sábado, 1 de março de 2008

Por que eu considero "Tropa de Elite" um filme fascista?

.André Lux

André Lux - TudoEmCima

O meu amigo blogueiro Miguel do Rosário tem feito uma defesa ferrenha do filme “Tropa de Elite”, o qual ele não considera fascista, em seu blog Óleo do Diabo. Não quero aqui ficar pinçando trechos do texto dele e os contrapondo, pois acho isso enfadonho e meio injusto com o autor, pois tira suas idéias de contexto.

Vou, de maneira pontual e final, dizer porque eu acho o filme fascista. Até porque não quero mais falar desse filme canhestro que nem merece tantos holofotes assim.

1) A intenção do diretor era fazer um filme fascista? Pra mim ficou claro que não. O Padilha tentou sim fazer um filme que “mostra a realidade” da violência urbana no Brasil – especificamente nas favelas cariocas, e provocar polêmica no bom sentido.

2) Ele teve sucesso nisso? Em parte. Do ponto de vista de “mostrar a realidade”, ele consegue mostrar apenas uma parte dela. E é aí que os problemas começam.

3) Onde ele acertou? Primeiro, ao mostrar a corrupção e a desordem na polícia militar, bem como a parceria de seus membros com o tráfico e com esquemas ilícitos. Segundo, ao mostrar o envolvimento de políticos nos esquemas. Ponto para Padilha e sua equipe.

4) Os erros. Agora é que são elas. De boas intenções o inferno está cheio:

- “Tropa de Elite” escorrega feio em sua pretensão de “mostrar a realidade” ao pintar o BOPE como incorruptível e super-eficiente. Não é. Existem provas contundentes disso. Uma dessas provas está no próprio filme: os oficiais do BOPE são coniventes com a corrupção da PM, então no mínimo são omissos e corruptos por tabela. Mas o roteiro não chega nem perto de tocar nesse ponto e insiste em dar voz apenas aos discursos moralistas e incoerentes dos policiais, sem nunca questioná-los.

- O BOPE é mostrado torturando e executando pessoas de maneira criminosa. Igualzinho acontece na realidade. O problema é que todas as pessoas torturadas e mortas no filme são bandidos ou amigos e familiares dos bandidos. Só que na vida real, pessoas inocentes são mortas e torturadas pelo BOPE. Onde está isso no filme? Em lugar algum. Em “Tropa de Elite”, o BOPE é tão eficiente e “bonzinho” como o Rambo que, entre uma crise existencial e outra, também só mata bandidos e vilões, nunca inocentes. E quem optou por mostrar as coisas dessa forma distorcida e absolutamente parcial? Os críticos? A platéia? Não, os realizadores do filme. Portanto, não há desculpas.

- Estudantes de classe média usam drogas e acabam ajudando a sustentar o tráfico. Correto. Essa é uma questão importante no debate do combate à violência que ninguém tem coragem de tocar. “Tropa de Elite” ensaia colocar o dedo nessa ferida, mas logo depois mete os pés pelas mãos.

Primeiro, porque não são todos os estudantes que usam drogas. Muito menos todo estudante é esquerdista ou liberal. Em qualquer sala de aula também existem jovens que rezam pela cartilha da direita, que são fascistas, ou que ao menos são favoráveis ao “prendo e arrebento”. Onde estão eles no filme? Em lugar nenhum. Na classe do Matias (o policial negro), todos adotam uma postura “esquerdista” ou liberal na cena do debate, o que é absolutamente ridículo.

Ou seja, assim como o BOPE só mata e tortura bandidos no filme, os estudantes de classe média são todos retratados como liberais hipócritas que usam drogas ilícitas ao mesmo tempo que protestam contra a brutalidade da polícia em passeatas idiotas. Chamar isso de maniqueísmo chega a ser uma ofensa ao Maquiavel... Ao optar por essa aproximação simplista, o cineasta inutiliza automaticamente sua proposta de “mostrar a realidade” do ponto de vista da classe média como parte do problema.

- Muitos dizem que o capitão Nascimento é “humanizado” no filme, pelo fato de narrar a trama e por sofrer de ataques de pânico, portanto não pode ser considerado fascista. Esse argumento é o mais fraco.

Primeiro, porque o Nascimento que narra é um e o que atua é outro. Enquanto ouvimos o personagem descrevendo as situações com ar de deboche, arrogância e onisciência (revelando inclusive fatos que não tinha como saber), o vemos agindo como um descontrolado inseguro, à beira de um ataque de nervos.

Ou seja, enquanto age como o protagonista de, na falta de um exemplo melhor, “Um Corpo Que Cai” (que tinha fobia de altura e cometia erros), ele narra o filme como se fosse o Rambo, fodão e infalível, porém injustiçado e incompreendido. No final das contas, o que prevalece é a narração, até porque é ela que se destaca mais no nível da consciência por ser dirigida diretamente ao espectador. Não há, portanto, humanização nenhuma do personagem. Pelo contrário. A narração tosca anula a suposta “humanidade” das ações e, mais grave, induz o espectador a "torcer" por ele.

- Matias, o policial que no final substitui Nascimento, é o verdadeiro protagonista do filme. É nele que está contido o arco moral do roteiro. É só perceber: Matias começa o filme de uma maneira e termina de outra, que é totalmente contrária à inicial. Seria dele também a narração do filme. É bem provável que assim ficaríamos sabendo mais sobre esse personagem e sobre a confusão mental que o levou a uma mudança tão radical de comportamento e filosofia de vida.

Mas, como o diretor resolveu mudar, na última hora, a narração para o Nascimento (certamente por questões mercadológicas), Matias virou um mero coadjuvante, sem qualquer profundidade ou nuance.

Sua transformação de idealista em torturador acontece de maneira brusca e forçada, apenas porque teve um amigo morto pelos bandidos. Explicação rasa e pobre, idêntica a de qualquer Rambo da vida: “Quero viver em paz, mas vou voltar para a guerra para vingar o meu amigo, que foi maltratado pelos vilões”.

Ao optar por todas essas simplificações extremas e por uma estética de filme de ação palpitante (especialmente na terceira parte), “Tropa de Elite” vai contra sua proposta inicial e, infelizmente, se iguala a qualquer filme do tipo “vingança e retaliação”, como “Gladiador” ou os já citados “Rambos”, onde os feitos questionáveis dos personagens acabam sendo justificados em nome de um “bem maior” – no caso, vingar a morte covarde do amigo policial.

E perceber isso não tem nada a ver com ser de esquerda ou de direita. Até porque não é todo direitista que é fascista ou violento, da mesma forma que nem todo esquerdista é comunista ou pacifista. Existem nuances nesse meio e é isso que torna o debate rico e profundo. E é justamente essa falta de nuances e de profundidade que transforma “Tropa de Elite” em produto fascista – no sentido de endossar, mesmo que sem querer, o uso da brutatlidade e do desrespeito às leis como única forma de combater o tráfico de drogas e suas conseqüências.

Enfim, um filme cheio de boas intenções que se perdem na falta de consciência, sensibilidade ou talento de seus realizadores.

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