Os comentadores alemães rejubilam com as
exportações e os políticos anunciam o fim da crise e o regresso à
normalidade. Mas a população não parece convencida. Por João Alexandrino
Fernandes, de Tübingen, Alemanha, para o Esquerda.net.
Uma recente
sondagem indica que 88% dos alemães tornaram-se cépticos em relação ao
capitalismo e aspiram a uma nova ordem económica. Foto Werner
Kunz/Flickr
Têm vindo a surgir nos meios de comunicação social notícias sobre a recuperação económica da Alemanha: a Alemanha está a sair da crise, prevendo-se já uma taxa de crescimento de 3% em 2010. A Alemanha, o “motor” da Europa, está de regresso - assim se pensa, pelo menos.
Porém, o mais interessante é que estas notícias, que parecem convencer todos, não convencem a população alemã!
Neste momento diz-se que a economia da Alemanha cresce. Os comentadores
rejubilam com as exportações e os políticos anunciam o fim da crise e o
regresso à normalidade. E no entanto, segundo uma sondagem agora
divulgada, efectuada pelo instituto de pesquisa de opinião Emnid, por
incumbência da Fundação Bertelsmann, esta euforia não se reflecte no
estado de espírito da população. A maioria das pessoas não acredita que
tudo volte a ser como era de forma assim tão simples. Pelo contrário:
dois terços da população não esperam sequer que a recuperação económica
faça aumentar automaticamente a sua qualidade de vida.
Segundo a sondagem, a convição da população alemã mudou e tudo indica
que de forma estável. De facto, 88% dos alemães tornaram-se cépticos em
relação ao capitalismo e aspiram a uma nova ordem económica: acreditam
que o capitalismo não toma suficientemente em consideração quer o
equilíbrio social, quer a protecção do ambiente, quer a necessidade de
uma relação cuidadosa com os recursos naturais.
Significa esta atitude que os alemães pretendem uma revolução?
Atendendo aos resultados da sondagem, não. Significa que os alemães
estão pensativos e que vêem a responsabilidade pela actual situação
económica e social não só nos políticos e nos dirigentes da economia,
mas também em si próprios: quatro em cada cinco alemães são da opinião
de que cada um deveria reflectir sobre a sua própria forma de vida,
sobre se, para si, o crescimento económico é tudo.
Hoje em dia valores como a justiça social ou a protecção ambiental são
para a maioria dos alemães tão importantes que influenciam de forma
crescente a sua posição relativamente ao sistema económico. Para a
grande maioria dos cidadãos as fontes de qualidade de vida pessoal são
de natureza imaterial: relações sociais, saúde e condições ambientais
são mais importantes do que ter mais dinheiro e propriedade.
Importante também é que esta nova escala de valores recolhe um consenso
fora do vulgar em todos os escalões sociais e mostra-se independente
dos níveis de educação. Uma afirmação da pesquisa: “a prosperidade
social é, para mim, menos importante do que a protecção ambiental e a
redução das dívidas do Estado” mereceu não só a concordância de 75% das
pessoas com formação liceal, a forma mais elevada do ensino secundário e
que permite o acesso ao ensino superior, mas também a concordância de
69% das pessoas com a formação da chamada “Hauptschule”, que é a forma
mais elementar do ensino secundário alemão.
Segundo os resultados da sondagem, os alemães acreditam ainda que o
sistema económico pode ser orientado na direcção certa e a maioria está
convencida de que crescimento e protecção ambiental são objectivos
compatíveis um com o outro – mas pressupondo que existe para tal a
necessária vontade política. 82% consideram a continuação do crescimento
indispensável para a estabilidade política, mas em contrapartida não
acreditam nas chamadas “forças de regeneração próprias” do mercado, em
relação às quais os jovens são particularmente cépticos - e, pode-se
aqui bem dizer, com razão. O que a crise financeira precisamente
demonstrou foi o contrário, foi que quem “regenerou” o mercado não foram
nenhumas “forças de regeneração próprias”, mas sim as gigantescas
transferências de fundos feitas pelo Estado para instituições
financeiras aí a operar.
São todas estas incongruências ligadas ao sistema económico, acrescidas
da comprovada incapacidade do sistema para resolver os problemas de
justiça social e para deter a ameaça de destruição ambiental, neste
momento já à escala planetária, fortalecidas pela constatação de que por
mais que os números digam que a economia cresce, o impacto deste
crescimento pouco ou nada se faz notar na vida do cidadão comum, ao
passo que, na situação contrária, de crise, o impacto negativo é
imediato, que os alemães parecem ter deixado de ignorar.
Ora, deixar de ignorar não é, certamente, condição suficiente - mas é condição necessária para qualquer mudança seja possível.
Fontes: "Umfrage: Neun von zehn Deutschen fordern neue Wirtschaftsordnung“, in Spiegel Online, 18. August 2010, www.spiegel.de. "Umfrage-Wachstumsskeptisch“ em Zeit Online, 18.08.2010,www.zeit.de.
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