O IRÃ QUE EU CONHECI ( Sonia Bonzi )
Depois de ter morado no Irã, minha maneira de ver o
mundo mudou bastante. Não acredito em mais nada do que diz a grande
mídia.
Quando soube que ia morar em Teerã senti um certo
medo, mas aceitei o desafio. Comecei uma busca voraz por informações
sobre o país, a cidade, a história, o povo. Depois de tudo que li,
decidi que viveria em casa, reclusa, lendo, escrevendo, fazendo crochet,
inventando moda...
Parti de Londres pronta para o sacrifício. Teria
que conviver com os xiitas radicais, terroristas cruéis, apedrejadores
de mulheres, exterminadores de homossexuais, homens-bomba, mulheres
oprimidas, cobertas com véus...
Eu estava submetida às leis locais e me seria
vedado mostrar cabelos, pernas e braços. Ficar em casa era o que mais me
atraia. Vestir um chador para sair me parecia um pouco demais. A
caminho de Teerã eu depositava o sucesso da minha estadia nos jardins da
casa onde fui morar. Ter aquele espaço me bastaria.
Logo ao sair do aeroporto comecei a ter uma imagem
diferente de tudo aquilo que eu tinha lido. Tudo tão bonito, belas
estradas, muita luz, viadutos com mosaicos, jardins bem cuidados, gente
vendendo flores nos sinais, um engarrafamento sem buzinas, pedestres
poderosos cruzando entre os carros, rapaziada de cabelo espetado,
mocinhos com camisetas apertadinhas, moças lindas, super produzidas e
também muitas mulheres de chador. Parques cheios de gente. Muita
criança. Muito pic nic.
Dizem que a primeira impressão é a que vale. Gostei
da chegada. Não tive medo. Não vi tanques, cadafalsos, escoltas
armadas... Gostei das caras, das montanhas, das casas, das árvores, dos
muros, do alfabeto que me tornava analfabeta.
Logo no segundo dia eu já tinha entendido que minha
leitura sobre o cotidiano não tinha nada de realidade. Eu não precisava
usar chador. Podia sair vestida com uma calça comprida, um camisão de
mangas compridas e um lenço na cabeça. Senti-me nos anos 70, quando eu
não dispensava um lencinho.
Deixei o jardim de casa e fui conhecer Teerã.
A imprensa e os meios de comunicação do ocidente me
deixavam confusa. O que eu lia e ouvia não correspondi ao que eu vivia e
via.
Encontro um povo é acolhedor, educado, culto,
simpático, que gosta de fazer amigos, que abre as portas de casa para os
estrangeiros, gosta de música, de dança, de declamar poesia... Não
encontrei os problemas de abastecimento que me informaram haveria.
Comprava-se de tudo, inclusive uísque e vodka. Bastava um telefonema.
Os temíveis homens-bomba nunca passaram por lá.
Ninguém se explodia. Foi horrível constatar que enforcamentos aconteciam
de vez em quando. Apedrejamento de mulher adúltera já não acontecia há
14 anos.
Fiquei amiga de muitos gays, fiz e fui a festas
espetaculares, tomei vinho feito em casa, viajei sem escoltas pelo país,
visitei amigos em suas casas de campo, de praia, de montanha...
Apaixonei-me pela culinária refinadíssima, morro de
saudades das nozes, pistaches, castanhas, avelãs, frutas secas. Não me
esqueço dos pães, do iogurte, do suco de romã puro ou com vodka...
Conheci a Pérsia profunda: lagos salgados, desertos
salgados, as antigas capitais, segui a "rota da seda", dormi em
caravanas reais... Sempre assessorada por amigos locais.
Não conheci um iraniano, de nenhuma classe social,
que fosse favorável ao regime teocrático instalado no país. Só uma coisa
aproxima o povo do governo: o direito à tecnologia nuclear.
A pressão do ocidente fortalece e radicaliza os
aiatolás. O povo do Irã não aceita esta interferência mundial. Quem são
os ocidentais para dizer a eles o que fazer? Eles não vêem o ocidente
como um modelo a ser seguido. Eles não acreditam nos governos que já
apoiaram Sadam Hussein numa guerra contra eles. Eles não tem razão para
acreditar nas grandes potências. Isto incomoda. Melhor demonizá-los.
Eles são acusados de não cumprirem acordos. Quem os acusa também não
cumpre.
O domínio da tecnologia nuclear é considerado pelo
povo do Irã como um direito deles, que sempre tiveram grandes
cientistas, que sempre valorizaram o conhecimento, a medicina de ponta,
que querem vender energia nuclear..
O povo iraniano não começa uma guerra há mais de
200 anos. Eles não são belicosos. São diferentes de seus vizinhos. A
instabilidade no Oriente Médio não é causada pelo Irã. Apesar da força
que a imprensa, os governos, as corporações fazem para denegrir a imagem
do Irã, eu confesso que o Irã que eu conheci não é o que é descrito
pela mídia ocidental.
Não há favelas em Teerã, não há miseráveis pelas
ruas. Minorias tem seus representantes no Congresso, judeus tem seus
negócios, suas sinagogas, zoroastrianos tem acesa a chama em seus
templos. A família é uma instituição valorizada. Refugiados palestinos e
iraquianos são mantidos pelo governo e pelo povo iraniano, que lhes
oferece abrigo, alimento e escolas...
Não acredito que ameaças e o uso da força possam
melhorar a situação na região. Os iranianos não são os iraquianos. Ser
mártir para defender a religião ou a pátria é motivo de júbilo até para
as mães.
A negociação, o respeito, a falta de arrogância, as
informações corretas são as armas para defender a estabilidade no
mundo. Pena que muitos interesses financeiros estejam acima dos sonhos
de bem-estar e paz.
Ver em linha : NovaE
P.S
Sonia Bonzi é escritora. O artigo acima foi publicado originalmente no site da NovaE.NovaE participa das coberturas compartilhadas do Forum Social Mundial
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