"Apenas três anos atrás era impensável um Fórum Social das Américas no
Paraguai. Este país ausente começa a se fazer presente. O Paraguai
renasce", disse Hugo Ferreira no ato de abertura do IV Foro em Assunção,
cantando Mi Pais, que ele tinha deixado de cantar por falta de
esperança e liberdade.
Apenas 11 anos atrás, na noite de 24 e madrugada de 25 de março de
1999, 7 manifestantes foram mortos na praça frente ao El Cabildo, mesma
praça de abertura do Foro, por franco-atiradores postados no alto dos
edifícios, na luta por democracia e por um Paraguai livre, no que foi
chamado Massacre do Março Paraguaio.
Apenas alguns anos atrás os indígenas bolivianos não se apresentavam
num Foro com toda altivez, pregando ao mundo o Bem Viver da harmonia
entre as pessoas e a harmonia das pessoas com a natureza, e são
reconhecidos como povos na Bolívia plurinacional.
Apenas poucos anos atrás a maia e guatemalteca Rigoberta Menchú,
Prêmio Nobel da Paz/1992, não pôde visitar o Paraguai, porque não lhe
garantiam segurança, o que pode fazer em 2010 sob as asas da liberdade e
da democracia.
Apenas pouco tempo para cá indígenas brasileiros, peruanos,
equatorianos, guatemaltecos e de todos os países latino-americanos
tornaram a anunciar com orgulho suas raízes, sua forma de produzir, sua
cultura e reverenciar os ancestrais e seus valores.
Apenas há pouco tempo era impossível reunir na mesma mesa num foro
latino-americano um presidente boliviano indígena, um presidente
paraguaio bispo da Teologia da Libertação, um presidente uruguaio
ex-guerrilheiro tupamaro.
Apenas há muito, muito poucos anos dos mais de quinhentos desde sua
colonização não são generais os presidentes eleitos, ou mandaletes dos
poderosos de plantão ou lacaios do poder econômico dependente ou
ditadores de plantão.
Apenas há poucos anos é eleito um presidente brasileiro metalúrgico e
sindicalista, um presidente equatoriano que vem das Comunidades
Eclesiais de Base, um presidente venezuelano dissidente das forças
militares conservadoras, um presidente salvadorenho aliado de históricas
forças guerrilheiras.
Apenas há poucos anos o povo começou a votar livre e soberanamente
seus governantes sem o poder das armas e o tacão do fuzil nas costas.
Apenas há pouco tempo os golpes de direita, as ditaduras, as eleições
fraudadas eram a marca registrada da América do Sul e América Central e
Caribe.
Apenas há poucos anos o FMI e o Banco Mundial eram os únicos
interlocutores da política econômica e social dos países do continente
latino-americano e de seus governos.
Apenas poucos anos atrás as ordens vinham de fora, do estrangeiro, e
os governantes batiam continência para o poder econômico externo.
Apenas quatro ou cinco atrás não havia UNASUL, ALBA, Banco do Sul e a integração latino-americana.
Apenas há poucos anos trabalhadores sem terra, catadores de materiais
recicláveis, moradores de rua, pescadores, pequenos agricultores,
negros e quilombolas, indígenas, o povo LGBT eram escorraçados dos
corredores do poder, aos quais jamais tinham acesso, muito menos
participação.
Apenas há pouco tempo os pobres latino-americanos não tinham voz nem
tinham vez, sendo apenas bucha de canhão para ‘servir’ a pátria ou dar
seu voto na eleição.
Apenas algumas décadas atrás, como retrata o filme Diários de
Motocicleta, Che Guevara pregava a unidade latino-americana em sua
viagem de (re)conhecimento do povo latino-americano, que hoje torna-se
realidade.
Como disse Rigoberta Menchú em praça pública, sobre o tratamento de
saúde do presidente paraguaio Fernando Lugo que acontecia durante os
dias do Foro, "as aves agourentas e mafiosas voltaram a se movimentar no
Paraguai". Por isso, toda prudência é pouca e toda vigilância é urgente
e necessária.
Diz a canção Guaranis de Gildásio Mendes: "Ah! Quanta luta na
fronteira,/ tanta dor na cordilheira,/ que o Condor não voou./ Ah! Dança
e terra guaranis,/ de uma raça tão feliz que o homem dizimou./ Ah! Vou
nos passos de um menino,/ no meu coração latino a esperança tem lugar./
Ah! Quando bate a saudade,/ abre as asas liberdade, que não para de
cantar."
Ou o cantador Zé Vicente, em Pelos Caminhos da América: "Pelos
caminhos da América, bandeiras de um novo tempo,/ vão semeando, ao
vento, frases teimosas de paz./ Lá na mais alta montanha, há um pau
d’arco florido,/ um guerrilheiro querido, que foi buscar o amanhã.
/Pelos caminhos da América há um índio tocando flauta,/ recusando a
velha pauta que o sistema lhe impôs./ No violão um menino e um negro
tocam tambores,/ há sobre a mesa umas flores, pra festa que vem depois."
É, o tempo da unidade latino-americana sonhada por Che chegou.
* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
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