terça-feira, 21 de agosto de 2007

Privatizando mulheres



Debra McNutt
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A prostituição militarizada existe nos arredores das bases dos Estados Unidos nas Filipinas, Coréia do Sul, Tailândia e outros países há muito tempo. Mas, desde que os EUA começaram a deslocar forças para muitos países muçulmanos já não podem permitir a prostituição destinada ao seu pessoal de maneira tão aberta. A mobilização das forças militares norte-americanas na Guerra do Golfo, na Guerra do Afeganistão e na Guerra do Iraque estimulou a prostituição de mulheres no Oriente Próximo.

Outra mudança importante é a dependência das forças armadas dos EUA dos chamados “contratistas privados”, que já ultrapassam o número de soldados no Iraque. A opinião pública começou a prestar atenção no papel dos contratistas nas zonas onde os norte-americanos realizaram ações militares. Menos atenção foi dedicada, entretanto, à forma que os contratistas privados estão dando à natureza da prostituição militarizada. No exemplo mais conhecido, funcionários da DynCorp foram descobertos quando traficavam mulheres na Bósnia, e há indícios que sugerem que o mesmo pode estar ocorrendo no Iraque.

Estou investigando se os contratistas civis permitem a exploração sexual militarizada no Iraque, Afeganistão, Emirados Árabes Unidos (EAU) e outros países muçulmanos. Minha investigação pretende descobrir novos padrões de exploração sexual de mulheres dirigida a militares por parte dos Estados Unidos, e como a prostituição institucionalizada se transforma quando as forças norte-americanas se instalam nos países muçulmanos.

Estou especialmente interessada no papel que desempenham os contratistas civis na promoção da prostituição local ou na importação de estrangeiras para zonas de guerra, fazendo-as passar por cozinheiras, camareiras ou funcionárias de escritório. Empreendi essa investigação como militante feminista que trabalhou durante muito tempo sobre aspectos relacionados com a mulher e o militarismo, inspirada pelo exemplo de mulheres como Cynthia Enloe, Katherine Moon e Saralee Hamilton. Organizei protestos contra a exploração sexual nas proximidades das bases dos EUA nas Filipinas. Mais recentemente trabalhei em facetas relacionadas com a agressão e o assédio sexuais a mulheres soldados nas forças armadas dos EUA. Desde a Guerra do Golfo também me opus ativamente aos ataques dos EUA ao Iraque.

Embora durante a curta Guerra do Golfo as forças armadas dos EUA não permitissem a prostituição militarizada na Arábia Saudita para não ofender seus anfitriões, quando os barcos de transporte do pessoal militar regressavam aos Estados Unidos, detinham-se na Tailândia para desfrutar de um tempo de “descanso e recreio” (Rest and Recovery). As duras sanções econômicas impostas depois da Guerra do Golfo obrigaram muitas iraquianas a se prostituir. O comércio sexual cresceu em tal medida que, em 1999, Saddam ordenou que suas forças paramilitares o reprimissem. Como resultado disso, muitas mulheres foram executadas.

A invasão do Iraque pelos EUA, em março de 2003, levou a prostituição de volta a esse país em questão de semanas. Até agora, a Guerra do Iraque durou oito vezes mais que a do Golfo, e é caracterizada pelo uso de uma enorme quantidade de contratistas privados. Em janeiro de 2006, o presidente Bush aprovou uma lei que proíbe o tráfico de pessoas. Essa lei, porém, não foi aplicada aos contratistas privados.

O medo criado pelo renascimento da prostituição permeia toda a sociedade iraquiana. As famílias não deixam que as meninas saiam às ruas, não só para evitar que sejam atacadas ou assassinadas, mas para impedir que sejam sequestradas por redes organizadas de prostituição. Essas redes também obrigam algumas famílias a que lhes vendam seus filhos, para convertê-los em escravos sexuais.

A guerra deixou sem casa uma grande quantidade de rapazes e moças, que são bastante vulneráveis ao comércio sexual. Também produziu um grande número de refugiados que tratam de escapar do perigo, mas que (por desespero econômico) terminam se prostituindo na Jordânia, Síria, Iêmen ou nos Emirados Árabes Unidos. Nossa ocupação não só ataca as mulheres fisicamente, mas também espiritualmente, até que não reste mais nada para destruir.

As estrangeiras importadas para exercer a prostituição no Iraque chegam, geralmente, através dos canais estabelecidos pelo tráfico ilegal de trabalhadores, tal como o documenta a série de reportagens publicadas pelo Chicago Tribune, intituladas Pipeline to Peril (A Rota do Perigo). Por exemplo, o jornalista independente David Phinnay documentou como uma companhia contratista quaitiana, que importava trabalhadores para construir um novo complexo para a embaixada dos EUA na Zona Verde de Bagdá, introduzia mulheres na área da construção.

Alguns bordéis foram abertos na Zona Verde (disfarçados de pousadas para mulheres, salões de beleza ou restaurantes chineses), mas as autoridades os fecharam quando a mídia informou sobre sua existência. Segundo as forças armadas norte-americanas, suas tropas são proibidas de tratar com prostitutas. Não obstante, em sites de sexo na web, os contratistas privados se jactam de serem capazes de encontrar mulheres iraquianas ou estrangeiras em Bagdá ou nos arredores das bases militares dos EUA. Esses contratistas privados de segurança cobram salários muito elevados, o que faz com que disponham de muito dinheiro, e não são responsáveis diante de ninguém mais que suas companhias.

O empregado de um empreiteira que vivia na Zona Verde contava, em fevereiro de 2007, que havia tardado quatro meses em alcançar os contatos necessários. “Temos um contato na Patrulha Encarregada da Segurança Pessoal que nos traz essas belezas iraquianas.” Nos correios eletrônicos de contratistas ocidentais é sugerido que mulheres chinesas, filipinas, iranianas e da Europa do Leste também se prostituem no Iraque para os usamericanos e outros ocidentais. (Outros informes indicam que, aparentemente, existem mulheres chinesas que se prostituem no Afeganistão, Catar e outros países muçulmanos, nos quais pode ser difícil para as redes de prostituição encontrar mulheres desses países.)

Em 2005, durante seu período de licença do Iraque, o reservista do exército Patrick Lacktatt afirmou que “ por um dólar podes conseguir uma prostituta por uma hora”. Mas, à medida que a guerra se intensificou em Bagdá e em outras regiões árabes do Iraque, ficou mais perigoso para os ocidentais sair das bases militares da Zona Verde. Por isso, agora, os contratistas comentam que é melhor desfrutar de seus períodos de “descanso e recreio” na região curda do norte, que é mais segura, ou nos bares e hotéis de Dubai, o emirado que se converteu no principal centro de prostituição do Golfo Pérsico. Enquanto isso, no Iraque, as redes de prostituição têm que atuar de maneira cada vez mais clandestina para se esconder das milícias iraquianas.

Como assinala Sarah Mendelson em seu relatório do ano de 2005 sobre os Balcãs – Barrack and Brothels (Barracas e Bordéis) – o governo dos EUA idealizou muitos protocolos e programas para diminuir o tráfico de pessoas, mas, como não se fazem respeitar, terminam sendo meros exercícios de relações públicas. Os oficiais militares costumam fazer vistas grossas para a exploração de mulheres pelo pessoal militar e dos empreiteiros privados, porque querem elevar o “moral” de seus homens. A forma mais eficaz que as forças armadas têm para evitar uma reação pública negativa é impedir que a informação incômoda chegue a seus ouvidos. Não é necessário encobrir a informação se ninguém a conhece.

Para mim (e para outros investigadores e jornalistas) foi difícil chegar ao fundo desta crise. Em seu livro Imperial Life in the Emerald City (Vida Imperial na Cidade Esmeralda), Rajiv Chandrasekaran observou: “Havia prostitutas em Bagdá, embora não pudesse ir a uma cidade para ter sexo como em Saigón.” Decifrar quem está por detrás do tráfico de pessoas é tão difícil (ou mais) como no caso do tráfico de drogas. Já é bastante difícil rastrear o amplo tráfico ilegal de trabalhadores para o Iraque. Mas o tráfico de mulheres iraquianas ou estrangeiras para prostituí-las está melhor encoberto. As redes de prostituição camuflam muito bem seus rastros e nem os militares nem os contratistas privados estão interessados em revelar informações que possam prejudicar a guerra.

O fato de que a informação seja difícil de encontrar é um estimulante para instensificar a busca e para fazer da prostituição militarizada um tema fundamental dos movimentos de mulheres e contra a guerra. A Guerra do Iraque é financiada com nossos impostos e, se como resultado da ocupação mulheres são exploradas, é nossa obrigação nos responsabilizarmos por esses crimes.

Atualmente, estou escrevendo um informe mais detalhado sobre minhas descobertas e necessito dados de outros investigadores e jornalistas, veteranos de guerra, empregados de contratistas privados, exilados e refugiados, e mulheres que tenham sido prostituídas no passado, para que ajudem a esclarecer a prostituição militarizada no Oriente Próximo e o papel das forças armadas e de seus contratistas privados.

O objetivo final dessa investigação é não só trazer à luz esses crimes contra a mulher, mas contribuir para a formação de um movimento que os detenha. Quando se fala sobre os direitos das mulheres iraquianas não se toca no tema de como a ocupação dos EUA está criando novas formas de opressão que destróem sua autoestima. Como estadounidenses, temos a obrigação de deter os abusos de militares contra as mulheres fazendo com que a ocupação termine.

Debra McNutt é feminista e ativista contra a guerra, pesquisadora residente em Olympia, Washington.

Fonte: CorreioDaCidadania

Publicado originalmente no CounterPunch. Tradução de ViaPolítica.

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