Se os líderes políticos focarem apenas na estabilidade do setor financeiro, mas negligenciarem os problemas de fornecimento energético de longo prazo, a mudança climática, a produção de alimentos, o controle de doenças e a pobreza extrema, então o crescimento global será restaurado no curto prazo, apenas para sucumbir de novo e rapidamente, diz o economista Jeffrey Sachs.
Jeffrey Sachs* - CartaMaior
O sistema financeiro internacional está quebrado. Será preciso um conjunto de reformas para assegurar o crescimento econômico sustentável e a distribuição de riqueza. Os líderes do G8 da Europa, do Japão e dos EUA acordaram, na reunião de cúpula neste outono em Nova York, em reforçar o sistema internacional – uma boa idéia desde que se inicie um conjunto de mudanças de longo alcance no lugar de ser apenas um encontro focado na regulação dos mercados.
Os líderes do G8 estão entusiasmados em dar início à regulação e isso é compreensível. Wall Street, a City de Londres e outros centros financeiros se apressaram selvagemente em tomar emprestado ativos subcapitalizados para emprestá-los a custos acima dos valores regulados e dos bônus. Quando teve a chance de limitar esse comportamento, Alan Greenspan, do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), alimentou a bolha financeira com juros muito baixos e restrição regulatória. E o mercado de derivativos permitiu-se tornar tão vasto e insustentável que não há clareza a respeito de quem deve a quem em dezenas de trilhões de dólares de Credito Default Swaps (CDS) e outros derivativos.
Empresas e mais empresas avaliaram riscos sem consideração do risco sistêmico. Quando as instituições são “grandes demais para quebrar”, devem ser supervisionadas de muito perto para que elas não levem de fato todo o sistema abaixo quando, de vez em quando, quebrarem. E temos aprendido de novo que em último caso não há credores, só uma mistura de bancos centrais e Tesouros, cujos ativos individuais podem ou não ser suficientes para causar pânico.
Os líderes do G8 devem ir bem além das questões de regulação financeira, contudo. Mesmo antes desta crise, a economia global estava indo mal em aspectos cruciais. Muitos países pobres, frequentemente mergulhados na pobreza indutora de violência e conflito, permanecem alijados da prosperidade global. Isso se tornará ainda mais pesado com a recessão econômica. A crise ambiental global também estava piorando, e os desastres climáticos vinham causando destruição de suprimentos alimentares no mundo. Enquanto o crescimento da economia forçava a restrição dos suprimentos, o sistema energético vivia em turbulência e ainda assim não havia consenso sobre como criar um sistema energético compatível ecológica e economicamente com as necessidades do planeta.
Esses desafios precisam desesperadamente de atenção não apenas em função dos seus próprios méritos, mas também porque o crescimento global da economia não pode ser sustentável sem soluções para essas crises.
A assistência financeira aos países mais pobres – uma assistência básica de urgência para mais de um bilhão de pessoas – está em frangalhos. A Europa e os EUA tiveram de levantar algo como 3 trilhões de dólares no mês passado em garantia e em fundos de pensão para bancos, mas não foram capazes de mobilizar sequer uns dez milésimos desse montante para ajudar aos mais pobres do mundo a ter mais comida no meio de uma crise de fome e de aumento maciço de preços dos alimentos.
Os EUA têm estado cego perante as metas de desenvolvimento do milênio, na luta contra a pobreza, a fome e a doença. Quando George Bush se dirigiu à nação em setembro – diante, supostamente, da metade de tempo que resta para o cumprimento das metas – ele mencionou “terror” 31 vezes, enquanto não conseguiu mencionar as metas sequer uma. Todos os grandes doadores, com exceção da Grã Bretanha, incluindo os EUA, Japão, França, Alemanha, Itália e Canadá – não estão sendo capazes de viver à altura de compromissos ajuda de longo prazo.
Os líderes deveriam parar para refletir que há uma outra pouco mencionada cúpula internacional marcada para dezembro, em Doha, Qatar, para enfrentar o desafio de financiar o desenvolvimento. Um acontecimento que tem lugar seis anos depois de uma cúpula parecida, no México, na qual os países se comprometeram a realizar “esforços concretos” para destinar 0,7% dos seus PIBs em assistência ao desenvolvimento – um índice de ajuda que nenhum dos países alcançou, ainda.
Um verdadeiro Bretton Woods II iria estabelecer uma estrutura financeira destinada a cumprir as metas globais em estabilidade macroeconômica, desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e comércio para o desenvolvimento. Tudo isso é vital para o crescimento sustentável de longo prazo, mas as metas globais nas quatro áreas permanecem não-cumpridas. Os membros das cúpulas deveriam vir com seus talonários de cheques e os compromissos nas mãos.
Eis aqui, então, uma agenda para Bretton Woods II. Em primeiro lugar, precisamos reestruturar a finança global, baseados num sistema padrão do mercado de capitais, relatórios financeiros, controle do aumento do risco sistêmico e um novo credor com competência em última instância. Mercados de derivativos, fundos Hedge, e negociadores falidos devem ser submetidos ao controle regulatório. O FMI teria o poder real de um credor global com competência de última instância (como eu sugeri há doze anos atrás, alertando para a ameaça do pânico do mercado sobre si mesmo).
Para tornar isso possível, uma pequena taxação das transações financeiras – uma taxa Tobin – seria implementada para expandir o caixa emergencial do FMI em caso de crises e para financiar outras necessidades internacionais urgentes.
Em segundo, a nova estrutura global da finança deveria ajudar a salvar o mundo da indução humana de mudança climática. Um imposto direto sobre o carbono contido nos combustíveis fósseis, arrecadado em todos os países, seria empregado, e muito melhor do que o enormemente difícil sistema de comércio de emissão de carbono, inventado e defendido pelos mesmos engenheiros financeiros que nos trouxeram nossa crise bancária atual. A maior parte da receita advinda das taxas de carbono permaneceriam em cada país, para financiar tecnologia de baixa emissão de gases. Alguma parte iria direto para três bens públicos globais: pesquisa e desenvolvimento em energia sustentável, transferência de tecnologia de energia sustentável para países de baixa renda e adaptação à mudança climática.
Em terceiro lugar, o Banco Mundial deveria mudar o foco para metas claras e para a responsabilidade com a produção de resultados. Especificamente, o banco deve ter a arqui-tarefa de ajudar os países mais pobres a cumprir as metas de desenvolvimento do milênio de reduzir a pobreza, a fome e a doença. O banco está pobremente organizado para esse tipo de liderança hoje. Como qualquer outra burocracia, ele evita se deter na medida da responsabilidade dos seus resultados. Com um foco rigoroso nas Metas do Milênio, o banco também deveria ser financiado com muito mais recursos advindos de novas receitas (como as da taxa Tobin), assim o banco poderia ajudar melhor aos países mais pobres a expandir a infraestrutura vital (eletricidade, estradas, água, saneamento e redes de banda larga).
Em quarto, a agenda do comércio global deve estar integrada com objetivos financeiros e ambientais. A rodada de Doha fracassou porque o mundo não pôde ver qualquer razão urgente para o seu sucesso. Um acordo comercial vale a pena para fazer duas coisas primordiais.
Fundamentalmente, ele ajudaria os países mais pobres a serem mais produtivos, assim eles podem ser participantes plenos no sistema de comércio global. “Ajuda para negociar” permitiria a esses países erguer talentos, estradas, pontes e energia limpa para incrementar o comércio. Em acréscimo, o comércio global promoveria a sustentabilidade ambiental para reforçar o consenso em torno das emissões de carbono e da proteção da biodiversidade ameaçada.
Todas essas reformas são vitais para a sustentabilidade de longo prazo do crescimento e do desenvolvimento. Se os líderes políticos focarem apenas na estabilidade do setor financeiro, mas negligenciarem os problemas de fornecimento energético de longo prazo, a mudança climática, a produção de alimentos, o controle de doenças e a pobreza extrema, então o crescimento global será restaurado no curto prazo, apenas para sucumbir de novo e rapidamente, com outro aumento de preços da energia e dos alimentos, e com a instabilidade geopolítica.
Os defeitos das instituições Bretton Woods existentes, políticas ambientais globais e acordos de comércio internacional foram largamente reconhecidos por pelo menos uma geração. A atual crise global e a chegada de um novo presidente norte-americano no meio deste derretimento econômico sem precedentes pode, finalmente, marcar o momento em que o mundo levará a sério a agenda global ambiental e econômica que nos confronta neste novo milênio. Uma cúpula em dezembro será um pequeno passo mas poderia ser a primeira ação significativa para deixar o mundo a salvo das calamidades que temos diante de nós.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute, na Universidade Columbia, e é autor, entre outros livros, de "O Fim da Pobreza"
Artigo publicado originalmente no Guardian, em 21 de outubro de 2008
Tradução: Katarina Peixoto
Jeffrey Sachs* - CartaMaior
O sistema financeiro internacional está quebrado. Será preciso um conjunto de reformas para assegurar o crescimento econômico sustentável e a distribuição de riqueza. Os líderes do G8 da Europa, do Japão e dos EUA acordaram, na reunião de cúpula neste outono em Nova York, em reforçar o sistema internacional – uma boa idéia desde que se inicie um conjunto de mudanças de longo alcance no lugar de ser apenas um encontro focado na regulação dos mercados.
Os líderes do G8 estão entusiasmados em dar início à regulação e isso é compreensível. Wall Street, a City de Londres e outros centros financeiros se apressaram selvagemente em tomar emprestado ativos subcapitalizados para emprestá-los a custos acima dos valores regulados e dos bônus. Quando teve a chance de limitar esse comportamento, Alan Greenspan, do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), alimentou a bolha financeira com juros muito baixos e restrição regulatória. E o mercado de derivativos permitiu-se tornar tão vasto e insustentável que não há clareza a respeito de quem deve a quem em dezenas de trilhões de dólares de Credito Default Swaps (CDS) e outros derivativos.
Empresas e mais empresas avaliaram riscos sem consideração do risco sistêmico. Quando as instituições são “grandes demais para quebrar”, devem ser supervisionadas de muito perto para que elas não levem de fato todo o sistema abaixo quando, de vez em quando, quebrarem. E temos aprendido de novo que em último caso não há credores, só uma mistura de bancos centrais e Tesouros, cujos ativos individuais podem ou não ser suficientes para causar pânico.
Os líderes do G8 devem ir bem além das questões de regulação financeira, contudo. Mesmo antes desta crise, a economia global estava indo mal em aspectos cruciais. Muitos países pobres, frequentemente mergulhados na pobreza indutora de violência e conflito, permanecem alijados da prosperidade global. Isso se tornará ainda mais pesado com a recessão econômica. A crise ambiental global também estava piorando, e os desastres climáticos vinham causando destruição de suprimentos alimentares no mundo. Enquanto o crescimento da economia forçava a restrição dos suprimentos, o sistema energético vivia em turbulência e ainda assim não havia consenso sobre como criar um sistema energético compatível ecológica e economicamente com as necessidades do planeta.
Esses desafios precisam desesperadamente de atenção não apenas em função dos seus próprios méritos, mas também porque o crescimento global da economia não pode ser sustentável sem soluções para essas crises.
A assistência financeira aos países mais pobres – uma assistência básica de urgência para mais de um bilhão de pessoas – está em frangalhos. A Europa e os EUA tiveram de levantar algo como 3 trilhões de dólares no mês passado em garantia e em fundos de pensão para bancos, mas não foram capazes de mobilizar sequer uns dez milésimos desse montante para ajudar aos mais pobres do mundo a ter mais comida no meio de uma crise de fome e de aumento maciço de preços dos alimentos.
Os EUA têm estado cego perante as metas de desenvolvimento do milênio, na luta contra a pobreza, a fome e a doença. Quando George Bush se dirigiu à nação em setembro – diante, supostamente, da metade de tempo que resta para o cumprimento das metas – ele mencionou “terror” 31 vezes, enquanto não conseguiu mencionar as metas sequer uma. Todos os grandes doadores, com exceção da Grã Bretanha, incluindo os EUA, Japão, França, Alemanha, Itália e Canadá – não estão sendo capazes de viver à altura de compromissos ajuda de longo prazo.
Os líderes deveriam parar para refletir que há uma outra pouco mencionada cúpula internacional marcada para dezembro, em Doha, Qatar, para enfrentar o desafio de financiar o desenvolvimento. Um acontecimento que tem lugar seis anos depois de uma cúpula parecida, no México, na qual os países se comprometeram a realizar “esforços concretos” para destinar 0,7% dos seus PIBs em assistência ao desenvolvimento – um índice de ajuda que nenhum dos países alcançou, ainda.
Um verdadeiro Bretton Woods II iria estabelecer uma estrutura financeira destinada a cumprir as metas globais em estabilidade macroeconômica, desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e comércio para o desenvolvimento. Tudo isso é vital para o crescimento sustentável de longo prazo, mas as metas globais nas quatro áreas permanecem não-cumpridas. Os membros das cúpulas deveriam vir com seus talonários de cheques e os compromissos nas mãos.
Eis aqui, então, uma agenda para Bretton Woods II. Em primeiro lugar, precisamos reestruturar a finança global, baseados num sistema padrão do mercado de capitais, relatórios financeiros, controle do aumento do risco sistêmico e um novo credor com competência em última instância. Mercados de derivativos, fundos Hedge, e negociadores falidos devem ser submetidos ao controle regulatório. O FMI teria o poder real de um credor global com competência de última instância (como eu sugeri há doze anos atrás, alertando para a ameaça do pânico do mercado sobre si mesmo).
Para tornar isso possível, uma pequena taxação das transações financeiras – uma taxa Tobin – seria implementada para expandir o caixa emergencial do FMI em caso de crises e para financiar outras necessidades internacionais urgentes.
Em segundo, a nova estrutura global da finança deveria ajudar a salvar o mundo da indução humana de mudança climática. Um imposto direto sobre o carbono contido nos combustíveis fósseis, arrecadado em todos os países, seria empregado, e muito melhor do que o enormemente difícil sistema de comércio de emissão de carbono, inventado e defendido pelos mesmos engenheiros financeiros que nos trouxeram nossa crise bancária atual. A maior parte da receita advinda das taxas de carbono permaneceriam em cada país, para financiar tecnologia de baixa emissão de gases. Alguma parte iria direto para três bens públicos globais: pesquisa e desenvolvimento em energia sustentável, transferência de tecnologia de energia sustentável para países de baixa renda e adaptação à mudança climática.
Em terceiro lugar, o Banco Mundial deveria mudar o foco para metas claras e para a responsabilidade com a produção de resultados. Especificamente, o banco deve ter a arqui-tarefa de ajudar os países mais pobres a cumprir as metas de desenvolvimento do milênio de reduzir a pobreza, a fome e a doença. O banco está pobremente organizado para esse tipo de liderança hoje. Como qualquer outra burocracia, ele evita se deter na medida da responsabilidade dos seus resultados. Com um foco rigoroso nas Metas do Milênio, o banco também deveria ser financiado com muito mais recursos advindos de novas receitas (como as da taxa Tobin), assim o banco poderia ajudar melhor aos países mais pobres a expandir a infraestrutura vital (eletricidade, estradas, água, saneamento e redes de banda larga).
Em quarto, a agenda do comércio global deve estar integrada com objetivos financeiros e ambientais. A rodada de Doha fracassou porque o mundo não pôde ver qualquer razão urgente para o seu sucesso. Um acordo comercial vale a pena para fazer duas coisas primordiais.
Fundamentalmente, ele ajudaria os países mais pobres a serem mais produtivos, assim eles podem ser participantes plenos no sistema de comércio global. “Ajuda para negociar” permitiria a esses países erguer talentos, estradas, pontes e energia limpa para incrementar o comércio. Em acréscimo, o comércio global promoveria a sustentabilidade ambiental para reforçar o consenso em torno das emissões de carbono e da proteção da biodiversidade ameaçada.
Todas essas reformas são vitais para a sustentabilidade de longo prazo do crescimento e do desenvolvimento. Se os líderes políticos focarem apenas na estabilidade do setor financeiro, mas negligenciarem os problemas de fornecimento energético de longo prazo, a mudança climática, a produção de alimentos, o controle de doenças e a pobreza extrema, então o crescimento global será restaurado no curto prazo, apenas para sucumbir de novo e rapidamente, com outro aumento de preços da energia e dos alimentos, e com a instabilidade geopolítica.
Os defeitos das instituições Bretton Woods existentes, políticas ambientais globais e acordos de comércio internacional foram largamente reconhecidos por pelo menos uma geração. A atual crise global e a chegada de um novo presidente norte-americano no meio deste derretimento econômico sem precedentes pode, finalmente, marcar o momento em que o mundo levará a sério a agenda global ambiental e econômica que nos confronta neste novo milênio. Uma cúpula em dezembro será um pequeno passo mas poderia ser a primeira ação significativa para deixar o mundo a salvo das calamidades que temos diante de nós.
Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute, na Universidade Columbia, e é autor, entre outros livros, de "O Fim da Pobreza"
Artigo publicado originalmente no Guardian, em 21 de outubro de 2008
Tradução: Katarina Peixoto
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