Elias Jabbour
No mês de dezembro último comemorou-se, pela China, o 30º aniversário da implementação – sob a liderança de Deng Xiaoping – da política de Reforma e Abertura. Na capital, Pequim, uma grande cerimônia ocorreu sob os auspícios de um marcante discurso do presidente chinês Hu Jintao. O grande “problema” foi seu discurso: deixou claro que “nós nunca daremos trégua à maldição de mudar a bandeira e as tradições de nosso Partido”.
Quando assumiu a secretaria-geral do PCCh em 2002, muitos apostavam que Hu Jintao havia “mudado” com relação aos tempos em que ele como governador da Tibet ordenou a aplicação da lei marcial em 1989 contra uma revolta de monges. Desde então, cada passo seu tem sido motivo de uma centena de manifestações (jornalísticas ou não) pelo mundo afora. Milhares de links na internet são dedicados a amaldiçoar o “esquerdista” Hu Jintao.
Homenagem a Mao, Fidel e o “traidor” Gorbachev
Primeiro foi seu discurso em homenagem a Mao Tsétung no local em que foi fundado o Exército Vermelho em 1928. Depois, foi a oficialização do marxismo como a ideologia oficial do Estado chinês em 2004 seguida de uma ampla mobilização interna ao PCCh à execução de cursos em todos os níveis. Em outro momento ele anuncia a criação da Academia Marxista e toma para si o desafio (que outrora fora em conjunto entre a URSS e a Alemanha Oriental) de editar pela primeira vez na história as Obras Completas de Marx e Engels em 100 volumes.
Recentemente, a imprensa internacional se escandalizou (mais uma vez) com o fato de, nada mais nada menos, Hu Jintao (o líder da maior nação do mundo) ter feito questão de visitar Fidel Castro (um líder aposentado de um país de 11 milhões de habitantes, a população de Pequim) em seu leito de recuperação. Para piorar as coisas, a imprensa cubana divulgou fotos em que Jintao aparece informalmente (sem óculos, o que na tradição chinesa é sinal de extrema consideração e respeito) segurando a mão do líder cubano. Logo, com uma atitude própria de chefe de Estado (um típico mandarim) aparecem em fotos protocolares de mãos dadas (com corpos distantes) e sorriso aberto como nos momentos em que se encontrou com líderes mundiais da estatura de um Bush ou Sarkozy.
Segundo o próprio comandante Fidel em seu artigo “Meu encontro com Hu Jintao”, “Quis falar pouco, mas ele me obrigou a estender-me mais; fiz algumas perguntas e fundamentalmente o escutei”. O comandante encerrou o citado artigo com um verdadeiro testemunho acerca do diferencial de Jintao para com os cubanos: “O intercâmbio se produziu durante uma hora e 38 minutos. Foi cálido, amistoso, modesto, e tornou patentes seus sentimentos de afeto. Vi-o jovem, saudável e forte (...)”.
Em dezembro de 2004 a revista de Hong Kong Open teve acesso a algumas afirmações de Hu Jintao, simplesmente “terríveis”, entre elas a que ele classificava Mikhail Gorbachev como um “traidor do socialismo” e outra recomendando os encarregados do setor de propaganda do PCCh em, nesta matéria, “aprender com Cuba e a Coréia do Norte”.
Arguido acerca de tais comentários feitos pelo presidente chinês, Liu Junning, professor do Instituto Chinês para Pesquisas em Cultura, em entrevista ao BBC News sintetizou a definição que seu entrevistador, com certeza, não queria ouvir: “Ele é um comunista muito determinado” (1).
Um discurso intolerável e A Internacional
O presidente chinês fez um discurso de 18.500 caracteres em mandarim respondendo claramente tanto a um grupo interno dissidente chamado “Documento 08” formado por cerca de 300 intelectuais (sem nenhuma formalidade ante a opinião pública mundial), políticos e jornalistas que no inicio de janeiro lançou um manifesto com claros apelos aos ocidentais. Não somente aos dissidentes, mas também aos liberais internos do PCCh e também como resposta política à crise que está assolando a China, e o mundo com grande força.
Segundo Wiily Lam, professor do Departamento de China da Universidade de Akita, em artigo escrito ao Far Eastern Economic Review (LAM, Willy: “Hu Jintao`s Great Leap Backward) de janeiro de 2009 tal discurso pode ser classificado com um “grande salto para trás.” (2).
O início de sua fala de uma hora e quarenta e três minutos foi marcada por uma simples homenagem em forma de palavras: “Este particular momento está inspirando nossa profunda lembrança aos camaradas Mao Tsétung, Deng Xiaoping e aqueles pertencentes a velha geração de revolucionários” e a lembrança do renascimento entre os chineses dos valores do marxismo:
“A 3º Sessão Plenária do 11º CC estabeleceu, mais uma vez, as linhas ideológicas, políticas e organizativas do Marxismo simbolizando o grande despertar dos comunistas chineses”.
Afirmou Jintao que a “China deverá manter em pé a grande bandeira do socialismo com características chinesas”, além de que “o desenvolvimento do marxismo com características chinesas é uma tarefa de longo prazo que demanda luta e persistência”. E mantendo a sua fidelidade à máxima «manter em pé os ‘Quatro Princípios Cardeais’», o controle absoluto do Partido sob a «ditadura do proletariado». Que me lebre, o termo «ditadura do proletariado» fora utilizada a última vez pelo falecido líder Deng Xiaoping.
A questão que envolve a formação de um Estado de Direito foi abordada, não sem deixar de afirmar em palavras claras a firmeza do poder chinês, como segue: «Da mesma forma que o Partido não tomará o velho caminho autocrático e fossilizado, deverá, por outro lado, nós nunca daremos trégua à maldição de mudar a bandeira e as tradições de nosso Partido».
Sobre a questão democrática e a eterna questão levantada pelos “médiuns ocidentais” sobre “quando vai haver eleições na China?” o petardo foi claro: “Sem democracia nem o socialismo, nem sequer a modernização do socialismo poderá ser realizada», acrescentando «nós precisamos de aprender o que de melhor a surgiu na sociedade humana, mas nunca copiaremos as formas políticas das instituições ocidentais». Eis algo que faz qualquer estômago ocidental entrar em processo de azia.
Como de costume neste tipo de celebração, no final da atividade os presentes no “Grande Salão do Povo ficaram de pé para ouvirem os acordes sinfônicos de “A Internacional” (3).
Notas:
(1) “China`s leader show his stripes”. BBC News, 11/01/2005. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/
(2) O citado artigo do professor Lam pode ser encontrado em: http://www.feer.com/essays/
(3) O discurso de Hu Jintao, com interprete em inglês e toda a pompa do evento, inclusive com direito a “A Internacional” no encerramento, está disponível em: http://news.xinhuanet.com/
*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios.
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