Por Katarina Peixoto
Programas de reabilitação de drogados costumam prescrever a aceitação
de que o mundo é maior que a dependência do drogadito. Ou, em outras
palavras, que o drogadito não é maior do que o mundo. Versões mais
grosseiras dessas tentativas de desintoxicação costumam meter deus no
meio dessa superação. Fato é que desintoxicar exige humildade. E uma
consciência da própria finitude, quer dizer, um compromisso inadiável
com a própria carne, com as próprias dores e possibilidades.
Desintoxicar, por isso, exige um compromisso com a verdade. Não há
espaço para mentira e suas variantes do auto-engano no caminho de luta
contra a dependência.
Por isso falar em desintoxicação do Rio Grande do Sul faz sentido, e não exatamente como metáfora.
Um Estado que padeceu com a experiência Yeda Crusius não precisa de
metáfora, mas de realidade e, portanto, de um compromisso inadiável com a
verdade. A viagem tem sempre vida curta e a chapação, ao longo do
tempo, mata. De 2003 para cá, quando a direita gaúcha rearticulou seu
projeto de poder no estado do Rio Grande do Sul, a situação do Estado,
perante si mesmo e perante o país realmente merece uma campanha como
“Crack, nunca mais”. Não é sem propósito que o esteio propagandístico da
chapação lança essa campanha. E, mais uma vez, não há metáfora, aqui.
A decadência econômica vem caminhando de mãos dadas com a degeneração
política. Se esse vínculo é necessário ou não, pouco importa. Fato é
que constatar sua existência no RS dos dias que correm é dizer a
verdade. O lero-lero delirante do Déficit Zero é propagandeado a
despeito do declínio nos índices de qualidade de ensino, de saúde, dos
serviços públicos e nos grandes esquemas de saque do erário já
combalido. Saques, por sua vez, investigados e denunciados antes pelo
Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. A chapação e a
dependência não deram lugar à oposição. Mas esta, como um fígado, seguiu
se regenerando.
Seria simplesmente ridículo ver Yeda Crusius na televisão, com aquela
sua peculiar mirada ao infinito, não fosse desagradável. É
constrangedor e triste ver no que as drogas podem transformar uma
pessoa. E a mentira das sanhas ideológicas não apenas alienam
politicamente, como demenciam. Tem algo demente, ali, naquele queixo
acrítico, naquele déficit zero que outro dia até a representante não
escolhida pelo voto do sofrido Ministério Público Estadual repetia.
Diabos, o que pode querer dizer déficit zero no MP estadual???
Para criticar o Olívio Dutra, diziam que nas Assembléias do OP se
discutia até a compra de carteiras para escolas. Para criticar, diga-se.
Porque o que fizeram com este homem é inominável. Agora, não podem mais
fazê-lo. Não falam mais sozinhos, não intoxicam plenamente, não
asseguram a terra das palavras delirantes nas mentes incautas. E o Rio
Grande do Sul fica mais saudável.
Posso discordar de que tudo seja discutido numa assembléia de OP. Mas
frente ao crime o que está em jogo não é a concórdia ou a discórdia; é a
justiça, a lei. Ambas, em tempo, vêm sendo destroçadas neste estado.
Desmantelaram a legislação ambiental, esquartejaram a legislação dos
incentivos fiscais e, com isso, a mínima decência tributária (o Fundopem
do governo Rigotto tornaria Britto um republicano), desinvestiram
deliberada e sistematicamente na saúde, recusaram e se abstiveram do
recebimento e do empenho de verbas federais destinadas a políticas
públicas para jovens, crianças, mulheres, mulheres negras, comunidades
indígenas, catadores de papel, usuários do SUS.
Esse acúmulo de perdas só reforçou a dependência da máquina
propagandística, o estuário de verbas estaduais para seguir tentando
perpetuar o vício. Como se sabe, o vício tem muitos aspectos: culpa-se o
outro, projeta-se a própria miséria e se denega qualquer
responsabilidade. Assim se pode ver motoristas de táxi, lobotomizados
via rádio o dia inteiro, bradarem contra a Dilma porque os azuiszinhos
não fiscalizam as pessoas que estacionam nas ruas. Crack,nunca mais.
E por falar nisso, o senador Simon está calado. O paladino da
imparcialidade ativa que embruteceu, empobreceu e corrompeu o Estado em
níveis nunca dantes vividos. Seu candidato, até que se prove o
contrário, é um senhor tão obscuro como descompromissado, cujo discurso
vazio só é superado pela ausência de vitalidade.
Quem quer manter essa carcaça em que o RS se tornou? Como um resto de
gente, com dentes empodrecidos, ira contra o mundo, sobretudo
incompreensível; quem caminha pelas ruas e vê as hordas de jovens
chapados sabe do que se trata a imparcialidade ativa do déficit zero.
Sabe o que desinvestimento, abstenção e recusa de assistência geram.
Ainda virá à tona o quanto foi devolvido à união pelos governos (sic) da
imparcialidade ativa e do déficit zero, em recursos sem empenho,
destinados a políticas públicas no âmbito da assistência social, médica,
à criança e ao adolescente, à juventude. Crack, nunca mais.
Reabilitação é um processo doloroso, mas diariamente fortalecido.
Toda desintoxicação exige mais do fígado do que os porres de palavras
cruzadas e falsas polêmicas. Mas funciona, constitui, faz sentido. É um
caminho incerto, com recaídas, ou sem. Mas aponta para a agregação, a
consciência do mundo e a independência moral. Sem chapação, sem mentira,
sem saque do erário e sobretudo sem o delírio destruidor de futuro, de
responsabilidade e de saúde.
O que será do RS reabilitado não se sabe, visto que a destruição não
foi pouca nem irrelevante. Mas cessar a dependência, hoje, é vencer o
vício, ganhar da mentira, recusar o auto-engano mistificador e
empenhar-se com o futuro. Crack, nunca mais.
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