Por Daniel Ricci Araújo
Hoje em dia, vivemos sob o império das frases feitas.
Os julgamentos gerais sobre as pessoas e as coisas estão cheios de raiva e arrogância. Uma explicação menos superficial e mais tolerante é tida como coisa de gente pedante. Teimosa. Chata.
O negócio é diminuir, catalogar, ironizar – em suma, mostrar um tolhido desrespeito e um sutil desprezo ao que não gostamos. Vivemos num mundo de frases pinçadas e analisadas fora do contexto, que só servem para consagrar novos e temíveis “gênios da raça”. O verdadeiro gênio Machado de Assis afirmava ser muito fácil negar as coisas: difícil mesmo seria afirmá-las. Estava certo. O esculacho e o menosprezo viraram argumentos por si só.
Muitas das idéias sobre o Mundial de Clubes da FIFA mostram isso. Uma parte do mundo estabelecido do futebol critica, ironiza e até ridiculariza as equipes principiantes. Ouvindo-os sem saber o que tem ocorrido dentro de campo, poderíamos imaginar goleadas estilo “cinco vira, dez termina”. Mas durante dois anos seguidos, Al Ittihad e Al Ahly impuseram não menos do que momentos de terror aos grandes times sul-americanos, inclusive a nós.
Eu falo por mim: nem na falta batida por Ronaldinho, no fim do jogo fatídico, consegui ficar tão nervoso quanto no empate dos egípcios, quatro dias antes. O Milan, ontem, conquistou uma metódica e ajustada vitória contra uma modesta, mas ascendente equipe japonesa. Na quarta-feira, o time tunisiano do Etoile quase desmistificou, com um ou dois contra-ataques, os supostos deuses vivos do “copeirismo”.
Urawa e Etoile, vejam só. Ambos tentaram vencer, desafiaram camisas que estão cem anos a sua frente, e mesmo assim só venderam a um preço alto a derrota “de sempre”, conforme os detratores do Mundial afirmam com seu escárnio vazio. “Viram só, eu não disse”? A justa final do domingo abriu mais um sorriso no rosto daqueles que só vêem simplismos em tudo.
Negar, negar, negar. Coisa fácil. “O Mundial é a final”, dizem alguns. “Os resultados mostram”, dizem outros. Não há escapatória, não há possibilidades, não há chances: ao mundo incompleto daqueles que não admitem o meio termo não faltam só três continentes, mas também humildade e ponderação.
Olhem a província, por exemplo. O Rio Grande do Sul, dizem alguns arautos, é supostamente desprezado pelos sobrenaturais poderes do “eixo”. Mas muitos que dizem isso afirmam também que, no mundo do futebol, América Latina e Europa mandam, e o resto inexiste.
É assim que funciona essa lógica torta e de nariz empinado: seu fundamento é o de duvidar, catalogar, julgar com o fígado e não com a cabeça. Eis o método, resumido e em primeira pessoa: no que for contra mim, abaixo a arrogância alheia; a meu favor, os humildes que plantem batatas.
“Disputa de dois clubes”, “encheção de murcilha”, “estratégia de marketing”, tudo isso se ouve sempre das mesmas bocas azedas e renitentes quanto à participação de outros times no mundial. Mas e a incensada Copa do Brasil? Praticando o critério do descritério, os mesmos nada falam quanto a ela, claro.
Com seus vários times conhecidíssimos e campeões tais como Paulista e Santo André, aí está um torneio que surgiu com a mesma filosofia do mundial: integrar e dar uma chance, mesmo que teórica, a todos. Muitas vezes os azarões avançam, e nunca ouvi alguém desmerecer a tal ponto a Copa do Brasil por isso. Mas aí pode, tudo bem. Para os defensores da forma em detrimento do conteúdo, nada melhor do que um bom mata-mata para encher o ego de orgulho. O campeão acreano vai à Copa do Brasil, e é muito justo que vá. Mas se uma equipe vence o torneio de seu continente, por que negá-la o direito de participar do mundial?
Faz bem admitir, detratores. A alma fica mais leve e a razão, mais digna de respeito. Fernando Carvalho já asseverava com a razão que lhe é quase sempre peculiar: nada temos contra a importância do antigo título. Tradicional e conhecido, ele era, à sua época, a maior coisa que um clube de futebol poderia vencer.
Mas hoje há um campeonato global, com os cinco continentes participando, com o melhor e o pior do planeta bola, e sem exclusões. Um mundo perfeito, como querem os inimigos do Mundial, talvez só exista reduzindo tudo somente ao que lhes agrada. Pedir tolerância quando somos os desfavorecidos é fácil. Mais difícil, porém, é fazer uso dela quando nós temos o papel de mais fortes.
Vamos defender o mundial FIFA. Ele é melhor? Pior? Não sei. Eu diria que é completo. E com tudo que a completude pode significar de bom e de ruim.
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