Guerreiros
da cerveja.
Marcos Rolim*
Dunga tem recebido muitas
críticas na crônica esportiva. Diante delas, fico sempre com a
impressão de que não se trata do técnico, nem das partidas de futebol,
mas da ideia que cada um tem sobre o futebol e sobre os modelos – sempre
idealizados – do que seja “jogar bem”. Sim, é claro, Dunga poderia ter
levado Ganso e Neymar, ao invés de, digamos, Josué e Grafite. Mas,
convenhamos, isso não deveria importar muito diante do fato
incontestável de que temos um time competitivo com o qual podemos ser
campeões.
Nem
deveria obscurecer os méritos de Dunga na formação de um conceito que se
desloca – até aqui vitoriosamente – em campo. Bem, mas esta não é uma
crônica sobre futebol. Antes, penso que seja uma crônica sobre o
silêncio.O maior erro de Dunga não foi objeto de atenção dos
comentaristas, nem produziu debate na imprensa brasileira. Refiro-me ao
fato de o técnico da Seleção estar alugando sua merecida e respeitável
imagem de “guerreiro” à venda de uma cerveja.
Como se sabe, alguns dos
titulares da Seleção Brasileira também foram contratados para este papel
de garotos-propaganda de bebida alcoólica. Tivemos, aqui e ali, uma ou
outra observação sobre o fato, mas nenhum debate. Tudo se passa como se
fosse um episódio “normal”. Será? Penso que não. Ilana Pinsky, em artigo
na Folha de S. Paulo, chamou atenção para o fato de que 87% do
merchandising e mais de 70% das propagandas da TV aberta de bebidas
alcoólicas são veiculadas nos intervalos ou durante os programas
esportivos. Só isso já seria preocupante quando se sabe, segundo estudos
da Organização Mundial de Saúde, que os custos derivados do consumo de
bebidas alcoólicas na América do Sul representam de 8% a 15% do total
dos gastos com saúde pública, o que contrasta com o comprometimento
médio de 4% dos orçamentos na área no resto do mundo. Bebe-se muito por
aqui, então. Muito mais do que seria razoável.
Mas quando associamos o
consumo de bebidas alcoólicas à prática esportiva – e, especialmente,
quando vinculamos simbolicamente nossas maiores conquistas e nossos
ídolos no futebol ao hábito de beber – o que fazemos é aumentar o
problema.O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil é um hábito firmado
no público jovem – entre 18 e 29 anos – e se concentra muito entre os
homens (78%). Não por acaso, então, as estratégias de marketing envolvem
mensagens apelativas com mulheres (o que permite a associação entre
desejo sexual masculino e bebidas) e esportes (destacadamente o
futebol). A ironia é que o álcool deprecia as possibilidades de qualquer
atleta e tende a transformar os mais ardentes sonhos sexuais masculinos
em pesadelos patéticos.
Mais do que isso, o consumo de bebidas alcoólicas está
correlacionado fortemente à violência, ao sexo desprotegido e aos
acidentes de trânsito. Tratamos, então, queiramos ou não, dos estímulos
que a propaganda pode oferecer à morte. Mas o que é a morte diante de
lucros bilionários e milhões em verbas publicitárias? Um brinde ao
silêncio, então.
Um comentário:
Desculpa,
Adoro os posts seus e os que você repassa, mas esse achei muito ruim. Podemos discutir os interesses da seleção em ter esse patrocínio, podemos ver as influências disso nas crianças.
Mas criticar as propagandas e o álcool para público adulto me parece besteira. Todas propagandas visam manipular, não temos dúvidas, mas o fato de eu querer beber e fazer sexo desprotegido, isso é comigo.
Estamos querendo construir uma sociedade melhor ou ir para o Admirável Mundo Novo?
Daniel
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