quinta-feira, 22 de abril de 2010

Reforma Agrária na Bolivia....

A voz de uma dirigente ‘sem terra’: ‘Necessitamos de uma verdadeira reforma agrária'




Sergio Ferrari * Adital 
 
Tradução: ADITAL
- "Na Bolívia, ainda somos milhares sem terra";
- Apostamos na soberania alimentar;
- Que os migrantes econômicos regressem!"
"De cada cem pessoas em meu país, a metade não tem terras. Nosso movimento não fecha portas, mas as abre a todas/os que querem participar. Lutamos pela terra e pelo território para todos", enfatiza Asunta Salvatierra Domínguez, jovem líder do Movimento Sem Terra (MST) da Bolívia. Salvatierra realiza uma gira de quatro semanas pela Suíça, convidada por E-Changer (Intercambiar), organização de cooperação solidária que apoio a essa organização contraparte desde 2005.
Com apenas 30 anos, Salvatierra coordena as Mulheres do MST-Bolívia nos Departamentos de Cochabamba, Chuquisaca e Potosí. É membro da direção desse movimento do qual participa há 10 anos. "Desde os 15 anos comecei a militar pela causa da terra e pela defesa do território. No início não foi fácil; me discriminaram; porém, agora, já sou respeitada e meus companheiros confiam em mim", explica com certo orgulho.
Entrevista exclusiva:
P: De Cochabamba a Friburgo, da Bolívia a Suíça. Uma longa viagem e duas realidades muito diferentes?
R: Sim. Há seis meses começamos a preparar essa viagem com a voluntária Matilde Defferrard que nos apoia na atualidade. Me sinto muito feliz por estar aqui. Seria impossível para mim como mulher indígena chegar como turista e conhecer este continente tão distante e diverso.
P: Quais são suas primeiras impressões?
R: Descubro outro mundo. Tudo é tão diferente. Muita ordem. O único que me deixa triste é não entender o idioma. Agora compreendo muito bem o difícil que deve ser para as voluntárias da Suíça chegar para trabalhar conosco, que falamos, sobretudo, o quéchua. Para elas também nossa realidade é outro mundo. Uma grande mudança cultural. Eu mesma agora experimento isso. É uma reflexão que transmitirei a meus companheiros ao regressar a Bolívia.
Indígenas e Camponesas
P: Você menciona o idioma quéchua. Você se considera mais indígena ou mais camponesa?
R: Minha origem é indígena. Porém, também sou camponesa. Nossa vida é a agricultura e somos as duas coisas. Aqui na Suíça escutei o termo "campesinato". Na Bolívia o usávamos antes. Agora, na Nova Constituição Política do Estado, que foi aprovada durante o governo de Evo Morales, se fala de "indígenas e camponeses" como uma unidade. Inclusive, também de camponeses originários ou povos originários. Um termo mais amplo; porém que indica um conceito único.
P: Você acaba de introduzir o tema da conjuntura política boliviana... Como o MST vê a situação atual? Como se situam em relação ao governo?
R: A família sem terra ficou muito feliz quando ganhou um presidente indígena. Era uma esperança muito grande. E, realmente, houve muitos avanços: a recuperação dos recursos naturais; dos hidrocarbonetos; bônus para a terceira idade; apoio às crianças estudantes; apoio às mulheres e às grávidas, com direito à assistência médica gratuita etc.
Tudo isso consiste em avanços gerais. Porém, nos faltam melhorias na entrega de terras e na defesa do território. O governo redistribuiu poucas terras. Nós recebemos um assentamento de 7.000 hectares para 100 famílias, em Beni; porém, é uma região atingida por inundações. Agora, não podemos trabalhar porque as terras estão sob meio metro de água; nos campos não podemos cultivar com a água até a cintura. Sentimos que é necessário agilizar a entrega de parcelas. Somos milhares sem terra na Bolívia e continuamos esperando e exigindo....

Soberania Alimentar
P: E como vocês acham que o governo deveria gestionar esse assunto?
R: Deve fazer uma nova reforma agrária, de verdade, que favoreça a todas/os que necessitamos da terra. Segundo nossa tradição e costumes, deveria ser uma distribuição comunitária. Todos comemos juntos e trabalhamos juntos. Essa modalidade coletiva nos permitiria proteger melhor a mãe terra. Sem sementes transgênicas, nem adubos químicos, nem venenos, promovendo realmente a segurança e a soberania alimentar,
P: O que significam para vocês essas duas palavras?
R: Algo que até agora não conseguimos alcançar. Temos terras pequenas que não produzem o suficiente nem para nossa própria alimentação equilibrada e nem para ter um excedente que nos permita enviar nossos filhos à escola. Queremos começar a pensar neles, em seu futuro, e, inclusive, na qualidade de vida de nossos netos.
P: Você fala sempre da terra e do território...
R: Claro! A terra é o que cultivamos, até onde chega o arado. O território é mais amplo: os recursos naturais; os vegetais e os animais; o meio ambiente correspondente. Em quéchua, temos  três palavras para representar esses conceitos...
Novos desafios para as mulheres
P: É difícil chegar a ser dirigente social sendo mulher?
R: No início, não foi fácil. Não me consideravam; me subestimavam. Porém, logo fui ganhando um espaço. Éramos duas mulheres que exigíamos a participação ativa.
Agora, existe reconhecimento. E outras vão chegando a postos de responsabilidade. O que nos ajudou foi a nova realidade política boliviana, com o atual governo. Hás mulheres que são ministras, parlamentares, dirigentes...
P: Para as mulheres, é normal participar no movimento?
R: Não, por isso estava muito contente quando, no último encontro departamental das sem terra 63 mulheres fomos representar a milhares de companheiras. A mulher boliviana tem muito trabalho. E não é fácil que possa dedicar os fins de semana ou as noites para eventos e reuniões. Continua havendo muito machismo. Por isso, brigamos também no seio das famílias para conseguir igualdade no casal. Por exemplo, são poucos os homens que ajudam nas tarefas domésticas. Porém, estou convencida de que em alguns anos a grande maioria vai participar.
P: O MST/Mulheres recebeu a cooperação e o trabalho de voluntárias da Suíça...
R: Começou com um apoio material das Mulheres Católicas Suíças para as hortas coletivas. Em seguida, recebemos a Veronique Blech, a primeira voluntária de E-Chenger. Ela atuou de maneira valiosa na capacitação. Me obrigou a exercitar o espanhol que quase eu não falava. Aprendemos a usar o computador; apesar de que no início eu pensava que isso era coisa somente para os especialistas. Agora, posso entrar na internet; mandar e-mails; formular e redigir projetos.
Há mais de um ano contamos com o apoio de outra voluntária suíça, a socióloga Matilde Defferrard, com quem organizamos e preparamos essa viagem á Suíça. É um importante reforço institucional e para nossa formação. Cuidamos as nossas voluntárias como se cuida das flores e esse intercâmbio humano continua sendo uma grande aprendizagem e colaboração mútua. Recentemente, SOLIFONDS aprovou um projeto para o Assentamento "Tierra Nueva", que estávamos construindo. Também recebemos ajuda da Cáritas de Milão.
O apoio do governo boliviano à família sem terra tem sido mínimo e por isso a solidariedade de fora ainda tem um papel preponderante.
Nesses últimos anos, recebemos uma solidariedade transparente. E tem sido essencial para nos capacitar e formar a outras mulheres em temas essenciais para nós, como o da terra e do território. Tem sido essencial para nosso crescimento e avanço tanto como mulheres quanto como movimento.
P: Uma reflexão final?
R: Depois desses primeiros dias de minha visita à Europa, vejo dois temas. Eu pensava que o tema da terra era importante somente para nós, as/os bolivianos, ou latinoamericanos. Porém, visitando uma granja de produção biológica em Genebra, percebi que é uma questão muito importante também na Suíça. Com a diferença de que nós temos muitas reservas naturais e por isso exigimos uma redistribuição, uma reforma agrária verdadeira.
Outra experiência que me comoveu: Em Zurique pude falar, inclusive em quéchua, com compatriotas imigrantes, pelas ondas comunitárias da Rádio Lora. Não imaginava que isso seria possível. Fiquei muito feliz. Até 2005, o objetivo de milhares de bolivianas/os era emigrar, buscando um mundo novo na Espanha e em outros países. Como MST queremos dizer-lhes: basta de emigração! Seria maravilhoso que os que emigraram por motivos econômicos regressem. E que possamos recuperar nossas terras para trabalhar nelas todas/os juntas/os.

*Sergio Ferrari, colaboração E-CHANGER com o apoio de swissinfo
Link: www.e-changer.ch
Gira suíça de Asunta Salvatierra:
- A viagem de Asunta Salvatierra na Suíça incorpora uma dezena de atividades públicas.
- Foi iniciada em Zurique, no dia 14 de abril e finalizará em Friburgo, no dia 8 de maio, com um encontro na Alta Escola Pedagógica, com a participação de um representante do governo local.
- Inclui outros encontros e debates em Genebra, Bellinzona, Monthey, Lousane e Delemont. E várias salas de aula do ensino médio e pré-universitário, em Friburgo.
- A campanha é organizada por E-Changer e financiada por umas quinze ONGs e associações suíças.
- Entre elas, Solifonds, Uniterre, Marcha Mundial de Mulheres Suíça, Aliança Sul, Interagire/Misión de Belén Immensee, pela Federação de Cooperação do Cantão de Vaud, pelo Espacio Mujeres (Friburgo), pela Rede Latinomericana etc., bem como por meios independentes de imprensa. (Sergio Ferrari).

* Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER, ONG miembro da Plataforma Comunica-CH

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