segunda-feira, 12 de maio de 2008

Brasil: seguro para quem?






Fernando Silva

Em uma operação do mercado financeiro recebida com grande alvoroço e apoio pelo governo e a grande mídia, o Brasil foi recentemente promovido a condição de país "seguro para investimentos".

A condição atestada pela agência Standard & Poor's provocou recordes de valorização na Bolsa de Valores de São Paulo no dia 30 de abril (teve a maior alta em um dia desde outubro de 2002), declarações oficiais do governo comprometendo-se em transformar o Brasil em lugar cada vez mais "seguro" e estável, promessas e notícias de novos investimentos que farão do Brasil uma potência nos próximos anos e por aí vai.

A nova "promoção" do Brasil teve um componente que lembrou muito as operações artificiais de valorização, típicas do mercado financeiro.

Artificial porque, em um momento de crise internacional, com o preço do petróleo ameaçando jogar ainda mais "combustível" na explosão inflacionária dos alimentos no mundo, pode fazer pouco sentido tamanha euforia nos papéis cotados na Bolsa de Valores de São Paulo se a "nota" concedida pela Standard & Poor's colocou o Brasil no mesmo patamar de estabilidade, por exemplo, do Cazaquistão.

Mas o pior da história é que existe razão de ser para tamanha alegria do grande capital. Notem a coincidência. No mesmo dia do anúncio desta "promoção" era noticiado que o governo conseguiu um novo recorde trimestral no superávit primário: R$ 43,032 bilhões, mais do que suficientes para pagar os R$ 39,998 bilhões apenas de juros da dívida pública no primeiro trimestre deste ano.

Deste ponto de vista, o capital financeiro não tem o que se queixar do Brasil, nem do governo Lula, que cumpriu a palavra de garantir a remuneração aos "investidores", conforme documentos revelados pelo jornal Valor Econômico em 08/05/2008, sobre os bastidores da aproximação do governo brasileiro com o governo Bush desde a época da eleição de 2002.

Bom para o Capital, ruim para os trabalhadores

A realidade é que, para garantir a remuneração do capital financeiro à custa de recursos do próprio orçamento, o povo recebe em troca a epidemia de dengue. Afinal, o importante é reservar R$ 43 bilhões em três meses ao invés de tomar as medidas e investimentos na saúde, tanto emergenciais quanto estruturais, que permitissem debelar a epidemia e extinguir a dengue no país.

A segurança para o grande capital é diretamente proporcional à insegurança para os trabalhadores e as classes médias diante da explosão do preço dos alimentos, que já fez a inflação ultrapassar 5% ao ano (março de 2007 a março de 2008). E isso em uma economia onde não existe qualquer mecanismo previsto de proteção salarial diante da corrosão inevitável, que, aliás, já começa a pulverizar os poucos ganhos que milhares de trabalhadores conseguiram a duras penas em negociações e dissídios no ano passado.

Para o grande capital ter muita segurança e lucros garantidos devido às altas taxas de juros praticadas, o povo vai passar a conviver com a incerteza diante da perspectiva de endividamento no crédito ou até inadimplência, especialmente para as camadas da classe trabalhadora amarradas ao crédito consignado em folha de pagamento.

É na esteira desta estúpida euforia que o governo federal, com o aval das centrais sindicais que o apóiam, volta a sinalizar com uma "negociação" na legislação trabalhista, com o objetivo de desonerar a folha de pagamentos para baratear, com a retirada de direitos, ainda mais a mão-de-obra no país. Afinal, é preciso aproveitar o momento de "promoção" do país para atrair ainda mais capitais e investimentos para a produção e infra-estrutura.

Ilusão entreguista da pior espécie, pois o grande capital não parece acreditar nos factóides da Standard & Poor´s e trata de aumentar as remessas de lucros para fora do país (apenas em março, US$ 4,345 bilhões).

Conclusão: se isto aqui for seguro, só mesmo para o grande capital, especialmente o financeiro. Para os trabalhadores, o cenário será cada vez mais inseguro. Ficará colocada a eles e aos movimentos sociais a necessidade de se começar a construir uma pauta de reivindicações diante deste cenário.

A luta contra o aumento do preço dos alimentos; a defesa de mecanismos de reposição geral de perdas do poder aquisitivo, provocadas por esse novo surto inflacionário; a defesa da redução da jornada de trabalho para gerar emprego, mas sem redução dos salários e sem a retirada de direitos sociais e trabalhistas; a denúncia do pagamento e remuneração ao capital financeiro pela via da dívida pública. São todas questões que tendem a ser cada vez mais concretas para os trabalhadores e o povo diante do desastre social para o qual que caminha o país sob a batuta do capital financeiro e a euforia cega e servil do governo Lula.

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.


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