Não há semelhança possível entre um estúdio de tevê e um ringue. Pelo
menos não havia até poucos dias atrás. A gravação de uma entrevista na
TV 5, filiada à Rede Bandeirantes em Rio Branco, acabou em vale-tudo
entre o entrevistador, o jornalista Demóstenes Nascimento, e o
entrevistado, candidato ao Senado pelo Acre, o emedebista João Correia.
De categoria nitidamente superior, Demóstenes pareceu mais talhado para
catch-as-you-catch-can e ganhou a luta com bom aproveitamento tanto nos
socos quanto nos pontapés. Empate em matéria de insultos e palavrões.
O entrevistado farejou certa agressividade em uma pergunta sobre
segurança pública e reagiu com acusações ao atual governo acriano. O
entrevistador negou-lhe condições morais para manifestar-se ao apontá-lo
como envolvido em certo escândalo. O candidato ergueu-se de sua
poltrona aos gritos de “lacaio, vendido”. Partiram para a briga e a
célebre turma-do-deixa-disso demorou para entrar em ação.
Correia sofreu escoriações no rosto e no joelho direito e lesão no
tendão do dedo anular, também direito. Trata-se de um lutador
comprovadamente destro. Mas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Acre e a Federação Nacional divulgaram uma nota para verberar “a
atitude covarde e agressiva” do entrevistado. Nada como a eterna
vigilância dos paladinos da liberdade de imprensa, mesmo quando
participam de refregas desiguais, representados por pesos-pesados
chamados a enfrentar moscas ou galos.
A luta de Rio Branco é um episódio novo na nossa história das
campanhas eleitorais, mesmo porque, salvo melhor juízo, os candidatos
entrevistados não pulam corda ou socam o punching ball antes de qualquer
entrevista. Para revidar às perguntas que não são do seu gosto, o
candidato José Serra adota uma linha de refinado senso de humor. Anota a
repórter Juliana Cipriani, de O Estado de Minas, que Serra “parece ter
dificuldade em entender o que dizem os brasileiros ou inventou uma nova
estratégia para evitar responder às perguntas que não o agradam”.
Em meados de julho passado, em Pernambuco, o repórter de um jornal
local dirigiu-lhe uma pergunta sobre o trem-bala destinado a ligar São
Paulo ao Rio: obra feita ou tiro de festim? A pergunta deveria ser do
seu gosto, pois o candidato é contrário ao projeto. Surpresa. “Não
entendi, foi muito sotaque”, decretou Serra. Em Minas, quando um
jornalista o questionou sobre recente entrevista de Lula em que o
presidente lamenta-lhe a falta de sorte ao enfrentá-lo em 2002 e agora
diante de Dilma Rousseff, Serra escandiu: “Esta fala mineira de vocês eu
não entendo”.
O candidato tucano consegue, porém, ser mais cordato, a depender das
situações. Lá pelas tantas desta tertúlia eleitoral, o repórter Fábio
Turci dirige a Serra uma pergunta sobre juros. O perguntado não esconde
sua irritação, e indaga com a devida veemência: “De onde você é?” Turci
esclarece ser da Globo. E Serra, de pronto: “Ah, então desculpe”. Tucano
não voa, mas sabe onde pisa.
Na noite de 11 de agosto coube a ele ser sabatinado por 12 minutos
pelo casal JN, William Bonner e Fátima Bernardes, os sorrisos mais
radiosos do Brasil. Antes, a oportunidade foi bondosamente oferecida às
candidatas Dilma Rousseff, segunda 9, e Marina Silva, terça 10. Para
ambas, um sufoco. As perguntas do locutor que considera Homer Simpson
como telespectador ideal foram muito mais esticadas que as respostas,
quando estas não foram furibundamente atropeladas.
No caso de Dilma, o propósito foi mostrar (ingenuamente?) que ela é
ao mesmo tempo uma marionete na mão de Lula e personagem dura,
prepotente, mandona. De sorte a suscitar a observação da entrevistada,
mais ou menos do seguinte teor: então, como vocês me querem, como títere
do titereiro ou como a ministra inflexível que chama às falas os
colegas de gabinete? Na vez de Marina, o intuito foi outro: provar que
ela saiu do governo por discordâncias sobre a política ambiental
enquanto, tempos antes, não se incomodou com o mensalão, o escândalo
pretendido e até hoje não provado. A certa altura, a ex-ministra teve de
reagir com alguma, insólita veemência, para pedir que a deixassem
concluir o raciocínio.
Com Serra, na quarta 11, tudo mudou. O casal JN deixou o candidato
falar à vontade. E quando a entrevista pretendeu chegar ao ponto de
fervura, a pergunta foi: o senhor não se sente constrangido de ter o
apoio do PTB, partido metido no escândalo do mensalão petista? Nada do
mensalão mineiro nem do escândalo do DEM em Brasília. Maluf e Quércia?
Esquecidos. E os votos comprados para a reeleição de FHC?
Segundo momento de aperto. Pergunta a evocar os usuários que reclamam
dos preços altos do pedágio em São Paulo. Serra ganha a oportunidade de
falar mal das estradas federais. Aí Bonner acrescenta: não existe um
meio-termo, só dá para ter estradas boas e caras ou ruins e baratas?
Serra emenda, feliz, que na última concessão que fez, os preços do
pedágio caíram pela metade. Omitiu que os postos de cobrança foram
dobrados e ao cabo cita sua origem humilde, estudante de escola pública
etc. etc. Só falta chorar.
A rapaziada não se dá ao respeito. Quem sabe haja quem se incomoda ao
perceber que nos enxergam como malta de idiotas. Esta visão da plateia é
própria, aliás, dos jornalistas nativos e seus patrões. Será que não
usam na medição o metro recomendável para medir a si mesmos?
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redação@cartacapital.com.br
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