domingo, 29 de agosto de 2010

Apenas três anos atrás



 "Apenas três anos atrás era impensável um Fórum Social das Américas no Paraguai. Este país ausente começa a se fazer presente. O Paraguai renasce", disse Hugo Ferreira no ato de abertura do IV Foro em Assunção, cantando Mi Pais, que ele tinha deixado de cantar por falta de esperança e liberdade. Apenas 11 anos atrás, na noite de 24 e madrugada de 25 de março de 1999, 7 manifestantes foram mortos na praça frente ao El Cabildo, mesma praça de abertura do Foro, por franco-atiradores postados no alto dos edifícios, na luta por democracia e por um Paraguai livre, no que foi chamado Massacre do Março Paraguaio.
Apenas alguns anos atrás os indígenas bolivianos não se apresentavam num Foro com toda altivez, pregando ao mundo o Bem Viver da harmonia entre as pessoas e a harmonia das pessoas com a natureza, e são reconhecidos como povos na Bolívia plurinacional.
Apenas poucos anos atrás a maia e guatemalteca Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz/1992, não pôde visitar o Paraguai, porque não lhe garantiam segurança, o que pode fazer em 2010 sob as asas da liberdade e da democracia. Apenas pouco tempo para cá indígenas brasileiros, peruanos, equatorianos, guatemaltecos e de todos os países latino-americanos tornaram a anunciar com orgulho suas raízes, sua forma de produzir, sua cultura e reverenciar os ancestrais e seus valores.
Apenas há pouco tempo era impossível reunir na mesma mesa num foro latino-americano um presidente boliviano indígena, um presidente paraguaio bispo da Teologia da Libertação, um presidente uruguaio ex-guerrilheiro tupamaro.
Apenas há muito, muito poucos anos dos mais de quinhentos desde sua colonização não são generais os presidentes eleitos, ou mandaletes dos poderosos de plantão ou lacaios do poder econômico dependente ou ditadores de plantão.
Apenas há poucos anos é eleito um presidente brasileiro metalúrgico e sindicalista, um presidente equatoriano que vem das Comunidades Eclesiais de Base, um presidente venezuelano dissidente das forças militares conservadoras, um presidente salvadorenho aliado de históricas forças guerrilheiras.
Apenas há poucos anos o povo começou a votar livre e soberanamente seus governantes sem o poder das armas e o tacão do fuzil nas costas.
Apenas há pouco tempo os golpes de direita, as ditaduras, as eleições fraudadas eram a marca registrada da América do Sul e América Central e Caribe.
Apenas há poucos anos o FMI e o Banco Mundial eram os únicos interlocutores da política econômica e social dos países do continente latino-americano e de seus governos.
Apenas poucos anos atrás as ordens vinham de fora, do estrangeiro, e os governantes batiam continência para o poder econômico externo.
Apenas quatro ou cinco atrás não havia UNASUL, ALBA, Banco do Sul e a integração latino-americana.
Apenas há poucos anos trabalhadores sem terra, catadores de materiais recicláveis, moradores de rua, pescadores, pequenos agricultores, negros e quilombolas, indígenas, o povo LGBT eram escorraçados dos corredores do poder, aos quais jamais tinham acesso, muito menos participação.
Apenas há pouco tempo os pobres latino-americanos não tinham voz nem tinham vez, sendo apenas bucha de canhão para ‘servir’ a pátria ou dar seu voto na eleição.
Apenas algumas décadas atrás, como retrata o filme Diários de Motocicleta, Che Guevara pregava a unidade latino-americana em sua viagem de (re)conhecimento do povo latino-americano, que hoje torna-se realidade.
Como disse Rigoberta Menchú em praça pública, sobre o tratamento de saúde do presidente paraguaio Fernando Lugo que acontecia durante os dias do Foro, "as aves agourentas e mafiosas voltaram a se movimentar no Paraguai". Por isso, toda prudência é pouca e toda vigilância é urgente e necessária.
Diz a canção Guaranis de Gildásio Mendes: "Ah! Quanta luta na fronteira,/ tanta dor na cordilheira,/ que o Condor não voou./ Ah! Dança e terra guaranis,/ de uma raça tão feliz que o homem dizimou./ Ah! Vou nos passos de um menino,/ no meu coração latino a esperança tem lugar./ Ah! Quando bate a saudade,/ abre as asas liberdade, que não para de cantar."
Ou o cantador Zé Vicente, em Pelos Caminhos da América: "Pelos caminhos da América, bandeiras de um novo tempo,/ vão semeando, ao vento, frases teimosas de paz./ Lá na mais alta montanha, há um pau d’arco florido,/ um guerrilheiro querido, que foi buscar o amanhã. /Pelos caminhos da América há um índio tocando flauta,/ recusando a velha pauta que o sistema lhe impôs./ No violão um menino e um negro tocam tambores,/ há sobre a mesa umas flores, pra festa que vem depois."
É, o tempo da unidade latino-americana sonhada por Che chegou.

* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

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