Frei Betto via Sul21
Miro
a propaganda eleitoral na TV, ouço-a no rádio. E me pergunto: em que
galáxia habito? Fico a me perguntar se o desfile mórbido de candidatos
difere muito da apresentação dos gladiadores prestes a disputar o
direito à vida no Coliseu de Roma.
São tantas besteiras, tantas promessas inconsistentes, tantas ofensas
à língua pátria, que chego a preferir um passeio pelo zoológico, onde
se pode apreciar, de jaula em jaula, a variedade do animais, sem o
incômodo de escutar tanta bobagem.
Claro que incontáveis aparelhos de TV e rádio desligados no horário
eleitoral significam um recado óbvio: reforma política já! Como não virá
imediatamente, tudo indica que, de novo, a partir de 2011 veremos a
nossa representação política – nas Assembleias Legislativas, na Câmara
dos Deputados e no Senado – integrada por figuras respeitáveis,
competentes, éticas, ombro a ombro com o besteirol: políticos eleitos,
não pelo que representam como promotores do bem comum, e sim pela fama
na mídia, no esporte, na esbórnia, na exuberância das nádegas e no
escracho geral.
Pobre Brasil! A culpa é de quem? Do eleitor? Discordo. A culpa é dos
partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legenda de
aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros
candidatos-iscas para robustecer a bancada partidária no Poder
Legislativo. Não importa se o eleito não fala lé com cré. Importa é ter
amealhado votos em quantidade.
Isso revela algo muito grave: os partidos cada vez menos representam
uma parte ou segmento da sociedade. Representam a si mesmos. Viraram
clubes políticos destinados a beneficiar seus sócios. Vivem descolados
da base social, gabam-se de não ter ideologia, apenas interesses e, em
tudo que fazem, buscam, em primeiro lugar, reforçar o próprio poder. E
funcionam na base da ação entre amigos, pois quem se elege trata de
nomear quem não se elegeu para um cargo público bem remunerado.
O Brasil precisa, sim, urgentemente, de uma reforma de seu sistema
político. Não basta mudar as regras do jogo. Faz-se necessário modificar
a atual cultura política, fundada no compadrio e nepotismo (como pode
uma ministra incorporar familiares na máquina do governo?), no tráfico
de influências, no uso dos recursos do Estado para benefício próprio.
Quem se faz representar em nosso poder legislativo? A elite, o
agronegócio, os lobbies de armas e bebidas alcoólicas, da devastação da
Amazônia e da abertura irresponsável do país ao capital estrangeiro.
Esta é a minoria da população, poderosa, mas minoria.
Quem representa os sem terra e os sem teto? Quem representa os que
padecem a falta de saúde e educação? Quem representa os povos indígenas,
as pessoas com necessidades especiais, os jovens e idosos? Quem
representa os movimentos populares?
Introduzir uma nova cultura política é criar mecanismos de controle
civil do poder público, de modo a inibir a corrupção, punir os que agem
ao arrepio das leis e combater tudo isso que, na estrutura
socioeconômica brasileira, favorece e fortalece diferentes formas de
desigualdades.
A revogabilidade de mandatos, mormente em casos de corrupção
comprovada, deveria figurar como princípio pétreo em nosso sistema
político. Por que permitir que uma mesma pessoa possa, indefinidamente,
candidatar-se, perpetuando-se na política? Ninguém deveria ter o direito
a mais de dois mandatos sucessivos na mesma função.
Para avançar rumo à democracia participativa, o Brasil precisa
reformular seu sistema de comunicação, de modo a possibilitar o acesso
dos setores populares à livre expressão; promover plebiscitos e
consultas populares; adotar o financiamento público de campanhas
eleitorais; criar mecanismos de controle social das políticas econômicas
e do orçamento. Por que não há representação sindical na direção do
Banco Central?
Como falar em democracia se, em plena campanha presidencial, apenas
quatro candidatos têm direito a participar dos debates na TV? E os
demais? Foram legal e legitimamente indicados por seus partidos. Não
importa que sejam partidos nanicos. Uma democracia não se faz sem
isonomia. O eleitor tem o direito de conhecer as propostas de todos que
são oficialmente candidatos a funções executivas.
Desde o fim da ditadura, em 1985, a democracia se aprimorou muito no
Brasil. Contudo, não se julga um país pela perfeição de suas leis, e sim
pela aplicação dessas mesmas leis. A aprovação da Ficha Limpa demonstra
que a sociedade civil organizada e mobilizada pode mais do que ela
mesma crê. É hora de não apenas ouvir o que têm a propor os candidatos,
mas de os movimentos sociais e congêneres apresentarem a eles suas
propostas e sugestões.
Autoridade é o povo, de quem os políticos são meros servidores.
*Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter: @freibetto.
Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br
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