quarta-feira, 2 de abril de 2014

11 filmes para entender a ditadura militar no Brasil | DESACATO

11 filmes para entender a ditadura militar no Brasil

Batismo de sangue
Das sessões de tortura aos fantasmas da ditadura, o cinema brasileiro invariavelmente volta aos anos do regime militar para desvendar personagens, fatos e consequências do golpe que destituiu o governo democrático do país e estabeleceu um regime de exceção que durou longos 21 anos. Estreantes e veteranos, muitos cineastas brasileiros encontraram naqueles anos histórias que investigam aspectos diferentes do tema, do impacto na vida do homem comum aos grandes acontecimentos do período.
Embora a produção de filmes sobre o assunto tenha crescido mais recentemente, é possível encontrar obras realizadas durante o próprio regime militar, muitas vezes sob a condição de alegoria. “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, é um dos mais famosos, retratando as disputas políticas num país fictício. Mais corajoso do que Glauber foi seu conterrâneo baiano Olney São Paulo, que registrou protestos de rua e levou para a tela em forma de parábola, o que olhe custou primeiro a liberdade e depois a vida.
Os onze filmes que compõem esta lista, se não são os melhores, fazem um diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura brasileira.
1. MANHÃ CINZENTA (1968), Olney São Paulo – Em plena vigência do AI-5, o cineasta-militante Olney São Paulo dirigiu este filme, que se passa numa fictícia ditadura latino-americana, onde um casal que participa de uma passeata é preso, torturado e interrogado por um robô, antecipando o que aconteceria com o próprio diretor. A ditadura tirou o filme de circulação, mas uma cópia sobreviveu para mostrar a coragem de Olney São Paulo, que morreu depois de várias sessões de tortura, em 1978.
2. PRA FRENTE, BRASIL (1982), Roberto Farias – Um homem comum volta para casa, mas é confundido com um “subversivo” e submetido a sessões de tortura para confessar seus supostos crimes. Este é um dos primeiros filmes a tratar abertamente da ditadura militar brasileira, sem recorrer a subterfúgios ou aliterações. Reginaldo Faria escreveu o argumento e o irmão, Roberto, assinou o roteiro e a direção do filme, repleto de astros globais, o que ajudou a projetar o trabalho.
3. NUNCA FOMOS TÃO FELIZES (1984), Murilo Salles – Rodado no último ano do regime militar, a estreia de Murilo Salles na direção mostra o reencontro entre pai e filho, depois de oito anos. Um passou anos na prisão; o outro vivia num colégio interno. Os anos de ausência e confinamento vão ser colocados à prova num apartamento vazio, onde o filho vai tentar descobrir qual a verdadeira identidade de seu pai. Um dos melhores papéis da carreira de Claudio Marzo.
4. CABRA MARCADO PARA MORRER (1984), Eduardo Coutinho – A história deste filme equivale, de certa forma, à história da própria ditadura militar brasileira. Eduardo Coutinho rodava um documentário sobre a morte de um líder camponês em 1964, quando teve que interromper as filmagens por causa do golpe. Retomou os trabalhos 20 anos depois, pouco antes de cair o regime, mesclando o que já havia registrado com a vida dos personagens duas décadas depois. Obra-prima do documentário mundial.
5. O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (1997), Bruno Barreto – Embora ficcionalize passagens e personagens, a adaptação de Bruno Barreto para o livro de Fernando Gabeira, que narra o sequestro do embaixador americano no Brasil por grupos de esquerda, tem seus méritos. É uma das primeiras produções de grande porte sobre a época da ditadura, tem um elenco de renome que chamou atenção para o episódio e ganhou destaque internacional, sendo inclusive indicado ao Oscar.
6. AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998), Beto Brant – Beto Brant transforma o reencontro de quatro ex-guerrilheiros, 25 anos após o fim do regime militar, numa reflexão sobre a herança que o golpe de 1964 deixou para os brasileiros. Os quatro amigos, torturados durante a ditadura, descobrem que seu carrasco, o homem que matou a namorada de um deles, ainda está vivo –e decidem partir para um acerto de contas. O lendário pagador de promessas Leonardo Villar faz o torturador.
7. CABRA CEGA (2005), Toni Venturi – Em seu melhor longa de ficção, Toni Venturi faz um retrato dos militantes que viviam confinados à espera do dia em que voltariam à luta armada. Leonardo Medeiros vive um guerrilheiro ferido, que se esconde no apartamento de um amigo, e que tem na personagem de Débora Duboc seu único elo com o mundo externo. Isolado, começa a enxergar inimigos por todos os lados. Belas interpretações da dupla de protagonistas.
8. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (2006), Cao Hamburger – Cao Hamburger, conhecido por seus trabalhos destinados ao público infantil, usa o olhar de uma criança como fio condutor para este delicado drama sobre os efeitos da ditadura dentro das famílias. Estamos no ano do tricampeonato mundial e o protagonista, um menino de doze anos apaixonado por futebol, é deixado pelos pais, militantes de esquerda, na casa do avô. Enquanto espera a volta deles, o garoto começa a perceber o mundo a sua volta.
9. HOJE (2011), Tata Amaral – Os fantasmas da ditadura protagonizam este filme claustrofóbico de Tata Amaral. Denise Fraga interpreta uma mulher que acaba de comprar um apartamento com o dinheiro de uma indenização judicial. Cíclico, o filme revela aos poucos quem é a protagonista, por que ela recebeu o dinheiro e de onde veio a misteriosa figura que se esconde entre os cômodos daquele apartamento. Denise Fraga surpreende num papel dramático.
10. TATUAGEM (2013), Hilton Lacerda – A estreia do roteirista Hilton Lacerda na direção é um libelo à liberdade e um manifesto anárquico contra a censura. Protagonizado por um grupo teatral do Recife, o filme contrapõe militares e artistas em plena ditadura militar, mas transforma os últimos nos verdadeiros soldados. Os soldados da mudança. Irandhir Santos, grande, interpreta o líder da trupe. Ele cai de amores pelo recruta vivido pelo estreante Jesuíta Barbosa, que fica encantado pelo modo de vida do grupo.
11. BATISMO DE SANGUE (2007) – Apesar do incômodo didatismo do roteiro, o longa é eficiente em contar a história dos frades dominicanos que abriram as portas de seu convento para abrigar o grupo da Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella. Gerando desconfiança, os frades logo passaram a ser alvo da polícia, sofrendo torturas físicas e psicológicas que marcaram a política militar. Bastante cru, o trabalho traz boas atuações do elenco principal e faz um retrato impiedoso do sofrimento gerado pela ditadura.
Foto: Reprodução/Kranik.com

TUDO EM CIMA: Capas da Veja comprovam apoio da revista à Ditadura

Capas da Veja comprovam apoio da revista à Ditadura

Por que será que hoje a Revista Veja evita, até nos momentos mais marcantes, falar de certos temas que vão contra os seus interesses? 

Essa prática é recorrente com temas de âmbito político e social, entretanto, não é o mais sombrio de seus recursos. 

Desde sua fundação em 1968, a Veja abusou do verbo para demonizar seus inimigos ante a opinião pública. 

Isso fica evidente quando observamos as edições mais distantes do presente, uma simples leitura das capas da revista durante a Ditadura Militar pode se absurdamente reveladora. 

Isso me levou à fonte primária, o próprio acervo digital de sua obra, para buscar algumas das capas mais evidentes sobre o apoio escancarado da revista aos golpistas militares. As palavras revolução e terrorismo representam o antagonismo de duas vertentes políticas.

Veja as capas:







Como é possível que até hoje nenhum torturador tenha conhecido a Justiça no Brasil? « Sul 21 Sul 21

Como é possível que até hoje nenhum torturador tenha conhecido a Justiça no Brasil?

Salão de Atos da UFRGS ficou completamente lotado para ouvir os depoimentos dos militantes que combateram à ditadura e sobreviveram a ela | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Salão de Atos da UFRGS ficou completamente lotado para ouvir os depoimentos dos militantes que combateram à ditadura e sobreviveram a ela | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Marco Weissheimer
Como é possível que, até hoje, no Brasil, nenhum torturador tenha sido preso? Nenhum! Como é possível que nenhum responsável por essas atrocidades tenha conhecido a justiça? As perguntas feitas por Flavio Koutzii expressaram a mistura de indignação e perplexidade que outros participantes do ato- homenagem “50 anos do Golpe de 1964, 50 anos de impunidade” manifestaram na noite de segunda-feira (31), no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que ficou superlotado para ouvir o depoimento de seis pessoas reconhecidas por suas trajetórias de luta contra a ditadura instalada no país após o golpe de 64 e pelas denúncias que fazem até hoje dos crimes cometidos neste período. A presença do público, majoritariamente jovem, surpreendeu os próprios organizadores do ato e, principalmente, os homenageados.
“A presença de vocês aqui hoje é um alento que não vivi em nenhum momento no pós-ditadura”, disse emocionada Suzana Lisboa, manifestando um sentimento que atravessava o ar do Salão de Atos da UFRGS. Foi um evento com uma altíssima carga emocional. E o principal combustível para a emoção foi a realidade. Algo de novo estava acontecendo ali, disseram vários dos participantes do encontro. A começar por Clara Charf, viúva de Carlos Marighella, que se mostrou absolutamente surpresa e encantada pelo que estava presenciando. “Estou admirada e encantada. Há muito tempo que eu não via uma manifestação assim. Se o Marighella estivesse vivo, isso aqui seria um grande presente para ele”, disse Clara, 88 anos, militante desde 1945, sempre com o movimento de mulheres como fez questão de registrar.
O ato-homenagem na UFRGS foi um encontro de gerações que, segundo testemunharam os mais antigos, ainda não havia acontecido na escala em que aconteceu. Um dos principais responsáveis por esse encontro inter-geracional foi o professor Enrique Serra Padrós (História/UFRGS), que trabalha com esse tema há anos e criou o Coletivo pela Educação, Memória e Justiça, que reúne professores, alunos e ativistas da área de direitos humanos. Padrós contou que, quando o Coletivo estava pensando o ato-homenagem, decidiu eleger como público-alvo preferencial estudantes das escolas de Porto Alegre. A partir daí se constituiu uma rede de amigos, companheiros, estudantes, ex-alunos e professores cujo trabalho se materializou segunda-feira à noite nas cerca de duas mil pessoas que lotaram o salão da universidade.
Ato-homenagem foi um encontro entre gerações em defesa da memória, da verdade e da justiça. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Ato-homenagem foi um encontro entre gerações em defesa da memória, da verdade e da justiça. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Um ato de redenção para a UFRGS”
O encontro teve um significado especial para a universidade também, como afirmou a socióloga Lorena Holzmann, ex-aluna e professora da UFRGS. Ela lembrou o triste período das cassações e expurgos de professores que se seguiu ao golpe de 64. “Com este ato de hoje, a Universidade se redime, de certo modo, do que houve na ditadura. É um ato de redenção”, disse Lorena, também emocionada. Redenção, memória, verdade, justiça, encontro de gerações, vida: essas foram algumas das palavras centrais no ato-homenagem. Uma homenagem que se dirigiu aos participantes convidados e também aos que caíram na ditadura, sendo que cerca de 155 deles seguem desaparecidos até hoje. Um vídeo exibido no início do evento mostrou os seus rostos, em sua maioria, jovens idealistas como aqueles que estavam na plateia encontrando uma história que ainda não conheciam. E juntou uma foto de Amarildo na galeria dos que tombaram vítimas da violência policial.
As novas gerações ouviram relatos crus e duros sobre o que foi a tortura na ditadura. Relatos como o de Goreti Lousada, filha de Antônio Losada, que sofreu um atropelamento e está na UTI do Hospital de Pronto Socorro. Goreti contou um pouco da história de luta de seu pai, que foi preso em 1973 no governo Médici e ficou quatro meses no DOPS em Porto Alegre sofrendo tortura. Ela leu um trecho de um texto escrito por Losada que descreve a tortura sofrida por uma mulher no DOPS. Essa mulher era a mãe de Goreti que, com a voz engasgada pela emoção, prosseguiu a leitura até o fim sendo muito aplaudida. Ela lembrou, com orgulho, que seu pai, após sair da prisão não seguiu o conselho dado pelos policiais de deixar aquilo tudo para trás. “Ele denunciou seus torturadores, nome por nome”.
João Carlos Bona Garcia homenageou, na pessoa de Enrique Padrós, todos os professores de História que estão trabalhando para resgatar a memória do período da ditadura. Também homenageou a todos os que tombaram pelo caminho, tanto no Brasil como no Exterior, lembrando os nomes de Frei Tito e Maria Auxiliadora. Bona Garcia também falou da tortura da qual foi vítima e deu o nome de seu torturador. “Quem me torturou foi Átila Rohrsetzer, que estava acompanhado de um médico, e nos torturava ouvindo música clássica e falando da mulher e dos filhos. Eles sentiam prazer em fazer isso”, contou. Bona disse ainda que a visão da ditadura segue presente na sociedade. “Em outros países, órgãos de repressão estão reconhecendo crimes que cometeram. Aqui no Brasil ainda não houve nada disso”.
Redenção, memória, verdade, justiça, encontro de gerações, vida: essas foram algumas das palavras centrais no ato-homenagem. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Redenção, memória, verdade, justiça, encontro de gerações, vida: essas foram algumas das palavras centrais no ato-homenagem. | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Não esquecer e entender o que aconteceu”
Flavio Koutzii lutou contra ditaduras no Brasil e na Argentina, onde foi preso, e definiu assim a importância do ato do qual estava participando: “O centro de hoje é não esquecer o que aconteceu e entender o que aconteceu, em toda a sua complexidade”. Ele falou de dois resquícios do período ditatorial que seguem vivos hoje: “No Colégio Militar de Porto Alegre, os livros com os quais os alunos trabalham ainda trazem a versão das forças armadas sobre aquele período. Espero que um dia a Presidência da República ponha um fim nisso”. O segundo resquício é o fato de os torturadores não terem sido julgados até hoje. “Como é possível isso? Não se trata de nenhuma fobia anti-militar, mas sim de justiça e memória”. Sobre esse ponto, chamou a atenção ainda para o seguinte fato: “Nunca li uma notícia dizendo que alguém que foi torturado foi atrás de seu algoz depois de sair da prisão e o matou com um tiro na cabeça. Nenhum de nós fez isso, pois seria mais uma vitória deles”.
Na mesma direção, a uruguaia Lilián Celiberti denunciou a impunidade dos crimes cometidos na ditadura brasileira e defendeu a importância da memória para combatê-la. “A impunidade é a perseguição e a destruição da memória. Com todos vocês aqui hoje a memória se torna algo vivo, algo presente. Para derrotar a impunidade, cada um de nós aqui precisa sair daqui e compartilhar essa luta, compartilhar o que está ouvindo e vendo aqui. Neste diálogo inter-geracional podemos construir uma democracia real baseada na memória, na verdade e na justiça”.
Nei Lisboa manifestou algum otimismo com o que estava vendo nas atividades sobre os 50 anos do golpe. “É a primeira vez que vejo isso que está acontecendo agora. Nos atos relativos aos 30 ou 40 anos do golpe nunca conseguimos reunir tanta gente como está aparecendo aqui hoje. E se começou a falar mais claramente sobre o papel da sociedade civil, de empresários, da mídia e dos Estados Unidos no golpe”.
Ditadura gestou uma sociedade de medo
Nilce Azevedo Cardoso, que também foi torturada durante a ditadura, manifestou-se extasiada com o que estava vendo no Salão de Atos da UFRGS. Ela acentuou o caráter midiático-civil e militar do golpe e disse que “toda a sociedade brasileira foi torturada a cada tortura que um de nós sofremos”. Nilce traçou uma linha de conduta entre a impunidade da tortura e a sua prática hoje no Brasil: “Nós ficamos sabendo de torturas e mortes praticamente todos os dias. Nossos jovens estão sendo assassinados e uma das razões disso estar acontecendo é que, durante 21 anos, foi gestada uma sociedade do medo. Foram 21 anos de medo e não-pensar. Temos que desconstruir tudo isso. Temos que denunciar os Pedro Seelig e os Ustra da vida e perguntar onde estão nossos companheiros que foram assassinados, onde estão seus corpos?”.
Irmã do militante do PCdoB, João Carlos Haas, um dos desaparecidos da guerrilha do Araguaia, Sônia Haas lembrou que ele foi aluno da UFGRGS e presidente do Centro Acadêmico Sarmento Leite, razão pela qual foi preso inclusive. Ela também expressou otimismo pelo que estava vendo em Porto Alegre: “A gente enxerga em vocês uma esperança. Nós seguimos lutando, mas estamos ficando cansadas. Precisamos renovar essa energia pois ainda há muita coisa para contar. A boa notícia é que as pessoas estão tendo mais coragem e o coletivo está ficando mais forte”, disse Sônia, lembrando uma frase dita pelo irmão morto na guerrilha do Araguaia: “nenhum sacrifício será em vão”.
“O Estado brasileiro até hoje não nos entregou nenhum corpo”
Encerrando os depoimentos, Suzana Lisboa observou que até hoje essa história não faz parte do currículo escolar. “Devíamos sair daqui e exigir dos nossos governos municipal, estadual e federal para que esse tema passe a fazer parte do currículo das escolas”, propôs. Viúva de Luiz Eurico Tejera Lisboa, irmão de Nei Lisboa, Suzana criticou o espaço dado ao coronel Ustra em uma entrevista de três páginas publicada no jornal Zero Hora. E lembrou que o único militar morto dentro de um quartel no Rio Grande do Sul foi o coronel aviador Alfeu Monteiro, assassinado pelas costas com uma rajada de metralhadora por ter se recusado a atacar o Palácio Piratini. Suzana Lisboa elogiou o gesto da presidenta Dilma Rousseff que impediu que os quarteis comemorassem o golpe este ano, mas fez cobranças ao Estado brasileiro. Ela defendeu que o Brasil cumpra a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos e lembrou: “dos 160 desaparecidos de que temos conhecimento, nós, os familiares, conseguimos resgatar cinco corpos. O Estado brasileiro até hoje não nos entregou nenhum corpo. Além disso, até hoje, os familiares dos desaparecidos não foram recebidos pelo governo (nenhum dos últimos governos: Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma)”.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Igreja, entre o apoio e a resistência ao golpe civil-militar de 1964 | Brasil de Fato

Igreja, entre o apoio e a resistência ao golpe civil-militar de 1964

Sul 21
"O poder político cívico-militar não poupou esforços para a cooptação da Igreja Católica pelo simples fato de que é a Igreja da grande maioria do povo brasileiro e de grande influência no mundo inteiro", diz Antonio Cechin 
31/03/2014

Do IHU On-line

"A maior parte da Igreja, em relação à quartelada cívico-militar de 1964, por causa principalmente de um anticomunismo doentio causado por uma consciência ingênua, não conseguia dominar e distinguir diferentes ideologias", comenta Antônio Cechin, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, ao refletir sobre o papel daIgreja no Golpe Civil-Militar de 1964. "A 'marcha do Rosário pelas famílias em favor da paz' no Brasil, capitaneada pelo Padre Peyton, norte-americano, nas vésperas do Golpe, em defesa do país contra o comunismo que a mídia proclamava como iminente, encheu o largo da Prefeitura de Porto Alegre com milhares e milhares de pessoas. Essas marchas, feitas em todas as principais cidades do Brasil, foram o ato de massa que deu legitimidade e respaldo civil-religioso ao golpe que se estava gestando em nosso meio e que fora brecado alguns anos antes pelo Levante pela Legalidade do povo rio-grandensecomandado por Leonel Brizola", complementa.

Preso e torturado duas vezes, Antônio Cechin conta que a razão de suas detenções estava relacionada ao fato de ser, como ele mesmo diz, "um Catequista da Libertação". Cechin disse diversas vezes que deve sua vida a Dom Vicente Scherer, que lhe tirou do cárcere nas duas ocasiões, mas mantém um posicionamento crítico ao pensar nas figuras de Scherer e de Dom Hélder Câmara no contexto de 1964. "Para mim, Dom Vicente foi um Pastor zelosíssimo daquilo que hoje considero o modelo europeu de catolicismo que chegou da Europa através de Portugal em 1500. Modelo esse que se esgotou com o Concílio Vaticano II. (...) Dom Hélder foi o iniciador da Igreja do Brasil e com ele retornamos ao modelo de Igreja dos Primórdios, porque 'Deus é para nós o único absoluto, porém o absoluto de Deus são os pobres'", avalia.

Antônio Cechin é irmão marista, graduado em Letras Clássicas (grego, latim e português) e em Ciências Jurídicas e Sociais. Trabalha como agente de Pastoral em diversas periferias da região metropolitana de Porto Alegre, sendo também assessor de Comunidades Eclesiais de Base do Rio Grande do Sul, de catadores e de recicladores. Desempenha ainda a função de coordenador do Comitê Sepé Tiaraju e da Pastoral da Ecologia do Regional Sul III daCNBB. Escreveu Empoderamento Popular: Uma pedagogia de libertação (Porto Alegre: Estef, 2010). Publica periodicamente artigos nas Notícias do Dia do sítio do IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como foi a atuação da Igreja Católica quando houve o Golpe de 1964? De que maneira a instituição se posicionou em relação à situação política da época?

Antônio Cechin - Assim como o Golpe de 1964 não foi somente militar, mas sim cívico-militar, fazendo parte da sociedade civil também a própria Igreja teve certa participação. Paulo Freire, nosso maior educador brasileiro, criou a palavra conscientização, enriquecendo assim o vocabulário da língua portuguesa. Até Paulo Freire só falávamos em tomada de consciência. Porém, conscientização é infinitamente mais do que isso, porque Freire, em suas palestras, distinguia sempre quatro graus de consciência. Em ordem crescente: consciência mítica, empírica, ingênua e científica.

Quando se trata de análise da realidade é que mais se pode evidenciar se as pessoas o fazem com uma simples tomada de consciência ou se são pessoas conscientizadas, e até mesmo se pode identificar o grau de consciência de cada um e em que espécie de consciência navegam pelo método de alfabetização criado por Paulo freire.

Enquanto não se adota o instrumento global de análise da realidade alinhavado particularmente por Marx - inventor do comunismo depois de destrinchar por completo o sistema capitalista em análise minuciosa -, embarca-se com a maior facilidade nos meios de comunicação do sistema capitalista que, desde muito tempo atrás, para salvar a pele da classe dominante do país, em face da extrema pobreza que o capitalismo gera, acaba-se caindo na ideologia da sociedade hegemônica. Cunhou-se, na época, até a expressão "comunista come crianças" para designar o horror causado aos que estão bem demais no mundo, por causa da riqueza que esbanjam, em relação a qualquer possibilidade de mudança para um sistema político de uma sociedade que não seja o capitalismo imperante.

A maior parte da Igreja, em relação à quartelada cívico-militar de 1964, por causa principalmente de um anticomunismo doentio causado por uma consciência ingênua, não conseguia dominar e distinguir diferentes ideologias. A "Marcha do Rosário pelas famílias em favor da paz" no Brasil, capitaneada pelo Padre Peyton, norte-americano, nas vésperas do Golpe, em defesa do país contra o comunismo que a mídia proclamava como iminente, em Porto Alegre, encheu o Largo da Prefeitura com milhares e milhares de pessoas. Essas marchas feitas em todas as principais cidades do Brasil foram o ato de massa que deu legitimidade e respaldo civil-religioso ao golpe que se estava gestando em nosso meio e que fora brecado alguns anos antes pelo Levante pela Legalidade do povo rio-grandense comandado por Leonel Brizola .

A Assembleia Geral da CNBB daquele ano de 1964, contra o voto de uma minoria conscientizada, agradeceu publicamente aos militares pelo fato de terem, através do Golpe, "salvado o país do comunismo" e pelo mesmo acontecimento realizaram uma cerimônia de ação de graças a Deus e a Nossa Senhora Aparecida, padroeira doBrasil.

IHU On-Line - Como o Concílio Vaticano II gerou reflexos na postura da Igreja no Brasil com relação ao Golpe?

Antônio Cechin - O golpe militar se deu durante o período em que se realizava o Concílio Vaticano II , que iniciou em 11 de outubro de 1962 com o discurso de abertura do papa João XXIII. Foi realizado em quatro sessões, e só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, três anos depois de ter sido iniciado.

O poder político cívico-militar não poupou esforços para a cooptação da Igreja Católica pelo simples fato de que é aIgreja da grande maioria do povo brasileiro e de grande influência no mundo inteiro. Por isso, um dos primeiros atos dos golpistas foi fretar um avião, sem despesa nenhuma para a CNBB, para a totalidade dos bispos brasileiros se deslocarem até o Vaticano a fim de participar da sessão conciliar do ano de 1964. Conquistando os bispos, pensavam que também teriam o povo cristão do seu lado.

Dentro do avião e depois na Domus Mariae, em Roma, onde o episcopado brasileiro esteve hospedado durante mais de um mês de sessão conciliar, os bispos, apesar do entrecruzamento diário nas aulas conciliares, aproveitaram o ensejo para também eleger a nova direção da CNBB. A maioria conservadora do episcopado elegeu uma diretoria composta de bispos conservadores e como tais, tolerantes em relação ao Golpe.

Defenestraram simplesmente Dom Hélder Câmara, que era o secretário executivo da CNBB, logo ele que havia sido o fundador do órgão colegiado dos bispos, atendendo solicitação do Papa João XXIII. Essa deposição do "bispo vermelho", segundo o epíteto que lhe criaram os militares da ditadura, serviu de cobertura à proibição total que impuseram a toda a imprensa brasileira no sentido de jamais publicar algo sobre Dom Hélder, nem o próprio nome.

Também foram demitidos todos os assessores que faziam parte dos quadros da Conferência, escolhidos por Dom Hélder. Haviam escolhido para novo presidente Agnelo Rossi e, para o setor dos leigos, o cardeal Vicente Scherer. De volta ao Brasil, o cardeal Scherer fechou a Ação Católica Brasileira especializada, que reunia a fina flor da militância católica totalmente contrária ao Golpe e que sofreu o impacto maior da ditadura, transformando vários deles nos primeiros mártires do regime.

Exemplo emblemático foi o assassinato do Padre Henrique Pereira Neto, emRecife. Ele era Assessor da Juventude Universitária Católica - JUC naDiocese de Dom Hélder. Não podendo assassinar o bispo Dom Hélder, o militares mataram o sacerdote mais engajado nos trabalhos pastorais.

Em contraposição, a postura da primeira direção da CNBB, diretoria organizada por Dom Hélder, teve o conteúdo central do Concílio aprovado dentro da linha progressista João XXIII - Helder Câmara. O Concílio na realidade teve dois encerramentos: o primeiro, na grande Praça São Pedro doVaticano, e o segundo, no recôndito das Catacumbas do início do cristianismo. Perseguidos os cristãos pelos imperadores romanos, o povo fiel se reunia secretamente nos subterrâneos da cidade. Aí também enterrava seus mártires. Esse segundo encerramento organizado por Dom Hélder Câmara reuniu em torno de uma centena de bispos do mundo inteiro e passou para a história com o nome de Pacto das Catacumbas.

Estabeleceram entre si um pacto destinado a transformar a Igreja universal em autêntica Igreja Pobre com total opção pelos pobres. Com o Pacto das Catacumbas Dom Hélder profetizou a leva de mártires que a Igreja do Brasil e de todo o continente latino-americano forneceria para enriquecimento do martirológio da Igreja Católica.

IHU On-Line - O que foram as fichas catequéticas e por que incomodavam tanto os militares? Essa "Catequese Nova e Libertadora", como o senhor mesmo definiu e propôs, foi a razão de suas prisões?

Antônio Cechin - Foi no início da década de 1950 que Dom Hélder, quando bispo auxiliar do cardeal do Rio de Janeiro, começou um discurso inteiramente novo. Mirrado que era Dom Hélder fisicamente, fazia discursos tonitruantes que ecoavam pelo mundo inteiro. Com argumentos irrefutáveis, tomando até Jesus Cristo, Filho de Deusencarnado como modelo da opção pelos pobres, pregava a obrigação que tínhamos para com os "últimos" que compõem a imensa maioria da população brasileira em situação de fome e miséria.

Aconteceu então o mergulho da Igreja nas periferias, nos grotões dos campos interioranos e nos meios urbanos mais afastados dos centros das cidades. Foi a chamada Inserção da Igreja nas periferias, empenhada na organização das Comunidades Eclesiais de Base entre os pobres. Trabalhava-se em duas dimensões, a exemplo de Jesus de Nazaré, que dedicava grande parte de seu tempo à pequena comunidade dos 12 apóstolos, com a finalidade de servirem de fermento das massas ou multidões.

Paulo Freire, militante cristão da diocese de Dom Hélder na cidade de Recife, inventou também seu método de educação começando com essa imensa população mais abandonada e analfabeta. Esse método se chama de"Educação para a Prática da Liberdade" ou "Pedagogia do Oprimido". Pelos grotões dos campos, no interior, e na cidade escalando morros, buscavam-se: as "palavras geradoras" para a alfabetização e os "temas geradores" para a educação.

As Fichas Catequéticas, com base no método Paulo Freire, inauguraram no Brasil a chamada Catequese Libertadora, à qual se seguiu a Teologia da Libertação. Começou-se com Fichas a serem utilizadas nas aulas de Religião das escolas religiosas e leigas ou públicas e estatais, porque todas as escolas podiam optar pelo ensino religioso, que era facultativo. Num segundo momento, estendemos essa Catequese Libertadora às próprias Comunidades de Base que se constituíam na nova base da Igreja e também da nova sociedade. A Catequese Libertadora para a América Latina havia sido urgida na grande Assembleia do episcopado latino-americano realizado na cidade de Medellín, Colômbia, no ano de 1968.

Material Subversivo

No ano de 1969, em plena ditadura, os militares de plantão emBrasília, a cada novo ano, sempre na semana que precedia ao 1° de abril, celebravam em todo o Brasil o aniversário da "revolução". No ano de 1969, no dia reservado ao Ministério da Educação, apresentou-se na televisão o próprio titular da pasta, o Coronel Jarbas Passarinho.

Em longa palestra, com nossas Fichas Catequéticas em punho, lia partes, comentando sempre. Até o final, acabou lendo por inteiro duas aulas do feixe de fichas correspondentes à primeira série ginasial, intituladas Rumo à Terra Prometida. Encucado estava o general com essa tal de Terra Prometida, porque a linguagem de todas as Fichas, sempre segundo ele, propositalmente era nebulosa, quando não linguagem cifrada. Que Terra seria essa? Interrogava a si mesmo e aos telespectadores. Não seria o paraíso comunista?... Fazendo ilações de todo o tipo, ao fim e ao cabo, asseverou: Este material é altamente subversivo. Lastimava que colégios públicos e católicos tivessem a coragem de utilizar tal material didático com vistas a comunizar o Brasil, corroendo inteiramente o futuro da juventude. Arrematou referindo-se a Colégios Católicos particulares que até subvenções em dinheiro do governo recebiam anualmente e cometiam o pecado de ingratidão utilizando esse material em salas de aula.

Nós, os autores, ficamos estarrecidos diante do que poderia nos acontecer. Naturalmente a corrida atrás das Fichasse deu no mesmo instante, a começar pelos biófilos ou amantes da Vida, como um precioso e raro material para ler e conhecer em profundidade, motivados que estavam pela ira que tinham contra os militares, e, também, não poucos, viram no fato uma glória para a Igreja da Catequese e da Teologia da Libertação. Mas a procura se deu também pelos necrófilos, ou amigos da morte; estes tendo a polícia como testa de ferro, bateram em todos os colégios que utilizavam nosso material "altamente subversivo" a fim de recolher tudo.

Catequese da discórdia

Nossas Fichas, naturalmente, como Catequese oficial da Igreja tinham o "nada obsta" (nihil obstat) da autoridade eclesiástica, bem como o "imprima-se" (imprimatur) do Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre. O rebu causado pelas Fichas, simples, modestas e inocentes que se nos afiguravam, foi de arrepiar. Todo mundo, através da mídia falada, escrita e televisionada achou por bem entrar com seu pitaco sobre o assunto. Gente ilustre e gente menos ilustre. Professores e religiosos. Bispos e padres. Sociólogos e psicólogos. Todo mundo procurou entrar com sua colher torta no assunto, fosse entendido ou não em Catequese ou Pastoral.

O grande teatrólogo considerado o maior, Nélson Rodrigues, se ocupou do assunto a fim de execrar o nosso material didático. Gustavo Corção, o grande escritor católico, não se conteve e teceu comentários altamente destrutivos em relação à "Igreja de Passeatas" à qual ligava nosso material escrito.

Interrogatório

A Nunciatura me chamou para interrogatório, e nossas Fichas foram parar no Vaticano. Minha prisão e tortura, ao lado de outros fatores, estou convencido de que aconteceram porque fui um Catequista da Libertação. Aliás, tinha sido eu que apresentara, em Medellín, no Congresso Internacional de Catequese, poucos dias antes da Assembleia dos Bispos, os Princípios Orientadores, bem como o método dessa nova catequese libertadora, própria para "países subdesenvolvidos", como eram caracterizadas na época, as nações do continente latino-americano. Nessa apresentação em Medellín tive a assessoria do teólogo da libertação Hugo Assmann e o apoio de toda a Equipe de Catequese da CNBB.

IHU On-Line - Em diversos momentos o senhor já manifestou gratidão a Dom Vicente Scherer, que lhe salvou a vida quando foi preso em duas ocasiões. Qual a importância de Scherer no contexto do regime?

Antônio Cechin - Dom Vicente Scherer foi meu amigo a vida inteira. Conheci-o quando era pároco na Igreja São Geraldo. Quando morreu seu antecessor Dom João Becker, monsenhor Vicente Scherer, simples sacerdote, foi eleito pelo cabido da Arquidiocese como Vigário Capitular na arquidiocese vacante. Quando menos se esperava, a Santa Sé o escolheu para o episcopado e o nomeou logo como Arcebispo. De simples padre, Dom Vicente passou a arcebispo.

Como sacerdote e pároco que comecei a conhecer e depois como arcebispo, Dom Vicente foi sempre um pastor muito zeloso. A paróquia que ele dirigia, de São Geraldo, tinha um dos melhores grupos de jovens de toda a arquidiocese que até forneceram vocações sacerdotais gestados em seu seio. Um exemplo emblemático do extraordinário zelo apostólico aconteceu uns anos antes da ditadura militar no Brasil.

Francisco Julião, advogado nordestino, começou a organizar a população pobre do nordeste para a Reforma Agrária. A mídia dava a impressão que Julião havia "enfogueirado" as regiões mais pobres do Brasil. Dom Vicente, em reunião com clero e religiosos, declarou que o comunismo estava incendiando o Norte-Nordeste do Brasil e que dentro em pouco o comunismo desceria até o Rio Grande do Sul, e nós, como Igreja, perderíamos nossos viveiros vocacionais de sacerdotes e religiosos fornecidos pelas catolicíssimas famílias interioranas.

Imediatamente partiu para a ação. Visitou os párocos de toda a Arquidiocese, dando ordens a que cada pároco convidasse todos os colonos do município a fim de criarem em todos o seu sindicato rural. Com essa leva de sindicatos rurais, encarregou o bispo auxiliar D. Edmundo Kunz para ser o presidente da Federação Agrária Gaúcha - FAG. Mais tarde, a FAG se transformou em Federação dos Trabalhadores da Agricultura - FETAG.

IHU On-Line - Qual foi a postura de Dom Vicente em relação aos religiosos católicos presos e aos demais presos?

Antônio Cechin - No dia em que fui preso, depois de a quadra em que eu estava com meus manos ser cercada com camburões em todas as esquinas e de me introduzirem no DOPS, a casa dos meus manos foi devassada peloDiretor do DOPS, que se demorou no apartamento das 16 horas até às 22 horas, esmiuçou até a cesta do lixo para juntar papeizinhos rasgados. Saindo do apartamento com os auxiliares, levou mais de 100 livros da biblioteca, certamente por achá-los subversivos. Alguns até eram contra o comunismo. Minha mana, em prantos,  imediatamente correu até a cúria metropolitana a fim de pedir o auxílio de D. Vicente. Da primeira vez em que estive na cadeia, acabei ficando apenas dois dias incompletos para, ao final do segundo dia, o próprio secretário de Segurança do Estado,Coronel Jaime Mariath, em seu próprio automóvel - ele de motorista e eu de único passageiro -, levar-me até a cúria, moradia de D. Vicente, e a ele me entregar.

IHU On-Line - Aliás, podemos entender as figuras de Dom Hélder Câmara e Dom Vicente Scherer como antípodas? No que se assemelhavam e no que se diferenciavam?

Antônio Cechin - Os dois, Dom Hélder e Dom Vicente, tinham posições muito diferentes em relação não só à ditadura militar, mas também em relação à Pastoral, à própria teologia e à Catequese.

A qualidade boa de Dom Vicente é que não era "espiculão", como diziam os jovens da JEC com os quais eu trabalhava. Isto é, ele deixava trabalhar sem procurar vigiar ninguém. Quando, em um colossal êxodo rural, chegaram a Canoas nada menos de 13 mil operários para a construção do Polo Petroquímico de Triunfo, enchendo todas as periferias da cidade, em beiras de ruas e estradas. Então, no Natal de 1979, ocupamos os latifúndios pertencentes aos herdeiros do sesmeiro Matias Velho, local que o padre vigário não botava o pé, considerado por ele como invasão e roubo de terra do próximo.

Na visita que Dom Vicente fazia uma vez a cada ano aos padres, ele me mandou avisar o vigário que, no domingo seguinte, o próprio Dom Vicente iria pessoalmente celebrar a missa para os "invasores" na capela que havia sido levantada em mutirão. Mandou ainda que eu advertisse o pároco para que estivesse pessoalmente ao lado dele na celebração.

Pastor zeloso

Para mim, Dom Vicente foi um Pastor zelosíssimo daquilo que hoje considero o modelo europeu de catolicismo que chegou da Europa através de Portugal em 1500. Modelo esse que se esgotou com o Concílio Vaticano II. Dom Hélderfoi o iniciador de um novo modelo de Igreja tipicamente latino-americano, aprovado no Concílio Vaticano II e a partir desse evento, convocado por João XXIII. A este novo modelo de Igreja deve corresponder uma nova catequese, uma nova teologia, um novo tipo de vida, religião, etc. Estamos hoje bem avançados no mundo a ponto de Papa Francisco ser hoje o primeiro papa do nosso novo modelo, da Igreja da Catequese e Teologia da Libertação.

Dom Vicente foi um excelente sacerdote e arcebispo em condições de dar um salto, porque já diziam os latinos, "a natureza não dá saltos" (natura non facit saltus). Dom Hélder foi o iniciador da Igreja do Brasil e com ele retornamos ao modelo de Igreja dos Primórdios, porque "Deus é para nós o único absoluto, porém o absoluto de Deus são os pobres", e John Sobrino diz que nossa missão como cristão é de despregar da cruz os pobres de hoje, na qual estão crucificados.

IHU On-Line - Qual foi a importância dos movimentos de resistência popular capitaneados pela Igreja, organizados pela Ação Católica?

Antônio Cechin - A caminhada dos movimentos de resistência da Ação Católica Epecializada, isto é, dos jovens agricultores, estudantes secundaristas, independentes (profissões liberais), operários e universitários, apesar de ter sido uma caminhada de muito sofrimento, foi também de muita alegria e de grande entusiasmo. Há uma frase que ouvi na França e que nunca esqueci: "Quando a juventude perde o seu entusiasmo, o mundo bate os dentes de frio". As saudades desses movimentos de muita militância são enormes. Foram a base da Igreja da Libertação, com suas espetaculares CEBs , nova base de Igreja e de nova sociedade; foram a base do Partido dos Trabalhadores, que foi fundado por esses movimentos e só depois é que se somaram outras forças a esse partido que transformou o Brasilmedieval em que vivíamos um Brasil da modernidade.

É uma pena que os percalços da Caminhada, em grande parte devido ao hiato na continuidade atribuído aos dois papas: João Paulo II e Bento XVI, nos tenha interrompido o processo, porque lembro quando foi dado por encerrado oVaticano II, lendo os documentos produzidos, dizíamos: "o Vaticano está lindo, maravilhoso porque ajustou a Igreja Universal ao que até hoje construímos no Brasil. Absolutamente nada de novo acima do que nós conseguimos estar vivendo aqui".

Saudade

Não raro me encontro com jovens daqueles tempos memoráveis, hoje gente de idade, e não encontrei um só que não esteja com saudade com expressões do gênero: "A JEC me deu embocadura para a vida inteira! Que maravilha!". O mesmo não acontece com quem foi de movimentos outros de caráter conservador, que se ocupavam exclusivamente do religioso propriamente dito sem abertura alguma para o social, que acima caracterizamos como do modelo vindo da Europa no início do Brasil propriamente dito. Pergunto hoje a alguém: Foste cursilhista no passado, que tal?! Como vês hoje aqueles tempos e com aqueles movimentos? Em geral todos me respondem que têm vergonha de ter perdido tempo com aquele tipo de Igreja.

IHU On-Line - Como avalia o trabalho da Comissão Nacional da Verdade? Por que resgatar a memória desse período é, mais que um gesto político, uma maneira de valorizar a liberdade e a vida?

Antônio Cechin - Acho espetacular que tenhamos chegado finalmente à Comissão Nacional da Verdade, apesar do rugir de dentes das forças armadas, hoje bem aposentadas monetariamente, mas com as consciências sempre mais indormidas e sobressaltadas. Quem não tem história, não viveu. Apenas vegetou. Sem processo histórico, não há nem salvação, porque a História da Salvação é sinônimo de Bíblia, e o nosso Deus dos cristãos é um Homem, oJesus de Nazaré, com uma Caminhada Histórica, a mais fantástica e inimaginável do mundo.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Corrupção, miséria, censura, violência, insegurança, opressão e trabalho infantil na ditadura Juremir Machado da Silva - Correio do Povo | O portal de notícias dos gaúchos

Corrupção, miséria, censura, violência, insegurança, opressão e trabalho infantil na ditadura

Postado por Juremir em 25 de março de 2014 - Uncategorized
Só que não estuda ou age por má-fé e ideologia fala em segurança, ensino de qualidade, empregabilidade total e padrão de vida invejável durante o regime militar. A ditadura foi o sistema do trabalho infantil institucionalizado, da inflação alta, da redução do poder aquisitivo dos mais pobres, da insegurança no emprego, do fim da estabilidade com a criação do FGTS, da violência estatal, da corrupção eleitoral e da retirada de investimentos da saúde e da educação. Os primeiros mensalões aconteceram naqueles dias, com compra de voto e de apoio parlamentar. Segue um trecho de meu livro “Jango, a vida e a morte no exílio” sobre esse quadro desolador> • Uma resolução do Ministério da Justiça crava seu veneno noutro coração, o da imprensa, enfim, acordada: “É vedada a descrição minuciosa do modo de cometimento de delitos”. A ditadura gosta de agenda positiva: censura a divulgação da descoberta de uma carga de drogas no quartel da Barra Mansa. O gaúcho Arnaldo Pietro, ministro do Trabalho, bloqueia, em 1974, as notícias sobre sua fracassada política salarial. Até “gravuras eróticas de Picasso” caem na malha fina do obscurantismo dos censores por obscenas. O consumo de drogas é visto como parte do “variado arsenal do movimento comunista internacional” (…) O deputado de Minas Gerais Francelino Pereira, eleito pela ARENA, comentando as eleições de 1966: “Foi uma vergonha o que ocorreu no último pleito. Nunca se teve notícia de tanta corrupção eleitoral no Estado. A compra de votos foi feita ostensiva e desavergonhadamente”. A porcaria de sempre. (…) Pode-se chamar de Constituição uma carta imposta? Sabe que ela pariu um dos seus artigos mais ironicamente iluminados, a luz do obscurantismo, o lusco-fusco da estupidez: reduziu a idade mínima legal de trabalho para 12 anos. Converteu em princípio constitucional a vil exploração do trabalho infantil. (…) Avaliação do advogado trabalhista José Martins Catharino sobre a instituição do FGTS como um instrumento para “eliminar a segurança no emprego, acumular capital e tornar o Brasil um país mais atraente para o investimento multinacional”. (…) Explicação de Maria Helena Moreira Alves: graças ao FGTS, “os empregadores viram-se liberados para aumentar a rotatividade da mão de obra, mantendo mais baixos os níveis salariais gerais”. (…) “O milagre econômico”, capítulo do livro “Estado e oposição no Brasil”, de Maria Helena Moreira Alves, irmã de Márcio Moreira Alves (…) uma lista acachapante de dados, modesta inflação do período militar, em torno de 20% ao mês; a dívida externa salta de 3,9 bilhões de dólares, em 1968, para 12,5 bilhões em 1973; Mário Henrique Simonsen, pensador do regime, vomita: “A partir de 1964, logramos alcançar razoável estabilidade política”; Maria Helena desmascara: “A política governamental elevou acentuadamente a participação dos membros mais ricos da população na renda global diminuindo a dos 80% mais pobres”; resumo dos êxitos: em 1970, 50,2% dos brasileiros ganhavam menos de um salário mínimo. Em 1972, já eram 52,5%. E 78,8% dos trabalhadores ganhavam até dois salários mínimos. O trabalhador saltou de 12 para 14 horas de trabalho diário para poder comer. Em 1959, precisava-se de 65 horas e cinco minutos de trabalho para comprar a cesta básica fixada pelo decreto de 1938. Em 1963, eram 88 horas. Em 1974, 163 horas e 32 minutos. Evoluímos para 25 milhões de crianças passando fome; uma pesquisa revelava que 60% das crianças entrevistadas trabalhavam mais de 40 horas por semana; a educação pelo trabalho: 18,5% da população entre 10 e 14 anos no batente; efeito pedagógico: 63% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, em 1976, fora das escolas. A ditadura revê os orçamentos: o da Saúde passa de 4,29% do total, em 1966, para 0,99% em 1974; o da Educação, despenca de 11,07% para 4,95% no mesmo período. Em contrapartida, os três ministérios militares, ocupados com a Segurança Nacional, abocanham 17,96% dos recursos. A nova ordem é revolucionária: fixa pena de morte, prisão perpétua, banimento, fecha o Congresso, controla os meios de comunicação, prende e arrebenta, não se tolhe jamais, chega ao cume, conforme o general Viana Moog, com o combate a guerrilheiros, “a maior mobilização de tropas do Exército”, 20 mil homens para caçar 69 guerrilheiros do PCdoB no Araguaia. Entre 1977 e 1981, 45 líderes sindicais rurais mortos, 12 mil presos políticos entre 1969 e 1974. Jango teve sorte: nunca escutou certamente a expressão “ditabranda”. Nem a viu em editorial da “Folha de S. Paulo”. Seria um grande desgosto, se tivesse vivido, ler tamanha asneira em pleno século XXI!

Professor dá aula de Venezuela e passa pito na Globo, em plena Globo



Uma aula de Venezuela e um pito na Globo, em plena Globo. Em debate na Globonews, Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da UFABC, explica a crise, derruba o mito da ‘falta de liberdade’ no país vizinho e desnuda a parcialidade da imprensa

igor fuser venezuela globonews
Professor Igor Fuser é doutor em Ciência Política pela USP (Reprodução)
Paulo Donizetti de Souza, RBA
O professor de Relações Internacionais da USP José Augusto Guillon e a apresentadora Mônica Waldvogel, do programa Entre Aspas, da Globonews, chegaram ao limite da gagueira, ontem (18), durante debate a respeito da crise na Venezuela com a participação do professor e jornalista Igor Fuser, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). O debate começa dirigido, ao oferecer como gancho para a discussão a figura de Leopoldo López, o líder oposicionista acusado de instigar a violência nos protestos das últimas semanas, e preso ontem.
Diz a narração de abertura: “Ele é acusado de assassinato, vandalismo e de incitar a violência. Mas o verdadeiro crime de Lopez, se podemos chamar isso de crime, foi convocar uma onda de protesto contra o governo de Nicolás Maduro. Protestos seguidos de confrontos que deixaram quatro mortos e dezenas de feridos”. E segue descrevendo que a violência política decorre da imensa crise no país – inflação, falta de produtos nas prateleiras, criminalidade em alta. Ainda no texto de abertura, na voz de Mônica, o governo é acusado de controlar a economia e a Justiça, pressionar a imprensa e lançar milícias chavistas contra dissidentes. E encerra afirmando que Leopoldo Lopez, na linha de frente, reivindica canais de expressão para os venezuelanos, e abrem-se as aspas para Lopez: “Se os meios de expressão calam, que falem as ruas”.
Do início ao fim do debate, com serenidade e domínio sobre o assunto, Igor Fuser leva a apresentadora e o interlocutor às cordas desde o início. Reconhece as dificuldades políticas do presidente Nicolás Maduro e a divisão da sociedade venezuelana. Mas corrige os críticos, ao enfatizar que o país vive uma democracia, e opinar que a campanha liderada por López é “golpista”, ao ter como mote a derrubada do governo legitimamente eleito com mandato até 2019.
Fuser informa que em dezembro se cristalizou um processo de diálogo entre governo e oposição, então liderada por Henrique Capriles, derrotado nas duas últimas eleições presidenciais por margem muito pequena de votos. E que a disposição ao diálogo levou a direita mais radical a isolá-lo, permitindo a ascensão de figuras como Leopoldo López. Indagado se não seria legítimo as manifestações da ruas pedirem a saída do governo, como foi no Egito ou está sendo na Ucrânia, o professor da UFABC resume que as manifestações na Ucrânia são conduzidas por nazistas, e no Egito a multidão protestava contra uma ditadura. Lembra que na Venezuela houve quatro eleições nos últimos 15 meses, que o chavismo venceu todas no plano federal, mas que as oposições venceram em cidades e estados importantes, governam normalmente e as instituições funcionam, e que a Constituição é cumprida.
Questionado sobre a legitimidade da Constituição – que teria sido sido aprovada apenas por maioria simples – informou que a Carta, depois de passar pelo Parlamento, foi submetida a referendo popular e aprovada por 80% dos venezuelanos – o que inclui, portanto, mais da metade dos que hoje votam na oposição. E à ironia dos debatedores, de que seria paranoia das esquerdas acusar os Estados Unidos de patrocinar uma suposta tentativa de golpe, esclareceu: os Estados Unidos estiveram por trás de tantos golpes da América Latina – na Guatemala nos anos 1950, no Brasil em 1964, no Chile em 1973, na própria Venezuela em 2002 – que não é nenhum absurdo supor que estejam por trás de mais um. E que também não é absurdo, em nenhum país do mundo, expulsar diplomatas que se reúnem com a oposição como se fossem dela integrantes.
O jornalista desmontou também os argumentos de que o país sofre de ausência de liberdade de expressão. Disse que o governo dispõe, de fato, de jornais, canais de rádio e de televisão importantes, mas que dois terços dos veículos de imprensa da Venezuela são controlados por forças oposicionistas. E que o que existe na Venezuela seria, portanto, a possibilidade de contraponto. E Fuser foi ferino no exemplo dos problemas que a ausência de diversidade nos meios de comunicações causam à qualidade da informação: “Sou jornalista de formação e nunca vi nem na Globo nem nos jornais brasileiros uma única notícia positiva sobre a Venezuela. Uma única. A gente pode ter a opinião que a gente quiser sobre a Venezuela, é um país muito complicado. Agora, será que em 15 anos de chavismo naõ aconteceu nada positivo? Eu nunca vi. Não é possível que só mostrem o que é supostamente ruim. Cadê o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?”
E fecha aspas! Fecha aspas!

quinta-feira, 27 de março de 2014

Altamiro Borges: Os desafios da comunicação em 2014

Os desafios da comunicação em 2014

Por Luiz Carvalho, Isaías Dalle e William Pedreira, no sítio da CUT:
 
A necessidade de unificar os veículos de comunicação e investir na formação dos comunicadores do movimento sindical não é recente, mas ainda permanecem como desafio, conforme destacaram os debates que abriram o 7º Encontro Nacional Comunicação da CUT (Enacom), nesta quarta-feira (26), em São Paulo.

Durante a mesa que tratou do papel da comunicação nos grandes eventos, o jornalista Leandro Fortes destacou como a internet gerou interatividade e interferiu no modelo em que os monopólios de mídia eram os responsáveis exclusivos pela intermediação da informação.

Para ele, as redes digitais são uma forma de enfrentamento mal utilizadas pelas entidades sindicais por ainda não possuírem organização para fazer o enfrentamento. “Somos fragmentados nessa discussão, estamos muitos bem organizados sindicalmente, mas a comunicação ainda é um problema. Encaramos comunicação ainda como paralela à atividade política, apenas como suporte e não é verdade, é um pilar de qualquer estratégia de sobrevivência. Temos meios, instrumentos e somos muitos. Falta discutir como será feita essa organização”, apontou.

Fortes lembrou que mesmo os governos progressistas eleitos na última década não tiveram coragem de entrar nesse debate e apontou que isso acontecerá apenas se houver pressão.

Entre o lucro e a manipulação

O jornalista avalia que os monopólios de comunicação vivem um sentimento ambíguo: ao mesmo tempo em que tentam suprir a incapacidade da direita em mobilizar e instrumentalizar um sentimento anti-Copa para prejudicar o governo Dilma, eles amenizam a dose para não desvalorizar os patrocinadores.

“Temos que utilizar essa confusão e resgatar a função social da mídia no Brasil. Temos que nos preparar para cobrir a Copa, porque vai deixar legado de infraestrutura, comercial, financeira e de mobilidade. Precisamos resgatar o papel de dar dimensão real dos fatos para as pessoas comuns. Elas leem sobre um país que não existe, não sabem o que acontece na rua deles. Tem bombardeamento de doutrina e não de informação”, disse.

Mas para fazer com que isso seja colocado em prática, Leandro Fortes afirmou que o movimento sindical precisa investir na produção de informação e fugir da mera divulgação da agenda sindical e do "achismo" para fornecer argumentos aos que querem rebater a manipulação.

Esse processo, aponta, depende do investimento em profissionais de comunicação. “É impossível modernizar a comunicação se você não der a prioridade que ela precisa.”

Copa e política

Ainda sobre a Copa do Mundo no Brasil, a secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, acrescentou que um dos legados do torneio no país deve ser discutir o futebol como patrimônio nacional em contraponto ao monopólio na transmissão. “A EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) sequer vai poder mostrar um gol da seleção, caso queira, porque o direito exclusivo de exibição pertence à Globo”, criticou.

Representante do Centro de Estudos Barão de Itararé, Altamiro Borges, apontou que os meios de comunicação tentarão utilizar o discurso da Copa para descontruir a imagem que eles mesmos construíram de gestora competente. “Falam de estádio atrasado, mas na Copa da Alemanha (2002), de 12 estádios para os jogos, sete atrasaram. O gasto foi maior que no Brasil. Recente editorial da Folha exaltou as Olimpíadas no Japão, porque vai alavancar e ajudar a popularizar o País. Por que lá os jogos são importantes, aumenta a auto-estima do povo, alavancagem da economia e por aqui não?”

Para ele, porém, os grandes jogos do ano serão mesmo as eleições, que terá o time da direita reforçado, segundo ele, por um mídia capaz de jogar uma partida mais suja desde a redemocratização. “O papel dos meios de comunicação será pior do que nos outros anos, porque está em jogo a continuidade de um ciclo político. Além da reeleição da Dilma, a quarta derrota presidencial para eles, e a possibilidade da volta do Lula em 2018, os estados onde imperam o tucanato correm risco de mudar de direção. O PSDB pode perder São Paulo após 20 anos, Minas Gerais, Paraná, pode haver mudança na correlação de forças no Rio de Janeiro e Congresso Nacional. Essa eleição não é apenas para presidente e o partido midiático está fazendo cálculo. Eles brigam pela audiência, pela publicidade, mas na política a unidade é de aço. Esses caras vão vir com tudo”, avalia.

Borges explicou que a tática da mídia aliada à direita será tentar criar um clima de pânico na economia e pegar carona nas manifestações que já existem, já que os conservadores são incapazes de mobilizar as ruas.

“Precisamos criar mais polos de contato e intensificar muito a luta de ideias. Esse ano é um ano para coletar assinaturas para projeto de lei iniciativa popular e debater comunicação, porque vai ficar escancarada o papel que a mídia exerce”, afirmou.

Comunicação e luta de classes

O movimento sindical Cutista já reúne as condições materiais, as ferramentas, para desenvolver uma comunicação mais próxima com a juventude. Mas precisa aprender a usá-las.

“Para se comunicar com os jovens, é preciso não subestimá-los”, disse Pablo Capilé, um dos criadores do projeto Fora do Eixo e da Mídia Ninja, protagonistas das mobilizações de junho do ano passado. Capilé foi um dos participantes da mesa realizada à tarde, sobre “Comunicação e Luta de Classes”. “Por vezes os movimentos sociais tradicionais têm preconceitos em relação à juventude, assim como a classe A tem da classe C”, afirmou.

Em primeiro lugar, ele propôs que a CUT e suas entidades filiadas coloquem sua rede à disposição das novas gerações para que se expressem através dos meios e espaços já construídos pela Central. Assim, acredita, pode-se criar um modelo semelhante ao modo de operação do próprio Fora do Eixo, que tem núcleos de comunicação on line espalhados pelo País, descentralizados, porém interligados em uma só rede de distribuição de conteúdo. “Não se deve tentar pautar a juventude, catequizá-la, mas colocar-se à disposição dela”, sugeriu.

Capilé nega que existam pautas “chatas”. “Se nós não nos esforçarmos para ressignificar as pautas, criar novos campos narrativos, aí fica chato mesmo”. Portanto, com criatividade, segundo ele, a juventude vai aderir à pauta da classe trabalhadora. “Inclusive porque essa é a pauta dela, tem tudo a ver com seus anseios”.

Preto Zezé, presidente da CUFA (Central Única de Favelas), outro participante da mesa, propôs que a CUT e seus sindicatos invistam em ações sociais, culturais e assistenciais junto a suas bases. “Não tenham medo de parecer assistencialistas. O mundo do trabalho mudou. A CUT não é um prédio, uma estrutura. A CUT são pessoas. Se o seu representado não puder ser acolhido pela Central e pelos seus sindicatos em seus momentos de convivência e sociabilidade, como poderá acreditar nela politicamente?”, questionou.

Ele sugeriu, por exemplo, a criação de um grande festival de cultura da CUT, abarcando todas as expressões artísticas, para trazer as famílias dos associados e, junto, o próprio associado. “O representado deixa assim de ser um número na planilha do excel e passa a ser um rosto, uma pessoa”, disse.

A CUFA tem na ação social e em projetos culturais suas principais ferramentas para empoderar a população que mora em favelas, em todos os estados do País.

Dogmas e preconceitos

Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, apresentou diversos dados que mostram a incompreensão e os preconceitos da classe A e B em relação as classes mais baixas. “O preconceito da elite está presente no cotidiano e precisa ser mascarado”, disse.

Meirelles destacou que o aumento do emprego formal - 20 milhões na última década - e a política de aumento real do salário mínimo desencadearam numa série de fatores positivos.

A renda familiar da classe média entre 2002 e 2012, por exemplo, cresceu três vezes mais do que renda da classe alta. “A elite brasileira está incomodada com a democratização do consumo. Espaços que antes eram exclusivos da elite passaram a seres utilizados por pessoas de outras classes”, ressaltou.

Porém, mesmo com estes avanços, permanece a desigualdade social. Metade dos brasileiros possui renda domiciliar per capita de até R$513. Já os 5% mais ricos tem renda domiciliar per capita de R$2.450 . “As pesquisas tem um papel fundamental para entendermos as transformações no País”, disse. “E o movimento sindical que possui uma pauta diversificada precisa aproveitar esta campo de atuação para expandir sua produção de informações e se posicionar diante de temas relevantes para a sociedade e para a classe trabalhadora”, completou.