Files” da WikiLeaks, Email-ID 1671459 de 07/Dez/2011
Síria: até onde o mundo se deixará enganar?
SANA News Agency
[*] O seu livro mais recente é The Arab Revolt and the Imperialist Counterattack (Clarity Press: Atlanta2012) 2ª edição.

O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1891

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.

Há 90 anos, nascia o partido que aglutinou a esquerda e as lutas de trabalhadores no Brasil


Os nove delegados da fundação do PCB

Felipe Prestes no SUL21

Em tempos democráticos, três siglas (PCB, PC do B e PPS) reivindicam um legado que tem como marco inicial a reunião entre nove pessoas, em Niterói, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922. Eram poucos, mas representavam os primeiros 73 filiados oriundos de grupos comunistas já existentes nas principais cidades do país, que resolveram se juntar em uma estrutura nacional. Na época, não tinham condições para que o primeiro congresso, que fundou o Partido Comunista do Brasil (PCB), tivesse mais que nove pessoas.
Mas o passado que estes partidos reivindicam não é apenas este início difícil, que hoje soa engraçado. É a história de uma sigla que aglutinou as incipientes lutas de trabalhadores urbanos de um país que começa a se industrializar, disseminando os ideais comunistas na esteira da então recente Revolução Russa, dos dez dias que abalaram o mundo, como eternizou o jornalista e testemunha ocular John Reed, em outubro de 1917.
É um partido que conseguiu manter sua existência abaixo de repressão por décadas, disseminando as ideias hegemônicas da esquerda de sua época. Foi uma organização que, em torno da figura de Luis Carlos Prestes, arrebatou “as massas” após o fim do Estado Novo e chegou a ter 10% dos votos para uma eleição presidencial. Que se tornou o reduto político de intelectuais brasileiros como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Di Cavalcanti, Oscar Niemeyer, João Saldanha, Caio Prado Júnior, Mario Lago, Dyonélio Machado, Mario Schoenberg, entre outros.
Voltando em seguida à ilegalidade, continuou sendo protagonista de lutas mesmo durante a ditadura militar e após uma divisão interna, ocorrida em 1962. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) escreveram ambos páginas importantes da história brasileira. O PC do B, liderado por João Amazonas e Maurício Grabois, entre outros, optou pela luta armada no campo e foi vítima no Araguaia de uma das páginas mais sangrentas de nossa história, tema que ainda hoje segue atual, uma vez que gerou uma recente condenação ao Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O PCB, por sua vez, eternizou-se como o “Partidão”, embora o termo venha da época em que havia um único e grande partido comunista no Brasil. Capitaneada por Luis Carlos Prestes, a organização busca a legalidade, esbarra na ditadura militar, mas mesmo assim tenta a luta pacífica. O PCB se espalhava entre a classe média e a classe operária do Brasil. É difícil encontrar um brasileiro de uma grande cidade que não tenha tido um parente ou um amigo que fazia parte das fileiras do Partidão — seja ele engenheiro, médico, advogado, jornalista, professor – , sempre tentando, no local de trabalho, nas rodas de amigos, disseminar as ideias marxistas e arrebanhar mais gente para a organização, mesmo em pleno governo autoritário.
Este repórter mesmo tinha um tio-avô, já falecido, que integrou as fileiras do Partidão. Era filiado à direitista UDN, de Carlos Lacerda, e oriundo de uma família oligárquica, mas começou a carreira de treinador de futebol ainda jovem, nos anos 1950, e foi treinar o Nacional de Porto Alegre, o clube dos ferroviários. Comunistas, os dirigentes do clube conseguiram lhe apresentar as ideias marxistas e fazer com que integrasse o PCB. Ao longo das duas décadas seguintes, sua militância se resumia a encontros clandestinos para debates sobre marxismo e outros temas, mas sempre se dizendo integrante do Partidão, embora, em tempos de ditadura, não houvesse evidentemente qualquer documento que o identificasse como tal e o partido já não tivesse grande organicidade. Logo mais, as mesmas pessoas estariam se reunindo nos primeiros tempos do Partido dos Trabalhadores.
Roberto Freire

Os partidos comunistas só foram legalizados em 1985. Em 1989, um grupo liderado Roberto Freire transformou o PCB em Partido Popular Socialista (PPS), mas muitos integrantes do partido não aceitaram e fundaram o PCB novamente. Os três partidos oscilaram ideologicamente e hoje pode se dizer que o PCB se aproxima mais da extrema-esquerda, o PC do B do centro-esquerda e o PPS do centro-direita. Apesar disto, os três reivindicam o passado quase centenário.
“É um falso debate”, opina o historiador da Universidade Federal de Santa Maria, Diorge Konrad. Apesar de ser ligado ao PC do B – foi um dos historiadores e jornalistas que escreveu sobre um livro sobre a história do partido – Konrad acredita que todos têm legitimidade para reivindicar aquele passado, mesmo quem hoje está cada vez mais longe de seus ideais.
No final das contas o PCB é um elo comum entre esquerdas e entre as lutas dos trabalhadores brasileiros, com suas oscilações ideológicas, com suas idas e vindas entre se aliar com a burguesia ou lutar contra ela, seus farsantes, porque tudo isto o antigo partido teve, como têm hoje os atores da vida política do país. Ademais, houve determinado momento em que ser de esquerda no Brasil era praticamente ser do PCB. “O PCB foi a principal organização de esquerda do país e monopolizou o marxismo durante muito tempo. Nos anos 1920, ainda rivalizava com organizações anarquistas, mas, a partir dos anos 1930, o anarquismo arrefeceu”, afirma a doutoranda da UFRGS, Marisângela Martins, que estuda a história de militantes do antigo PCB.
Revolução Russa, modernismo e tenentismo
Naqueles dias de março, se encontraram Abílio Nequete, barbeiro de Porto Alegre, que tinha ligações com o PC do Uruguai; Astrojildo Pereira, jornalista de Niterói; Cristiano Cordeiro, funcionário público de Recife; Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP); João Jorge Costa Pimenta, gráfico de São Paulo; Joaquim Barbosa e Manoel Cendón, alfaiates, Luiz Peres, artesão vassoureiro e José Elias da Silva, funcionário público, todos do Rio de Janeiro, na época sede do Distrito Federal. Nequete foi escolhido secretário-geral, mas três meses depois eclodiu a revolta do Forte de Copacabana, a polícia aproveitou para destruir a sede do recém fundado partido e Nequete se mandou de volta para Porto Alegre, ficando Astrojildo como dirigente na Capital Federal.
Era o começo do tenentismo, em um ano já marcado também pela Semana de Arte Moderna. “O Brasil está em transformação. 1922 é o ano do modernismo, do tenentismo. O proletariado é cada vez maior nas cidades”, afirma Diorge Konrad. Além disto, havia o contexto internacional de sucesso da Revolução Russa, um dos fatos delineadores do século XX, que contribuiu decisivamente para que trabalhadores organizados optassem pela ideologia marxista, sempre com um olho nos desígnios de Moscou. “O sucesso da revolução e a construção da União Soviética favorecem a criação de partidos comunistas pelo mundo”, diz o historiador.
O diferencial do PCB foi a permanência, a capacidade de sobreviver à repressão e á ilegalidade. Antes do PCB houve, inclusive, um partido comunista, criado em 1919, mas de duração efêmera. Outros partidos ligados ao proletariado também duravam pouco àquela altura.

Entre o isolamento e as alianças

A história do PCB sempre foi permeada por mudanças na sua postura frente a outros atores políticos. Ora o partido estava mais propenso à luta armada, ora a alianças com a burguesia. Ora o partido negava totalmente o sistema vigente, ora tentava mudar o sistema participando dele. Essas idas e vinda seriam mais tarde o estopim da divisão entre PCB e PC do B.
Prestes no tempo da Coluna

Até a ascensão de Josef Stálin na União Soviética, em 1927, o PCB seguia as ideias de Lênin, que propagava que em países que ainda não havia tido uma revolução burguesa os proletários deveriam se aliar com camponeses, soldados e cabos, marinheiros e até com pequenos burgueses. Neste contexto, Astrojildo Pereira vai atrás de Luis Carlos Prestes na Bolívia, após o final da Coluna Prestes, em 1928, e apresenta as obras de Karl Marx ao já então mundialmente conhecido Cavaleiro da Esperança.
Tudo indica que Prestes nunca tinha tido contato com o comunismo, mas ele gostou do que leu. Em Buenos Aires, sede da Internacional Comunista (IC) na América Latina, ele se aproxima de influentes comunistas, mas o 6º Congresso da IC, também em 1928, definira que com a ascensão do fascismo a tática internacional de luta deve ser “classe contra classe”. Por isto, quando um tenente como Prestes pede sua filiação ao PCB, ela não é aceita. “O proletariado não faria mais alianças. A avaliação é de que os tenentes fazem parte da luta antirrevolucionária”, conta Diorge Konrad.
“O PCB era marcadamente stalinista e a forma de luta dependia essencialmente do contexto internacional”, afirma Marisângela Martins. Em 1931, Luis Carlos Prestes vai para a União Soviética e, mesmo assim, demora três anos para que se filie ao PCB, por determinação dos soviéticos, em 1934. Prestes vem ao Brasil em 1935 e utiliza a como uma estrutura legal para o partido a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento que havia sido formado por intelectuais e militares para combater o fascismo, e que se inspirava no tenentismo. “Alguns tenentes se somam ao PCB e o partido começa a se aproximar das massas”, relata Konrad.
Entretanto, a malfadada tentativa de insurreição em novembro daquele ano, conhecida como Intentona Comunista, põe por água abaixo os planos do partido. A repressão é cada vez maior e culmina com o golpe dado pelo próprio Getúlio Vargas, em 1937, que pôs fim à relativa democracia da época e deu lugar ao autoritário período do Estado Novo. “Em 1939, o partido inexiste organicamente”, afirma Konrad.

Sucesso eleitoral

Em 1943, comunistas se reúnem clandestinamente na Serra da Mantiqueira e reorganizam o partido. Liderados por João Amazonas e Pedro Pomar, eles decidem que Prestes, que estava preso, seria o secretário-geral. Mas assim que sai da cadeia, em 1945, o Cavaleiro da Esperança surpreende a todos, com uma mudança radical na estratégia de luta: defende em uma carta a “União Nacional para a Democracia e o Progresso”.
Inebriado pela aliança exitosa entre potências comunistas e capitalistas que derrotaram o fascismo, Prestes defende que a democracia burguesa pode ser uma ponte para um governo de esquerda. “Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador”, escreve o líder do PCB.
A postura do líder comunista, que estendeu a mão até mesmo para Getúlio Vargas, quem enviou sua mulher Olga Benário para morrer na Alemanha nazista. “Os militantes não entendiam como Prestes queria se aliar até mesmo com Getúlio, mas isto acabou sendo aceito pelo partido”, afirma Marisângela Martins.
O final da Segunda Guerra também amoleceu o coração da elite nacional quanto ao comunismo e à União Soviética. O PCB pôde finalmente se tornar legal e disputar eleições. “Com o sucesso da URSS na guerra, houve uma projeção fantástica do comunismo no Brasil”, conta a doutoranda da UFRGS. “A legalização do PCB tem a ver com os Aliados, com a luta da URSS em conjunto com as potências capitalistas para derrotar Hitler. Os comunistas passaram a ser vistos por muitos brasileiros como aliados importantes”, concorda Diorge Konrad.
Na verdade, o partido já disputara eleições na década de 1920, com o Bloco Operário Camponês (BOC), um biombo legal do PCB para concorrer. Em 1930, inclusive, o BOC lança um candidato à presidência, Minervino de Oliveira, negro e operário, que obtém votação inexpressiva. Nada comparado à explosão eleitoral do PCB em 1945.
Luis Carlos Prestes concorre ao Senado por vários estados, o que era permitido à época, e é o senador mais votado do Brasil. “Num comício dele em Porto Alegre, o Parque da Redenção ficara completamente lotado”, conta o historiador da UFSM. A sigla faz 14 deputados federais, entre eles o escritor Jorge Amado. No Rio Grande do Sul, o escritor Dyonélio Machado é eleito deputado estadual. Na época da legalidade do partido, sobressai a simpatia dos intelectuais pela sigla. Mesmo criado por operários, o PCB sempre teve intelectuais em seus quadros, como o jornalista Astrojildo Pereira, um de seus fundadores.
Marisângela Martins conta que os “intelectuais” dentro do partido não eram apenas os escritores, pensadores ou artistas. “Havia um conceito amplo de intelectual. Eram todos aqueles que não faziam trabalhos manuais. Médicos, jornalistas, advogados, funcionários públicos — dependendo da função que tivessem – eram considerados intelectuais”, afirma. Apesar de Astrojildo ter sido um importante dirigente do partido, em geral, os intelectuais não tinham poder dentro da organização, diz a historiadora. Muitos dos intelectuais, entre eles Jorge Amado, se desiludiram com o PCB depois que Nikita Kruschev divulgou os crimes do stalinismo em 1956.

Guerra Fria e divisão

A amizade entre comunistas e capitalistas no pós-guerra não demoraria muito a virar uma nova batalha. A Guerra Fria se tornou evidente, e o Governo Dutra se aliou aos Estados Unidos. Não tardou para que o PCB voltasse à ilegalidade, mesmo porque o sucesso eleitoral assustara aos conservadores. A clandestinidade, a Guerra Fria e o surgimento do trabalhismo, um concorrente no campo da esquerda, contribuíram para que apenas os mais radicais permanecessem no PCB.
“Os mais moderados migravam para o PTB. Prestes se desiludiu (com as alianças) e radicalizou forte. Em 1950, ele defendeu publicamente a criação de um Exército popular para fazer a revolução. O anticomunismo também cresceu muito”, conta Marisângela Martins. Ela ressalta que os anais da Assembleia Legislativa, gaúcha mostram, por exemplo, que o próprio Leonel Brizola, quando deputado estadual, era anticomunista, o que não escondia em seus discursos.
Apesar disto, as medidas mais nacionalistas ou antiimperialistas dos governos progressistas de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e de seus partidos tinham apoio de muitos militantes comunistas. “Muitos deles participaram do ‘Petróleo é nosso’ e da ‘Campanha pela Paz’, que pedia o fim das ameaças nucleares entre as potências”, diz a historiadora. Ainda assim, o PCB era forte crítico do Governo Getúlio, tanto que no dia do suicídio do presidente, populares depredam não só sedes da UDN e jornais de Assis Chateaubriand, mas também espaços do PCB.
No Governo JK, com o fim do stalinismo, o discurso comunista se abranda um pouco. E as autoridades também não combatem ferrenhamente o PCB. Diorge Konrad relata que durante o Governo JK e, posteriormente, no Governo Jango, os comunistas tinham certa liberdade, embora na ilegalidade. “Prestes percorre o Brasil, falando em praça pública”, conta. “O Governo JK fazia vista grossa ao PCB, tanto que comunistas concorriam nas eleições, por outras siglas”, diz Marisângela Martins.
Este período de relativa abertura fez com que Luis Carlos Prestes fizesse em 1960 uma campanha pela legalidade do partido, o que foi um dos motivos da cisão com o grupo de João Amazonas. “Eles argumentavam que Prestes estava fugindo aos ideias do partido”, diz Marisângela. Para Diorge Konrad, a divergência também se dá porque Prestes segue a linha soviética que no momento era de “coexistência pacífica”.
XX Congresso

“O racha se dá essencialmente em torno da decisão do 20º Congresso da IC, na URSS, em que se propõe a coexistência pacífica. Esta posição divide o partido. O grupo de João Amazonas não aceita esta tese”, afirma o historiador. Konrad conta que comunistas que não aceitam abandonar a tese da luta armada vão acabar formando vários grupos, que lutarão, de fato, quando se instaura a ditadura militar. “Outros grupos de comunistas também se formam, que preconizam a luta armada, como a ALN, de Marighella”.

Hoje

Atualmente o PCB está organizado em 20 estados brasileiros. Tem uma reduzida quantidade de militantes, decorrente de sua baixa representatividade social e sindical. Antes da crise do mensalão, o PCB rompeu com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, pois, segundo resolução de seu congresso, sua política se caracterizava pela continuação de política neoliberal. Participou da Frente de Esquerda, coalizão de visão socialista e classista formadas por PSOL e PSTU, apoiando a candidata Heloísa Helena nas eleições presidenciais de 2006.
Seu secretário-geral do PCB é Ivan Martins Pinheiro. Em 2005 foi reativada a UJC – União da Juventude Comunista. Em Conferência Política Nacional realizada em Março de 2008, o PCB deixou de ter o cargo de Presidente, retomando o cargo histórico de Secretário Geral.
O ano de 2007 começa com o PCB tendo cerca de 20 vereadores e mais dois vice-prefeitos, além de um deputado estadual no Amapá, Jorge Souza, reeleito em 2006. Porém, nas mesmas eleições parlamentares — de 2006 — o PCB não conseguiu eleger representantes ao Congresso Federal, obtendo votações abaixo de 0,5% do total de votos válidos no território nacional. Em 2009, promoveu seu XIV Congresso Nacional no RJ, onde elaborou e aprovou as teses da fase monopolista do capitalismo no Brasil, e a necessidade da construção de uma ampla frente anticapitalista e anti-imperialista para a construção da revolução socialista. Em 2010, lançou seu secretário-geral, Ivan Pinheiro presidente da república, além de candidatos na maioria dos estados, divulgando o programa comunista.
Na ocasião, dizia Ivan Pinheiro:
Não entramos em uma campanha eleitoral, mas em uma campanha política. Na busca pelo voto, os discursos se rebaixam e todos se colocam como salvadores do capitalismo. Queremos deixar claro que não abriremos mão de nossas bandeiras políticas de solidariedade aos palestinos, da defesa de Cuba socialista, dos avanços na Bolívia e na Venezuela, pela libertação dos presos políticos nos cárceres da Colômbia, contra as bases ianques, além dos grandes temas nacionais, sem enganar ninguém, sem mentir para ninguém: não é possível humanizar um sistema que tem no lucro sua maior expressão; o capitalismo é incompatível com a vida humana.

sábado, 24 de março de 2012

Educação para uma nova sociedade

 Marcio Pochmann

Da implantação da República, em 1889, até a Constituição Federal, em 1988, o avanço da escola pública no Brasil não foi contínuo, pois esteve marcado pelo fardo da escravidão e pelos traços de uma sociedade patrimonialista. Assim, em quase cem anos de República, a educação permaneceu prisioneira das condições de produção e reprodução do subdesenvolvimento nacional.
Até a década de 1940, por exemplo, as possibilidades de inclusão dos filhos de negros na escola pública eram quase nulas, tanto assim que a parcela significativa dos analfabetos do país do início do século XXI possui mais de 55 anos de idade e não são brancos. Ao mesmo tempo, a apropriação patrimonialista do Estado por estritos segmentos sociais transformou a boa escola pública em quase exclusividade de reprodução de uma elite branca, sem conceder possibilidades para a universalização do acesso a toda população.
Com a aprovação da Constituição Federal após a transição da ditadura militar (1964 – 1985) para o atual regime democrático, a educação pública ganhou relevância. Mas isso se deu associado à necessária garantia de recursos orçamentários, o que permitiu rapidamente ao país alcançar a universalização do acesso ao ensino fundamental.
Neste novo contexto constitucional de estruturação do Estado de bem-estar social no Brasil, assistiu-se ao avanço da cobertura social para praticamente todos os segmentos vulneráveis da população, como crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e Adolescente – ECA), idosos e portadores de necessidades especiais (reconfiguração do sistema de aposentarias e pensão), pobres (programas de transferências de renda, como o Bolsa Família), desempregados (seguro desemprego), entre outros. Com isso, os indicadores sociais passaram a apontar melhoras inegáveis, não obstante os enormes constrangimentos impostos pelo predomínio das políticas neoliberais desde o final da década de 1980.
Os avanços sociais não foram, contudo, plenos. O segmento juvenil, por exemplo, permaneceu à margem, sendo somente mais tardiamente objeto de maior intervenção de políticas públicas. Mesmo assim, de forma parcial e incompleta, a começar pelo programa Agente Jovem do final dos anos 1990, passando pelo fracasso do programa Primeiro Emprego do início da década de 2000, até chegar ao mais estruturado programa governamental Pró-Jovem.
Tendo em vista o enorme desafio atual de conceder maior atenção à problemática da inclusão juvenil no Brasil, torna-se fundamental a temática educacional, especialmente aquela atinente às condicionalidades que afetam a trajetória das condições de vida do segmento social de 16 aos 24 anos de idade. Inicialmente, percebe-se que, dos 29,3 milhões de jovens na faixa de 16 a 24 anos de idade, somente 32,4% mantinham-se afastados do mercado de trabalho no ano de 2008. Deste universo de 9,5 milhões de jovens inativos, 59% somente estudavam, enquanto 41% não estudavam, não trabalhavam e nem procuravam trabalho (3,9 milhões).
A maior parte dos jovens de 16 a 24 anos encontrava-se ativa no interior do mercado de trabalho (19,7 milhões), sendo 16,7 milhões ocupados e 3 milhões na condição desempregados (15,2%). Dos que trabalhavam, somente 31,7% estudavam (5,3 milhões), indicando que a maior parte que se encontra ocupado não consegue estudar (11,4 milhões). No caso dos desempregados, 40% frequentavam escola (1,2 milhão) e 60% não estudavam (1,8 milhão).
Resumidamente, constata-se que, da população de 16 a 24 anos de idade, somente 11,8 milhões (40,2%) estudavam em 2008. Deste universo, 47,5% (5,6 milhões) não trabalhavam nem procuravam trabalho (inativos), 44,9% (5,3 milhões) estavam ocupados e 10,2% (1,2 milhão), desempregados. Em relação aos jovens que não frequentavam escola (17,5 milhões), 65,1% trabalhavam (11,4 milhões), 22,2% não trabalhavam e nem procuravam trabalho (3,9 milhões) e 10,3% estavam desempregados (1,8 milhão). Para os 29,3 milhões de jovens na faixa de 16 a 24 anos de idade, a renda média familiar per capita era de R$ 512,70 ao mês em 2008.
Mas para os jovens inativos que só estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 633,20 ao mês (23,5% superior à renda média). Já para os jovens inativos que não estudavam, a renda média familiar per capita era de somente R$ 309,60 ao mês em 2008 (39,6% inferior à renda média). No caso dos jovens ocupados que estudavam a renda média familiar per capita era de R$ 648,70 ao mês em 2008 (26,5% superior à renda média). Os jovens ocupados que não estudavam registraram renda média familiar per capita era de R$ 492,20 ao mês em 2008 (4% inferior à renda média).
Por fim, entre os jovens desempregados que estudavam a renda média familiar per capita era de R$ 486,80 ao mês em 2008 (5,1% inferior à renda média), enquanto para os jovens desempregados que não estudavam a renda média familiar per capita era de R$ 320,20 ao mês em 2008 (37,6% inferior à renda média). Neste quadro, parece não haver dúvidas que a trajetória educacional do segmento de 16 a 24 anos de idade encontra-se diretamente vinculada ao nível de renda.
Quanto menor a renda per capita familiar, maior a dificuldade de continuar ativo na educação. Não obstante os avanços necessários em termos de universalização do acesso educacional relativo ao ensino médio e superior, bem como a elevação da qualidade do ensino, há o tema estruturante da desigualdade de renda. Sem resolver isso, os discursos em favor da educação podem continuar sendo apenas retórica, sem efetividade para a totalidade dos jovens brasileiros.

Este artigo é parte integrante da edição 107 de Fórum

Abreu e Lima, herói da luta pela independência e união da América Latina

Abreu e Lima, general brasileiro revolucionário que lutou junto com Simón Bolívar 
José Inácio de Abreu e Lima nasceu no dia 6 de abril de 1794, no Recife, numa família de senhores de engenho. O futuro general de Bolívar veio ao mundo cinco anos após a Revolução Francesa, quando as suas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade se espalhavam pelo mundo e tinham inspirado no Brasil a Conjuração Mineira, que ocorrera também em 1789, dando à nossa história o legendário mártir Tiradentes (A Verdade, nº 6 e 29).
Nas veias do menino corria sangue revolucionário. O do seu pai, José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, conhecido como Padre Roma. É que ele foi realmente frade, graduou-se em teologia na Universidade de Coimbra, Portugal, e ordenou-se em Roma, mas por pouco tempo. Teve as ordens sacerdotais suspensas, por não seguir os cânones conservadores do Vaticano.
Participante ativo da Revolução Pernambucana de 1817, padre Roma foi enviado à Bahia para articular o levante anti-imperial naquele Estado. Preso em missão, foi executado três dias depois, sem delatar os companheiros nem os planos revolucionários. Uma tortura adicional: dois dos seus três filhos, Luís e José foram obriga- dos a assistir ao fuzilamento. José tinha então 23 anos e era um jovem capitão do Exército brasileiro. O fato não o abateu; pelo contrário, marcou-lhe o espírito revolucionário. Alguns anos depois viria a ser o bravo general bolivariano.

Na luta com Simón Bolívar

Dois anos depois do fuzilamento do genitor, Abreu e Lima abandonou o exército brasileiro e engajou-se nas tropas de Bolívar, na Venezuela. Bolívar lutava, não apenas pela independência ante o invasor espanhol, mas pela formação de uma grande nação latino-americana. Fruto de sua campanha, já se haviam unificado Colômbia, Venezuela e Equador, formando a Grã-Colômbia e a luta se estendia vitoriosa nos territórios do Peru e da Bolívia, avançando pelo Chile e pela Argentina.
Em pouco tempo o jovem oficial brasileiro destacou-se na guerra de libertação, assumiu postos de comando e foi responsável pela vitória em várias batalhas, recebendo a patente de coronel em janeiro de 1824. Conflitos internos, que resvalaram para ataques pessoais levaram Abreu e Lima a sofrer uma suspensão do exército libertador e ao cumprimento de pena de detenção por seis meses. Reabilitado, integrou o círculo de oficiais mais próximos e leais a Bolívar, de quem recebeu a patente de general.
Divergiam de Bolívar líderes nacionais, que defendiam a consolidação isolada de cada nação e consideravam um sonho impossível, tornando-se um desperdício de energia a ideia de integração continental. Francisco de Paula Santander, da Colômbia, foi inicialmente o defensor dessa pro- posta, que se alastrou para os outros países libertados, com José Antônio Paez, na Venezuela; Agostin Guerra, na Bolívia; José Lamar, no Peru. O ideal unitário bolivariano se despedaçava.
Bolívar ainda tentou, com os poucos oficiais que permaneciam do seu lado, entre os quais Abreu e Lima, defender a Grã-Colômbia. Houve forte luta interna, com muitas perdas, entre aqueles que pouco antes estavam irmanados na guerra contra o invasor espanhol. Simón Bolívar resolveu partir para o exílio, organizando a retirada até o litoral com os oficiais que continuavam do seu lado, ocasião em que nomeou Abreu e Lima, general e um dos comandantes da operação. Esta não chegou ao seu termo, porque no dia 17 de dezembro de 1830, o Grande Libertador falecia, vitimado pela tuberculose.
Os oficiais bolivarianos divulgaram a seguir um comunicado em que se manifestaram “dispostos a morrer para garantir a última vontade do Libertador” e faziam apelo no mesmo sentido aos “companheiros do Exército da Grã-Colômbia”. Mesmo esse grupo, entretanto, não sustentou por muito tempo a unidade. Tendo assumido o comando, o general Luque expulsou os bolivarianos autênticos. Abreu e Lima foi para os Estados Unidos em setembro de 1831 e retornou no mesmo ano ao Brasil.

Monarquista, pela unidade nacional, e homem das massas

Surpreendentemente, não se alinhou aos republicanos. Considerava- os elitistas e acreditava que o fim da monarquia poria fim à unidade do país. Radicado no Rio de Janeiro, dedicou-se ao estudo da História do Brasil e travou apaixonadas polêmicas pela imprensa, com destaque para a travada com o famoso escriba republicano Evaristo da Veiga. Este negava qualquer valor a Abreu e Lima e o chamava pejorativamente de “general das massas”. A este epíteto, o general de Bolívar respondeu: “Com efeito a minha causa está afeta ao povo; é às massas para quem apelo, porque eu sou parte delas; sou membro desse todo a quem desprezais a cada instante e a quem tendes chamado vil canalha”.

Preso como articulador da Revolução Praieira

Tendo retornado para o Recife em 1844, Abreu e Lima filiou-se ao Partido Liberal, denominado praieiro porque a sua ala mais radical editava um jornal com sede na Rua da Praia, denominado Diário Novo, em contraposição ao Diário de Pernambuco, chamado “Diário Velho”, por ser porta-voz do conservadorismo. O jornal era impresso na gráfica do seu irmão, Luís Inácio Ribeiro Roma, ativo militante praieiro, que morreu durante a Revolução. Abreu e Lima escrevia nesse jornal, sempre dando notícias e fazendo comentários sobre os demais países latino-americanos e propugnando pela unidade continental. Por desavenças familiares, depois resolvidas, passou a editar seu próprio jornal, quase um boletim, denominado Barca de São Pedro.
Recife continuava sendo um centro irradiador de mercadorias e de ideias para todo o Nordeste e aí é que chegavam primeiro as notícias e obras produzidas na Europa. O comércio, dominado por estrangeiros, especialmente ingleses e portugueses. No meio intelectual predominava o liberalismo radical e começavam a se disseminar ideias socialistas, do socialismo utópico, trazidas pelo engenheiro francês Louis Léger Vauthier, adepto de Fourier.
Nacionalismo e socialismo utópico se juntaram e foram o motor da Revolução Praieira, desencadeada no dia 7 de novembro de 1848, dia do aniversário da Sabinada, luta pela independência travada na Bahia no ano de 1837. O Manifesto da Praieira propugnava o fim do latifúndio, da escravidão, a nacionalização do comércio e trabalho digno para todos. Derrotados os revoltosos, centenas de liberais, radicais ou moderados são presos, julgados e condenados. Abreu e Lima foi sentenciado à prisão perpétua e levado para a ilha de Fernando de Noronha. Não havia participado da Revolução, porém, e mantinha até uma certa distância dos revolucionários, o que conseguiu comprovar, sendo absolvido e liberado em junho de 1850.

Cidadania e socialismo

Saído do cárcere, voltou-se para os livros. Escrevia para os jornais, defendendo a ampliação do direito de voto, de direitos dos consumidores e contra a carestia. Sua análise da sociedade, levou-o à compreensão da luta de classes e à defesa do socialismo, de tipo utópico ou pré-marxista. No ano da praieira, 1848, Marx e Engels lançavam para o mundo o Manifesto Comunista, mas Abreu e Lima não faz referência a ele na sua obra O Socialismo. Fala de Babeux, Fourier, Saint-Simon e Owen.
Trechos que esclarecem a visão socialista de Abreu e Lima: “Que somos todos inimigos e rivais uns dos outros na proporção das nossas respectivas classes, não necessitamos de argumentos para prová-lo, basta que cada um dos que lerem este papel, seja qual for a sua condição, meta a mão na sua consciência”. “Em que consiste o socialismo? Na tendência do gênero humano para tornar-se uma só e imensa família”. E como se revela esta tendência? “Pelos fenômenos sociais, e eis aí porque chamamos socialismo a essa tendência visível, palpável, conhecida por sua marcha crescente e sempre progressiva desde os 15 primeiros séculos da História”.

Monumento ao herói na Venezuela

O general da libertação e unidade latino-americanas, faleceu em sua casa no dia 8 de março de 1869, aos 75 anos de idade. Não pôde ser sepultado em cemitério brasileiro, porque o bispo Francisco Cardoso Ayres não permitiu, alegando liberalismo religioso. Foi aceito, ironia histórica, no Cemitério dos Ingleses. Em seu túmulo, colocou-se a inscrição: “Aqui jaz o cidadão brasileiro José Ignácio de Abreu e Lima, propugnador esforçado da liberdade de consciência.”
Pouco lembrado no Brasil, mesmo em Pernambuco, a não ser pelo nome dado ao então distrito de Maricota, hoje cidade de Abreu e Lima, o nome do general bolivariano aparece com destaque no Monumento aos próceres, em Caracas, homenagem aos estrangeiros que contribuíram com a causa da independência.

O herói deve retornar ao solo pátrio

Exilado após a morte, o general das massas continua em solo estrangeiro. No ano passado o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi proibido de colocar um busto do herói no local. Urge resgatar os restos mortais de Abreu e Lima, para que descanse em solo pátrio. O Centro Cultural Manoel Lisboa e o Fórum Permanente da Anistia em Pernambuco estão realizando uma campanha pela repatriação do libertador bolivariano.

Luiz Alves no AVERDADE

Obras consultadas
Abreu e Lima, general de Bolívar, Chacon, Vamireh, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983
O Socialismo, General José Ignácio de Abreu e Lima, 2a edição, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979  
(Publicado no Jornal A Verdade, nº 32)

Quito, 22 de março: retrato da América Latina

Duas marchas na capital equatoriana. Uma, pelo fim das políticas extrativistas e um novo modelo de desenvolvimento. Outra, pela reversão de petróleo, ouro e cobre em serviços públicos básicos

Tadeu Breda, especial para a Rede Brasil Atual

Quito, 22 de março: retrato da América Latina
O presidente Rafael Correa fez questão de lembrar que foi eleito pela maioria em duas ocasiões (Foto: Presidência Equador)

São Paulo – No dia 22 de março, a capital do Equador, Quito, é um dos retratos mais fiéis da atualidade política, econômica e social da América Latina. Isso porque, hoje, duas grandes concentrações populares ocorrem na cidade.
De um lado estão indígenas, ambientalistas, setores do movimento camponês, estudantil e docente, que finalizam uma marcha de 15 dias após terem cortado o país de sul a norte. O protesto é encabeçado pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e pede o fim das políticas extrativistas do governo. Sobretudo, estão contra a mineração industrial.
Na outra ponta estão os apoiadores do presidente Rafael Correa, gente que compartilha os ideais da Revolução Cidadã. A manifestação governista é liderada pelo próprio mandatário, que, nas ruas, conta com o apoio de ministros, membros de sua administração, parlamentares e militantes de seu partido, Alianza País.
Na capital equatoriana, no dia 22, estão em disputa duas noções distintas de desenvolvimento, dois projetos políticos, duas visões de mundo, duas maneiras de entender riqueza e bem-estar. Parecem irreconciliáveis — e esperemos que a disputa se dê apenas no nível discursivo. As autoridades anunciaram haver tomado todas as medidas possíveis para evitar que os grupos se encontrem. Suas ideias, porém, estão em embate claro e aberto.

Governo vs. Indígenas

O grupo liderado pelo movimento indígena quer uma mudança radical na política de desenvolvimento do Equador. Apoiaram Rafael Correa nas eleições de 2006, na convocatória para uma Assembleia Constituinte, em 2007, e no referendo que aprovou a nova Constituição, em 2008. Mais que isso, a Conaie foi uma das grandes responsáveis pela construção do momento político que elegeu o presidente.
Mas a aliança acabou com a aprovação da Lei de Mineração, em 2009. Os indígenas — assim como muitos equatorianos — não aceitam que o país continue trilhando o caminho do extrativismo, o que significa exportar recursos naturais com baixo valor agregado e, em troca, ficar com impactos ambientais que empobrecem comunidades inteiras.
Já Rafael Correa faz questão de lembrar que foi eleito pela maioria dos cidadãos do Equador em duas ocasiões. É, pois, representante da vontade popular. Em discurso perante seus apoiadores, no dia 22, disse aos grupos opositores que, se desejam fazer valer suas ideias, devem antes ganhar as eleições. “Somos maioria e não estamos dispostos a que os mesmos de sempre queiram acabar com cinco anos de avanço e progresso”, bradou.
Em coro com o chefe de Estado, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando Cordero, defendeu a mineração e assegurou que a extração de cobre e ouro irá beneficiar as comunidades tradicionais. “Precisamos de 40 bilhões de dólares para oferecer todos os serviços básicos a todos os cidadãos equatorianos”, expressou. “Precisamos conseguir esse dinheiro.”

Mocinhos e bandidos

Não há mocinhos ou vilões na história. Rafael Correa foi eleito com o mandato histórico de reverter os malefícios causados por duas décadas de neoliberalismo no Equador. No período em que os governos do país fizeram ouvidos surdos ao povo e acataram as recomendações do FMI, quem sofreu foi o Estado. Por consequência, as políticas públicas em educação, saúde, agricultura, indústria, segurança, moradia, energia se enfraqueceram — e o povo empobreceu.
O presidente vem atacando tais problemas. Por isso, tem ganhado o voto da população. Para continuar com seu projeto, porém, precisa de dinheiro. E escolas, hospitais, estradas custam caro. Rafael Correa segue o famoso bordão escrito pelo aventureiro alemão Alexander Von Humboldt no século 18 e frisa: não podemos continuar pobres se estamos sentados sobre um saco de ouro.
Para o presidente, o caminho mais curto até o dinheiro — e o desenvolvimento — é a mineração. Mesmo porque as reservas petrolíferas equatorianas, responsáveis por metade do PIB nacional, estão com os dias contados.
Entretanto, a coalizão de organizações sociais que começa a orbitar novamente em volta do movimento indígena, como ocorria nos anos 1990, pede uma mudança radical de paradigmas. Todos querem o desenvolvimento do Equador, claro: mas não concordam com os métodos do governo. Avaliam que o extrativismo de hoje é o mesmo que norteia a economia equatoriana desde sempre — e têm a seu lado a verdade histórica de que vender matérias primas para os países ricos pode até ter gerado riqueza, porém jamais trouxe desenvolvimento.
“Com ouro e cobre, o país mais pobre” ou “A água vale mais que o ouro” são slogans que dão o tom dos protestos que cruzaram o Equador nas últimas duas semanas. São as comunidades indígenas e camponesas as que mais sofrem os efeitos colaterais da exploração de recursos naturais.
Enquanto as cidades se beneficiam da balança comercial positiva, os povoados da montanha e da floresta, que têm os poços de petróleo e as minas no quintal de casa, veem seus cursos d’água, solo e ar contaminados por uma variedade de metais pesados e elementos tóxicos. Assim, ficam impossibilitados de viver de acordo com seus costumes e tradições — direito assegurado pela Constituição de 2008.
Não por acaso, a marcha nacional do movimento indígena e aliados, que foi chamada de Marcha pela Vida, foi programada para chegar a Quito em 22 de março, quando se comemora o Dia Mundial da Água.

Luta pelo desenvolvimento

O mesmo confronto político que ocorre nas ruas da capital equatoriana agora, explicitamente, reproduz-se por todo o continente latino-americano, desde o norte do México até o sul do Chile. Com maior ou menor intensidade, movimentos indígenas, camponeses e organizações sociais estão se posicionando contra a execução dos grandes projetos de desenvolvimento em curso na região: represas, agronegócio, mineração, petróleo e projetos imobiliários.
Não porque sejam contra o desenvolvimento, mas porque querem outro tipo de desenvolvimento. Um desenvolvimento que não seja sinônimo de devastação ambiental, de repressão aos movimentos sociais, de desrespeito aos meios de vida comunitários. Um desenvolvimento que, como diz o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, garanta a igualdade entre os homens, quando a diferença os inferioriza, mas que permita também a existência de diferenças, quando a igualdade os descaracteriza.
É um desafio formidável, que nem o presidente Rafael Correa nem seus colegas progressistas ao longo da América Latina estão sabendo enfrentar. Os “governos de esquerda” mostraram que existe um caminho alternativo ao neoliberalismo. Porém, não conseguiram formular uma saída ao sistema que ao longo dos séculos tem sido vertedouro de desigualdades na região. O extrativismo gera destruição ambiental, empobrece as comunidades e concentra renda.
A marcha que chega à capital equatoriana no dia 22 de março quer colocar um ponto final nesta lógica. A manifestação liderada pelo presidente Rafael Correa acredita que o governo pode utilizar o dinheiro que virá da exploração mineral para suprir as necessidades básicas da população. É uma batalha eminentemente política. Nas ruas de Quito, um resumo dos desafios que enfrentam os povos latino-americanos.
 
Tadeu Breda é autor de "O Equador é Verde — Rafael Correa e os Paradigmas do Desenvolvimento" (Editora Elefante, 2011)