terça-feira, 21 de agosto de 2007

Cocaína com frutas



Roberto Malvezzi

A bomba estourou aqui no sertão. A empresa MARIAD, de um colombiano que exportava manga e uva no São Francisco, também exportava cocaína através das caixas de frutas. Ele era um dos braços de Abadia, o chefe da máfia colombiana preso em São Paulo.

Nas últimas pesquisas nacionais sobre violência, o município com maior índice de mortes por arma de fogo em termos percentuais foi Cabrobó, no sertão pernambucano, ali de onde sai o Eixo Norte da Transposição e onde D. Luís fez sua greve de fome. Aqui pelo São Francisco, com chegada da maconha ainda na década de 80, a violência tomou conta dessa região do sertão. As chacinas acontecem, como na semana passada aqui em Juazeiro, quando dois policiais foram eliminados por quadrilhas, segundo os próprios assassinos, a mando do PCC sediado no sul do país.

O sertão também pede paz. Essa semana participei de dois eventos em prol da cultura da paz. Um organizado pelo Conselho Nacional das Igrejas em Brasília e outro na diocese de Floresta, sertão do Pernambuco.

Em Floresta o evento é fruto do esforço emocionante pela paz de uma diocese que reúne todos os ingredientes para ser um dos espaços mais violentos do Brasil, isto é, pobreza, plantio de maconha, dois canais da transposição do rio São Francisco e a promessa da instalação de uma Usina Nuclear. Aqui está claro que, sem opções, parte da juventude e também os adultos vai mesmo para os braços do tráfico.

Eram quase novecentos educadores de todos os municípios em buscas de uma cultura da paz. Eles mesmos, muitas vezes estigmatizados simplesmente por terem nascido em uma região que é considerada o covil dos traficantes. É a mesma experiência, talvez, de quem mora nas favelas do Rio e são considerados bandidos a priori, apenas porque são originários e moradores das favelas. Por isso o esforço de tentar construir, a partir do Brasil Sertão, a paz em sua região. Sinal que o povo não está alheio, mesmo que cansado. Não o cansaço da classe média, transformado em movimento, mas da violência estrutural brasileira que não nos tem permitido grandes sonhos. A classe média e o topo da pirâmide social querem na verdade uma sociedade policialesca e repressora, não uma sociedade de paz, construída sobre a base sólida da justiça social.

A Comissão Pastoral da Terra há anos registra os conflitos pela terra no território brasileiro. Nossa observação é que, aqueles que agridem e violentam as pessoas, são também aqueles que agridem e violentam o meio ambiente. Chico Mendes e Ir. Dorothy são alguns dos testemunhos martiriais dessa realidade. Afinal, quem não respeita sequer a vida de uma pessoa de setenta e quatro anos, porque vai respeitar as árvores da floresta? Por isso, a ganância humana que trafica, que produz as guerras, que explora as pessoas, é a mesma que gera a depredação do planeta. Agora nossa violência contra o planeta terá que enfrentar a vingança violenta de Gaia.

A paz é fruto da justiça, já diziam os profetas bíblicos. Os grandes pacifistas, a começar pelos profetas, passando por Jesus de Nazaré, chegando a Ghandi e Luther King, morreram assassinados. Portanto, não é simples construir a paz, sobretudo quando uma sociedade alcança o grau de degradação da brasileira. Não é por acaso que o Brasil, um dos países mais injustos da face da Terra, também seja um dos mais violentos. Nós queremos a paz, mas parece que estamos cada vez mais longe dela. Entretanto, não nos é permitido desistir. Nesses momentos, como em Brasília ou Floresta, é possível até sonhar.

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT.

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