sábado, 10 de maio de 2008

Os sindicatos europeus a deriva....

Na Europa, o inferno neoliberal para sindicatos e trabalhadores


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Derrota – Com um discurso que explora o fantasma do desemprego frente à chegada dos imigrantes e “a falta de segurança” causada por eles, a direta manipula com êxito os humores decepcionados dos setores populares.Depois de 18 anos de governos progressistas, o póst-fascista, Gianni Alemanno derrotou - neste último 28 de abril - o candidato do centro-esquerda a prefeito de Roma, com a diferença de quase 100.000 votos. Um alerta dramático, para toda a esquerda européia, que segundo o jornal britânico Independent não é apenas uma derrota eleitoral. É, antes de tudo, a evidência da ausência dos sindicatos no território, deixando desprotegidos os trabalhadores, diante de um processo de reformulação da sociedade que os “centros de excelências do capital” estão construindo, desde 1990, após a queda do Muro de Berlim.

O ritual do saudosismo fascista nas escadas da Prefeitura de Roma não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias que uma direita reacionária e racista obtém com o voto de trabalhadores decepcionados e populares amedrontados que, anteriormente, votavam os candidatos dos partidos de esquerda conforme as orientações dos sindicatos. Diante disso a questão é a seguinte: porquê os sindicatos não mobilizaram suas bases como antigamente?

A verdade é que 80% dos sindicatos e centrais sindicais européias não exercem mais seu papel político no território, ao lado dos trabalhadores. No local do trabalho, os sindicatos se limitam em representar verticalmente as disputas contratuais, deixando de contextualizar a nova organização das linhas de produção que visam “robotizar” cada vez mais o trabalhador.

“...De fato, um robô não sabe o que é a “autonomia política da classe operária”. Ele executa, apenas, tarefas produtivas, não pensa se as mesmas são ruins para o corpo humano, para o meio ambiente, não reage se o trabalho é alienante. O robô trabalha até ser substituído por outros mais multifuncionais....”

Assim um panfleto distribuído na FIAT-Mirafiori de Torino pelos comitês da Rede 28 de Abril (fórum que reúne a esquerda na central CGIL) criticava o silencio da CGIL e da federação FIOM diante da nova investida da FIAT alertando os operários com o título:” Atenção, companheiro, os robôs não precisam de sindicato!!!”

Crise de identidade

Na União Européia os sindicatos estavam organizados em fortíssimas centrais sindicais, que desde 1945 sustentaram os ideários da esquerda — sejam eles social-democratas ou socialistas-reformistas ou abertamente anti-capitalistas .

Os sindicatos metalúrgicos e químicos, italianos e os franceses, sempre representaram a vanguarda política do movimento sindical cuja força em unificar a classe operária era determinada por dois elementos centrais: 1) o estudo crítico das linhas de produção para contestar a condição de trabalho imposta pelo capital; 2) a organização e a representação sindical na fábrica e no território.

Quando estas duas vertentes históricas foram substituídas com soluções ditadas pelo nascente verticalismo organizativo, os sindicatos e as centrais perderam sua identidade. Consequentemente, importantes setores do mundo do trabalho aceitaram as manipulações da direita e se sujeitaram às novas regras do World Class Manifacturing, isto é: garantir uma qualidade da produção “just in time” passando acima de ritmos de trabalho e das garantias da própria condição de trabalho.

Um comportamento que se alastrou diante da pouca combatividade sindical quando explodiram as privatizações que, em muitos casos, foi determinada pela condescendência de suas lideranças com os governos neoliberais e pela incapacitadas de construir uma resposta alternativa.

Migrantes

Em 1971, o diretor de cinema italiano Elio Petri lançava o filme “A classe operária vai ao paraíso", no qual denunciava a mudança ideológica e organizativa da aguerrida central sindical CGIL (socialista-comunista) quando, em 1966 os centros de excelência do capital industrial começaram a introduzir sistemáticas mudanças estruturais no ciclo de produção do automóvel, chamado de “Processo de Reestruturação Tecnológica Industrial (PRTI)”.

Na verdade, o PRTI ao introduzir as chamadas “ilhas automatizadas” na linha de produção pretendia romper a hegemonia política da dita “aristocracia operária” substituindo o operário especializado (sindicalizado e de esquerda) com o imigrante (nacional ou estrangeiro), na maior parte dos casos sem qualificação técnica e cultural e manipulado pelas entidades que haviam terciarizado seu emprego.

Para quebrar a presencia militante de sindicalistas anti-capitalistas foram terciarizados os trabalhos que na fábrica eram considerados trabalhos inferiores e que as novas gerações de operários recusavam por ser mal pagos..

Assim, nas fábricas alemãs as funções de limpezas das linhas, recolha do lixo, transportes das peças etc. eram realizadas por imigrantes turcos que, hoje, na Alemanha somam os dois milhões. Na França, na Bélgica e na Hollanda foi os imigrantes árabes e africanos que passou a desempenhar a maioria das tarefas pesadas e sujas da produção industrial. A falta de consciência política, as contradições culturais deste pessoal imigrante e o ressurgimento do racismo provocaram a separação e a dissociação das atividades sindicais.

Um processo que, após a queda do Muro de Berlim, inundou a União Européia com imigrantes do Leste Europeu que foram empregados massivamente nas indústrias e nas lojas (mesmo se clandestinos) para romper – do ponto de vista político e salarial - o último bastião de controle social das centrais sindicais.

Assim, em pouquíssimo tempo, os cinturões suburbanos começaram a hospedar uma variedade de imigrantes árabes, africanos, latino-americanos, asiáticos e sobretudo do Leste Europeu criando uma realidade multicultural que sindicatos e partidos da esquerda reformista não conseguiram entender e, sobretudo, organizar.

Um atraso que a nova burguesia neoliberal e a direita logo exploraram, começando a agitar o fenômeno da concorrência salarial da emigração clandestina para sensibilizar o voto dos trabalhadores ameaçados de desemprego, enquanto, em outro território, a direita e a mídia levantavam a bandeira da “falta de segurança” em função dos crimes cometidos por uma nova delinqüência representada por imigrantes.

Miragem pelo Poder

É neste conturbado cenário dos anos 90 que o sindicalismo europeu introduz uma importante mudança estratégica quando as principais centrais sindicais européias (a DGB da Alemanha, a CGT francesa e a CGIL italiana) fizeram a opção pelo poder, que, na prática, implicava o abandono ideológico da terminologia da esquerda (fim do conceito de luta de classe, socialismo etc.), e das vacilantes temáticas da social-democracia. No seu lugar, entrava a lógica americanizante da AFL-CIO, com a participação ou co-gestão de áreas do poder que induz os sindicalistas europeus a aceitar a inserção no social-neoliberalismo achando que para os trabalhadores esta é a única saída em um mundo cada vez mais globalizado.

Uma miragem política que, indiretamente, abriu o caminho a Sarcozy e Berlusconi, visto que a centro-esquerda foi incapaz em administrar o Estado, em termos neoliberais, e, ao mesmo tempo, não conseguiu criar uma hegemonia “progressista” na sociedade, tanto que as centrais sindicais perderam a ligação política com o território social.

A lógica de um sindicalismo americanizante produziu a verticalização dos sindicatos que eliminaram o delegado das bases e as comissões internas de fábricas.

No seu lugar, entrou um funcionário nomeado pela direção do sindicato para garantir em cada fábrica a burocrática renovação contratual nacional. Porém a atrelagem de sindicatos e centrais a governos de centro-esquerda fez com que a negociação contratual nacional caísse no vazio, sobretudo, quando os governos não queriam exacerbar os industriais ou poupar sua reservas. Por exemplo, na Itália a renovação contratual dos servidores públicos sumiu da agenda sindical logo após a posse do Governo Prodi, enquanto os metalúrgicos esperam sua renovação contratual desde novembro de 2006.

Além disso, sindicatos e governo de centro-esquerda não conseguiram criar um sistema de controle para a TV pública capaz de responder às manipulações grosseiras da “grande” mídia ou de defender o próprio governo de centro-esquerda.

Ataque final

Enquanto partidos de esquerda, de centro-esquerdas e centrais sindicais, italianas e francesas sonhavam em se perpetuar no poder, a direita trabalhava os humores decepcionados dos setores populares manipulando as aspirações do mundo do trabalho para formular, após a vitória de Sarcozy, na França, e agora de Berlusconi, na Itália, aquilo que será o novo inferno neoliberal dos trabalhadores europeus.

De fato, se do lado dos trabalhadores temos centrais sindicais claudicantes, interessadas em sobreviver com sua estrutura profissionalizada, que a própria direita chama de “casta”, do outro, temos uma liderança industrial arrogante por ter conseguido quebrar o custo político da força de trabalho e cada vez mais desejosa de impor ao governo de direita suas regras no capitulo Capital versus Trabalho. De fato, segundo o administrado geral da FIAT, Sergio Marchionne “...os novos procedimentos fabris e de organização da qualidade na fábrica não vão contra o sindicato mas sem o sindicato...”

Procedimentos que são: a) fim da greve que deve ser referendada por todos os trabalhadores, caso contrário é declarada ilegal. b) efetiva introdução de “Banco de Horas” alimentados com horas de trabalho extraordinárias devolvidas sob formas de acumulo de férias não pagas; c) aumento das horas extraordinárias até 4 por dia sem taxação governamental; d) definitiva revisão dos atuais modelos de pensão; e) fim das negociações contratuais nacionais com base os parâmetros da OIT, optando por negociações descentralizadas ou até em cada unidade fabril; f) desvinculação do sindicato das linhas de produção; g) reforma sindical para definir os limites do mandato dos delegados e a transparência financeira nas contas de sindicatos e centrais.

Agora, para o trabalhador europeu o problema é saber se este é o primeiro ou o último andar do inferno neoliberal.

(em BRASIL DE FATO – Edição 271 – 08/14 de Maio de 2008)

Achille Lollo é jornalista italiano e diretor do filme-documentário “AMÉRICA LATINA: Desenvolvimento ou Mercado?” em www.portalpopular.org.br

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