Artigo de Eduardo Mancuso homenageia León Trotsky no 70º aniversário de
sua morte. Trotsky pagou com a vida pela coragem de defender suas
posições socialistas marxistas, sem medo do isolamento e levando adiante
combate que organizou toda a sua vida. Suas virtudes heroicas
contribuíram para a vitória da primeira revolução socialista da
história, que ele tentou defender com todas as armas que tinha.
Eduardo Mancuso
Lev Davidovitch Bronstein nasce na Ucrânia, em 1879, filho de um
proprietário de terras judeu. Aos 18 anos, juntamente com sua esposa
Alexandra e um pequeno grupo de militantes, funda a União dos
Trabalhadores do Sul da Rússia. Preso pela polícia czarista foi
condenado a quatro anos de deportação na Sibéria. Em 1902, após adotar o
pseudônimo que o identificará por toda a vida (tirado do sobrenome de
um de seus carcereiros), Trotsky foge da prisão e vai encontrar-se com
Lenin em Londres, onde era editado o jornal "Iskra" (Centelha), órgão do
Partido Operário Social-Democrata Russo.
No famoso II Congresso do Partido em 1903, ocorre a divisão entre os
bolcheviques (maioria) de Lenin e os mencheviques (minoria), que
defendiam a liderança da burguesia liberal na revolução
democrático-burguesa contra a monarquia czarista. Trotsky divergia
radicalmente da estratégia reformista menchevique, mas vota contra os
bolcheviques na questão da organização partidária e faz duras críticas
às concepções leninistas, que considera centralizadoras e autoritárias.
Às portas da revolução de 1917, quando adere ao bolchevismo, Trotsky faz
autocrítica das posições que havia adotado durante e após o histórico
congresso sobre concepção partidária e de sua insistência em buscar a
conciliação entre mencheviques e bolcheviques.
A revolução russa de 1905 teve a destacada participação de Trotsky,
que assume a presidência do primeiro soviete (conselho) da história em
São Petersburgo (Petrogrado). Após a derrota do movimento, ele escreve
seu relato. Primeira revolução do século XX, iniciada a partir da crise
do regime czarista provocada pelas greves dos trabalhadores e pela
derrota militar frente ao Japão, teve como marco o “domingo sangrento”
em que milhares de manifestantes foram fuzilados pelas tropas diante do
palácio do czar. A revolução de 1905 marca o surgimento dos sovietes e
da greve geral de massas como criações políticas revolucionárias da luta
de classes, exercendo forte impacto nas concepções teóricas de Trotsky,
Lenin e Rosa Luxemburgo.
Assim, em 1906, Trotsky publica um pequeno livro que se mostra profético, Balanço e Perspectivas,
onde antecipa a estratégia vitoriosa da Revolução Russa de 1917. Nessa
obra ele resgata o conceito de revolução permanente de Marx, sustentando
o caráter socialista e internacional da revolução na Rússia, sob a
direção política da classe operária em aliança com o campesinato – ao
contrário dos bolcheviques, que defendiam o caráter democrático burguês
da revolução, mesmo sob um governo dos trabalhadores. Uma década depois,
Lenin se aproxima das posições estratégicas de Trotsky, e este se
aproxima das concepções de partido de Lenin.
Em 1914 explode a I Guerra Mundial com a capitulação da
social-democracia frente à guerra imperialista e seus 10 milhões de
mortos, marcando a traição histórica da Segunda Internacional ao
socialismo. Em 1915, a esquerda internacionalista contrária à guerra se
encontra na Conferência de Zimmerwald, na Suíça, e as posições de Lenin e
Trotsky se reaproximam. Com a fome e a mortandade provocada pela
guerra, explode a revolução de fevereiro de 1917 na Rússia, que derruba o
czarismo e implanta o governo provisório. Trotsky embarca de volta à
Rússia e chega a Petrogrado (antiga São Petersburgo) um mês depois de
Lenin ter desembarcado na famosa Estação Finlândia e haver reorientado
os rumos do partido bolchevique na oposição ao governo provisório
(formado por burgueses liberais e monarquistas constitucionalistas
inicialmente, mas depois conta com a participação de
socialistas-revolucionários e mencheviques), que mantinha a Rússia na
guerra, barrava a reforma agrária e reprimia os trabalhadores e
camponeses. “Todo o poder aos sovietes” é a palavra de ordem que Lenin
lança às massas radicalizadas contra a guerra e a fome, abrindo caminho
para a revolução de outubro. Em julho, Trotsky ingressa no partido e no
comitê central bolchevique, juntamente com a organização Interdistrital
que contava com três mil militantes. Em setembro, é eleito novamente
presidente do Soviete de Petrogrado, e em outubro, coordenador do Comitê
Militar Revolucionário, órgão responsável pela organização da tomada do
poder. Em novembro (outubro pelo antigo calendário russo), a primeira
revolução socialista da história tem lugar, sob a direção dos
bolcheviques e com o lema “paz, pão e terra”.
Porém, há a guerra com a Alemanha, o bloqueio e a intervenção militar
das potências ocidentais contra a Rússia. Trotsky torna-se Comissário
do Povo para as Relações Exteriores, chefia as negociações com o alto
comando alemão e desenvolve, nesse período, uma intensa agitação
dirigida ao proletariado europeu, denunciando as chantagens
imperialistas. Porém, no início de 1918, a jovem república soviética é
finalmente obrigada a assinar a Paz de Brest-Litovsk, imposta pela
superioridade militar alemã. No plano interno, o caos com a guerra civil
e os exércitos brancos da contra-revolução atacando em três frentes,
além da oposição interna de mencheviques e de
socialistas-revolucionários, e a terrível crise econômica com o colapso
da produção agrícola, industrial e dos transportes. A revolução está em
perigo.
Trotsky torna-se Comissário do Povo para Assuntos Militares e organiza o Exército Vermelho. Depois de passar dois anos atravessando a Rússia num trem blindado comandando o Exército Vermelho durante a guerra civil, Trotsky conquista a vitória sobre os exércitos brancos em 1920. Mas em março de 1921, o X Congresso do Partido Bolchevique defronta-se com a revolta dos marinheiros do Kronstadt e com as revoltas camponesas, ambas sob influência anarquista e esmagadas pelo poder soviético. Nesse contexto, o Congresso bolchevique suspende, em caráter extraordinário, o direito de tendências no partido, e Lenin lança a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), que substitui a fase do comunismo de guerra. Após as derrotas das revoluções na Alemanha, na Finlândia e na Hungria, o isolamento da Rússia soviética era total.
Trotsky torna-se Comissário do Povo para Assuntos Militares e organiza o Exército Vermelho. Depois de passar dois anos atravessando a Rússia num trem blindado comandando o Exército Vermelho durante a guerra civil, Trotsky conquista a vitória sobre os exércitos brancos em 1920. Mas em março de 1921, o X Congresso do Partido Bolchevique defronta-se com a revolta dos marinheiros do Kronstadt e com as revoltas camponesas, ambas sob influência anarquista e esmagadas pelo poder soviético. Nesse contexto, o Congresso bolchevique suspende, em caráter extraordinário, o direito de tendências no partido, e Lenin lança a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), que substitui a fase do comunismo de guerra. Após as derrotas das revoluções na Alemanha, na Finlândia e na Hungria, o isolamento da Rússia soviética era total.
Em 1919 Lenin convoca o congresso de fundação da Internacional
Comunista e Trotsky redige seu Manifesto (ele escreveria também o
Manifesto do II Congresso e as Teses do III Congresso). Em 1923, Lenin e
Trotsky compõem uma aliança contra Stalin (que detinha a
secretaria-geral do partido), a fim de combater a nascente
burocratização da revolução.
Trotsky organiza a Oposição de Esquerda, mas em janeiro de 1924,
Lenin morre. Stalin lança uma campanha de filiação partidária de massas,
ironicamente chamada de “recrutamento Lenin” e apresenta sua teoria
antimarxista do “socialismo em um só país”.
Entre 1925 e 1927, Trotsky foi afastado das suas funções no governo e
na direção do partido, até sua expulsão da União Soviética, em 1929.
Nesse período, Trotsky escreve algumas de suas obras mais importantes: Literatura e Revolução, em defesa de uma arte e cultura socialista; A Internacional Comunista depois de Lenin, em que faz um balanço devastador da política internacional do stalinismo; A Revolução Desfigurada,
em que responde às calúnias e falsificações históricas sobre o seu
papel na revolução e defende a luta política da oposição contra a
burocracia stalinista; Minha Vida, sua autobiografia; e A Revolução Permanente, em que retoma e desenvolve suas teses formuladas 25 anos antes.
Trotsky vive exilado na Turquia até 1933, onde escreve os três volumes da sua magistral História da Revolução Russa e os Escritos sobre a Alemanha (editado no Brasil por Mário Pedrosa, sob o título Revolução e contra-revolução na Alemanha),
duas obras-primas do marxismo. Depois de passar pela França e pela
Noruega, sofrendo pressões diplomáticas e ameaças constantes à sua vida,
Trotsky finalmente encontra abrigo no México, graças ao presidente
nacionalista Lázaro Cárdenas.
No exílio mexicano, hospedado com a sua segunda esposa Natália
Sedova, inicialmente na casa de seu amigo, o grande muralista Diego
Rivera e da artista plástica Frida Khalo, a atividade de Trotsky
continua sendo o combate incansável contra a burocracia stalinista. Ele
denuncia a traição histórica do partido comunista e da social-democracia
ao movimento operário alemão por se recusarem a cerrar fileiras em uma
frente única e permitirem a chegada do nazismo ao poder, sem luta;
denuncia a traição da revolução espanhola pelo stalinismo e os abjetos
Processos de Moscou (nos quais Stalin elimina fisicamente toda a “velha
guarda” bolchevique). Em 1936, Trotsky escreve A Revolução Traída,
em que caracteriza a União Soviética como um “Estado operário
burocraticamente degenerado” e defende a derrubada da ditadura
burocrática pelos trabalhadores, através de uma “revolução política” que
retomasse a democracia socialista e o poder dos sovietes. “Um rio de
sangue separa o stalinismo do bolchevismo”. Tempos terríveis e
contra-revolucionários: stalinismo, fascismo e a Grande Depressão
capitalista. “Era meia-noite no século”, afirmou o companheiro de
oposição e biógrafo de Trotsky, Victor Serge. A II Guerra Mundial já
apontava no horizonte.
Trotsky passa seus últimos anos de vida no México organizando a
Quarta Internacional – fundada em Paris, em 1938, sem a sua presença –
para a qual escreve o "Programa de Transição", com o objetivo de formar
uma nova geração de marxistas revolucionários (ele não denominava seu
movimento “trotskista”) que dessem continuidade a herança
“bolchevique-leninista” de Outubro e da Oposição de Esquerda. Após
sobreviver ao atentado organizado por artistas mexicanos do Partido
Comunista armados de metralhadoras, finalmente o braço assassino de
Stalin alcança Trotsky. Em 20 de agosto de 1940 o agente stalinista
Ramón Mercader, após conseguir infiltrar-se na casa-fortaleza de
Coyoacan, ataca-o pelas costas em seu escritório, furando o seu cérebro
com uma picareta. Na mesa de trabalho de Leon Trotsky, os seus últimos
escritos sobre a polícia secreta e os métodos criminosos de Stalin
restaram manchados de sangue.
* Eduardo Mancuso é assessor de cooperação internacional da
Prefeitura de Canoas/RS, integra o comitê internacional do Fórum Social
Mundial e é membro da equipe editorial do Jornal Democracia
Socialista/Em Tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário