sexta-feira, 3 de agosto de 2012

E se o golpe de 2005 tivesse dado certo?


Por Emir Sader

Um historiador inglês (Neill Ferguson, História virtual) se dedicou a pensar vias alternativas daquelas que triunfaram efetivamente na história realmente existente, como exercícios de pensamento sobre o que teria sido se não fosse. Por exemplo: e se a Alemanha de Hitler tivesse triunfado na Segunda Guerra? E se a URSS não tivesse desaparecido? E outras circunstâncias como essas.
No Brasil podemos pensar o que teria acontecido se várias tentativas de golpe militar – antes e depois da de 1964 – tivessem triunfado, o que teria acontecido com o Brasil. Um bom exercício também para entender o presente, quando as mesmas forças que protagonizaram essas tentativas no passado – as fracassadas e a vencedora de 1964 – se excitam de novo e, como toda força decadente, tratam de dar aos estertores da sua última tentativa, uma dimensão épica, que somente uma classe que não pode olhar para sua vergonhosa historia golpista, pode fazer. Juizes, jornalistas, políticos derrotados, usam os superlativos que suas pobres formas de expressão permitem, para falar “do julgamento do século”, do “maior caso de…”.
Pudessem assumir a história do Brasil como ela realmente ocorreu e ocorre, se dariam conta que o maior julgamento da nossa história teria sido o da ditadura militar – aventura da qual essas mesmas forças participaram ativamente -, que destruiu a democracia no país, violou todos os direitos humanos, em todos os planos – políticos, jurídicos, sociais, culturais, econômicos -, abriu as portas para o assalto do Estado e do pais às grandes corporações nacionais e internacionais, impôs a ditadura também no plano da liberdade de expressão, prendeu, torturou, assassinou, fez desaparecer, alguns dos melhores brasileiros.
Em suma, passar a limpo essa página odiosa da nossa história – que tem as impressões digitais dos mesmos órgãos de comunicação que lideraram a ofensiva golpista de 2005 – teria sido o maior julgamento da nossa história, onde seriam réus eles mesmos, junto à alta oficialidade das FFAA, grande parte dos empresários nacionais e internacionais, entre outros.
Podemos, por exemplo, especular o que teria sido o país se tivesse triunfado o golpe contra Getúlio, em 1954. Era um movimento similar ao que triunfou uma década depois, com origem na Doutrina de Segurança Nacional, típica ideologia da guerra fria. Na Argentina, por exemplo, a queda de Peron, um ano depois do suicídio do Getúlio, introduziu o tipo de militar “gorila” (a expressão nasceu na Argentina, com o golpe de 1955), que se generalizaria a partir do golpe brasileiro.
Na Argentina, com a proscrição do peronismo, Arturo Frondizi conseguiu se eleger presidente, mas nem ele, nem os presidentes ou ditadores que o sucederam – houve novo golpe em 1966, que também fracassou, como o de 1955 – conseguiram estabilizar-se, frente à oposiçao do peronismo, principalmente do seu ramo sindical, que tornou impossível a vida a todos os governos, até o retorno de Peron, em 1973.
No Brasil, um objetivo central do golpismo era evitar a continuidade do getulismo, expressada no JK, mas também no Jango. A famosa frase – suprassumo do golpismo – de Carlos Lacerda, de que “Juscelino não deveria ser candidato; se fosse, não deveria ganhar; se ganhasse, não deveria tomar posse; se tomasse posse, não deveria poder governar”, espelhava aquele objetivo.
Se Getulio nao tivesse apelado para o gesto radical do suicídio, para brecar a ofensiva golpista, o movimento de 1964 teria surgido uma década antes. Ao invés das eleições relativamente democrática de 1955, teríamos tido uma ditadura militar mais ou menos similar à de 1964. As consequências teriam sido ainda mais catastróficas, porque o sacrifício do Getúlio conquistou dez anos, que o movimento popular aproveitou para se fortalecer amplamente. Nessa década avançou não apenas a industrialização, mas também o movimento sindical e outros movimentos populares, assim como a consciência social na massa da população. Uma ditadura – ou algum regime duro, mesmo se recoberto de formas institucionais, mas que impedisse a continuidade do regime getulista – teria atuado sobre um movimento popular com muito menor capacidade de organização e de consciência social.
Na Argentina os militares tiveram que, em prazos mais ou menos curtos, convocar novas eleições, o fizeram depois de prescrever o peronismo, a grande força politica e ideológica, do campo popular argentino. No Brasil, teriam feito algo similar, castrando a democracia brasileira da vitalidade que os movimentos populares possuíam e imprimiam ao país.
De qualquer forma, grande parte dos retrocessos que a ditadura
impôs ao Brasil, teriam sido antecipados por um movimento de direita que tivesse se apropriado do Estado brasileiro em 1964. Nossa história seria ainda pior do que ela foi, a partir do golpe triunfante de 1964.
Outras tentativas golpistas existiram durante o governo do Juscelino, pelo menos duas de caráter militar – por membros da Aeronáutica -, de menor monta, mas as articulações golpistas nunca deixaram de existir, de tal maneira que os antecedentes do golpe de 1964 vem da fundação da Escola Superior de Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, vindos da guerra na Itália, sob influência e patrocínio diretos dos EUA, que desembocou finalmente no golpe vitorioso de 1964, que não por acaso teve nesses dois militares seus protagonistas fundamentais.
E se nos perguntarmos o que teria sido do Brasil se o movimento de um golpe branco contra o Lula – que poderia ter sido um impeachment ou uma derrota eleitoral em 2006 – tivesse triunfado?
Se nos recordamos que o candidato da direita era o neoliberal acabado que é Alckmin, podemos imaginar os descalabros a que teria sido submetido o país. (O que torna ainda mais absurda a posição da ultra esquerda, que se absteve ou pregou o voto nulo diante da alternativa Lula ou Alckmin.) Só para recordar uma circunstância concreta, quando Calderon triunfou no México, de forma evidentemente fraudulenta, nas eleições presidenciais de julho de 2006, Alckimin saudou-a como o caminho que o Brasil deveria seguir. (Ver artigo aqui na Carta Maior, comentando essa similitude assumida por Alckmin.)
Significaria, antes de tudo, a retomada de um Tratado de Livre Comércio com os EUA, ja que a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) tinha sido substituída por tratados bilaterais com países do continente, como o Chile, entre outros, pelos EUA, depois que o Brasil contribuiu decisivamente para enterrar a ideia de uma America Latina totalmente aderida ao livre comercio, subordinada completamente aos EUA.
Os processos de privatização que FHC não tinha conseguido completar, pela resistência do movimento popular brasileiro, seriam retomados, atingindo a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Economica, a Eletrobras, entre outras empresas sobreviventes do vendaval privatizando do governo dos tucanos.
Mas sem ir mais longe, bastaria imaginar o que teria sido o Brasil – e também a América Latina – se a crise internacional do capitalismo, iniciada em 2007 e ainda vigente, tivesse encontrado o Brasil tendo ao neoliberal duro e puro do Alckmin como presidente. Estaríamos ainda pior do que um país como a Espanha ou a Grécia ou Portugal. Estaríamos devastados pela recessão, pelo desemprego, pelos compromissos escorchantes do FMI.
Basta esse quadro realista do que estaríamos vivendo se o golpe de 2005 tivesse dado certo. O seu objetivo inicial era tentar impor uma derrota de longo prazo à esquerda, que teria fracassado, com Lula, seu principal dirigente, por um prazo longo, permitindo que as forças tradicionais da direita retomassem o controle do Estado brasileiro.
O julgamento que começa esta semana é, sobretudo, o julgamento de uma tentativa frustrada de golpe branco contra um governo popular e democrático, eleito pelo voto popular e legitimado pela reeleição do Lula e pela eleição da Dilma. O povo já disse sua palavra.

Emir  Sader é escritor, sociólogo, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Cuba, a ilha da saúde

 
Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidad Paris Sorbonne-Paris IV. Professor nas Universidades Paris-Sorbonne-Paris IV e Paris-Est Marne-la-Vallée. Jornalista, especialista sobre relaciones entre Cuba e Estados Unidos


Após a Revolução, a medicina virou prioridade e transformou a ilha em referência; hoje, Cuba concentra o maior número de médicos por habitante

Desde o triunfo da Revolução de 1959, o desenvolvimento da medicina tem sido a grande prioridade do governo cubano, o que transformou a ilha do Caribe em uma referência mundial neste campo. Atualmente, Cuba é o país que concentra o maior número de médicos por habitante.
Em 2012, Cuba formou mais 11 mil novos médicos, os quais completaram sua formação de seis anos em faculdades de medicina reconhecidas pela excelência no ensino. Trata-se da maior promoção médica da história do país, que tornou o desenvolvimento da medicina e o bem-estar social as prioridades nacionais. Entre esses médicos recém graduados, 5.315 são cubanos e 5.694 vêm de 59 países da América Latina, África, Ásia e até mesmo dos Estados Unidos, com maioria de bolivianos (2.400), nicaraguenses (429), peruanos (453), equatorianos (308), colombianos (175) e guatemaltecos (170). Em um ano, Cuba formou quase o dobro de médicos do total que dispunha em 1959. [1]
Após o triunfo da Revolução, Cuba contava somente com 6.286 médicos. Dentre eles, três mil decidiram deixar o país para ir para os Estados Unidos, atraídos pelas oportunidades profissionais que Washington oferecia. Em nome da guerra política e ideológica que se opunha ao novo governo de Fidel Castro, o governo Eisenhower decidiu esvaziar a nação de seu capital humano, até o ponto de criar uma grave crise sanitária. [2]
Como resposta, Cuba se comprometeu a investir de forma maciça na medicina. Universalizou o acesso ao ensino superior e estabeleceu a educação gratuita para todas as especialidades. Assim, existem hoje 24 faculdades de medicina (contra apenas uma em 1959) em treze das quinze províncias cubanas, e o país dispõe de mais de 43 mil professores de medicina. Desde 1959, se formaram cerca de 109 mil médicos em Cuba. [3] Com uma relação de um médico para 148 habitantes (67,2 médicos para 10 mil habitantes ou 78.622, no total), segundo a Organização Mundial da Saúde, Cuba é a nação mais bem dotada neste setor. O país dispõe de 161 hospitais e 452 clínicas. [4]
No ano universitário 2011-2012, o número total de graduados em Ciências Médicas, que inclui 21 perfis profissionais (médicos, dentistas, enfermeiros, psicólogos, tecnologia da saúde etc.), sobe para 32.171, entre cubanos e estrangeiros. [5]

Sede da Escola Latino-Americana de Medicina em Havana. Wikimedia Commons

A ELAM

Além dos cursos disponíveis nas 24 faculdades de medicina do país, Cuba forma estudantes estrangeiros na Elam (Escola Latino-Americana de Medicina de Havana). Em 1998, depois que o furacão Mitch atingiu a América Central e o Caribe, Fidel Castro decidiu criar a Elam – inaugurada em 15 de novembro de 1999 – com o intuito de formar em Cuba os futuros médicos do mundo subdesenvolvido.
"Formar médicos prontos para ir onde eles são mais necessários e permanecer quanto tempo for necessário, esta é a razão de ser da nossa escola desde a sua fundação”, explica a doutora Miladys Castilla, vice-reitora da Elam. [6] Atualmente, 24 mil estudantes de 116 países da América Latina, África, Ásia, Oceania e Estados Unidos (500 por turma) cursam uma faculdade de medicina gratuita em Cuba. Entre a primeira turma de 2005 e 2010, 8.594 jovens doutores saíram da Elam. [7] As formaturas de 2011 e 2012 foram excepcionais com cerca de oito mil graduados. No total, cerca de 15 mil médicos se formaram na Elam em 25 especialidades distintas. [8]
A Organização Mundial da Saúde prestou uma homenagem ao trabalho da Elam: "A Escola Latino-Americana de Medicina acolhe jovens entusiasmados dos países em desenvolvimento, que retornam para casa como médicos formados. É uma questão de promover a equidade sanitária (…). A Elam (…) assumiu a premissa da "responsabilidade social”. A Organização Mundial da Saúde define a responsabilidade social das faculdades de medicina como o dever de conduzir suas atividades de formação, investigação e serviços para suprir as necessidades prioritárias de saúde da comunidade, região ou país ao qual devem servir.
A finalidade da Elam é formar médicos principalmente para fornecer serviço público em comunidades urbanas e rurais desfavorecidas, por meio da aquisição de competências em atendimento primário integral, que vão desde a promoção da saúde até o tratamento e a reabilitação. Em troca do compromisso não obrigatório de atender regiões carentes, os estudantes recebem bolsa integral e uma pequena remuneração, e assim, ao se formar, não têm dívidas com a instituição.
[No que diz respeito ao processo seletivo], é dada preferência aos candidatos de baixa renda, que de outra forma não poderiam pagar os estudos médicos. "Como resultado, 75% dos estudantes provêm de comunidades que precisam de médicos, incluindo uma ampla variedade de minorias étnicas e povos indígenas”.
Os novos médicos trabalham na maioria dos países americanos, incluindo os Estados Unidos, vários países africanos e grande parte do Caribe de língua inglesa.
Faculdades como a Elam propõem um desafio no setor da educação médica do mundo todo para que adote um maior compromisso social. Como afirmou Charles Boelen, ex-coordenador do programa de Recursos Humanos para a Saúde da OMS: "A ideia da responsabilidade social merece atenção no mundo todo, inclusive nos círculos médicos tradicionais... O mundo precisa urgentemente de pessoas comprometidas que criem os novos paradigmas da educação médica”. [9]

A solidariedade internacional

No âmbito dos programas de colaboração internacional, Cuba também forma, por ano, cerca de 29 mil estudantes estrangeiros em ciências médicas, em três especialidades: medicina, enfermagem e tecnologia da saúde, em oito países (Venezuela, Bolívia, Angola, Tanzânia, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Timor Leste). [10]
Desde 1963 e o envio da primeira missão médica humanitária a Argélia, Cuba se comprometeu a curar as populações pobres do planeta, em nome da solidariedade internacional e dos sete princípios da medicina cubana (equidade, generosidade, solidariedade, acessibilidade, universalidade, responsabilidade e justiça). [11] As missões humanitárias cubanas abrangem quatro continentes e têm um caráter único. De fato, nenhuma outra nação do mundo, nem mesmo as mais desenvolvidas, teceram semelhante rede de cooperação humanitária ao redor do planeta. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países. [12] No total, os médicos cubanos curaram 85 milhões de pessoas e salvaram 615 mil vidas. [13] Atualmente, 31 mil colaboradores médicos oferecem seus serviços em 69 nações do Terceiro Mundo. [14]
Segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), "um dos exemplos mais bem sucedidos da cooperação cubana com o Terceiro Mundo é o Programa Integral de Saúde para América Central, Caribe e África”. [15]
Nos termos da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), Cuba e Venezuela decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha humanitária continental com o nome de Operação Milagre. Consiste em operar gratuitamente latino-americanos pobres, vítimas de cataratas e outras doenças oftalmológicas, que não tenham possibilidade de pagar por uma operação que custa entre cinco e dez mil dólares. Esta missão humanitária se disseminou por outras regiões (África e Ásia). A Operação Milagre possui 49 centros oftalmológicos em 15 países da América Central e do Caribe. [16] Em 2011, mais de dois milhões de pessoas de 35 países recuperaram a visão. [17]

A medicina de catástrofe

No que se refere à medicina de catástrofe, o Centro para a Política Internacional de Washington, dirigido por Wayne S. Smith, ex-embaixador dos Estados Unidos em Cuba, afirma em um relatório que "não há dúvida quanto à eficiência do sistema cubano. Apenas alguns cubanos perderam a vida nos 16 maiores furacões que atingiram a ilha na última década e a probabilidade de perder a vida em um furacão nos Estados Unidos é 15 vezes maior do que em Cuba”. [18]
O relatório acrescenta que: "ao contrário dos Estados Unidos, a medicina de catástrofe em Cuba é parte integrante do currículo médico e a educação da população sobre como agir começa na escola primária […]. Até mesmo as crianças menores participam dos exercícios e aprendem os primeiros socorros e técnicas de sobrevivência, muitas vezes através de desenhos animados e, ainda, como plantar ervas medicinais e encontrar alimento em caso de desastre natural. O resultado é a assimilação de uma forte cultura de prevenção e de uma preparação sem igual”. [19]

Alto IDH

Esse investimento no campo da saúde (10% do orçamento nacional) permitiu que Cuba alcançasse resultados excepcionais. Graças à sua medicina preventiva, a ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa da América e do Terceiro Mundo – 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959) – inferior a do Canadá e dos Estados Unidos. Da mesma forma, a expectativa de vida dos cubanos – 78,8 anos (contra 60 anos em 1959) – é comparável a das nações mais desenvolvidas. [20]
As principais instituições internacionais elogiam esse desenvolvimento humano e social. O Fundo de População das Nações Unidas observa que Cuba, "há mais de meio século, adotou programas sociais muito avançados, que possibilitaram ao país alcançar indicadores sociais e demográficos comparáveis aos dos países desenvolvidos”. O Fundo acrescenta que "Cuba é uma prova de que as restrições das economias em desenvolvimento não são necessariamente um obstáculo intransponível ao progresso da saúde, à mudança demográfica e ao bem-estar”. [21]
Cuba continua sendo uma referência mundial no campo da saúde, especialmente para as nações do Terceiro Mundo. Mostra que é possível atingir um alto nível de desenvolvimento social, apesar dos recursos limitados e de um estado de sítio econômico extremamente grave, imposto pelos Estados Unidos desde 1960, que situe o ser humano no centro do projeto de sociedade.

Referências bibliográficas:

[1] José A. de la Osa, "Egresa 11 mil médicos de Universidades cubanas”, Granma, 11 de julho de 2012.
[2] Elizabeth Newhouse, "Disaster Medicine: U.S. Doctors Examine Cuba’s Approach”, Center for International Policy, 9 de julho de 2012. http://www.ciponline.org/research/html/disaster-medicine-us-doctors-examine-cubas-approach (site consultado em 18 de julho de 2012).
[3] José A. de la Osa, "Egresa 11 mil médicos de Universidades cubanas”, op. cit.; Ministério das Relações Exteriores, "Graduados por la Revolución más de 100.000 médicos”, 16 de julho de 2009. http://www.cubaminrex.cu/MirarCuba/Articulos/Sociedad/2009/Graduados.html (site consultado em 18 de julho de 2012).
[4] Organização Mundial da Saúde, "Cuba: Health Profile”, 2010. http://www.who.int/gho/countries/cub.pdf (site consultado em 18 de julho de 2012); Elizabeth Newhouse, "Disaster Medicine: U.S. Doctors Examine Cuba’s Approach”, op. cit.
[5] José A. de la Osa, « Egresa 11 mil médicos de Universidades cubanas », op.cit.
[6] Organização Mundial da Saúde, "Cuba ayuda a formar más médicos”, 1º de maio de 2010. http://www.who.int/bulletin/volumes/88/5/10-010510/es/ (site consultado em 18 de julho de 2012).
[7] Escola Latino-Americana de Medicina de Cuba, "Historia de la ELAM”.
http://www.sld.cu/sitios/elam/verpost.php?blog=http://articulos.sld.cu/elam&post_id=22&c=4426&tipo=2&idblog=156&p=1&n=ddn (site consultado em 18 de julho de 2012).
[8] Agência Cubana de Notícias, "Over 15,000 Foreign Physicians Gratuated in Cuba in Seven Years”, 14 de julho de 2012.
[9] OMS, "Cuba ayuda a formar más médicos”, op. cit.
[10] José A. de la Osa, "Egresa 11 mil médicos de Universidades cubanas”, op. cit.
[11] Ladys Marlene León Corrales, "Valor social de la Misión Milagro en el contexto venezolano”, Biblioteca Virtual en Salud de Cuba, março de 2009.
http://bvs.sld.cu/revistas/spu/vol35_4_09/spu06409.htm (site consultado em 18 de julho de 2012).
[12] Felipe Pérez Roque, "Discurso del canciller de Cuba en la ONU”, Bohemia Digital, 9 de novembro de 2006.
[13] CSC News, "Medical Brigades Have Treated 85 million”, 4 de abril de 2008.
http://www.cuba-solidarity.org.uk/news.asp?ItemID=1288 (site consultado em 18 de julho de 2012).
[14] Felipe Pérez Roque, "Discurso del canciller de Cuba en la ONU”, op. cit.
[15] PNUD, Investigación sobre ciencia, tecnología y desarrollo humano en Cuba, 2003, p.117-119. http://www.undp.org.cu/idh%20cuba/cap6.pdf (site consultado em 18 de julho de 2012).
[16] Ministério das Relações Exteriores, "Celebra Operación Milagro cubana en Guatemala”, República de Cuba, 15 de novembro de 2010.
http://www.cubaminrex.cu/Cooperacion/2010/celebra1.html (site consultado em 18 de julho de 2012) Operación Milagro, "¿Qué es la Operación Milagro?”. http://www.operacionmilagro.org.ar/ (site consultado em 18 de julho de 2012).
[17] Operación Milagro, «¿Qué es la Operación Milagro?», op. cit.
[18] Elizabeth Newhouse, "Disaster Medicine: U.S. Doctors Examine Cuba’s Approach”, op. cit.
[19] Ibid.
[20] Ibid.
[21] Raquel Marrero Yanes, "Cuba muestra indicadores sociales y demográficos de países desarrollados”, Granma, 12 de julho de 2012.
[Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu libro mais recente é "Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba” ("Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba”, em tradução livre), Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr /Página no Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel
Fonte: Opera Mundi]

terça-feira, 31 de julho de 2012

Django Reinhardt - Djangology - 1936-1948


Djangology
1936 - 1948
(10 CDs)

http://img26.imageshack.us/img26/2179/zzs29186804295.jpg

CD 01 - Georgia on my mind - 1936-1937

CD 02 - Sweet Georgia Brown - 1937

CD 03 - Minor Swing - 1937

CD 04 - Tea for Two - 1937-1938

CD 05 - Body and Soul - 1938-1940




CD 06 - Daphne - 1940

CD 07 - Nuages - 1940


CD 08 - Swing 42 - 1940-1942

CD 09 - Manoir de Mes Reves - 1943-1945

CD 10 - Echoes Of France - 1946-1948


http://img710.imageshack.us/img710/4181/1zol28h6819997.jpg



Créditos: LOOOLOBLOOG

Romney revolta palestinos ao falar de “superioridade cultural” de Israel

Candidato republicano voltou a polemizar em seu giro pelo exterior; Polônia é o próximo destino



O giro internacional de Mitt Romney, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos voltou a provocar polêmica. Após dizer no último domingo (29/07) que Jerusalém é a capital de Israel, o ex-governador de Massachusetts voltou a irritar os palestinos na manhã desta segunda-feira (30) ao afirmar que a prosperidade econômica de Israel, em comparação à crise econômica vivida nos territórios reivindicados pelos palestinos, se deve a aspectos culturais. Líderes palestinos disseram-se ofendidos e classificaram as frases do candidato como “racistas. As informações são do jornal britânico The Guardian e da agência Reuters.

Romney fez as declarações no início do dia, durante um café da manhã que angariou 1 milhão de dólares para sua campanha (cada convidado pagou 25 mil dólares de entrada) no hotel King David, em Jerusalém.

Aos seus doadores, o candidato afirmou que “leu muitos livros” e contava com sua “experiência empresarial” para entender porque a diferença econômica entre os dois povos era tão grande. “Quando chego aqui e vejo essa cidade e os feitos desse povo e dessa nação, eu reconheço o poder ao menos da cultura e de algumas outras coisas”, afirmou.

Agência Efe

O candidato republicano Mitt Romney realiza um giro de campanha internacional por três países (Reino Unido, Israel e Polônia) 

O republicano também citou como razões do sucesso o clima de inovação, a cultura judaica para superar adversidades e a “mão da providência”, afirmou.

Assimetrias

“Vejam o PIB per capita de Israel, por exemplo, que gira em torno de 21 mil dólares e compare-o com as áreas administradas pela ANP (Autoridade Nacional Palestina), que é pouco mais de dez mil dólares per capita. Vocês perceberão uma diferença dramática e gritante de vitalidade econômica”. No entanto, o republicano errou feio nos números, mesmo que a diferença seja ainda mais dramática: segundo o Banco Mundial, o PIB per capita em 2011 de Israel foi pouco mais de 31 mil dólares, enquanto Gaza e Cisjordânia (sem contar Jerusalém Oriental) é de cerca 1,5 mil.

Romney realizou seu discurso em uma mesa em forma de “U” sentado ao lado de Sheldon Adelson, magnata de dupla nacionalidade norte-americana-israelense, dono de uma rede de cassinos e do Israel Hayom, jornal de maior circulação no país – que apóia incondicionalmente as ações do governo do premiê Benjamin Netanyahu.

“Estou incrivelmente impressionado com a mão da providência, sempre que ela decide agir. E também com a grandeza do espírito humano, e como indivíduos que alcançam a grandeza e tm um propósito para eles mesmos são capazes de construir e realizar coisas que só poderiam ser feitas por uma espécie criada à imagem de Deus”, completou o candidato.

Resposta

Pouco após as declarações do republicano, Saeb Erekat, membro do Conselho Parlamentar Palestino, criticou duramente o norte-americano. “É um comentário racista. Esse homem é incapaz de perceber que a economia palestina está impossibilitada de atingir seu potencial em razão da ocupação israelense”, afirmou.

“Me parece que faltam informação, conhecimento, visão e entendimento a esse homem. Falta-lhe conhecimento até mesmo sobre os israelenses. Nunca ouvi qualquer governante de Israel falar em superioridade cultural”, afirmou.
 

Outro dirigente palestino, Nabil Abu Rudeineh, assessor do presidente da ANP, Mahmoud Abbas,  afirmou que as declarações de Romney não contribuíram em nada para as negociações de paz, além de contradizer as posições prévias defendidas pela administração norte-americana.

O secretário-geral da OLP (Organização de Libertação da Palestina), Yasser Abed Rabbo, disse que "os formuladores de política norte-americanos devem abandonar a hipocrisia e parar de tentar ganhar votos à custa dos direitos do povo palestino".

"Lapso"

Em nenhum momento o republicano se referiu à história de ocupação israelense dos territórios reivindicados pelos palestinos, que já dura 45 anos, nem do bloqueio econômico e marítimo imposto à Faixa de Gaza, tampouco as restrições impostas sobre a movimentação de pessoas e produtos, sem mencionar o acesso a fontes de água na região da Cisjordânia. Todos esses fatores causaram forte impacto na economia palestina.

É consenso entre economistas até mesmo de órgãos como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) que, enquanto Israel continuar a restringir importações e exportações, assim como a movimentação de seus produtos, a economia palestina continuará a fracassar em desenvolver suas fundações.

Romney não visitou nenhum território da Faixa de Gaza ou da Cisjordânia, e cancelou e última hora um encontro com membros do Partido Trabalhista, de oposição ao governo do premiê Benjamin Netanyahu, amigo pessoal e ex-colega de faculdade do republicano.

No domingo, Romney chegu a dizer que Jerusalém era a capital israelense, frase que Erekat classificou como “inaceitável”. “O que este homem está fazendo aqui é apenas promover o extremismo, a violência e o ódio, e isso é absolutamente inaceitável”.

Os palestinos pleiteiam a região oriental de Jerusalém como a capital de seu futuro Estado. No entanto, através de uma emenda constitucional, Israel declarou unilateralmente em 1981, a cidade como sua capital “eterna e indivisível”. Ela já estava sob ocupação desde 1967.

“Condenamos as suas declarações. Aqueles que falam sobre a solução de dois Estados devem saber que não pode haver Estado palestino sem Jerusalém Oriental”, disse Erekat. A maioria dos países, incluindo Estados Unidos, não reconhece a ação de Israel e mantêm suas embaixadas na cidade de Tel Aviv.

Turbulência

Além de Israel, Romney também causou mal-estar no aliado Reino Unido, quando questionou o sucesso do país para organizar os Jogos Olímpicos. Já em território polonês, última etapa de sua viagem, o republicano prestará homenagens aos movimentos anti-comunistas no país. A imprensa local e norte-americana afirmam que o candidato prepara uma série de críticas à Rússia, especialmente na terça-feira, em visita à Universidade de Varsóvia. Nesta segunda já se encontrou com o ex-presidente Lech Walesa.

Romney, que deverá ser o principal concorrente do democrata Barack Obama na eleição presidencial do dia 6 de novembro, já se encontra na Polônia , local de encerramento de sua agenda internacional, onde deverá fazer críticas à Rússia. As candidaturas dos dois ainda precisam de algumas formalidades para serem oficializadas.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Preconceito racial e racismo institucional no Brasil


No Brasil, os negros sofrem não só a discriminação racial devida ao preconceito racial e operada no plano privado, mas também e sobretudo o racismo institucional, que inspira as políticas estatais que lhes são dirigidas e se materializa nelas
por Márcia Pereira Leite
“Na primeira vez em que estive aqui, em 1987, fiquei chocado ao ver que na TV, em revistas, não havia negros. Melhorou um pouco. Mas há muito a fazer. Quem nunca veio ao Brasil e vê a TV brasileira via satélite vai pensar que todos os brasileiros são loiros de olhos azuis.” (Spike Lee)1
 O comentário do cineasta norte-americano Spike Lee, em recente visita ao Brasil para filmagem do documentário Go Brazil Go, no mesmo período em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgava a constitucionalidade das cotas raciais em universidades públicas, despertou várias discussões na imprensa e nas redes sociais sobre o racismo na sociedade brasileira. Desses debates, é possível depreender quanto ainda persiste do mito de que o Brasil seria uma “democracia racial” em que, a despeito do preconceito, não haveria nem o ódio nem a segregação que caracterizaram o regime do apartheid. Nosso racismo combinaria o preconceito de cor e o preconceito de classe, diluindo-se no caso de negros educados e bem-sucedidos e implodindo no samba, no carnaval, enfim, na cultura popular brasileira.
Queremos chamar a atenção para o que ficou ausente nesse (e em outros) debate sobre o racismo no Brasil: os mecanismos de discriminação produzidos e operados pelas estruturas e instituições públicas e privadas que os reproduzem e os fortalecem. Nesta reflexão, propomos seguir o giro da ciência social, nos anos 1960, em sua análise das relações raciais: “Abandonar os esquemas interpretativos que tomam as desigualdades raciais como produtos de ações (discriminações) inspiradas por atitudes (preconceitos) individuais, para fixar-se no esquema interpretativo que ficou conhecido como racismo institucional, ou seja, na proposição de que há mecanismos de discriminação inscritos na operação do sistema social e que funcionam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos”.2
O racismo constitui, como se sabe, um mecanismo fundamental de poder utilizado historicamente para separar e dominar classes, raças, povos e etnias. Seu desenvolvimento moderno se deu com a colonização, com o genocídio colonizador. O racismo é, como disse Foucault, “o meio de introduzir [...] um corte entre o que deve viver e o que deve morrer”. “No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das raças, a hierarquia das raças, a qualificação das raças como boas e de outras, ao contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos outros. [...] o racismo faz justamente funcionar, faz atuar essa relação de tipo guerreiro − ‘se você quer viver, é preciso que o outro morra’ − de uma maneira que é inteiramente nova e que, precisamente, é compatível com o exercício do biopoder.”3
Para o autor, “a especificidade do racismo moderno, o que faz sua especificidade, não está ligada a mentalidades, a ideologias, a mentiras do poder. Está ligada à técnica do poder, à tecnologia do poder”,4 isto é, ao biopoder enquanto um poder (estatal) de regulamentação que se exerce sobre populações e consiste em “fazer viver e deixar morrer”.
 
(Afrodescendentes protestam contra o baixo número de negros na Fashion Rio Verão 2012/2013)
 
Racismo institucional no Brasil

O argumento central deste artigo consiste em que, no Brasil, negros sofrem não só a discriminação racial devida ao preconceito racial e operada no plano privado, mas também e sobretudo o racismo institucional, que inspira as políticas estatais que lhes são dirigidas e se materializa nelas. Trata-se de discriminação racial praticada pelo Estado ao atuar de forma diferenciada em relação a esses segmentos populacionais, introduzindo em nossas cidades e em nossa sociedade, pela via das políticas públicas, “um corte entre o que deve viver e o que deve morrer”, a faxina étnica.
A expressão, utilizada para evidenciar as relações entre o racismo e as políticas estatais para territórios e populações negras no Brasil, não é mera retórica. Antes, sustenta que as elevadas taxas de homicídio e de “autos de resistência”5 nos territórios de maioria negra, as políticas de remoção e de despejo de sua população, os altos índices de encarceramento de negros pobres, a precariedade das políticas públicas de habitação, saúde e educação para o conjunto da população negra e o desrespeito a suas tradições culturais e religiosas não são sucessivos produtos do acaso ou do mau funcionamento do Estado,6 mas traduzem o racismo institucional que opera no Brasil bem ao largo de qualquer perspectiva de integração social e urbana desses segmentos populacionais pela via da cidadania.
Esse modo específico de gestão estatal das populações negras e de seus territórios de moradia − que “faz viver e deixa morrer”, como diz Foucault − pode ser identificado no âmbito das políticas públicas praticadas pelo Estado brasileiro. Examinemos alguns dados empíricos que expressam o sentido e o escopo de sua formulação e de sua realização.
Os negros são as maiores vítimas de homicídio. No período de 2002 a 2008, segundo dados do Mapa da violência 2011,7 o número de vítimas brancas na população brasileira diminuiu 22,3%; já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou 20,2%. Os dados são mais dramáticos quando se consideram os jovens: o número de homicídios de jovens brancos caiu, no período, 30%, enquanto o de jovens negros cresceu 13%, o que significa que a brecha de mortalidade entre brancos e negros cresceu 43%. Se considerarmos os homicídios praticados pelas forças policiais e registrados/encobertos pelos “autos de resistência”, vemos que eles também vitimam mais intensamente os negros: de 2001 a 2007, incidiram sobre esse segmento 61,7% dos homicídios praticados por agentes do Estado.8 Não se trata simplesmente de abuso policial ou de despreparo de policiais em situações de confronto. A consistência dos dados e sua persistência no período, em que pese a redução desses homicídios nos últimos anos em algumas grandes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo,9 indicam uma política de extermínio de negros (jovens, sobretudo) − o “fazer morrer” − praticada pelo Estado, por meio de seus agentes, ou por ele tolerada.10
Mas, como vimos, a tecnologia do poder também “faz viver”, ainda que em distintas condições para esses diferentes segmentos populacionais, brancos e negros. É o que demonstra uma pesquisa realizada em 2003 pelo Ministério da Saúde,11 que revelou indicadores de saúde diferenciados da população brasileira segundo o critério raça/cor. Analisando seus resultados, Meireles12 destaca que 62% das mulheres brancas ouvidas realizaram sete ou mais consultas de pré-natal, enquanto somente 37% das mulheres negras passaram pelo mesmo número de consultas. Talvez por isso a hipertensão arterial durante a gravidez, uma das principais causas de morte materna, tenha sido mais frequente entre as mulheres negras. Além disso, o risco de uma criança negra morrer antes de completar 5 anos por causas infecciosas e parasitárias é 60% maior do que o risco de uma criança branca falecer pela mesma razão, enquanto o risco de morte por desnutrição é 90% maior entre crianças negras do que entre as brancas.
Já os dados do Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil; 2009-2010demonstram que os negros representam cerca de 60% daqueles que, por motivos diversos, não conseguem atendimento no SUS, sendo os maiores percentuais os relativos às mulheres negras − o que, sem dúvida, argumenta o autor, evidencia a precariedade do dispositivo constitucional que assegura a universalidade do direito à saúde no país.
No plano da educação, todas as pesquisas apontam que, ainda que o acesso tenha crescido no país nos últimos anos, a presença dos negros no ensino médio, universitário e na pós-graduação permanece significativamente menor do que a dos brancos – diferença que se torna exponencial nos níveis superiores de formação. A razão, ressaltam, é clara: enquanto os brancos recorrem a escolas particulares (sabidamente, no Brasil, de melhor qualidade) no ensino fundamental e médio e, assim, obtêm melhor formação intelectual para ingresso nas universidades públicas, aos negros restam as escolas públicas (crescentemente sucateadas) nos níveis fundamental e médio e o caminho das universidades privadas. Mesmo com essa estratégia, também no campo da educação as desigualdades raciais são gritantes: em 2008, a probabilidade de um jovem branco, de 18 a 24 anos, frequentar uma instituição de ensino superior era 97,8% maior do que a de uma jovem negra da mesma faixa etária.13
No plano da moradia, os indicadores sociais revelam a mesma diferenciação no interior das políticas públicas, ou como o Estado “faz viver” esses contingentes populacionais. Os territórios de maioria negra nas cidades (favelas, loteamentos, bairros pobres e periferias) são carentes de equipamentos urbanos e serviços públicos de boa qualidade. O déficit habitacional brasileiro (cerca de 5,5 milhões de unidades) é fruto da ausência de uma política estatal de habitação popular, o que resultou na precariedade que caracteriza as atuais condições de moradia e vida nessas localidades.14
Além disso, em várias de nossas grandes cidades que vêm sendo reestruturadas para favorecer a especulação imobiliária e/ou sediar “grandes eventos” e assim se inserir nos fluxos internacionais de acumulação urbana, essas populações têm sido compulsoriamente removidas das localidades em que sempre viveram, criaram seus laços de vizinhança e parentesco, suas alternativas de sobrevivência (em trabalhos formais, pequenos comércios ou “virações”).15 São, então, reassentadas em locais distantes, ambientalmente precários,16 com infraestrutura urbana de má qualidade, sem redes de sociabilidade nem alternativas de trabalho; enfim, sem lugar na sociedade, sem direito à cidade.

Muito além do preconceito

Os dados analisados e as situações descritas revelam quanto as desigualdades sociais têm cor e estão profundamente enraizadas no racismo institucional que estrutura a sociedade brasileira e se materializa por meio das políticas praticadas pelo Estado, em todos os seus níveis. O que queremos sublinhar ao discuti-los é que, no Brasil, as desigualdades sociais se somam e são elevadas pelas desigualdades raciais. Mais do que isso: as desigualdades raciais estão no cerne do modo de gestão estatal dos territórios de maioria negra e desta população.
Trata-se de um novo modo de gestão estatal de territórios e de populações, que dispensa os tradicionais discursos e práticas de integração à sociedade nacional pela via da cidadania (da educação, do trabalho e dos direitos) por entender que essas populações são desnecessárias ao atual desenvolvimento do capitalismo.
Vivemos, hoje, uma mudança no eixo da atuação do Estado, cujo sentido passou a ser – simplesmente – evitar que essas populações negras, pobres e moradoras em territórios de favelas, loteamentos, bairros pobres e periferias produzam problemas para a ordem social. Suas estratégias combinam, desde então, diferentes políticas e mecanismos de controle social repressivo (até o “deixar morrer”) com políticas de mera inserção17/mínima sobrevivência (o “fazer viver”), travestidas, no plano discursivo, de integração à cidadania e à sociedade.
No primeiro caso, especialmente nas situações em que a criminalização da pobreza tem sido mais eficiente, o Estado atua promovendo ou acobertando a segregação socioespacial e as políticas de extermínio e de encarceramento, sobretudo de jovens negros. No segundo, atuando nos territórios de maioria negra, o Estado oferece a essas populações uma ilusão de integração por meio de políticas públicas que há muito abandonaram os princípios da universalidade e da justiça (são pontuais, descontinuadas; os serviços e equipamentos que criam são de má qualidade) ou patrocinando projetos sociais realizados por organizações não governamentais que seguem a mesma lógica, além de criminalizar sua clientela, entendida como “população vulnerável ao crime”. Em ambos os casos, o racismo institucional soma-se às desigualdades sociais, raciais e urbanas que historicamente estruturaram nosso país, aprofundando-as e revelando que estamos muito longe da “diluição” dessas desigualdades e da possibilidade de uma efetiva integração social e urbana dos negros pobres na sociedade brasileira.

Márcia Pereira Leite
Professora associada da Uerj, pesquisadora do CNPq, membro do Círculo Palmarino/Rio de Janeiro e do Conselho Deliberativo da Fase


Ilustração: Ricardo Moraes / Reuters
1 Fonte: .
2 Valter Silvério, “O multiculturalismo e o reconhecimento: mito e metáfora”, Revista USP, n.42, jun./ago. 1999, p.156.
3 Michel Foucault, Em defesa da sociedade, Martins Fontes, São Paulo, 2002, p.304-5.
4 Idem, p.309.
5 Registro de ocorrência policial, em atividade de policiamento ou mesmo na folga do agente policial, como resistência armada à prisão seguida de morte. Trata-se de um homicídio que não é registrado como tal, por exclusão de ilicitude por parte de seu autor. Nesse registro, a vítima é qualificada como criminosa (usualmente, como traficante de drogas); a morte, como decorrente de atividade legal da polícia; e seu autor, o policial, como vítima de tentativa de homicídio.
6 Cf. “Manifesto contra a faxina étnica”, divulgado no Fórum Social Urbano, no Rio de Janeiro, em março de 2010. Disponível em: .
7 Mapa da violência 2011, Instituto Sangari e Ministério da Justiça.
8 Marcelo Paixão et al. (orgs.), Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil; 2009-2010, Laeser/Garamond, Rio de Janeiro, 2011.
9 Esta se deve a situações bastante específicas, que, por razões de foco e espaço, não temos condições de discutir aqui.
10 Cf. Sylvia Amanda da Silva Leandro, O que matar (não) quer dizer nas práticas e discursos da justiça criminal: o tratamento judiciário dos “homicídios por auto de resistência” no Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, PPGD/UFRJ, 2012.
11 Ministério da Saúde, Programa estratégico de ações afirmativas: população negra e aids, Brasília, 2006.
12 Iná Meireles, Saúde da população negra: um histórico de vitórias e uma realidade que exige muita luta contra a faxina étnica, mimeo, 2011.
13 Marcelo Paixão et al (orgs.), op. cit.
14 Cf. Kazuo Nakano, “A produção social de vulnerabilidade urbana”, Le Monde Diplomatique Brasil, abr. 2011.
15 Para a análise do processo de reestruturação e mercantilização de nossas grandes cidades enquanto produção de novas fronteiras urbanas para a expansão da acumulação, cf. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves Santos Junior, “Desafios da questão urbana”, Le Monde Diplomatique Brasil, abr. 2011.
16 Piramba examina esse processo enquanto expressão de racismo ambiental, isto é, das “injustiças sociais e ambientais [que] atingem etnias e populações vulneráveis”. Cf. Paulo Piramba, Anotações sobre o racismo ambiental, mimeo, 2011, p.1.
17 Ver, para a distinção entre integração social e inserção social, no sentido apontado aqui, Robert Castel, As metamorfoses da questão social, Vozes, Petrópolis, 1998.

Tariq Ali: Venezuela é a única alternativa ao capitalismo

  Por Vermelho

Segundo declarações dadas na última quinta-feira (26) para a Agência Venezuelana de Notícias o escritor Tariq Ali afirmou que a Venezuela é uma alternativa ao capitalismo moderno, por utilizar o Estado em favor dos pobres.
Para o paquistanês, autor de mais de uma dezena de livros sobre história e política internacional, a política seguida por Hugo Chávez na Venezuela é a única alternativa que existe, atualmente, no mundo ao sistema capitalista hegemônico. “Em nenhuma outra parte do mundo se observa o que temos aqui”, disse ele que enfatizou a importância da América do Sul no cenário internacional.
Tariq Ali, que participa nesta sexta-feira (27) de uma conferência sobre o papel político da mídia ocidental na Universidade Bolivariana da Venezuela, em Caracas, também destacou a importância que a rede estatal venezuelana Telesur tem em construir uma consciência latino-americana.
A iniciativa, segundo o intelectual, é fundamental na luta contra as ideias dominantes do império estadounidense que promove, inclusive, o pensamento de que não existe uma democracia na Venezuela. “A única democracia que é permitida é a democracia em que eles ditam o que deve ser feito”, explicou Ali.
“É chocante como as pessoas falam da Venezuela em outros países, dizem que Chávez é um ditador, embora Chávez tenha ganhado mais eleições e mais eleições do que ninguém nenhuma outra pessoa. Mas, os países capitalistas não enxergam assim porque a democracia oficial está se tornando mais restritiva. Esse é o mundo que nos faz lutar hoje “, disse o filósofo.

Fonte: Opera Mundi

domingo, 29 de julho de 2012

Como tudo no Brasil, a liberdade de expressão é privilégio dos ricos!

Rafael Castilho

A crescente participação dos blogs e das redes sociais na difusão de conteúdo jornalístico e de opinião, democratizando o debate político para além dos meios de comunicação tradicionais vem causando arrepios na classe conservadora.

A cada dia, os brasileiros adquirem o habito de buscar fontes alternativas de informação e de reflexão sobre as grandes questões políticas nacionais, ou mesmo sobre a nossa vida cotidiana.

Isso sem falar nos conteúdos de diversão e entretenimento.

A população jovem aprendeu rápido a buscar conteúdo na internet, deixando de depender da programação das tradicionais empresas de comunicação.

Ainda que a velha mídia tenha imensa importância na formação de opinião, a internet (em especial as redes sociais), surgem como fonte alternativa.

Entre outras coisas, as pessoas perceberam que a vida real não se resume à "versão oficial" dos jornais.

Enquanto as redes sociais eram meras concorrentes na geração de entretenimento, os grandes grupos de comunicação se prepararam para a disputa de mercado.

Mas quando as questões políticas  nacionais passaram a ser discutidas, contradizendo as grandes manchetes midiáticas, a disputa passou a ser questão de sobrevivência.

Nas últimas eleições, as redes foram responsáveis por "inverter o roteiro" de uma novela que deveria ter um final diferente, caso o debate político eleitoral estivesse ainda entregue aos grandes grupos de comunicação.

Agora, a disputa é pelo poder.

Os grandes interesses da oligarquia estão em jogo.

Para os ricos, a democracia atendia ao propósito de legitimar o poder dos grandes grupos econômicos, porém, acomodando sanha por representação e participação política na sociedade brasileira.

Tampouco interessava à oligarquia governos autoritários e intervencionistas que viessem a limitar as grandes negociatas.

A democracia desenhada pela oligarquia era um grande teatro. O cenário ideal para a manutenção dos velhos privilégios. E a mídia dirigia o espetáculo com maestria, cabendo ao povo o papel de referendar nas urnas o que já estava decidido.

O Brasil ainda não fez mais do que algumas reformas sociais e tênues correções de rumos. Mas isso já foi suficiente para o estresse dos conservadores.

A democratização nos meios de comunicação, pode a médio e longo prazo dissolver a capacidade dos grandes grupos de comunicação "pautarem" a agenda do executivo e do legislativo.

A possibilidade de o Estado criar instrumentos sérios de regulação da mídia é tratada pelos magnatas como um atentado contra a liberdade de imprensa.

Mas ao que parece, a liberdade de expressão deve ser um privilegio apenas dos grandes e ricos grupos de comunicação.

Sem menor pudor, a velha imprensa vem atacando a "blogosfera" e exigindo que o poder público controle as redes sociais, inibindo seu potencial de comunicação com a sociedade.

Não são poucos os editoriais em que os grandes jornais acusam os blogueiros de serem militantes contratados pelo PT.

Muito curioso este protesto.

Ao menos este blogueiro que vos fala, jamais foi filiado ao Partido dos Trabalhadores e sequer militou em suas prestigiosas fileiras.

Além do mais, seria razoável que os grandes órgãos de imprensa fossem também denunciados por apoiarem de maneira escandalosa, desde sempre, o partido que condenou o Brasil à chaga do neoliberalismo.

E por falar em neoliberalismo, a velha imprensa festejou a abertura escancarada da economia brasileira à especulação internacional. Regozijou-se gostosamente defendendo a dilapidação do patrimônio público para empresas gringas que sucatearam os serviços ao consumidor, enquanto recheavam seus cofres. Deu de ombros para a quebradeira da industria nacional que ficou sem condições de competir no mercado internacional.

Mas o interessante, é que este apego às regras de ouro do livre mercado globalizado não se reflete quando  o assunto é a concorrência das empresas de comunicação brasileiras com empresas estrangeiras.

Os grandes jornais e televisões se manifestam com veemência em defesa da soberania nacional quando vêem a possibilidade de serem obrigados a concorrer com os grandes grupos estrangeiros.

É pena que não tenha sido da mesma forma quando eles defenderam a quebra do monopólio estatal do petróleo, das telecomunicações e a venda a preço de banana das nossas grandes empresas estratégicas ao interesse especulativo internacional.

E as contradições não param por aí.  Os magnatas das comunicações querem impedir uns poucos blogs de receberem publicidade institucional.

Mas a hipocrisia moralizadora da velha mídia, ao tratar dos gastos públicos, omite os bilhões de reais gastos com o dinheiro do contribuinte, por meio de publicidade governamental, para pagar o arrego dos grandes grupos que desde sempre conspiram contra o Brasil.

A liberdade de expressão não pode ser, como tantas coisas no Brasil, privilegio da oligarquia. 

Ensaia-se uma ofensiva contra os blogs e a sociedade deve estar consciente deste verdadeiro atentado contra a democracia.

sábado, 28 de julho de 2012

Presente ao ensino privado

Portal da CNTE

A Lei 12.688, sancionada no último dia 18, criou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) com vistas a conceder moratória de até 90% para as dívidas das IES junto ao fisco federal. Para a CNTE, a iniciativa do Governo é ruim, primeiro, porque beneficia o mau pagador; segundo, porque amplia a desoneração de impostos para o Programa Universidade para Todos, incluindo as contribuições previdenciárias, numa clara extrapolação dos limites da Lei 11.096, que criou o Prouni, e em benefício do empresariado e detrimento das políticas públicas e da Previdência Social.
Embora o Prouni tenha garantido o acesso de mais de 1 milhão de jovens carentes ao ensino superior, não podemos perder de vista que essa política é de caráter transitório, devendo o Estado investir na ampliação da capacidade de atendimento nas instituições públicas de ensino superior. O próprio Plano Nacional de Educação, na meta 12, antes de ter elevado o percentual de investimento do PIB na educação para 10% (patamar este que, ao contrário do que disse o ministro Guido Mantega, não quebrará o país), estabeleceu o patamar de oferta pública de ensino superior em 40% até o fim da década. Com os 10% do PIB, aprovados pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, pode-se pensar em ampliar a meta para, pelo menos, 50%. Hoje, a relação privado/público é de 75% para 25% neste nível de ensino em que o capital estrangeiro é predominante.
Por outro lado, é preciso que o Estado invista na regulação do setor educacional privado, ao invés de tutelá-lo. E a regulação pressupõe antecipar as medidas que só agora são tomadas em âmbito do Proies, como o monitoramento das dívidas tributárias - a fim de evitar a insolvência das instituições de ensino - e a aplicação das medidas decorrentes das avaliações estabelecidas pelo Ministério da Educação, sobretudo as que preveem o fechamento de cursos de baixa qualidade. Acrescente-se ao papel regulador do Estado, a necessidade de se acompanhar o cumprimento das prerrogativas trabalhistas das instituições privadas de ensino com seus professores e funcionários, inclusive em âmbito da arrecadação para a Previdência Social.
Educação não é mercadoria, quanto mais barata. Daí a indignação de quem presencia um plano governamental para socorrer empresários da educação que nem sequer honraram com os compromissos tributários, o que dizer com a qualidade do ensino (pesquisa e extensão, quando for o caso)!
A CNTE espera que o Proies sirva, ao menos, para filtrar, definitivamente, as instituições de ensino superior no país, garantindo maior qualidade educacional e probidade gerencial às IES. Também estaremos atentos à aplicação dos critérios de reestruturação e à concessão de novas bolsas para o Prouni, as quais deverão atender aproximadamente 500 mil estudantes.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Denúncias de trabalho escravo envolvem grifes de Buenos Aires 0




Para quem reclama que a mídia só veicula denúncias de trabalho escravo na produção de roupas de grife quando elas ocorrem no Brasil (como se isso apagasse a nossa responsabilidade nesses casos): flagrantes recentes revelam que, assim como em São Paulo, Buenos Aires também vende roupas caras produzidas com a exploração de escravos. A matéria é de Daniel Santini, da Repórter Brasil, que foi à capital da Argentina para mostrar que o modelo adotado nas oficinas clandestinas de lá é bastante parecido com o que ocorreu aqui na produção de marcas como Gregory e Zara. Segue o texto.
Polícia protege loja em meio a protestos após denúncia de escravidão

“Trata-se de algo sistemático e não pontual. O mesmo modelo que existe no Brasil, existe aqui”, explica Gustavo Vera, da Fundação Alameda, organização que denunciou mais de 100 marcas nos últimos anos, incluindo casos que ganharam destaque, como o das grifes Soho e Cheeky, esta última ligada à Juliana Awada, esposa do prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri.
Assim como nas oficinas clandestinas de São Paulo, os costureiros escravizados na Argentina, bolivianos em sua maioria, cumprem jornadas de mais de dez horas por dia, sem descansos semanais e em condições degradantes. Os locais de trabalho funcionam como habitação também, em um ambiente em que famílias são obrigadas a compartilhar quartos apertados, em uma confusão de máquinas, agulhas, linhas e crianças. São ambientes escuros, sem iluminação adequada para costurar, sem ventilação, sem nada. Em um contexto em que direitos trabalhistas como horas extras, férias ou descanso remunerado são ignorados, os trabalhadores são pagos por produção – e normalmente produzem sem parar.
As peças, vendidas a intermediários a preços baixos, acabam com etiquetas caras nas prateleiras das lojas mais luxuosas da cidade. “O pior é que, nas denúncias que fizemos, muitos ficaram chocados não com as condições degradantes, mas com o fato de vestidos e camisas comprados a preços caríssimos terem custado tão pouco na produção. As pessoas se sentem enganadas e isso provoca até mais revolta do que a escravidão em si em alguns casos”, diz Lucas Schaerer, da equipe de jornalismo investigativo da Alameda. As denúncias feitas pelo grupo, baseadas em apurações cuidadosas e registros detalhados, inclusive com o uso de câmaras ocultas, têm servido como subsídio para o combate à prática no país e que ajudado a explicitar a exploração degradante de pessoas.
Entre os problemas recorrentes nas oficinas clandestinas, estão os fios expostos em redes elétricas irregulares instaladas ao lado de estoques de tecidos, combinação que, não raro, resulta em incêndios com mortes. Foi em um deles que, em março de 2006, seis pessoas morreram, entre elas quatro crianças e uma mulher grávida que viviam no mesmo local em que trabalhavam, a oficina Luis Viale. A tragédia expôs as condições degradantes a que trabalhadores do setor têxtil estão submetidos e deu força para o combate à prática. O episódio é considerado emblemático para os que lutam contra o trabalho escravo no país.
Os mecanismos institucionais e legais para o combate ao trabalho escravo contemporâneo ainda estão sendo construídos na Argentina (leia especial com os principais documentos e leis de combate ao trabalho escravo na Argentina). Se no Brasil a fiscalização foi centralizada nos grupos móveis de combate ao trabalho tscravo, do Ministério do Trabalho e emprego, no país as ações ainda não foram unificadas e reúnem agentes do trabalho municipais e federais, representantes do poder judiciário e até a AFIP, órgão equivalente à Receita Federal brasileira, que tem tido papel importante em especial no combate ao tráfico de pessoas.
As ações de responsabilização das grandes marcas têm se baseado na combinação da Lei de Trabalho Domiciliar (Lei 12.1713 – artigos 4, 35 e 35, principalmente), que prevê a responsabilidade do contratante mesmo em casos de terceirização, e na Lei de Migração (Lei 25.871), que condena a exploração de estrangeiros. De acordo com María Ayelén Arcos, pesquisadora do curso de Antropologia da Universidade de Buenos Aires, muitos dos empresários flagrados tentam se eximir da responsabilidade argumentando que desconheciam as condições dos que vivem nas oficinas. Também ligada à Alameda, ela tem estudado como se organizam as redes envolvendo oficinas clandestinas na cidade e ressalta que assim como no Brasil, a Justiça têm considerado que existe sim responsabilidade direta, mesmo no caso de terceirização da produção.
Há casos em que, semelhante ao que acontece na Itália com bens de redes mafiosas, equipamentos caros como máquinas de costura especializadas foram confiscados e destinados a cooperativas de trabalhadores do setor. A escravidão está prevista no artigo 140 do Código Penal argentino. Fortalecem o combate e a prevenção a Lei de Trata de Personas (tráfico de pessoas, em espanhol), promulgada em 2008, e legislações locais, como a Lei de Assistências a Vítimas da Capital Federal (Buenos Aires). A Argentina também é signatária das Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbem o trabalho escravo.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A solução de “um Estado e meio”

  Luiz Eça  no CORREIO DA CIDADANIA 

Ainda neste mês, uma comissão de estudiosos presidida pelo ex-juiz da Suprema Corte de Israel, Eduard Levy, apresentou um estudo ao Chefe do Governo sobre a questão palestina.

O estudo concluía que toda a Palestina, inclusive a Margem Oeste, integrava o Estado de Israel. Em conseqüência, a Margem Oeste não estaria sob “ocupação de Israel e os assentamentos judaicos seriam todos legais, mesmo aqueles construídos sem permissão das autoridades.

Netanyahu recebeu o documento, agradeceu e informou que o submeteria a um fórum que criara especificamente para este fim.

Diz a imprensa local que ele demonstrou certo desconforto. Certamente, porque a ocasião não era adequada, pois a tese do documento contrariava as posições dos EUA e Hillary Clinton estava para chegar, em visita oficial.

O conteúdo de forma alguma poderia contrariar o pensamento de Bibi, já que ele próprio escolheu os três membros da comissão Levy, todos eles notoriamente favoráveis aos assentamentos.

O juiz Levy, por exemplo, foi o único membro da Suprema Corte que, em 2005, se opôs à decisão de retirar os assentamentos de Gaza.

Há fortes suspeitas de que o estudo da “Comissão Levy” representa a justificação ideológica do plano de Bibi para resolver a questão da Palestina.

Não há dúvida de que ele é a favor da existência de dois Estados, sim, como o mundo inteiro quer. Mas não nos limites de 1967, como a ONU estabeleceu, que ele não aceita, pois implica criar, ao lado do Estado de Israel, um Estado palestino em toda a Margem Oeste (também chamada Cisjordânia), onde estão os assentamentos israelenses. Sua solução é muito diferente.

Já ficou claro que Netanyahu não pretende renunciar aos assentamentos da Margem Oeste; do contrário, já teria concordado em interromper sua expansão, satisfazendo assim as exigências da Autoridade Palestina para iniciar negociações de paz.

O que ele tem feito é exatamente o oposto: estimular a criação de novos assentamentos judaicos e favorecer a expulsão de palestinos da chamada Área “C”.

Convém aqui explicar que o governo de Tel-aviv dividiu a Cisjordânia, ou Margem Oeste, em áreas “A”, “B” e “C”, conforme os acordos de Oslo.

Na Área A, a administração civil e de segurança cabe à Autoridade Palestina. Na Área B, administrada pela Autoridade Palestina, a segurança é de responsabilidade israelense. E na Área C, tanto a administração civil quanto a segurança cabem a Israel. Toda a região está sob o controle do exército de Israel.

A Área C é a maior e mais importante, pois ocupa 62% do território, incluindo 90% do vale do Rio Jordão, onde estão os principais aqüíferos do país e as melhores terras. Os assentamentos judaicos localizam-se na Área C.

Enquanto eles são instalados com apoio oficial, os cidadãos palestinos encontram as maiores dificuldades para receberem permissão de fazer construções na região.

A administração civil habilitou apenas 1% das terras para empreendimentos de palestinos, além de promover demolições sistemáticas de suas casas e restrições ao uso da terra, da água e às construções, o que os empobrece. O que levam muitos deles a migrarem.

Recentemente, a União Européia fez fortes críticas a Israel pela mudança forçada de palestinos da Área C para cidades de outras partes da Margem Oeste.

É evidente o objetivo de reduzir ao máximo a população palestina, em favor do aumento da população israelense. Que vem tendo êxito: o número de palestinos que vivem na Área C encolheu para 150 mil, ou 6% da população total da Margem Oeste.

Novos fatos reforçam a tese de que o governo de Tel-aviv não pretende abandonar a Área C e seus assentamentos.

Na semana passada, o governo começou a fazer exigências proibitivas para impedir a ação da OCHA (Agência da ONU), que vem apoiando os palestinos na exploração de atividades agrícolas.

Ao mesmo tempo, foi anunciado que a polícia de imigração estava autorizada a expulsar ativistas estrangeiros da Margem Oeste, no dia em que o exército prendeu estrangeiros, inclusive um repórter do New York Times, numa passeata de protesto.

Enquanto de um lado reprimia quem se opunha à expulsão dos palestinos da Área C, de outro lado o governo fundou a Universidade de Ariel – a primeira universidade num assentamento – para dar maior legitimidade à permanência dos assentamentos e do domínio israelense da região.

No entanto, esta iniciativa foi condenada pelo Conselho dos Presidentes das Universidades de Israel por serem os assentamentos considerados ilegais pelas leis internacionais.

Mais de mil acadêmicos assinaram uma moção de protesto. Seu autor, o governador do Instituto Weissman de Ciências, declarou: “Somos contra a tentativa do governo de Israel de usar instituições acadêmicas para promover uma agenda política, à qual somos muito contrários, que é o estabelecimento de assentamentos e a ocupação como algo permanente em Israel”.

O programa de expansão de assentamentos, cuja interrupção Bibi recusa-se a aceitar, combinado com ações que implicam na expulsão da Margem Oeste de habitantes palestinos e entidades que os defendem, alimentam sérias dúvidas sobre as verdadeiras intenções do governo.

De acordo com Jeff Halper, chefe do Comitê Israelense Contra Demolição de Casas, o relatório da Comissão Levy, cujos membros ele escolheu a dedo, estaria preparando terreno para a anexação da Área C por Israel.

Manifesto de importantes líderes judaico-americanos contestaram esse relatório, afirmando que caso Israel não fosse considerado “ocupante” da Margem Oeste seria obrigado a anexar seu território.

Com isso, a população árabe da Margem Oeste, somada aos árabes do Estado de Israel, ficaria próxima da população israelense. Em breve, poderia ultrapassá-la, ameaçando o caráter “judeu” do Estado de Israel.

Estaria fora de questão a hipótese de negar cidadania aos árabes, pois isso configuraria “apartheid”, o que seria repudiado até pelos EUA (o voto negro pesa muito nas eleições de lá).

A solução seria anexar apenas os 62% da Margem Oeste, correspondente à Área C, onde está a maior parte da água e das melhores terras da região.

Como ali só há 150 mil árabes, somando-se a eles o número de árabe-israelenses, resultaria bem menor do que o total de judeus em Israel, que continuaria predominante.

O novo Estado da Palestina poderia ficar com os 38% restantes do território da Margem Oeste. Menos da metade.

Além de lá haver carência de água, o novo Estado não teria exército, nem controlaria a fronteira e o espaço aéreo, estando ainda sujeito a intervenções pelo exército israelense (conforme exigências anteriores de Israel, aprovadas por Obama). E a integração de Jerusalém estaria fora de questão.

Seria um meio Estado, necessitando de vultosos recursos internacionais para poder se viabilizar.
Esta solução de “um Estado e meio” não foi ainda proposta explicitamente por ninguém.

Certamente, seria combatida pelos palestinos, tanto do Fatah quanto do Hamas. Dificilmente a comunidade internacional, inclusive os EUA, a aceitaria.

No entanto, continuando os assentamentos a crescerem e a população árabe da Área C a diminuir, enquanto as negociações, sempre apontadas como solução, jamais começam, dentro de alguns anos o quadro pode mudar.

Teremos uma Área C quase toda judaica, com seus habitantes exigindo o direito até democrático de escolher a qual país querem pertencer.

O relatório Levy poderá fornecer um simulacro legal ao seu desejo.


Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.