Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 30 de novembro de 2008
Do LeMondeDiplomatique-Brasil
A opção pelo não-mercantil
Em meio a uma crise financeira de enorme gravidade, a ofensiva contra os serviços públicos, a proteção social e o direito trabalhista prossegue sem tréguas. Espaços que até agora não haviam sido contaminados pela lei da rentabilidade e pela obsessão com o lucro [1] estão sendo duramente pressionados. É o caso da esfera não-mercantil – aquela que produz serviços que não estão à venda no mercado, mas cuja remuneração é paga coletivamente, por meio de impostos e cotizações sociais. Ou arriscam-se a entrar em estado crítico, esmagados pelo peso das privatizações, da diminuição do número de funcionários públicos e da redução dos impostos pagos pelo capital e os mais ricos.
Há dez anos, a primeira palavra de ordem do movimento contra a globalização liberal foi “o mundo não é uma mercadoria”. A mensagem dizia, na verdade, que “ele não deve ser transformado numa mercadoria”. Ora, todos os serviços não-mercantis — até mesmo a educação pública e o acesso universal aos tratamentos médicos — estão ameaçados desde que o capitalismo começou a reduzir o raio de ação desses setores, ampliando o da acumulação privada. Infelizmente, não existe hoje nenhuma teoria capaz de fazer frente a esse tipo de disfarce ideológico do discurso econômico liberal. Até a teoria marxista tradicional, a priori pouco suspeita de complacência, permanece agarrada ao dogma segundo o qual os serviços não-mercantis são financiados pela cobrança de tributos sobre a mais valia produzida no setor capitalista. Em conseqüência disso, os trabalhadores desses serviços são declarados improdutivos, [2] e toda tentativa de teorizar o não-mercantilismo encontra uma barreira intransponível, uma vez que a “não-mercadoria” dependeria da existência da mercadoria.
O que está em jogo aqui é a necessidade de forjar uma ferramenta conceitual alternativa. Em primeiro lugar, será preciso passar por uma desconstrução sistemática da visão habitual, compartilhada tanto pelos liberais quanto pela ampla maioria dos pensadores que se dizem marxistas. Ainda que a análise da mercadoria empreendida por Karl Marx no começo de O Capital forneça instrumentos para uma crítica da mercantilização do mundo, o marxismo tradicional deixou abandonado aquilo que poderia constitui uma proteção contra ela.
Trata-se, portanto, de elaborar uma economia política crítica, cujo objetivo é teorizar sobre a esfera não-mercantil — que deve pouco a pouco se ampliar, à medida que trabalho for levando vantagem na correlação de forças com o capital. A primeira etapa consiste em mostrar que, longe de enfraquecer a economia, a produção não-mercantil tem como efeito valorizar a produção mercantil.
Keynes já demonstrou que a intervenção do Estado tem efeito multiplicador. Mas é preciso desfazer o mito segundo o qual a atividade não-mercantil depende da cobrança de impostos sobre a produção de mercadorias
A teoria keynesiana já havia apontado que, numa situação de carência de emprego e redução do consumo, a intervenção do Estado desencadeia um efeito multiplicador mais intenso quando a renda per capita é baixa [3]. Quanto mais a renda é reduzida, mais a proporção do que é gasto com o consumo adquire importância. Trygve Haavelmo [4] acrescentou que essa intervenção é benéfica mesmo se a despesa pública suplementar for efetuada no quadro de um orçamento equilibrado [5]. Mas ainda não conseguimos derrubar a idéia segundo a qual o financiamento de uma atividade não-mercantil proviria da cobrança de impostos sobre o fruto da atividade mercantil.
Para alcançarmos esse objetivo, vamos lançar mão de uma hipótese hoje irreal, mas que vale pela lógica que confere a um raciocínio “no limite”, numa perspectiva dinâmica. Suponhamos que a esfera não-mercantil se amplie progressivamente e que o pagamento dos bens e serviços nela produzidos seja socializado por meio dos impostos. Se a participação dessa esfera na produção total tendesse a aproximar-se do máximo de 100%, seria impossível considerar que o seu financiamento pudesse ser garantido pelas contribuições tributárias da esfera mercantil — que estaria em vias de desaparecer. Com isso, a tese segundo a qual uma atividade em crescimento é financiada por outra atividade em fase de regressão relativa é logicamente refutada.
Dito isso, é preciso generalizar esse resultado e dele concluirmos que são vazias todas as teses que fazem da produção mercantil, em determinado momento e dentro da continuidade do tempo, a fonte da produção não-mercantil. Da mesma maneira, isso permite compreender a notável fraqueza da concepção que prevaleceu na União Soviética, cujo sistema econômico incorporou na atividade produtiva apenas o produto material, por considerar que os serviços não faziam parte da produção.
Na verdade, não existe o caráter produtivo do trabalho em si. Este se define apenas em função das relações sociais existentes. Diante disso, é preciso recuperar conceitos antigos, mas ainda pertinentes, baseados numa dupla distinção. Em primeiro lugar, aquela estabelecida por Aristóteles entre o valor de uso (a capacidade de satisfazer a uma necessidade) e o valor de troca (a capacidade de permitir a acumulação). O primeiro representa uma riqueza que não pode ser reduzida à produzida pelo segundo [6]. Em segundo lugar, temos a distinção, feita por Marx, entre o processo de trabalho em geral e o processo de trabalho capitalista — ou seja, entre o trabalho produtor de valores de uso e o trabalho produtor de valor mercantil e de mais-valia para o capital.
Da mesma forma que os salários pagos serão gastos depois, na compra dos bens mercantis, o pagamento do imposto expressa, após os serviços coletivos terem sido produzidos, o acordo da população com as despesas e seus resultados
Em todas as sociedades capitalistas contemporâneas, estão combinadas entre si três formas de implementação das capacidades produtivas. A primeira, dominante, diz respeito ao trabalho assalariado que resulta numa produção de valor mercantil, destinada a engordar o capital. A segunda é a do trabalho assalariado nas administrações, uma atividade que produz valores de uso monetários, ainda que a sua finalidade não seja mercantil (educação e saúde públicas, por exemplo). Por fim, existe a terceira forma de atividade humana, situada na esfera doméstica ou no campo associativo, cujo produto é não-monetário. A idéia aqui defendida é de que as duas últimas formas não nascem da riqueza gerada pela primeira [7].
Vale, portanto, retornarmos a Marx, mas também a Keynes, generalizando seu conceito de antecipação. As empresas privadas resolvem produzir quando identificam as demandas de mercados com necessidades solváveis para suas mercadorias. Elas efetuam então investimentos e põem salários em circulação. A venda no mercado valida essa antecipação, enquanto baixas vendas a punem.
Quanto às administrações públicas, antecipando a existência de necessidades coletivas, elas efetuam investimentos públicos e também contratam. A validação é então efetuada em função de um benefício econômico esperado (ex ante), como resultado de uma decisão coletiva, e se confunde com a antecipação.
Nos dois casos, a injeção de moeda sob forma de salários e de investimentos privados e públicos põe a máquina econômica para funcionar e engendra a produção — de bens privados mercantis e de bens públicos não-mercantis.
Da mesma forma que os salários pagos serão gastos depois, na compra dos bens mercantis, o pagamento do imposto expressa, após os serviços coletivos terem sido produzidos, o acordo da população para que sejam garantidas de maneira perene a educação, a segurança, a justiça e as tarefas de administração pública. A antecipação de serviços não-mercantis e a sua produção pelos trabalhadores das administrações públicas antecedem, portanto, logicamente seu “pagamento” de pelos usuários.
O contribuinte não “financia” nem a escola nem o hospital — da mesma forma que o comprador de um automóvel não “financia” as linhas de montagem. O financiamento é anterior à produção, quer esta seja mercantil ou não-mercantil
A expressão “os impostos financiam as despesas públicas” é enganadora. A ambigüidade provém da confusão entre as noções de financiamento e de pagamento.
A produção capitalista é financiada pelos adiantamentos de capital em investimentos e salários, adiantamentos esses cujo cresciento no plano macroeconômico é permitido pela criação monetária; e são os consumidores que pagam.
Qual será o papel do imposto, em relação à produção não-mercantil? Ele constitui seu pagamento socializado. O contribuinte não “financia” nem a escola nem o hospital — da mesma forma que o comprador de um automóvel não “financia”, de maneira alguma, as linhas de montagem de automóveis. Isso porque o financiamento é anterior à produção, quer esta seja mercantil ou não-mercantil. O pagamento, por sua vez, é posterior.
Por fim, a atividade produtiva suplementar engendra uma renda suplementar e, portanto, uma poupança suplementar, que irá alimentar o investimento suplementar — tanto privado como público —, que desencadeia mais atividade.
Se a economia capitalista é uma economia monetária, seria possível extrair tributos de uma base que ainda não teria sido produzida e, mais ainda, deveria resultar do produto desses tributos? Já que isso é logicamente impossível, torna-se necessário inverter o raciocínio: a produção não-mercantil, e os dividendos monetários que a ela correspondem, antecedem os tributos. E, no que vem a ser o ponto crucial, que reduz o discurso liberal ao arcaico, isso nos leva à conclusão de que os trabalhadores dos serviços não-mercantis produzem a renda que os remunera.
São os trabalhadores do setor capitalista – e não os consumidores – que criam o valor monetário. E são os trabalhadores do setor não-mercantil – e não os contribuintes – que criam o valor monetário dos serviços não-mercantis
É verdade que o pagamento do imposto – da mesma forma que as compras privadas dos consumidores – faz com que o ciclo produtivo possa se reproduzir sucessivamente. Contudo, existem dois pontos falhos na ideologia liberal. Em primeiro lugar, são os trabalhadores do setor capitalista – e não os consumidores – que criam o valor monetário, do qual os capitalistas embolsam uma parte. E são os trabalhadores do setor não-mercantil – e não os contribuintes – que criam o valor monetário dos serviços não-mercantis. Em segundo lugar, o financiamento designa o impulso monetário necessário para a produção capitalista e para a produção não-mercantil. Em decorrência disso, o impulso monetário deve ser diferenciado do pagamento.
Portanto, diferentemente do que reza a opinião dominante, os serviços públicos não são fornecidos a partir do recolhimento de algum tributo sobre algo preexistente. O seu valor monetário e não-mercantil não é nem drenado, nem desviado. Ele é produzido. Conseqüentemente, dizer que o investimento público concorre com o investimento privado não faz sentido. Da mesma forma, afirmar que os salários dos funcionários públicos são pagos por meio da retenção de tributos sobre a renda gerada pela atividade privada é tão inconsistente quanto afirmar que os salários do setor privado são pagos por meio da retenção de um imposto sobre os ganhos dos consumidores. Isso equivaleria a ignorar que a economia é um circuito cujos dois atos fundadores são a decisão privada de investir para produzir bens e serviços mercantis e a decisão pública de investir para produzir serviços não-mercantis.
Em outras palavras, a arrecadação tributária incide sobre um PIB (Produto Interno Bruto) que já foi acrescido do fruto da atividade não-mercantil. Uma vez que o imposto não subtrai dinheiro da riqueza preexistente, mas cobra o preço socializado de uma riqueza suplementar, não há mais como satisfazer-se com a consideração trivial da “retenção” sobre o produto mercantil (conforme reza a linguagem liberal), ou sobre a mais-valia capitalista (segundo a linguagem marxista). O trabalho e os recursos materiais empenhados numa determinada atividade deixam de estar disponíveis para outra. Mas não há razão alguma para supor que o trabalho empenhado na primeira mantenha a segunda.
As necessidades humanas são satisfeitas por valores de uso materiais ou imateriais — produzidos ou na esfera do capital ou no âmbito da coletividade. O fato de que certos valores de uso não possam ser obtidos senão por meio da mediação do capital, de modo algum implica que o mercantil engendre o não-mercantil. Nem que o valor monetário não-mercantil seja quantitativamente incluso no valor monetário mercantil, o que é obrigatório na visão tradicional.
A riqueza não-mercantil é duplamente socializada: ela utiliza capacidades produtivas em benefício de todos e reparte socialmente o ônus do pagamento. Por tais motivos, é tão condenada pelo modo de ver burguês e especialmente pelo senso comum neoliberal
A esse respeito, o fato de alguns cálculos econométricos entenderem as despesas públicas como atos de consumo não deve iludir ninguém. De um lado, estamos analisando a despesa pública livre de infra-estruturas, de equipamentos e de despesas de consumo intermediárias. Ou seja, a despesa medida em função dos salários pagos, e que constitui, portanto, a contrapartida de uma nova produção de valores de uso. De outro lado, não há razão alguma para considerar de maneira diferente o adiantamento de salários pelas empresas privadas e o efetuado pelas administrações públicas. Nos dois casos, trata-se de uma “despesa” do empregador. Toda produção implica despesas – é uma trivialidade dizer isso –, e todo discurso que se esquecesse disso seria inconseqüente. O que importa é distinguir as formas de produção que permitem um trabalho produtor de mais-valia para o capital (validado pelo mercado) daquelas que permitem um trabalho produtor de valores de uso (cuja validação se deve a uma escolha coletiva democrática).
A riqueza não-mercantil, portanto, não é fruto de uma arrecadação financeira sobre a atividade mercantil, mas sim um “valor adicional” proveniente de uma decisão pública de utilizar forças de trabalho e equipamentos disponíveis ou subtraídos ao lucro. Ela é socializada em dois aspectos: pela decisão de utilizar coletivamente capacidades produtivas e de repartir socialmente o encargo do pagamento. Ou seja, um mecanismo insuportável para o modo de ver burguês, e mais particularmente para o senso comum neoliberal.
A elucidação do enigma da produção não-mercantil participa da redefinição da riqueza e do valor, o que é indispensável para deter o processo de mercantilização da sociedade. A teoria liberal confunde riqueza com valor. E as teorias hostis ao capitalismo não devem permanecer obcecadas pelo fato de que esse sistema tende a reduzir todo valor àquele destinado ao capital. Nesse plano específico, um reexame crítico das categorias utilizadas tradicionalmente pela economia política e pelo marxismo é indispensável para a elaboração de uma economia política da desmercantilização.
Em resumo, trata-se de se livrar do liberalismo econômico e de certas interpretações do marxismo para retornar aos fundamentos de Marx, que definia o “valor” como “o caráter social do trabalho, na medida em que o trabalho existe como emprego de força de trabalho ‘social’” [8]. O reconhecimento de que o trabalho efetuado para atender a necessidades sociais fora da esfera da mercadoria é parte do controle que a sociedade exerce sobre aquilo que vem a ser o seu bem-estar — ou seja, a “verdadeira” riqueza [9]. E, por gerar tão valiosa contribuição, a riqueza socializada não é menos riqueza do que a riqueza privada, pelo contrário.
[1] “Nós precisamos redobrar esforços em prosseguir as reformas”, repetiu o governo francês depois do discurso de Nicolas Sarkozy em Toulon, em 25 de setembro de 2008.
[2] Até mesmo André Gorz, apesar de ser um crítico em relação ao marxismo tradicional, concorda com essa visão. Ecologica, Paris, Galilée, 2008.
[3] É a parte de um aumento de renda que é consumida.
[4] Economista norueguês, Prêmio Nobel de economia em 1989. Para saber mais, consultar a Wikipedia (em inglês) ou a Fundação Nobel(em inglês)
[5] Trygve Haavelmo, “Multipliers effects of a balanced budget”, Econometrica, vol. 13, outubro de 1945.
[6] Aristóteles, A Política, Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama KURY. 3ª ed. Brasília: UNB, 1997. 317p. ISBN: 85230001109. Uma versão da mesma obra pode ser baixada (grátis) na internet Para uma análise esclarecedora dessas questões, ver Le Petit Alter, Dictionnaire altermondialiste, Paris, Mille et une nuits, 2006.
[7] O fato de os ganhos de produtividade serem geralmente mais reduzidos nos serviços, mercantis ou não, não deve ser confundido com o caráter produtivo em si. Essa é precisamente a confusão que Gorz comete implicitamente, op. cit.
[8] Karl Marx, “Notas críticas sobre o Tratado de Economia Política de Adolph Wagner” (1880). Este e outros textos de Marx são tema do artigo "Marx tardio: notas introdutórias", de Pedro Leão da Costa Neto, publicado em Crítica Marxista, edição 17 (2003). O artigo pode ser baixado (em pdf) aqui.
[9] Concordo plenamente com o título do último capítulo do livro de Gorz, op. cit., “Riqueza sem valor, valor sem riqueza”. Para uma abordagem complementar, ler Jean-Marie Harribey, L’économie économe, Paris, L’Harmattan, 1997.
sábado, 29 de novembro de 2008
A Classe Média Enrustida que carregamos |
Por Raul Fitipaldi. Brasil |
Os acontecimentos que me acompanham desde que sai do PT em 2002, e antes, os que motivaram essa saída vieram à minha memória em várias ocasiões esta semana. Mencionarei apenas três delas. A primeira é fruto da leitura minuciosa de todos os artigos que nossos companheiros da Venezuela têm escrito sobre os resultados da eleição regional acontecida no domingo 23. A segunda é fruto da leitura do belíssimo artigo da companheira Elaine Tavares, titulado Jornalismo é Conhecimento e libertação (Pobres & Nojentas Teórica No 1 P 7). Finalmente, a terceira é de ordem pessoal e, portanto, ficará guardada nos seus dados (nem que dizer dos detalhes) e mudou substancialmente minha rotina diária.
Primeiramente, por que estas três questões, aparentemente sem nexo me lembraram minhas últimas andadas no PT? Porque em 2002 o PT já estava definitivamente carcomido pelo cancro oportunista da classe média enrustida nele, discursando pela classe trabalhadora, repintando o vermelho da bandeira em tons branquelos, pálidos de sem-vergonhas. Porque a retórica humilhante do assistencialismo e o boçalismo já formavam parte do cardápio diário do partido. Porque, em definitivo, a classe média representada pelo burguês pequeno-pequeno tinha se empossado definitivamente e com ares de gloriosa determinação uniformista desde a direita mais radical, então representada pela Unidade na Luta, até a esquerda reformista que então se chamava, quase de forma eufemística, Articulação de Esquerda. O resto era o resto, talvez excetuando a neurótica fábula da classe média típica instalada na Democracia Socialista, redundante como o seu próprio nome.
Afirmei desde então um sentimento nada recomendável que me acompanha desde a infância como “doença incurável”, repugnância pela forma como a classe média repta e se instala encostada no poder institucional (para defender o status quo) fazendo o discurso por esquerda e aumentando a poupança por direita. Sinto repugnância por essa classe média que bebe dos ricos e come dos pobres. Que me desculpem meus amigos que a ela pertencem e não tem se locupletado nos determinismos obseqüentes de sua classe.
No belo artigo da Elaine Tavares há um trecho titulado Os Pecados do Jornalismo praticado Nos Sindicatos. Ele discorre sobre os paradoxos de uma discurseira sindical que execra a “mídia como instrumento da burguesia” (...) “ao mesmo tempo, esperam que essa mesma mídia dê generosos espaços para suas lutas” diz Elaine. Eu gostaria de avaliar isso desde o ponto de vista do status social e econômico obtido por boa parte das direções sindicais, em muitos casos tornada em cara mobília dos sindicatos, que envelhece dentro deles como madeira e cupim. A fonte informativa dos sindicatos, me parece, e observo que Elaine toca com justeza esse assunto, em geral não tem mais o trabalhador como assunto e sim o dirigente liberado. O jornalismo chapa-branca que promove o dirigente famoso, o presidente, o secretário geral e não o trabalhador na sua planta de afazer. De novo a classe média, através dos modos perfumados, bem vestidos, de carrinho e motorista, está enrustida no coração da organização que deveria nos levar aos pobres à mobilização, à luta de classes capaz de derrotar a miséria que nos impõe o sócio rico, cujas migalhas alimenta o cerne intelectual e estético da classe divisória. Todo presidente ou dirigente “poderoso” de um sindicato (salvo numerosas exceções –ainda bem que numerosas embora em extinção) prefere aparecer no Diário Catarinense do Império Sirotsky e, como não pode, transforma seu jornal de categoria num espelho ridículo da sua imagem adquirida de classe média aburguesada.
Do último caso não darei conta nem nome aos bois, saiba me desculpar o leitor. Porém, mesmo sendo uma experiência da vida privada consta das tinturas oriundas dessa classe maluca que se assenta numa contradição histórica desde sua artesanal existência de cortesã palaciana do pré-capitalismo até essa coisinha apêndice do imperialismo do capital. O fato oculto remete à constante procura da nova certeza, do estímulo novo, da nova partitura que nos faça bailar ao compasso da música sem ficar à margem, da “vida intensamente vivida” e outros chavões, certa e alegre. Aconteceu sem e com a “culpa cristã” dos protagonistas sonegados e em questão. A doença, a fome e a dor, que foi reservada aos pobres mais claramente desde Malthus (séculos 18/19) para sua diminuição como espécie, é um fantasma que persegue à classe média. Chorar pouco para não alagar, rir o suficiente para não enrugar, comer o necessário para ser apetecível, e espirrar pedindo perdão. A classe média sempre estará com sua atitude e aptidão recebendo o benefício dos ricos e despejando uma parte importante dos lucros na culpa que arroja em cima dos pobres. E embora pareça contraditório (homenagem suplementar à dialética) a classe média é o objetivo primordial dos pobres sem consciência de classe, sem desejos reais, práticas verdadeiras de transformação (fora do discurso oral e escrito). Às vezes parece que para a classe média a vida dos pobres é como a morte, os desabamentos e os acidentes, só acontece com os outros, e alguns pobres desejam sentir e viver assim. Porém...
... ESSA CLASSE MÉDIA que me veio à tona esta semana, desde que sai do PT em 2002, até que li no ônibus o belo capítulo da Elaine Tavares, e finalmente até o desfecho peculiar que virou minha rotina diária, está em franca extinção. A concentração de capital dos ricos, e dos mais ricos, e dos mais-mais ricos dos ricos, a fará vir a conviver conosco, aqui abaixo. Lembro-me dos anos 80, quando morava em Buenos Aires, e num conjunto habitacional de pobres e desempregados, chamado Villa Lugano, havia uma faixa enorme de lado a lado da entrada que rezava os dizeres BEM-VINDA CLASSE MÉDIA! E ela virá conosco, sem dúvida, não por que o deseje, apenas porque assim o determina o patrão, mas, cuidado, sempre pode ser a quinta coluna da luta final contra o capitalismo. E, sempre também, quando cometa os erros que lhe são proverbiais, culpará aos ricos e nos passará a fatura aos pobres.
Assumo as dores de quem seriamente emergiu da classe media para exercer a defesa dos pobres e excluídos na Venezuela e o faz com afinco e clareza incomparáveis (nossa boa Carola Chávez), e tomo para mim seus Gritos Digitais que Desacato publicou esta semana. Apelo aos governantes que pretendem encarnar nossos desejos de transformação (Chávez, Evo, Correa, Ortega) que não façam mais esse discurso de GOVERNAR PARA TODOS. O que há é que governar é para as maiorias pobres e excluídas, que os RICOS JÁ TÊM GOVERNOS HÁ SÉCULOS E A CLASSE MÉDIA É SUA CAMAREIRA ENRUSTIDA.
América Latina está deixando de ser quintal dos EUA
Pelo desmonte da mitologia
A Agencia de Prensa Alternativa Humanista “Sur” (Apah), da Bolívia, entrevistou Noam Chomsky sobre o desenrolar da crise econômica atual. Reproduzimos, aqui, a entrevista, onde Chomsky defende a necessidade de desmontar algumas mitologias relacionadas à crise, destaca o novo papel que a América Latina vem desempenhando no mundo e aponta a abertura de uma janela de oportunidades para mudanças na atual ordem político-econômica global.
Apah: Como explicar que, apesar de muita gente ter visto a crise se aproximando, aqueles que estavam na liderança dos governos e das economias não se mostraram preparados para enfrentá-la?
Noam Chomsky: As bases para a crise eram previsíveis. Um fator constitutivo da liberalização financeira é que haverá crises freqüentes e profundas. De fato, desde que a liberalização financeira foi instituída há cerca de 35 anos, estabeleceu-se uma tendência a incrementar a regularidades crises, e crises cada vez mais profundas. As razões são intrínsecas e entendidas: têm a ver fundamentalmente com as bem conhecidas ineficiências dos mercados. Assim, por exemplo, se você e eu fazemos uma transação, digamos que me vende um automóvel, podemos fazer um bom negócio para nós mesmos, mas não consideramos o efeito sobre os outros.
Se eu compro um automóvel, aumenta o uso da gasolina, aumenta a contaminação, o congestionamento, etc. Mas não levamos em conta esses efeitos. Isto é o que os economistas chamam de externalidades, que não são consideradas nos cálculos do mercado.
Estas externalidades podem ser enormes. No caso das instituições financeiras, são particularmente grandes. A tarefa de uma instituição financeira é assumir riscos. Se é uma instituição financeira bem administrada, digamos, a Goldman Sachs, ela considerará os riscos para si própria, mas a expressão crucial aqui é “para si própria”. Não leva em conta os riscos sistêmicos, os riscos para o conjunto do sistema se a Goldman Sachs tiver uma perda substancial.
Isso significa que esses riscos são subestimados. Assume-se mais riscos do que se deveria tomar em um sistema eficiente que leva em conta todas as implicações. Assim, esta fixação errônea de preços se integra simplesmente como parte do sistema do mercado e da liberalização das finanças.
Como conseqüência dessa subestimação de riscos, estes passam a ser mais freqüentes e quando há fracassos, os custos são mais altos que o esperado. As crises passam a ser mais freqüentes e mais graves à medida que o alcance e o volume das transações financeiras aumentam. Tudo isso se amplifica ainda mais pelo fanatismo dos fundamentalistas do mercado que desmontaram o aparato regulador e permitiram a criação de instrumentos financeiros exóticos e opacos.
É um tipo de fundamentalismo irracional porque fica claro que o enfraquecimento de mecanismos regulatórios em um sistema de mercado incorpora um risco de crise desastrosa. Trata-se de atos sem sentido, salvo para o interesse no curto prazo dos senhores da economia e da sociedade. As corporações financeiras podem, e conseguiram, colher enormes lucros no curto prazo ao empreender ações extremamente aventuradas, incluindo especialmente a desregulação, que trazem dano à economia em geral, mas não para elas, ao menos no curto prazo que é o que orienta o seu planejamento.
Não se podia prever o momento exato de uma crise severa, nem se podia prever o alcance exato da crise, mas era óbvio que ela viria. De fato, ocorreram crises sérias e repetidas durante este período de desregulação crescente. Só que até agora não tinham golpeado tão duramente o centro da riqueza e do poder, mas sim, sobretudo, os países do chamado terceiro mundo.
Vejamos o caso dos Estados Unidos. É um país rico, mas para uma maioria substancial da população, os últimos trinta anos provavelmente figuram entre os piores da história econômica norte-americana. Neste período, não ocorreram crises massivas, grandes guerras, depressões, etc. No entanto, os salários reais permaneceram praticamente estancados para a maioria durante trinta anos.
Para a economia internacional, o efeito da liberalização financeira foi bastante daninho. Líamos na imprensa que os últimos trinta anos, os do neoliberalismo, mostraram o maior decréscimo da pobreza na história do mundo, um enorme crescimento, etc. Há algo de verdade nisso, mas o que falta dizer é que a diminuição da pobreza e o crescimento ocorreram em países que não seguiram as regras neoliberais, como ocorreu no leste asiático. E os países que observaram tais regras sofreram gravemente, como ocorreu na América Latina.
Apah: Joseph Stiglitz escreveu recentemente que esta última crise marca o fim do neoliberalismo. Chávez, durante uma coletiva de imprensa, disse que a crise poderia ser o final do capitalismo. Qual dos dois está mais próximo da verdade?
Chomsky: Em primeiro lugar, devemos ter claro que o capitalismo não pode terminar porque nunca começou. O sistema no qual vivemos deve ser chamado de capitalismo de Estado, não simplesmente capitalismo. No caso dos Estados Unidos, a economia se apóia muito fortemente no setor estatal. No momento, há muita angústia sobre a socialização da economia, mas isso é uma grande brincadeira. A economia avançada de alta tecnologia e similares sempre dependeu amplamente do setor dinâmico da economia estatal. É o caso da informática, da internet, da aviação, da biotecnologia, quase tudo o que está à vista.
O Massachusetts Institute of Technology (MIT), de onde estou falando, é uma espécie de funil no qual o setor público despeja o dinheiro e de onde sai a tecnologia do futuro, que será entregue ao poder privado para que saquem os lucros. Então, temos um sistema de socialização dos custos e riscos e privatização dos lucros. Isso não ocorre somente no sistema financeiro, mas em toda economia avançada.
De modo que, para o sistema financeiro, provavelmente o resultado será mais ou menos o descrito por Stiglitz. É o final de uma certa era da liberalização financeira conduzida pelo fundamentalismo de mercado. O jornal Wall Street Journal lamenta que Wall Street, tal como a conhecemos, tenha desaparecido com a derrocada da banca de investimentos.
Alguns passos serão dados na direção da regulação. Isso é certo. No entanto, as propostas que estão sendo formuladas, por mais extensas e severas que sejam, não mudam a estrutura das instituições básicas subjacentes. Não há nenhuma ameaça ao capitalismo de Estado. Suas instituições fundamentais seguirão sendo as mesmas, talvez, inclusive, sem grandes sacudidas. Elas podem ser reacomodadas de várias maneiras. Alguns conglomerados podem absorver outros, alguns podem ser semi-nacionalizados tibiamente, sem que isso afete fortemente o monopólio privado da tomada de decisões.
No entanto, do jeito que vão as coisas, as relações de propriedade e a distribuição de poder e riqueza não mudarão significativamente, embora a era do neoliberalismo, vigente há uns trinta e cinco anos, seguramente será modificada de maneira significativa. Diga-se de passagem, ninguém sabe o quão grave essa crise poderá se tornar. Cada dia traz novas surpresas. Alguns economistas estão prevendo uma verdadeira catástrofe. Outros pensam que ela pode ser consertada, com um transtorno modesto e uma recessão, que provavelmente será pior na Europa do que nos Estados Unidos. Mas ninguém sabe ao certo.
Apah: Na sua avaliação, veremos algo parecido com a depressão, com pessoas sem trabalho fazendo grandes filas para conseguir alimentos, nos Estados Unidos e na Europa? E, se isso ocorrer, veremos uma grande guerra para repor as economias em pé, uma terapia de choque ou algo tipo?
Chomsky: Não acredito que a situação seja comparável com o período da grande depressão, ainda que haja algumas semelhanças com essa época. Os anos 20 também foram um período de especulação selvagem e de uma enorme expansão de crédito e empréstimos, com a criação de uma enorme concentração de riqueza em um setor muito pequeno da população e a destruição do movimento sindical. Deste ponto de vista, há semelhanças com o período atual. Mas também há muitas diferenças. Existe um aparato muito mais estável de controle e regulação, resultante do New Deal, e ainda que tenha se enfraquecido, boa parte dele permanece intacto.
Além disso, há a compreensão de que os tipos de políticas, vistas como extremamente radicais no período do New Deal, hoje são mais ou menos normais. Assim, por exemplo, no recente debate presidencial dos EUA, John McCain, o candidato da direita, propôs medidas tomadas do New Deal para enfrentar a crise da habitação. Então, há a compreensão de que o governo deve assumir um papel importante na gestão da economia e, de fato, os setores avançados da economia já vivem essa experiência há cerca de 50 anos.
Muito do que se lê sobre isso é pura mitologia. Por exemplo, lemos que a crença apaixonada de Reagan no milagre dos mercados agora está sendo atacada. Atribuiu-se ao ex-presidente o papel de Grande Sacerdote da fé nos mercados. De fato, Reagan foi o presidente mais protecionista da história econômica estadunidense do pós-guerra. Ele aumentou as barreiras protecionistas mais que todos os seus precursores juntos. Convocou o Pentágono a desenvolver projetos para treinar administradores norte-americanos nos métodos avançados de produção japoneses. Ele também operou um dos maiores salvamentos bancários da história norte-americana e conformou um conglomerado baseado no Estado para tratar de revitalizar a indústria de semi-condutores. De fato, ele acreditava em um governo poderoso, de intervenção radical na economia. Quando digo “Reagan” refiro-me a sua administração. O que ele acreditava sobre tudo isso, se é que acreditou em algo, realmente não sabemos e isso não é muito importante.
Há muita mitologia que precisamos desmontar, incluindo aí o que diz a respeito do grande crescimento e da redução da pobreza. Nos próprios Estados Unidos, quando se aplicaram as regras neoliberais, os resultados foram bastante daninhos para a maioria da população. Olhando para além da mitologia, podemos perceber que uma economia capitalista de Estado que, particularmente desde a Segunda Guerra Mundial, dependeu muito fortemente do setor estatal, agora está voltando a depender do Estado para o manejo do sistema financeiro que está desmoronando. Por enquanto, não há sinais de que se produzirá algo parecido com o que ocorreu em 1929.
Apah: Então, você não considera que estamos nos encaminhando para uma mudança na ordem mundial?
Chomsky: Bom, há mudanças muito significativas na ordem mundial e esta crise talvez contribua para isso. Mas elas estão aí há algum tempo. Uma das principais mudanças na ordem mundial está sendo vivida agora na América Latina. Costuma-se dizer que a América Latina é o quintal dos EUA e que, há muito tempo, é uma região controlada pelos EUA. Mas isso está mudando. Em meados de setembro tivemos uma ilustração dramática disso.
No dia 15 de setembro, ocorreu uma reunião da Unasul, a União das Nações Sul-americanas, da qual participaram todos os governos sul-americanos, incluindo a Colômbia, atual favorito dos EUA na região. A reunião foi realizada em Santiago, Chile, outro favorito dos EUA. Dela, saiu uma declaração muito contundente de apoio a Evo Morales, da Bolívia, e de rechaço aos setores quase-secessionistas deste país, que contam com o apoio dos Estados Unidos.
Há uma luta muito significativa na Bolívia. As elites estão se mobilizando pela autonomia e mesmo pela secessão, gerando fortes níveis de violência com a evidente concordância dos EUA. Mas as repúblicas sul-americanas assumiram uma postura firme, em apoio ao governo democrático. A declaração foi lida pela presidente Bachelet, do Chile, uma favorita do Ocidente. Evo Morales respondeu agradecendo aos presidentes pelo apoio e assinalou, corretamente, que esta era a primeira vez em 500 anos que a América Latina havia tomado seu destino em suas próprias mãos, sem a interferência da Europa nem, sobretudo, dos EUA.
Esse é um símbolo de mudança muito significativo que está em curso, às vezes chamado de “maré rosada”. Foi tão importante que não foi reportado pela imprensa dos EUA. Há uma frase aqui, outra ali, que registra que algo aconteceu, mas suprimiram totalmente o conteúdo e a importância do que ocorreu.
Isso é parte de um processo de longo prazo, no qual a América do Sul está começando a superar seus enormes problemas internos e também sua subordinação ao Ocidente, principalmente em relação aos Estados Unidos. A América do Sul também está diversificando suas relações com o mundo. O Brasil tem relações cada vez maiores com a África do Sul, a Índia e, particularmente, a China, país cada vez mais envolvido com investimentos e intercâmbios com países latino-americanos. São processos extremamente importantes, que agora estão começando a chegar também na América Central. Honduras, por exemplo, era a clássica república bananeira. Serviu de base para as guerras do terror perpetradas por Reagan na região e subordinou-se totalmente aos EUA. Mas Honduras somou-se recentemente a ALBA, a Alternativa Bolivariana para os Povos da América, proposta pela Venezuela. É um pequeno passo, mas não deixa de ser muito significativos.
Apah: Você acha que estas tendências na América do Sul, como Alba, Unasul e os grandes acontecimentos na Venezuela, Bolívia e outros países, podem ser afetados por uma crise econômica da dimensão desta que estamos enfrentando agora?
Chomsky: Bem, esses países serão afetados pela crise mas, no momento, não tanto como estão sendo a Europa e os Estados Unidos. Se olhamos o caso da Bolsa no Brasil, ela caiu muito rapidamente, mas os bancos brasileiros não estão quebrando. Do mesmo modo, na Ásia, as bolsas estão declinando agudamente, mas os governos não estão assumindo o controle dos bancos, como ocorre na Inglaterra, Estados Unidos e boa parte da Europa. Essas regiões, América do Sul e Ásia, de alguma maneira conseguiram se separar das calamidades dos mercados financeiros. O que desatou a crise atual foram os empréstimos subprime para ativos construídos sobre areia, e estes, claro, estão em mãos de estadunidenses e de bancos europeus. O fato de possuir ativos tóxicos baseados em hipotecas os envolveu muito rapidamente nestes acontecimentos. Além disso, os europeus têm suas próprias crises de habitação, particularmente a Inglaterra e a Espanha.
A Ásia e a América Latina ficaram muito menos expostas por terem mantido estratégias de crédito mais cautelosas, particularmente a partir do descalabro neoliberal de 1997-1998. Um grande banco japonês, Mitsubishi UFG, acaba de comprar uma parte substancial do Morgan Stanley, nos EUA. Então, não parece, até agora, que a Ásia e a América Latina serão afetadas tão gravemente como Estados Unidos e Europa.
Apah: Você acredita que há uma grande diferença entre Obama e McCain no que diz respeito a temas como o Tratado de Livre Comércio e o Plano Colômbia? Na Colômbia, pode-se sentir que o presidente e seus apoiadores estão assustados frente à eleição de Obama. Sei que você tem a sensação que Obama é como uma folha em branco, mas pensa que ela fará alguma diferença?
Chomsky: Com efeito, Obama tem se apresentado mais ou menos como uma folha em branco. Mas não há motivo para que o governo colombiano se assuste com sua eleição. O Plano Colômbia é uma política de Clinton e há muitas razões para supor que Obama será outro Clinton. Ele é bastante impreciso, a propósito. Mesmo quando explicita políticas, elas se parecem muito a políticas centristas, como Clinton, que modelou o Plano Colômbia e militarizou o conflito.
Apah: Tenho, às vezes, a sensação de que os períodos de Bush se deram em um contexto de mudança da ordem mundial, tratando de manter o poder com o uso da força, e que, em troca, Obama pode representar a cara boa para renegociar a ordem mundial. Qual sua opinião sobre isso?
Chomsky: É importante lembrar que o espectro político nos EUA é bastante estreito. É uma sociedade controlada pelas empresas, basicamente, é um Estado de partido único, com duas facções, democratas e republicanos. As facções têm algumas diferenças e estas, às vezes, são significativas. Mas o espectro é bastante estreito. A administração Bush, porém, se situava bastante além do final do espectro, com nacionalistas radicais extremos, crentes extremos no poder do Estado, na violência no exterior e em um alto gasto governamental. De fato, estavam tão fora do espectro que foram criticados duramente inclusive por parte do poder, desde os primeiros tempos.
Seja quem for que assuma o mandato, é provável que desloque o tabuleiro político para o centro do espectro. Obama talvez faça isso em maior medida. Diria que, no caso de Obama, haverá algo como um renascimento dos anos Clinton, adaptado certamente às novas circunstâncias.
Apah: Agora que estamos chegando ao fim da globalização neoliberal, existe a possibilidade de algo realmente novo, uma globalização boa?
Chomsky: Penso que as perspectivas hoje estão muito melhores do que estavam antes. O poder está extraordinariamente concentrado, mas há mudanças a medida que a economia internacional torna-se mais diversificada e complexa. O Sul está se tornando mais independente. Mas, se olhamos para os EUA, mesmo com todo o dano causado por Bush, segue sendo a maior economia homogênea, com o maior mercado interno, a força militar mais forte e tecnologicamente mais avançada, com gastos anuais comparáveis aos do resto do mundo combinados e com um arquipélago de bases militares espalhadas pelo mundo. Estas são fontes de continuidade, mesmo que a ordem neoliberal esteja sofrendo uma erosão dentro dos EUA, na Europa e internacionalmente, com um crescimento da oposição a ela. Então, há oportunidades para uma mudança real. Até onde essa mudança pode chegar, isso depende da gente e daquilo que estamos dispostos a empreender.
Texto extraído de Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br
IMPERDÍVEL.....
Tamanho : 192 MB
Duração: 59:05
Formato: RMVB (VHS-RIP)
Servidor: Rapidshare (Dividido em 2 partes)
O Vídeo traz imagens de uma apresentação para TV, logo após o lançamento do álbum "Atom Heart Mother".
Concerto filmado em San Francisco, em 29 de abril de 1970
Set List
Atom Heart Mother
Cymbaline
Granchester Meadows
Green Is The Colour
Careful With That Axe Eugene
Set The Controls For The Heart Of The Sun
Screenshots
Clique nas imagens para ver em tamanho real
Cymbaline
Ps. O vídeo é achado em torrent pelo nome: Pink Floyd Atom Heart Mother Live In San Francisco 1970
Créditos: F.A.R.R.A. - escarlath
Yeda transforma o Piratini num museu
Não sei se isso é consciente ou inconsciente, mas o fato é que esse “novo jeito de despachar” ilustra bem a forma como a direita liberal encara a administração pública. Está sendo dito, subliminarmente, que o Estado republicano é – ou deve ser – uma peça de museu.
Créditos: Cristovão Feil
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
RECUO COM DIGNIDADE...
Greve do magistério: Fim do 1º roud Hupper: comam brioches...
Nesta sexta-feira, os professores estaduais devem encerrar a greve iniciada no último dia 14. Foram duas semanas de uma paralisação arriscada porque, afinal, os grevistas sabiam da dificuldade em obter o apoio da sociedade para uma paralisação em final de ano letivo. Mas o entendimento foi de que não havia alternativa. Ou demonstravam à governadora Yeda que são capazes de mobilizar milhares de professores quando direitos fundamentais são postos em risco, ou veriam estes direitos escorrerem pelo ralo.
Oportuno lembrar que tanto o Piso Nacional como o Plano de Carreira são conquistas históricas dos professores que só foram alcançadas depois de muita luta, o que passa, necessariamente, por inúmeras greves. E eram estas as conquistas que estavam em jogo com o projeto que Yeda mandou para a Assembléia Legislativa. O detalhe sórdido da história é que, autoritária como sempre, a governadora exigiu que sua proposta fosse votada em regime de urgência.
Na dúvida, os professores avançaram. E realizaram o maior ato público do ano em frente ao Palácio Piratini (e este, diga-se, foi mais um ano em que não houve semana sem um protesto na Praça da Matriz). Só que Yeda, belicosa por natureza, havia se preparado para a guerra com um decreto que lhe autoriza cortar o ponto e o salário e ainda impedir a progressão na carreira dos professores grevistas. Ora, Yeda dirige o Estado como se ele fosse uma butique; age não como governante, mas como empresária sem consciência social. Assim, pouco importa se o empregado/professor ganha mal, se a greve foi o último recurso, se o corte do salário vai deixar gente com fome, se a carreira foi prejudicada. Para a patroa/governadora, o que importa é fazer valer sua autoridade. Sem levar em conta a tradição de negociação que o CPERS e os governos cultivaram ao longo da história e nem mesmo o fato, relevantíssimo, de que os professores iriam recuperar todos os dias parados, Yeda deu a ordem: - Cortem-lhes o ponto!
Ameaçados, castigados, prejudicados e sem dinheiro, os professores devem voltar às aulas na próxima segunda-feira. Eles, que têm uma história de lutas, sabem que uma guerra não se ganha numa batalha e que o recuo, por vezes, é garantia de vida. Mortos, afinal, não guerreiam. Quando a greve for encerrada, muito provavelmente Yeda e sua arrogância devem considerar o desdobramento como uma derrota dos professores. É muito provável que, tendo transformado a política num ringue, Yeda sinta que ganhou o round. Para os professores, contudo, o fato de ela ter recuado na urgência, o compromisso dos deputados de só analisar o tema no ano que vem e ainda a união de PT, PCdoB, PDT e DEM para tentar, através de um Decreto Legislativo, anular o corte do ponto, foram são vitórias incontestáveis.
Indignada com o decreto da governadora, uma professora estadual que conversava hoje à tarde com deputados na Assembléia, adaptou uma passagem do Mercador de Veneza de Shakespeare: "Eu não esperava mesmo um gesto de Yeda em direção ao acordo. O perdão, aliás, é uma virtude dos deuses; só homens (e mulheres) de muita grandeza podem ter atitudes dignas de deuses. Não é, definitivamente, o caso de Yeda. Ela não compreende que um governante nada ganha quando golpeia o funcionalismo, que não pode haver vitória quando o resultado da disputa é um professor com fome. E, além do mais, março vem aí. A governadora tem que se dar conta de que o gongo ainda não soou." (Maneco)
Créditos: Marco Aurélio Weissheimer
Santana - The Best of Santana 1998
1. Jingo
2. Evil Ways
3. Black Magic Woman/Gypsy Queen
4. Oye Como Va
5. Samba Pa Ti
6. She's Not There
7. No One To Depend On
8. Open Invitation
9. Hold On
10. Bella
11. Winning
12. All I Ever Wanted
13. Dance Sister Dance
14. Europa
15. Everybody's Everything
16. Soul Sacrifice
Professores fazem novo protesto no Piratini
Fotos: Kiko Machacredirtos:
Créditos:Marco Aurélio Weissheimer
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Exemplo de Cidadania...
Créditos: BlogMafiaDoLixo
O ESTADÃO publica, ZERO HORA, NÃO, porque será?????
Mais uma vez se constata o comprometimento da "grande midia" do RS(leia-se RBS) com os "predadores" de nosso planeta. Depois de terem sido expulsos da europa por desencadearem transtornos irrecuperáveis ao meio ambiente, vieram para América do Sul, na continuação de suas ações criminosas, com enormes plantações de eucaliptos e devastação ambiental de impacto profundo, a Aracruz celulose, que banca a midia escrita da RBS com seus papéis, por ganância e irresponsabilidade teve um prejuizo enorme com aplicações financeiras insanas de seus dirigentes. O bom nessa estória é que com esse prejuizo em torno de 2bi de dólares, a empresa deixou de lado suas ações terroristas contra o meio ambiente, não mais fechando contrato com a votorantin, na região de Bage e Aceguá, onde seriam plantados 150mil hectares de eucaliptos. A parte ruim é a constatação de proteção descarada, nas publicações de jornais, feita principalmente pelo jornaleco ZERO HORA.Leia, abaixo, reportagem feita pelo Estadão.
''Aracruz sabia das operações com derivativos''
Em decisão tomada anteontem em assembléia, os acionistas da Aracruz decidiram processar judicialmente Zagury pelos prejuízos, que chegam a US$ 2,13 bilhões. A empresa, que estava entrando em um novo ciclo de investimentos, suspendeu uma reestruturação acionária em curso, uma vultosa obra de ampliação de uma de suas fábricas, no Rio Grande do Sul, e se prepara para um resultado ruim em 2008, ano que despontava como uma grande guinada para o grupo.
Rompendo o silêncio que se havia imposto há dois meses, Zagury recebeu a Agência Estado ontem em seu apartamento, em São Conrado, no Rio, para dar a sua versão da história. Abatido, mas tranqüilo, ele afirma que enviava relatórios "praticamente diários" sobre os contratos ao Comitê Financeiro da empresa, formado por representantes de todos os controladores (Safra, família Lorentzen e Votorantim Celulose e Papel). Do final de 2004 a junho de 2008, a Aracruz ganhou, segundo os cálculos de Zagury, US$ 350 milhões com operações de hedge (proteção) cambial na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).
De abril a agosto, os ganhos com derivativos cambiais bancários foram de US$ 50 milhões. E ele nega que os limites de exposição tenham sido extrapolados. "Todos nós tínhamos a interpretação de que estávamos dentro do limite. Quando surgiu o episódio do Lehman Brothers e o dólar passou de R$ 1,60 para mais de R$ 2, alguém tinha de ser culpado...", disse o executivo.
Segundo Zagury, a Aracruz chegou a operar com 12 bancos diferentes em contratos que foram oferecidos a partir de janeiro deste ano, chamados "sell target foward". Esses contratos são operações de derivativos cambiais com prazo mais longo, em torno de 12 meses, enquanto as operações na BM&F são mensais. Para os contratos bancários, porém, há limite de ganhos, a partir do qual a operação é encerrada e outro contrato tem de ser assinado. Para perdas, no entanto, não há limite estabelecido. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Por que a demora na apresentação da sua versão dos fatos?
Primeiro, porque não havia nenhuma manifestação da empresa contra mim. Mas, agora, diante de uma ação que está sendo movida, tenho obrigação de dar a minha versão dos fatos, de me defender. A Aracruz exporta 99% de sua produção. E os custos são 80%, 85% em reais. Teoricamente, é a empresa que mais tem de se preocupar com o câmbio no Brasil.
O hedge é decidido pelos acionistas?
Entrei para a Aracruz em junho de 2003 e a recomendação que me foi feita foi: "Olha, se preocupa com hedge. Estamos entrando numa fase de apreciação da moeda." Em 2002, o dólar havia chegado a quase R$ 4. Quando o Lula entrou, mostrou um trabalho correto, os preços das commodities coincidentemente também começaram a subir no mercado internacional, houve um ingresso líquido de recursos para o Brasil, o balanço de pagamentos melhorou muito. O real foi caindo até chegar, em agosto, a R$ 1,56. Imagina o que isso significa para uma empresa que tem toda a sua receita em dólar e custos em reais. Tínhamos por obrigação, por imperativo de gestão, fazer o hedge. O que eu perdia no custo, ganhava na BM&F. Do final de 2004 até junho de 2008, ganhamos cerca de US$ 350 milhões na BM&F. Conseguíamos compensar a perda com o câmbio com ganho financeiro.
A Aracruz fazia hedge puro e simples?
Até bem pouco tempo, operávamos com venda de dólar na BM&F. Este ano, os bancos passaram a oferecer um produto diferente, chamado sell target foward. Na BM&F é preciso rolar os contratos mês a mês. Os bancos ofereceram um produto com venda de câmbio em prazo mais longo. Isso convinha às empresas. Já que eu tinha um fluxo de exportação, prefixava meu câmbio e me protegia. E sempre numa curva ascendente, o que para nós, como exportadores, era interessante. É um produto que já veio de outros países. A Aracruz não foi a primeira a fazer isso. Quando começamos a fazer, já havia várias empresas grandes fazendo.
Quantas?
Acredito que umas 400 empresas, dos mais variados tamanhos, estavam fazendo. Falou-se muito na Aracruz, na Sadia e na Votorantim. Mas, com 20 bancos operando nisso, não iriam fazer isso para três empresas. Somente um desses bancos declarou que chegou a fazer isso para 300 empresas. Essas três foram as mais faladas talvez porque sejam maiores, com mais visibilidade, e porque foram mais transparentes ao divulgar essas coisas. Ninguém gosta de dizer que perdeu. Mas, na realidade, todas perderam e não foi culpa de ninguém. Não foi culpa do diretor da Aracruz, do presidente da VCP, do diretor da Sadia. O que aconteceu foi um fato imprevisível.
Não é possível apontar um culpado?
O que aconteceu não foi culpa de ninguém. Foi a maior crise mundial que já aconteceu nas finanças mundiais, mais do que a crise de 1929. Há um grande início de recessão econômica. Isso criou também uma crise de confiança que secou as linhas de crédito para o Brasil. Pela primeira vez se viu uma escassez de crédito internacional para o Brasil das linhas de ACC (Antecipação de Contrato de Câmbio), o capital de giro do exportador, que nunca faltou na história do Brasil. Empresas grandes, maiores que a Aracruz, não conseguiam crédito nem para 30 dias.
A diferença dos instrumentos de derivativos na BM&F e nos bancos era o prazo?
Era. O banco te oferecia a possibilidade de um prazo mais longo, em vez de ficar todo o mês rodando na BM&F. As empresas acharam interessante. A própria Aracruz, de abril a agosto, chegou a ganhar US$ 50 milhões só nessa operação. Eram operações com nocaute, quer dizer, quando se ganhava um "x", a operação terminava. Tinha limite de ganho e a operação era interrompida. Era possível contratar a operação por 12 meses e ela durar apenas dois meses. Se você estava pré-vendido a R$ 1,80 e o dólar chegasse a R$ 1,60, a operação morria e você ganhava uns tantos milhões.
Tinha limite de ganho, mas não de perda?
Essa era a questão. Mas, para isso, o banco te dava um "upside" enorme. Se o câmbio estava a R$ 1,56, ele te dava RS 1,90 no primeiro mês. Então, você tinha uma chance enorme de ganhar. Até agosto, praticamente todo mundo ganhou. O que aconteceu é o que se chama em Direito de teoria da imprevisibilidade. Um fato extra, totalmente fora de controle dos agentes econômicos, uma crise internacional sem precedentes, que modificou totalmente o câmbio. E, aí, ninguém tem controle sobre isso. Não é culpa de X, Y ou Z. Não foi a Aracruz que perdeu, foram 300 que perderam. Isso vai ficar claro quando divulgarem o balanço no final do ano.
Não há limite para esse tipo de operação nas empresas?
Tem um limite, mas essa operação era mais complexa. Quando você atua na BM&F, sabe exatamente o seu limite. Nessa operação, com nocaute, com possibilidade de fechar a operação no segundo mês, você nunca sabia a sua exposição certa. A gente fazia uma média em relação à previsão de ter nocaute para chegar dentro do limite do que seria aceitável. Tecnicamente, considerando a complexidade do produto e a freqüência que esse produto dá nocaute, a empresa operou dentro do limite, embora o próprio fato relevante dê como justificativa ter ficado acima do limite.
Quem sabia dessas operações?
Além do Conselho de Administração e da diretoria, há seis comitês técnicos que assessoram o conselho. Um deles é o Comitê Financeiro, que supervisionava o trabalho do diretor-financeiro, principalmente em relação a essas operações. Quando eu assinava um contrato desses, passava por uma análise até de advogados. O Conselho de Administração não se envolvia diretamente. O Conselho é responsável por formular as políticas. Os comitês eram responsáveis por acompanhar a execução dessas políticas junto à diretoria.
Os acionistas dizem que não tinham conhecimento.
Eles tinham conhecimento, porque o Comitê Financeiro tinha um representante de cada acionista controlador. E a diretoria encaminhava periodicamente para esse comitê os resultados dessas operações, as posições, as informações que eles queriam. Havia relatórios quase diários. O Conselho se reúne somente a cada três meses. Mas, como eles têm representantes em todos os comitês, as informações ficam disponíveis. Se alguém do comitê achasse que o limite estava estourado, poderia ter falado: "Interrompe a operação, cancela, pára." Mas, eles tinham a mesma interpretação que a gente, que o limite não estava estourado. Essa operação foi feita em abril e só foi interrompida em setembro. A auditoria independente feita em junho também poderia ter visto que havia estourado, porque o volume de operações não se alterou muito de junho a setembro. Mas todos nós tínhamos a interpretação que estávamos dentro do limite. Quando surgiu o episódio do Lehman Brothers e o dólar passou de R$ 1,60 para mais de R$ 2, alguém tinha de ser culpado...
E o senhor foi o bode expiatório?
Porque o diretor-financeiro é sempre o alvo de qualquer coisa dentro de uma empresa. Mas, estou com consciência supertranqüila. Tudo o que foi feito foi de boa-fé, pelo interesse da empresa. A empresa fazia operações de hedge desde 2004 sempre com sucesso, eles elogiavam. Agora, quando deu errado, por causa de uma maxidesvalorização... Com relação à ação que decidiram ontem (segunda-feira) estou tranqüilo. Ninguém pode me acusar de irregularidade. Porque escolheram só a mim, aí só perguntando a eles.
Perguntas de um operário letrado
Bertoldt Brecht
Quem construiu a Tebas das Sete Portas?
Nos livros constam nomes de reis.
Foram eles que carregaram as rochas?
E a Babilônia destruída tantas vezes?
Quem a reconstruiu de novo, de novo e de novo?
Quais as casas de Lima dourada
abrigavam os pedreiros?
Na noite em que se terminou a muralha da China
para onde foram os operários da construção?
A eterna Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os construiu?
Sobre quem triunfavam os césares?
A tão decantada Bizâncio era feita só de palácios?
Mesmo na legendária Atlântida
os moribundos chamavam pelos seus escravos
na noite em que o mar os engolia.
O jovem Alexandre conquistou a índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha ao menos um cozinheiro consigo?
Quando a “Invencível Armada” naufragou, dizem que Felipe da Espanha chorou
Só ele chorou?
Frederico II ganhou a guerra dos Sete Anos.
Quem mais ganhou a guerra?
Cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes da vitória?
De dez em dez anos um grande homem.
Quem paga as suas despesas?
Tantas histórias.
Tantas perguntas.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
O fim do neoliberalismo...
O fim do neoliberalismo não se dará na economia, mas na luta política.
A liberdade absoluta de movimentação de capitais e a desregulamentação financeira, elevadas à categoria de valores democráticos ao longo das últimas duas décadas, impossibilitam qualquer avaliação objetiva sobre as dimensões ou mesmo o ritmo do desastre.
Apressadamente, alguns analistas difundem a idéia de que as intervenções dos bancos centrais de vários países, injetando dinheiro em instituições financeiras em vias de quebrar, representariam o fim das chamadas teses neoliberais, que se baseiam na absoluta superioridade do mercado como organizador sistêmico. A volta do Estado interventor garantiria, assim, o fim de uma era.
Na verdade, não é esta a essência do modelo, embora seja uma de suas pedras de toque. Ou seja, sua contradição principal não se dá entre liberalismo e intervencionismo ou aquela estabelecida entre mercado e Estado, mas na absoluta subordinação do público ao privado. Entenda-se privado, no momento atual, como todas as formas de capital, sob a hegemonia de sua vertente financeira. E pode-se também entender como público o espaço dos interesses coletivos.
O que se assiste em diversas economias do mundo - EUA à frente - é, na verdade, o setor público - do Tesouro, mantido pela população - atuando como garantidor último dos interesses privados. É o que deve estar no cerne da discussão sobre o socorro de mais de US$ 3 trilhões, realizados por governos de todo o planeta, a bancos e agentes financeiros. Não se está estatizando nada, o que ocorre é a privatização da riqueza pública em favor da especulação financeira. A clássica socialização dos prejuízos, marca histórica de qualquer sociedade capitalista.
A lógica é explicitada quando se despejam quantias astronômicas para salvar o sistema financeiro, sem que se ouçam duas clássicas perguntas, formuladas sempre que políticas de combate às desigualdades sociais são aventadas: 1) "De onde sairá o dinheiro?" e 2) "Esta injeção de dinheiro na economia não provocará pressões inflacionárias?"
O grau de subordinação do setor público é tamanho, que as engrenagens das finanças turbinadas colocam sobre as sociedades a seguinte disjuntiva: "Salvem-nos ou arrastamos vocês junto".
Hegemonia acontece quando os interesses de um setor são apreendidos como sendo os interesses gerais. Quando a parte alega sintetizar o todo. Agora o conceito funciona de maneira perversa. Os interesses de uns chantageiam a vida de todos. A dura realidade é que se a banca não for salva, sua capilarização sobre a economia produtiva, sobre os trabalhadores e sobre a população levará o mundo de roldão. O pressuposto básico segue então mantido: salvar o setor financeiro significa salvar a coletividade.
Seria precipitado falar em fim do neoliberalismo em uma situação dessas e no meio da tormenta. A crise final do capitalismo já foi alardeada outras vezes e o sistema demonstrou incrível elasticidade, surpreendendo até mesmo seus exegetas, para sobreviver e se expandir.
O neoliberalismo, a forma de gestão atual do capitalismo, não acabou e, possivelmente terá uma longa sobrevida. Talvez um pequeno ciclo histórico de supremacia especulativa tenha se encerrado. Mas nenhum dos outros cânones neoliberais - além do aprofundamento da subordinação do Estado aos interesses particulares - saiu de cena. Continuam intocáveis a liberdade de movimentação de capitais, o livre comércio, a redução do caráter público do Estado, as empresas e serviços públicos privatizados, os desvios de imensos recursos públicos em favor de uma minoria rentista, as flexibilizações nas legislações de vários países, dentre outras medidas adotadas nos últimos anos. O modelo segue funcionando não apenas nos EUA, mas em boa parte da Europa e da América Latina.
A crise proporciona condições objetivas para seu questionamento. Mas sua superação não se dará por conta de suas hecatombes financeiras. Isso acontecerá quando alternativas adquirirem consistência e legitimidade. Em outras palavras, sua resolução não ocorrerá no terreno da economia, mas da luta política.
A situação atual pode produzir o efeito pedagógico de colocar em pauta mudanças em políticas monetárias e fiscais restritivas e por dar curso a orientações industriais e agrícolas desenvolvimentistas. Algumas medidas no campo da política monetária foram tomadas, como a redução do compulsório, a intervenção no mercado de câmbio, o crédito para bancos e exportadores. São paliativos para contornar efeitos adversos e pontuais.
É hora de reagir com rapidez e fazer com que o dinamismo do mercado interno não esmoreça e que uma possível situação de perda de milhares de empregos possa ser minimizada. Iniciativas como redução dos juros, maior oferta de crédito aos produtores e consumidores, redução de impostos em setores estratégicos, aumento das compras do governo, dos investimentos do PAC e das transferências de renda da Previdência e do programa Bolsa Família podem ter poderosos efeitos para evitar que a crise atinja o país de uma forma muito severa.
Falar agora em cortar de despesas do Estado em setores sensíveis equivale a dar um tiro no pé. A hora é de gastar em atividades que revertam a espiral descendente da economia real.
As crises econômicas internacionais de 1929 e dos anos 1970 provocaram uma reação criativa do Brasil. Foram deflagradas diretrizes industrializantes e desenvolvimentistas, com forte presença do Estado. As saídas para a crise atual podem ir além, proporcionando desenvolvimento com justiça social. Isso poderia abrir novas perspectivas de futuro para aqueles que sempre pagaram a conta dos sucessos e das falências do capitalismo. Deixado ao seu livre arbítrio, o mercado seguirá provocando caos econômico e social.
Denise Lobato Gentil é professora de Economia do IE UFRJ, diretora-adjunta de Estudos Macroeconômicos do Ipea.
Gilberto Maringoni é historiador, pesquisador do Ipea, professor da Faculdade Cásper Líbero e autor de "A Venezuela que se inventa, poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez" (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004).
O ponto que Yeda não cortou
Esta rigidez, contudo, é prática nova na conduta da governadora. Ela nem sempre foi tão radical assim. Veja-se, por exemplo, o caso de Carlos Dahlem da Rosa (foto), o advogado que é um dos denunciados pela Justiça, acusado de integrar a quadrilha que roubou R$ 44 milhões do Detran. Pois é, antes de ter seu nome citado pela Justiça Federal, Carlos Dahlem da Rosa era funcionário da CEEE desde 1980 e, em março de 2007, teve autorizada sua cedência para a Casa Civil de Yeda. Entretanto, o advogado ficou nove meses sem aparecer para trabalhar em nenhum dos dois órgãos e nem Yeda, nem qualquer secretário seu, cortaram-lhe o ponto ou descontaram seu salário.
Yeda até pode alegar que alguém garantia a efetividade do advogado e, segundo a imprensa, isto teria sido obra de outro réu do Detran, o então diretor administrativo da CEEE, Antônio Dorneu Maciel. Não consta, porém, que Maciel tenha recebido alguma sanção de Yeda por ter assinado uma falsa efetividade durante quase um ano. Yeda também pode alegar que afastou os dois, mas vale lembrar que isto só aconteceu depois que a Justiça "sugeriu" este procedimento. E não foi pela falcatrua da efetividade, foi por suspeita de roubo mesmo.
Os diretores das escolas, ao contrário, provavelmente serão punidos por não terem fornecido ao governo os nomes dos professores em greve que não compareceram às escolas. Ora, os diretores também estão em greve... Mas Yeda não quer explicações, quer cortes; não quer conversa, quer punição; não quer acordo, quer queda-de-braço. Se esta disposição houvesse sido manifestada com relação ao Detran os cofres públicos agradeceriam.
No caso de Dahlem Rosa, a situação só foi regularizada em novembro de 2007, nove meses depois da cedência, e ainda assim porque a imprensa denunciou que ele recebia sem trabalhar e não por obra da "coerência" do governo Yeda. O advogado teve seus salários devolvidos num acordo que lhe garantiu a devolução de quase 40 mil reais (quantos anos um professor deve ficar em greve para dever 40 mil ao Estado?!) em módicas parcelas que não ofendessem o sustento da família... Talvez valha para Yeda a frase de que lançou mão na CPI do Detran outro denunciado pela fraude, Carlos Ubiratan dos Santos, o Bira Vermelho. Encurralado por perguntas dos deputados sobre envolvimento com a quadrilha, sem saída, Bira lascou algo como "...nesta vida, deputado, tudo são relações..." (Maneco)
créditos: Marco Aurélio Weissheimer
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
A desonra do governo Yeda Crusius
A arrogância e o autoritarismo são duas marcas que acompanham o governo Yeda Crusius (PSDB) desde o início. A greve do magistério mostra isso mais uma vez. A governadora e sua secretária de Educação, Mariza Abreu, dizem que é uma questão de honra punir os professores em greve, cortando o ponto dos dias parados. Questão de honra? O governo tucano parece ter uma noção peculiar de honra. A governadora não vê nenhuma desonra em aumentar seu próprio salário, o dos funcionários de seus gabinetes e dos secretários, e oferecer ZERO de aumento para os servidores públicos. Para Yeda, questão de honra é reprimir e punir o funcionalismo que se atreve a protestar contra sua política salarial que só beneficia quem está dentro do palácio. Honra é mandar o coronel Mendes espancar agricultores, professores e estudantes que ousam contestar o chamado “novo jeito de governar”.
Qual é a honra de um governo que já teve afastados alguns de seus principais secretários, entre eles dois chefes da Casa Civil, envolvidos em escândalos e denúncias de corrupção? Qual é a honra de um governo onde a governadora até hoje não consegue explicar como comprou uma luxuosa mansão logo após a campanha eleitoral? Honra, para este governo, é implantar no Rio Grande do Sul as teorias do Estado mínimo que levaram o mundo à grave crise econômica que vemos hoje. É dizer que prioriza a segurança pública e oferece ZERO de aumento para os policiais e demais servidores da segurança. “Zero”, aliás, é uma palavra cara ao governo tucano. O “déficit zero” festejado pela governadora significa ZERO de reajuste para os servidores, ZERO de investimentos para qualificar os serviços públicos, ZERO de recursos para políticas sociais e ZERO de transparência, como disse a antiga titular desta área, que pediu demissão dizendo que Yeda não estava interessada no assunto.
Agora mesmo, o Ministério Público de Contas anuncia uma investigação para apurar irregularidades no pagamento de gratificações a secretários do governo. O MPC suspeita que eles estariam recebendo “por fora” desde agosto, mesmo sem aprovação da Assembléia. Enquanto isso, os professores fazem greve para defender melhores salários, seu plano de carreira e melhores condições de trabalho. Para o governo, é uma questão de honra punir essa ousadia. O mesmo governo que decide liderar um movimento de governadores contra a proposta de um piso salarial nacional para o magistério. Um piso de R$ 950,00. O mesmo governo que sucateia a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, que fecha escolas, reduz turmas e amontoa alunos em salas de aula para alcançar o “déficit zero”.
O governo Yeda despreza o serviço público. Não é por acaso. Essa é a ideologia do PSDB e dos partidos que o apóiam. Acreditam que o Estado é um estorvo e deve ser reduzido a ZERO. A resposta dos professores, além de sua mobilização em todo o Estado, é mostrar a qualidade dos servidores públicos. A escola pública do Rio Grande do Sul teve a melhor nota no Exame Nacional de Ensino Médio realizado em todo o país. A governadora Yeda e a secretária Mariza Abreu acreditam que esse resultado foi obtido apesar dos professores e professoras que, como elas já disseram, não tem boa qualificação e precisam trabalhar mais. O prêmio que elas querem oferecer ao magistério por esse resultado é CORTE DE SALÁRIO.
E, por falar em corte de salário, Yeda poderia aplicar esse mesmo critério e cortar o ponto de todos os dias em que ela não desempenhou suas funções como governadora e manteve o governo paralisado, porque estava ocupada em responder as sucessivas denúncias de corrupção. O jornal Zero Hora poderia fazer, a exemplo do que fez neste sábado contra os professores, uma matéria com o levantamento dos dias parados da governadora e os prejuízos causados à população. Seria mais honroso.
Créditos: Marco Aurélio Weissheimer