quarta-feira, 14 de julho de 2010

"Sim, é o começo da revolução!"


A propósito da lei das comunas na Venezuela.


por Manuel Valencia. 


 Me animei em escrever sobre a lei das comunas, apesar de que a mesma é, neste momento, um anteprojeto, uma proposta inacabada, um rascunho. E, como tal, disposto para a crítica, o comentário, o reconhecimento... Para o debate introdutório do inacabado. De outra parte, sou obrigado a confessar que, além dos motivos ideológicos, tenho motivos pessoais de satisfação com este anteprojeto de lei; pois o mesmo acolhe várias ideias, colocações e propostas sobre as que vim trabalhando desde há vários anos.
A cidade comunal e a união das comunas (eu chamo de federação). O assembleísmo como expressão do poder político comunal. Inclusive uma proposta de organização urbana comunal que sintetiza esse aforismo que diz: "uma proposta urbana é uma proposta de sociedade". (Consultar no Rebelión, em Aporrea e no Analítica). 
A síntese da proposta
Parece-me acertada a definição de comuna; tomada a melhor descrição de seus propósitos (Art. 6) que onde a define propriamente (Art. 6); pois ali se menciona os três componentes básicos do Estado. E a comuna é um micro-Estado, mas não um como tal.
O primeiro componente é de ordem política: o autogoverno comunal. O segundo, de ordem social-institucional: a administração e gestão de competências e serviços que lhe sejam transferidos. É o governo para a organização social. E o terceiro, é de ordem econômica-produtiva: o sistema de produção e distribuição da propriedade social.
Dos três, creio que o primeiro e o terceiro encerram a essência da proposta: a refundação do Estado sobre um novo modelo de desenvolvimento: o socialista. O segundo, entendo, seria consequência dos outros dois. 
O primeiro componente: A ordem política 
Quando se fala de autogoverno comunal, se fala de democracia direta, de assembleísmo puro e duro. Sendo o Parlamento Comunal – constituído pelas assembleias de cidadãos das comunidades que o integram – quem exercerá o autogoverno. As disfuncionalidades da democracia direta, foram resolvidos pela votação corporativa: uma assembleia de cidadãos, um voto. Descendo o debate até o seio das assembleias de cada comunidade. O Parlamento Comunal é mandante na planficação, coordenação e execução do governo comunal. Os organismos de execução (Conselhos de Cumprimento e Comissões de Coordenação) são eleitos por votação universal e direto e/ou por cooptação. A decisão de se constituir em comuna, passa pela conformação de uma Assembleia Constitutiva; a qual redigirá e referendará a Carta Fundacional (caminho da Constituição comunal), cujos membros não poderão ser eleitos nas pranchas e listas. É a eleição nominal pura e dura! Esta Carta Fundacional será objeto de referendo por parte das comunidades envolvidas. Conhecido isto, como é possível que os detratores do anteprojeto de lei sustentem que esta é uma "ameaça à descentralização"?! Que questionem as "autoridades coletivas" por comunistas! Alguns pareceram analfabetos em castelhano (pois não entenderam o texto da lei). São aqueles que pressagiam "200 anos de atraso". Outros, são tão desajeitados, que só podem "disparar com pólvora emprestada". Por acaso as direções coletivas não são a expressão mais fidedigna da descentralização? Certamente, a proposta contém elementos que a diferenciam da democracia liberal, essa onde se refugiam – desde há mais de "200 anos" – as oligarquias do nosso país e seus atentos subordinados. O referendo, a liderança ou "autoridade" coletiva (e o tanto que criticam ao Chávez pela liderança única!), a revogação do mandato, o assembleísmo e agora... O autogoverno comunal, são parte da democracia socialista. 


O terceiro componente: A ordem econômico-produtiva 
É a comuna entendida como a nova expressão de uma nova organização territorial. Lembre-se que o território é um componente do desenvolvimento; e sua tipologia de organização descreve o modelo político daquele.
A comuna disporá de um Plano Político Estratégico Comunal, onde estarão apontadas as linhas estratégicas do desenvolvimento para a comuna: vocação econômica e produtiva, suas características de organização social, sua cultura, sua disposição do território e as características de sua população.
Disporá-se de um Plano Comunal de Desenvolvimento, onde se materializaria o Plano Estratégico através de projetos, ações e recursos. Alinhados ambos com o Plano Regional e Nacional de desenvolvimento. Então, a quê a advertência do "sínodo de prefeitos" da oposição, quando referem à "desarticulação da organização territorial"?
Por outro lado, o Banco Comunal descreve, em suas competências, essa ordem econômico-produtiva do terceiro componente. Ali se fala do sistema micro-financeiro comunal, de projetos socio-produtivos e de investimento social no âmbito comunal, de forças produtivas da comuna e, finalmente, do impulso à "propriedade coletiva dos meios de produção". Dirigida, esta última, em direção ao aparato produtivo intra-comunal, onde o desenvolvimento endógeno toma significado como uma das estratégias para tirar do subdesenvolvimento países como o nosso: importadores, com ocupação desigual do território – e todas as suas implicações –, mono-exploradores, etc. 
Discrepâncias e a conclusão 
A primeira discrepância tem a ver com uma das motivações do anteprojeto da lei. Afirma-se que a incapacidade do Estado para executar políticas radica na "distância" entre o povo e o centro de tomada das decisões. O problema não é a "distância"; não tem a ver com uma ordem de magnitude, senão com a deslocalização do "centro de tomada de decisões". O auto-governo comunal resolve esta deslocalização.
A segunda, com isso de construir um "Estado Comunal". Aqui, se não há uma contradição, há ao menos um oxímoro. Se é Estado, não pode ser comuna; pois o Estado implica a Nação, como um de seus componentes essenciais. E de nenhuma maneira se está propondo a desaparição do Estado Nacional.
Outra discrepância está na ausência da variável demográfica na proposta de lei. Imprescindível para definir, desde a integração das instituições coletivas do governo, até a vocação econômico-produtiva das comunas.
Finalmente, faz-se referência a entidade que não estão suficientemente "acabadas" para entender sua integração com as comunas. É o caso dos Distritos Motores e das unidades de gestão territorial. A conclusão é simples. O anteprojeto de lei é, sem dúvida, a pedra angular para a concreção da revolução bolivariana. Só uma coisa resta dizer – com as palavras de Sujanov, naquele 21 de fevereiro de 1917, nos arredores da Revolução de Outubro –: "Sim, é o começo da revolução". Espero não me equivocar.
Manuel Valencia A.
 valencia_mr@cantv.net  

Tradução: Lucas Morais 

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