Perón, Getúlio e Lula
Blog do Emir, em Carta Maior
Quando acusou Lula de uma espécie de neoperonista, FHC vestia, em
cheio, o traje da direita oligárquica latinoamericana. Que não perdoou
e segue sem perdoar os líderes populares latinoamericanos que lhes
arrebataram o Estado de suas mãos e impuseram lideranças nacionais com
amplo apoio popular.
Os três – Perón, Getúlio e Lula – têm em comum a personificação de
projetos nacionais, articulados em torno do Estado, com ideologia
nacional, desenvolvendo o mercado interno de consumo popular, as
empresas estatais, realizando políticas sociais de reconhecimento de
direitos básicos da massa da população, fortalecendo o peso dos países
que governaram ou governam no cenário internacional.
Foi o suficiente para que se tornassem os diabos para as oligarquias
tradicionais – brancas, ligadas aos grandes monopólios privados
familiares da mídia, aos setores exportadores, discriminando o povo e
excluindo-o dos benefícios das políticas estatais. Apesar das políticas
de desenvolvimento econômico, especialmente industrial, foram atacados
e criminalizados como se tivessem instaurados regimes anticapitalistas,
contra os intereses do grande capital. Quando até mesmo os interesses
dos grandes proprietários rurais – nos governos dos três líderes
mencionados – foram contemplados de maneira significativa.
Perón e Getúlio dirigiram a construção dos Estados nacionais dos
nossos dois países, como reações à crise dos modelos
primário-exportadores. Fizeram-no, diante da ausência de forças
políticas que os assumissem – seja da direita tradicional, seja da
esquerda tradicional. Eles compreenderam o caráter do período que
viviam, se valeram do refluxo das economias centrais, pelos efeitos da
crise de 1929, posteriormente pela concentração de suas economías na II
Guerra Mundial, tempo estendido pela guerra da Coréia.
A colocação em prática das chamadas políticas de substituição de
importações permitiram a nossos países dar os saltos até aqui mais
importantes de nossas histórias, desenvolvendo o mais longo e profundo
ciclo expansivo das nossas economias, paralelamente ao mais extenso
processo de conquisas de direitos por parte da massa da população,
particularmente os trabalhadores urbanos.
Se tornaram os objetos privilegiados do ódio da direita local, dos
seus órgãos de imprensa e dos governos imperiais dos EUA. Dos jornais
oligárquicos – La Nación, La Prensa, La Razón, na Argentina, ao que se somou depois o Clarin; o Estadao, O Globo, no Brasil, a que se somaram depois os ódios da FSP e da Editora Abril.
Os documentos do Senado dos EUA confirmam as articulações entre esses
órgãos da imprensa, as FFAA, os partidos tradicionais e o governo dos
EUA nas tentativas de golpe, que percorreram todos os governos de Perón
e de Getúlio.
Não por acaso bastou terminar aquele longo parêntese da crise de
1929, passando pela Segunda Guerra e pela guerra da Coréia, com o
retorno maciço dos investimentos estrangeiros – particularmente
norteamericanos, com a indústria automobilística em primeiro lugar -,
para que fossem derrubados Getúlio, em 1954, e Perón, em 1955.
Mas os fantasmas continuaram a assombrar os oligarcas brancos, que
sentiam que aqueles líderes plebeus – tinham desprezo pelos líderes
militares, que deveriam, na opinião deles, limitar-se à repressão dos
movimentos populares e aos golpes que lhes restabeleceriam o poder –
lhes tinham roubado o Estado e, de alguma forma, o Brasil.
O golpe militar argentino de 1955 inaugurou a expressão “gorila”
para designar o que mais tarde o ditador brasileiro Costa e Silva
chamaria, de “vacas fardadas”. A direita apelava aos quartéis, porque
não conseguia ganhar eleições dos líderes populares. Durante os anos
50, no Brasil, fizeram articulações golpistas o tempo todo contra
Getúlio, até que o levaram ao suicídio. Tentaram impedir a posse de JK,
alegando que tinha ganho as eleições de maneira fraudulenta. JK teve
que enfrentar duas tentativas de levantes militares de setores da
Aeronáutica contra seu governo, legitimamente eleito, tentativas sempre
apoiadas pela oposição da época, em conivência com os governos dos EUA.
O peronismo esteve proscrito políticamente de 1955 a 1973. Até o
nome de Perón era proibido de ser mencionado na imprensa. (Os
opositores usavam Juan para designá-lo ou alguns de seus apelidos.)
Quando foram feitas eleições com um candidato peronista concorrendo –
Hector Campora -, ele triunfou amplamente e – ao contrário de Sarney no
Brasil – convocou novas eleições, truiunfando Perón, que governou um
ano, até que foi dado o golpe de 1976, pelas mesmas forças gorilas.
No Brasil, o governo João Goulart foi vítima do mesmo tipo de
campanha lacerdista, golpista, articulada com organismos da “sociedade
civil” financiados pelos EUA, articulados com a imprensa privada,
convocando as FFAA para um golpe, que acabou sendo dado em 1964.
Perón, Getúlio e, agora, Lula, têm em comum a liderança popular,
projetos de desenolvimento nacional, políticas de redistribuição de
renda, papel central do Estado, apoio popular, discurso popular. E o
ódio da direita. Que usou todos os “palavrões”: populista, carismático,
autoritário, líder dos ”cabecitas negras”, dos “descamisados” (na
Argentina). A classe média e o grande empresariado da capital
argentina, assim como a clase média (de São Paulo e de Minas,
especialmente) e o grande empresariado, sempre a imprensa das rançosas
famílias donas de jornais, rádios e televisões.
É o ódio de classe a tudo o que é popular, a tudo o que é nacional,
a tudo o que cheira povo, mobilizações populares, sindicatos,
movimentos populares, direitos sociais, distribuição de renda, nação,
nacional, soberania. FHC se faz herdeiro do que há de mais retrógado na
direita latinoamericana – da UDN de Lacerda, passando pelos gorilas do
golpe argentino de 1955, pelos golpistas brasileiros de 1964, pelo
anti-peronismo e o anti-getulismo, que agora desemboca no anti-lulismo.
Ao chamar Lula de neo-peronista, quer usar a o termo como um palavrão,
como acontece no vocabulário gorila, mas veste definitivamente a roupa
da oligarquia latinoamericana, decrépita, odiosa, antinacional,
antipopular. Um fim político coerente com seu governo e com seus amigos
aliados.
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