A
propósito da lei das comunas na Venezuela.
por
Manuel Valencia.
Me
animei em escrever sobre a lei das comunas, apesar de que a mesma é,
neste momento, um anteprojeto, uma proposta inacabada, um rascunho.
E, como tal, disposto para a crítica, o comentário, o
reconhecimento... Para o debate introdutório do inacabado. De outra
parte, sou obrigado a confessar que, além dos motivos ideológicos,
tenho motivos pessoais de satisfação com este anteprojeto de lei;
pois o mesmo acolhe várias ideias, colocações e propostas sobre as
que vim trabalhando desde há vários anos.
A
cidade comunal e a união das comunas (eu chamo de federação). O
assembleísmo como expressão do poder político comunal. Inclusive
uma proposta de organização urbana comunal que sintetiza esse
aforismo que diz: "uma proposta urbana é uma proposta de
sociedade". (Consultar no Rebelión, em Aporrea e no
Analítica).
A
síntese da proposta
Parece-me
acertada a definição de comuna; tomada a melhor descrição de seus
propósitos (Art. 6) que onde a define propriamente (Art. 6); pois
ali se menciona os três componentes básicos do Estado. E a comuna é
um micro-Estado, mas não um como tal.
O
primeiro componente é de ordem política: o autogoverno comunal. O
segundo, de ordem social-institucional: a administração e gestão
de competências e serviços que lhe sejam transferidos. É o governo
para a organização social. E o terceiro, é de ordem
econômica-produtiva: o sistema de produção e distribuição da
propriedade social.
Dos
três, creio que o primeiro e o terceiro encerram a essência da
proposta: a refundação do Estado sobre um novo modelo de
desenvolvimento: o socialista. O segundo, entendo, seria consequência
dos outros dois.
O
primeiro componente: A ordem política
Quando
se fala de autogoverno comunal, se fala de democracia direta, de
assembleísmo puro e duro. Sendo o Parlamento Comunal – constituído
pelas assembleias de cidadãos das comunidades que o integram –
quem exercerá o autogoverno. As disfuncionalidades da democracia
direta, foram resolvidos pela votação corporativa: uma assembleia
de cidadãos, um voto. Descendo o debate até o seio das assembleias
de cada comunidade. O Parlamento Comunal é mandante na planficação,
coordenação e execução do governo comunal. Os organismos de
execução (Conselhos de Cumprimento e Comissões de Coordenação)
são eleitos por votação universal e direto e/ou por cooptação. A
decisão de se constituir em comuna, passa pela conformação de uma
Assembleia Constitutiva; a qual redigirá e referendará a Carta
Fundacional (caminho da Constituição comunal), cujos membros não
poderão ser eleitos nas pranchas e listas. É a eleição nominal
pura e dura! Esta Carta Fundacional será objeto de referendo por
parte das comunidades envolvidas. Conhecido isto, como é possível
que os detratores do anteprojeto de lei sustentem que esta é uma
"ameaça à descentralização"?! Que questionem as
"autoridades coletivas" por comunistas! Alguns pareceram
analfabetos em castelhano (pois não entenderam o texto da lei). São
aqueles que pressagiam "200 anos de atraso". Outros, são
tão desajeitados, que só podem "disparar com pólvora
emprestada". Por acaso as direções coletivas não são a
expressão mais fidedigna da descentralização? Certamente, a
proposta contém elementos que a diferenciam da democracia liberal,
essa onde se refugiam – desde há mais de "200 anos" –
as oligarquias do nosso país e seus atentos subordinados. O
referendo, a liderança ou "autoridade" coletiva (e o tanto
que criticam ao Chávez pela liderança única!), a revogação do
mandato, o assembleísmo e agora... O autogoverno comunal, são parte
da democracia socialista.
O
terceiro componente: A ordem econômico-produtiva
É
a comuna entendida como a nova expressão de uma nova organização
territorial. Lembre-se que o território é um componente do
desenvolvimento; e sua tipologia de organização descreve o modelo
político daquele.
A
comuna disporá de um Plano Político Estratégico Comunal, onde
estarão apontadas as linhas estratégicas do desenvolvimento para a
comuna: vocação econômica e produtiva, suas características de
organização social, sua cultura, sua disposição do território e
as características de sua população.
Disporá-se
de um Plano Comunal de Desenvolvimento, onde se materializaria o
Plano Estratégico através de projetos, ações e recursos.
Alinhados ambos com o Plano Regional e Nacional de desenvolvimento.
Então, a quê a advertência do "sínodo de prefeitos" da
oposição, quando referem à "desarticulação da organização
territorial"?
Por
outro lado, o Banco Comunal descreve, em suas competências, essa
ordem econômico-produtiva do terceiro componente. Ali se fala do
sistema micro-financeiro comunal, de projetos socio-produtivos e de
investimento social no âmbito comunal, de forças produtivas da
comuna e, finalmente, do impulso à "propriedade coletiva dos
meios de produção". Dirigida, esta última, em direção ao
aparato produtivo intra-comunal, onde o desenvolvimento endógeno
toma significado como uma das estratégias para tirar do
subdesenvolvimento países como o nosso: importadores, com ocupação
desigual do território – e todas as suas implicações –,
mono-exploradores, etc.
Discrepâncias
e a conclusão
A
primeira discrepância tem a ver com uma das motivações do
anteprojeto da lei. Afirma-se que a incapacidade do Estado para
executar políticas radica na "distância" entre o povo e o
centro de tomada das decisões. O problema não é a "distância";
não tem a ver com uma ordem de magnitude, senão com a
deslocalização do "centro de tomada de decisões". O
auto-governo comunal resolve esta deslocalização.
A
segunda, com isso de construir um "Estado Comunal". Aqui,
se não há uma contradição, há ao menos um oxímoro. Se é
Estado, não pode ser comuna; pois o Estado implica a Nação, como
um de seus componentes essenciais. E de nenhuma maneira se está
propondo a desaparição do Estado Nacional.
Outra
discrepância está na ausência da variável demográfica na
proposta de lei. Imprescindível para definir, desde a integração
das instituições coletivas do governo, até a vocação
econômico-produtiva das comunas.
Finalmente,
faz-se referência a entidade que não estão suficientemente
"acabadas" para entender sua integração com as comunas. É
o caso dos Distritos Motores e das unidades de gestão territorial. A
conclusão é simples. O anteprojeto de lei é, sem dúvida, a pedra
angular para a concreção da revolução bolivariana. Só uma coisa
resta dizer – com as palavras de Sujanov, naquele 21 de fevereiro
de 1917, nos arredores da Revolução de Outubro –: "Sim, é o
começo da revolução". Espero não me equivocar.
Manuel
Valencia A.
valencia_mr@cantv.net
Tradução:
Lucas Morais
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