Por Débora Prado
Da Caros Amigos
A concentração no campo é conhecida inimiga na luta pela justiça social no Brasil. No País do agronegócio – em que usineiro é herói e a reforma agrária é divida histórica centenária – 2,8% das propriedades rurais são latifúndios que dominam mais da metade de extensão territorial agricultável do país (56,7%), segundo os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em 2006.
Mas, a concentração no campo não se limita às propriedades. O
oligopólio das fabricantes de sementes transgênicas e agrotóxicos se
fortaleceu no Brasil nas últimas décadas, imprimindo um novo modelo de
dominação que vai do campo para a cidade, rendendo cifras bilionárias
para poucos e prejuízos à saúde de muitos.
Detentoras de grande capital, patentes, poderosos lobbies políticos e
com um exército técnico e jurídico a sua disposição, essas companhias
não conheceram a crise econômica.
As vendas mundiais de agrotóxicos atingiram cerca de US$ 48 bilhões
em 2009, o que significa que o faturamento das empresas deste setor é
maior que o PIB de grande parte dos países no mundo.
Entre 2000 e 2009, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94%, ao passo que o brasileiro subiu 172%.
Somente no ano passado, foram registrados 2195 agrotóxicos no mercado
brasileiro, que movimentou US$ 6,8 bilhões, de acordo com dados da
Sindag, o sindicato das empresas.
Os dados foram apresentados pela integrante da Gerência Geral de
Toxicologia da Anvisa, Leticia Rodrigues da Silva, em um seminário
nacional contra o uso dos agrotóxicos promovido pela Via Campesina, em
parceria com a Fiocruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST.
Apesar das altas cifras, este é um mercado caracterizado pelo
oligopólio e por um elevado grau de concentração – 13 empresas
multinacionais respondem por 90% do mercado, sendo as 6 maiores
(Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto, Dow Quemical e DuPont) - responsáveis
por 68%.
Já poderosas no setor de agrotóxicos, estas multinacionais investiram
ainda na compra de inúmeras fabricantes de sementes no Brasil a partir
da década de 1990 e, recentemente, criaram o crédito direto ao produtor,
ampliando seus braços de controle sobre a produção de nacional.
Para Leticia, isto significa que “a relação do agronegócio e da
indústria de agrotóxico não é só de compra e venda, mas de
subordinação”.
Além dos impactos econômicos e sociais desta dominação, a
disseminação em escala industrial dos produtos fabricados por estas
empresas é uma questão ambiental e de saúde pública.
"No ano passado, por exemplo, a Anvisa começou a fiscalizar as
empresas produtoras e encontrou irregularidades em todas, como
adulteração de produtos que estavam com formulação diferente da
registrada e comercialização de vencidos", relata Letícia.
Somente na Dow Chemical, em junho deste ano, foram interditados mais
de 500 mil litros de agrotóxicos e um funcionário foi conduzido à
polícia por tentativa de omissão de produto.
A Anvisa colocou ainda 14 agentes ativos usados em agrotóxicos que se
espalham pelas lavouras brasileiras em reavaliação – muitos deles
inclusive proibidos em outros países como os EUA e alguns Europeus – sob
suspeita de prejuízos à saúde. As empresas do setor entraram na justiça
para impedir a revisão e até o momento quatro elementos foram banidos.
"O problema é que o prazo entre a entrada de um produto novo no
mercado, a constatação dos seus efeitos e a retirada, no caso de ele ser
prejudicial, é muito grande. E os danos à saúde ou mortes causadas
pelos agrotóxicos geralmente são em longo prazo, então fica difícil
provar o nexos de causalidade. Claro que há produtos em que se pode
afirmar isto e é estes que queremos banir”, ressalta Letícia,
complementando que “não há estudos em nenhum lugar do mundo sobre os
efeitos da exposição à mistura de agrotóxicos, mesmo que seja em
lavouras sucessivas”.
Para ela, o que está em cheque é a possibilidade da população decidir
se quer ou não consumir agrotóxico. "Hoje é praticamente impossível
comprar um alimento sem agrotóxico, porque mesmo aqueles que são
produzidos sem mostram índices de contaminação, que está em toda cadeia
alimentar, na água e até no ar”.
Com isso, em 2009, mais de um bilhão de litros de venenos foram
jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindag. O Brasil ocupa o
posto de liderança no consumo desses produtos e, segundo dados do
Movimento de Pequenos agricultores, se dividida a quantidade total de
agrotóxicos utilizados em 2009 pelo número de habitantes do País, cada
pessoa consumiu em média 5,2 kg de agrotóxicos ao longo do ano.
Horacio Martins de Carvalho, engenheiro agrônomo, avalia que este é
um um novo modelo produtivo econômico, político e cultural, em que a
patente dos genes e os Organismos Geneticamente Modificados fazem parte
das estratégias comerciais das empresas para vender pesticidas. “O
consumo mundial de agrotóxicos determina e é determinado pela combinação
do controle privado das patentes de OGM e das fusões das empresas da
área da indústria química”, explica.
Os números corroboram com esta avaliação. A Monsanto, por exemplo,
tem hoje 25% do mercado brasileiro de sementes de hortaliças, segundo
dados levantados pelo professor.
Já um levantamento feito Sérgio Porto, da Conab, mostra que somente
no cultivo de soja, um dos flancos dos transgênicos no Brasil, o uso de
herbicidas passou de 142,16 mil toneladas, em 2005, para 226,82 mil
toneladas no ano passado, um aumento de 60%.
O custeio agrícola seguiu a expansão do uso de herbicidas, passando
de R$ 4,82 bilhões, em 2005, para R$ 8,24 bilhões no ano passado.
“Os dados comprovam que não se usa menos agrotóxicos, nem se gasta
menos, com os transgênicos, como os produtores costumam dizer. Pelo
contrário, o uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas só aumentou no
Brasil”, conclui Porto.
O modelo é altamente concentrado: das 149 milhões de toneladas de
grãos na colheita deste ano, 80% é de milho e soja e outros 10% de
arroz. Ou seja, apenas 3 produtos dominam a produção brasileira de
grãos. Isto gera uma insegurança alimentar que pode penalizar toda
sociedade. “São Paulo é o Estado com maior insegurança alimentar em
termos de demanda e oferta, uma vez que a opção pela cana-de-açúcar leva
o Estado a trazer de fora grande parte dos alimentos”, complementa
Porto.
A concentração em poucos produtos é acompanhada de uma concentração
regional na produção. “A transição para um novo modelo é crucial e para
isso a pressão social é necessária. O debate sobre a alimentação
saudável e o modo com se produz deve ser um elemento central na união
das lutas no campo e na cidade”, destaca Porto.
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