domingo, 10 de outubro de 2010

E a defesa dos direitos?


por Silvio Caccia Bava
Sem o MST, a violência no campo seria muito maior. Ele reúne, acolhe, inclui, dá dignidade e transforma o sentimento de revolta em ação coletiva, defende propostas de políticas públicas, politiza essas demandas. O mesmo pode-se dizer de movimentos sociais como os movimentos de moradia, de saúde, dos catadores, dos quilombolas, das mulheres, dos negros, e outros. Ao se constituírem como movimentos, eles vocalizam demandas de amplos setores da sociedade que se encontram, ainda, privados de seus direitos. São as pressões da sociedade sobre o sistema político que dão origem às mudanças e às novas políticas públicas.
Ainda que a grande imprensa continue a criminalizar os movimentos sociais, a sociedade brasileira mudou e reconhece a manobra. Estes movimentos, hoje, são reconhecidos, legitimados, com canais de interlocução com o governo federal. Eles têm papel fundamental na ampliação de nossa democracia. Eles se apresentam para a sociedade e trazem para o plano público e da política a questão da desigualdade e da injustiça. 
Mas os movimentos não brotam só da insatisfação popular. Para que eles surjam há todo um trabalho feito por redes de entidades, de associações de moradores, de sindicatos, de ONGs, fóruns de defesa de direitos, e mesmo pelas paróquias que ainda são progressistas. É nessas articulações heterogêneas que os indivíduos se organizam em coletivos, e daí surgem os movimentos sociais, quando surgem. 
Desde o fim dos anos 1970, em plena ditadura, um pequeno grupo de entidades se forma com apoio e solidariedade internacional. São ONGs que se constituem para apoiar a organização coletiva e a luta por direitos, nesse momento muito ligadas à igreja católica, às comunidades de base e à teologia da libertação. Sua especialidade: educação popular. Desenvolviam também trabalhos com clubes de mães, com a pastoral operária, com as associações de moradores. Nos anos 1980 as mudanças são grandes, com a construção de entidades nacionais, como as centrais sindicais, a Central de Movimentos Populares, a Confederação Nacional de Associações de Moradores, e outras. É o momento em que se destacam algumas redes e fóruns, como o Fórum Nacional da Reforma Urbana e o Fórum Nacional de Participação Popular.
Em todas estas redes está presente esse tipo particular de ONGs que se organiza para a defesa de direitos. Muito do trabalho de sistematização, de organização do debate público, de elaboração de propostas, conta com a expertise dessas ONGs, que agora são mais especializadas, justamente para corresponder à necessidade de ações mais propositivas.
Como a nossa democracia, assim como o respeito aos direitos, ainda são processos inacabados em nosso país, esse tipo particular de ONGs continua dando importantes contribuições até hoje. Muitas delas, não todas, se reúnem na Associação Brasileira de ONGs – a Abong.
E veio, agora, da Abong, o alerta de que suas associadas estão em perigo de vida. Paradoxalmente, a boa imagem do Brasil no exterior, associada à crise na Europa, levou a cooperação internacional, em grande parte, a suspender o financiamento dessas ONGs de defesa de direitos no Brasil. Pesquisas indicam uma redução do financiamento da ordem de 50%, do ano passado para este. 
A democracia brasileira precisa desses grupos de cidadãos e cidadãs que se organizam para a defesa de direitos. O seu trabalho, em sua diversidade, é de interesse público e deve ser valorizado e apoiado pelos cidadãos e pelos poderes públicos. Essas ONGs guardam a particularidade de ser produtoras de conhecimento, se envolvem com pesquisas, diagnósticos, sistematizações, análises, trabalho que é fundamental para dar sentido propositivo às pressões sociais. Especialmente porque, ao apresentarem propostas alternativas, vocalizam o dissenso, os conflitos, dão vida ao sistema político democrático. Os movimentos sociais, as redes de cidadania, os cidadãos e cidadãs, de uma maneira geral, se beneficiam com esse trabalho.
Pedir ao governo federal, com urgência, medidas de financiamento público para essas entidades é legítimo e necessário. Na Índia, assim como na Suécia e em outros países, há mais de dez anos, por lei, existe o financiamento público dos trabalhos dessas ONGs, com total respeito à sua autonomia. Não se trata de socorrer um grupo de entidades em crise de financiamento, se trata de tomar decisões políticas que assegurem o importante papel da sociedade civil brasileira na construção de nossa democracia.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

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