sábado, 18 de agosto de 2007

A critica é atualíssima.....

Vênus(globo) perde o laquê

Paulo Henrique Amorim

A tecnologia e a concorrência ameaçam o império da Rede Globo

O Boni está feliz da vida e trabalha na rua Lopes Quintas, Jardim Botânico, Rio. É onde fica a Vênus Platinada. Continua a trabalhar, porque a Globo não mudou nada, depois que ele deixou o comando da empresa. Na Globo, não existe “DB”, depois do Boni. A Globo continua na era do Boni.

Nas finanças, a Globo está ótima. Levantou a concordata de 2002, quando deu o calote numa dívida de 1,1 bilhão de dólares. A Globo acreditou em FHC e achou que o real valia um dólar. Endividou-se em dólares e...

(Interessante que, à exceção de CartaCapital, não me lembro de outro órgão de imprensa que noticiasse a concordata da Globo.)

Em abril deste ano, a Globo lançou perpetual bonds no mercado financeiro internacional no valor de 325 milhões de dólares, com juros de 9,375% ao ano. O lançamento era de 250 milhões de dólares, mas a procura foi tanta que a oferta teve de crescer 30%.

A recuperação financeira deve explicar a “nova independência” da Globo, exposta de forma exuberante na eleição de 2006, quando o Jornal Nacional levou a eleição para o segundo turno, como demonstrou, nesta CartaCapital, reportagem exemplar de Raimundo Rodrigues Pereira.

Porém, nem tudo são rosas.

O ano de 2006 demonstrou também que a Globo passou a enfrentar um ambiente político e empresarial mais hostil.


Vejamos:

• Pela primeira vez, desde que se tornou a Vênus Platinada, nos anos militares, a Globo passou a enfrentar, em 2006, um concorrente que tem grana. A Record.

• Pela primeira vez, a Globo enfrenta um concorrente que entrou de sola no filé mignon da tevê brasileira: o mercado de novelas, onde está 25% do faturamento da Globo. O concorrente é a Record.

• A Globo é como aquele campeão peso pesado, que ganhou peso, só enfrentava sparrings e há 15 anos luta do mesmo jeito. E por isso é vulnerável, nesse combate contra um jovem que tem grana no bolso.

• A Globo não tem mais tempo de “go global”. A certa altura, ela tentou ir para a Itália, mas, como me disse, um dia, Bettino Craxi, antes de uma entrevista em Nova York: “Mas, como? Eles resolveram enfrentar o Silvio (Berlusconi), logo o Silvio?” E a Globo deu com os burros n’água.

A Globo deveria ter sido uma forte vendedora no mercado de novelas e jornalismo nos países de língua portuguesa e espanhola fora do Brasil, sobretudo nos Estados Unidos.

Oitenta por cento das receitas da Globo saem da publicidade. A participação da televisão no bolo publicitário brasileiro (um total estimado de 18 bilhões de reais, em 2006) está em 60% há dez anos.

Ou seja, o Brasil ficou pequeno para a Globo. Porque, com os custos fixos que tem – por exemplo, ela tem 475 contratos de exclusividade, de longo prazo, com artistas e pessoal ligado à produção de conteúdo* – a Globo teria de amortizar uma parte disso no exterior.

Porém, a Globo ficou imprensada na província, entre as palmeiras do Jardim Botânico e o Sumaré, e não viu a banda passar. Quem viu foram os mexicanos, os venezuelanos, colombianos e os americanos.

Hoje, a Globo não é mais a primeira em audiência no público que fala português fora do Brasil. É a Record Internacional. Uma vez, sugeri a Walter Zagari, diretor-comercial da Record, o slogan: “No mundo já somos os primeiros. Só falta o Brasil”. A sugestão não foi aceita...

• A Globo também não tem mais como impedir o crescimento de concorrentes no próprio mercado de televisão. Por exemplo, ao longo de 16 anos, a Globo conseguiu conter o crescimento do mercado de tevê por assinatura. Ela sentou em cima do mercado, tomou conta dele e não deixou que competisse com a tevê aberta – ou seja, com a Rede Globo.

Não queria que a tevê por assinatura canibalizasse a Rede Globo.

O Brasil é o país ideal para a tevê por assinatura, por causa da alta urbanização. Com um buraco no chão, você atingiria uma infinidade de domicílios. (É só ver a penetração da tevê por assinatura em Buenos Aires.)

A hegemonia da Globo fez com que, 16 anos depois, a penetração da tevê por assinatura no Brasil fosse de 8% do mercado. A vítima foi a produção independente no Brasil. Não é à toa que o cinema brasileiro é o que é; a dramaturgia brasileira é o que é...

Por causa desse trancamento da produção independente – e da cumplicidade dos governantes brasileiros –, é possível à Globo produzir, ela própria, 88% do conteúdo do horário nobre.

É bom lembrar que, em Hollywood, 50% dos empregos são de pessoas que trabalham em produções independentes para as emissoras de tevê: seriados, soap-operas, sit-coms etc.

Com a eleição de 2006, porém, isso (a cumplicidade dos governantes) pode mudar.

O ambiente político mudou. A Globo não depende mais do governo como dependia antes. E dependeria muito, se o BNDES tivesse conseguido concluir, no governo FHC, uma operação de salvamento da Globo por conta de “um futuro aumento de capital”. Era um negócio tão bom que Roberto Civita, em entrevista que meu deu, quando eu trabalhava na TV Cultura, proclamou: “Assim, eu também quero”.

Aliás, ao inaugurar o Projac, FHC disse: “Eu tenho orgulho da Globo. Eu tenho orgulho do Brasil”. Nessa ordem.

O ministro José Dirceu bem que tentou, no programa Roda Viva, ao comparar a Globo à Varig, arrumar uma grana para a Globo. Mas não conseguiu. A Globo foi à luta e resolveu a reestruturação de sua dívida no mercado financeiro internacional.

Melhor para ela e melhor para o Brasil.

Porque o governo Lula também não deve nada à Globo. Ao contrário: o golpe do segundo turno ficou atravessado na garganta do governo.

  • Também o ambiente institucional, regulatório, se tornou mais escorregadio para a Globo.

Até agora, a Globo conseguiu, como demonstra o professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília, fazer com que o setor de radiodifusão fosse “o mais irregulado” do Brasil. Vale o que a Globo quer. Ou queria.

A começar pelo fato de o ministro das Comunicações não mandar mais. Pela primeira vez na Nova República, que começou com Antonio Carlos Magalhães no Ministério das Comunicações, o atual ministro das Comunicações, Hélio Costa (que, como eu, chefiou o escritório da Globo em Nova York), não manda sozinho no pedaço.

Quem manda mesmo é a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Foi ela quem decidiu que o sistema da tevê digital seria o japonês. Se foi por causa da Globo, tenho as minhas dúvidas...

É exatamente esse ambiente “irregulado” que agora pode se virar contra a Globo. No saco de gatos que a Globo montou nem ela manda mais.

Como é que a Globo vai evitar que a Telefônica tenha uma tevê por assinatura?

E a Brasil Telecom, que fatura num trimestre o que a Globo fatura no ano? (Aliás, é bom lembrar que tenho – com muito orgulho – um site no iG, empresa controlada pela Brasil Telecom). E se a Brasil Telecom comprar uma tevê por assinatura?

A Globo vai cobrir os céus do Brasil e desligar o transponder?

Vejam que situação interessante, que me relatou um amigo que entende disso mais do que eu.

John Malone, da Liberty Media, e Rupert Murdoch, da News Corp, decidiram que um vai sair da empresa do outro. Malone vende a Murdoch as ações que tem na News Corp. E Murdoch vende a Malone as ações que tem na Liberty Media – e sai da DirecTV.

Malone fica com a DirecTV. Só que Malone não gosta de investir fora dos Estados Unidos. E pode querer vender a DirecTV, que opera na América Latina, a uma tele que opere no Brasil. Como é que fica? A Globo vai impedir que o John Malone, que mora na Califórnia, venda a DirecTV à Telefônica, que fica em Madri? Nem com a ajuda do Ricardo Teixeira e da Fifa.

E aqui entramos no interessante capítulo das novas mídias e da democratização da mídia. A assim chamada “mídia convencional” nunca mais será a mesma.

A internet já é mais lida que os jornais, no Brasil.

Não é preciso dizer que a receita publicitária dos jornais e revistas está em queda.

Revistas: tinham 8,8% do total do mercado publicitário em 1996, e está em 8,6% este ano.

A dos jornais desabou (o que explica, em parte, a fúria antigovernista deles): era de 25,6% em 1996, e passou para 15,7% do bolo publicitário em 2006. Queda de 10% em dez anos.

Ou seja, é mais promissor produzir aço em Pittsburgh, automóveis em Detroit e chapéu-coco em Londres do que produzir jornais no Brasil.

Outro dia, num seminário na Cásper Líbero, imaginei a primeira cerimônia luddista do século XXI: João Roberto Marinho, Roberto Civita, Otavio Frias Filho e Ruy Mesquita, no salão nobre da Fiesp, debaixo do busto do Conde Matarazzo, fazem uma fogueira para queimar os computadores de cem dólares do Nicholas Negroponte.

É porque a democratização da mídia vai se dar na Casas Bahia.

O governo Lula levou o computador à classe C. Com a “MP do Bem”, o acesso ao crédito (especialmente ao crédito consignado) e a massificação do cartão de crédito, inclusive na classe C, o consumo de computador começa a se democratizar.

As vendas de computador vão subir 47% em 2006. Serão vendidos 9 milhões de unidades. Metade disso foi consumida pelas classes C e D. Só o “computador para todos”, que o governo lançou por 1.400 reais, vendeu 380 mil unidades nos nove primeiros meses do ano.

Computador significa internet. O brasileiro fica 20h30 por mês na internet, 37 milhões de brasileiros acessam a internet. São os campeões do mundo. O comércio eletrônico vai bater o recorde em 2006.

Vamos falar agora de outro formato de computador: o celular.

No mesmo seminário na Cásper Líbero, Caio Túlio Costa, presidente do iG, lembrou que a derrota de Aznar e a eleição de Zapatero, na Espanha, em 2004, devem muito à infinidade de SMS que desmentiram a versão da tevê estatal de que o atentado ao metrô de Madri era obra do ETA, e não da Al-Qaeda, como depois se comprovou.

Além de mandar mensagens com a rapidez de um torpedo, o celular passou a baixar e-mails e dar acesso à internet, lembra o relatório de dezembro de 2006 da ITU, a International Telecommunication Union:

“Um em cada três seres humanos no planeta tem celular. E cada vez mais os celulares estarão equipados com câmeras digitais e capacidade para tocar música. Ou seja, o celular começa a se parecer mais com um computador do que com um telefone.”

No Brasil, a penetração do celular foi espantosa: hoje, há 100 milhões de celulares no País. E 60% dos donos de celular enviam e recebem mensagens de texto, torpedos. Com a massificação do celular, a democratização do “computador no celular” de que fala o relatório da ITU será um passo.

Como é que a Globo quer impedir a democratização da mídia? Através da treva tecnológica?

Esteve em tramitação no Congresso uma PEC do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), que pretendia exatamente isso: devolver o Brasil à Idade da Pedra. Ou seja, que “o provimento de conteúdo” – em todas as mídias, inclusive no celular – só possa ser feito de acordo com a lei atual de radiodifusão – aquela que interessa à Globo. A nacionalização completa do conteúdo, de preferência por nacionais do Jardim Botânico, quer dizer, do Projac.

(Corre também de forma acelerada um projeto de lei do deputado Luiz Piahylino, não reeleito, com substitutivo de Nelson Marquezelli – PTB-SP –, com a mesma inspiração tenebrosa.)

Eu imaginei submeter, humildemente, ao senador Evandro Guimarães, ou melhor, Maguito Vilela as seguintes perguntas:

• Se a minha sogra argentina tirar uma foto do Pão de Açúcar com o celular e enviar por e-mail para a minha filha que está em Fortaleza, pode?

• Se o meu sobrinho baixar o último disco do Bob Dylan no iPod, ele pode ouvir sentado no McDonald’s da avenida Henrique Schaumann? Ou tem de ser no Habib’s?

• Se um turista tailandês usar uma camereta e filmar um engarrafamento na Marginal do Tietê, postar no YouTube e eu assistir no meu notebook quando estiver em Caruaru, pode?

• O senhor não vai deixar entrar no Brasil a Internet Protocol Television (IPTV), que na Coréia do Sul e em Hong Kong é uma brincadeira de criança? Ou seja, assistir à tevê, na telinha do celular, pode?

• O Mino Carta, em Gênova, pode fazer um post em seu blog, no iG, sobre a excelência do vinho espanhol? Ou só pode se for sobre o Miolo?

• Jamais teremos a digital wallet, a carteira digital, que a Nippon Telegraph and Telephone começou a distribuir no Japão? É um celular com as características de um cartão de crédito. Você compra o que quiser... com o celular. Pode, senador?

• Ou é melhor transferir o iG para Ciudad del Leste e começar a postar as minhas enquetes e os meus vídeos de lá. Senador, o senhor pretende construir um Muro da Treva, na Ponte da Amizade, com o logo da Globo, em cima, todo iluminado de azul?


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