por Silvio Caccia Bava |
Sem
o MST, a violência no campo seria muito maior. Ele reúne, acolhe,
inclui, dá dignidade e transforma o sentimento de revolta em ação
coletiva, defende propostas de políticas públicas, politiza essas
demandas. O mesmo pode-se dizer de movimentos sociais como os movimentos
de moradia, de saúde, dos catadores, dos quilombolas, das mulheres, dos
negros, e outros. Ao se constituírem como movimentos, eles vocalizam
demandas de amplos setores da sociedade que se encontram, ainda,
privados de seus direitos. São as pressões da sociedade sobre o sistema
político que dão origem às mudanças e às novas políticas públicas.
Ainda que a grande
imprensa continue a criminalizar os movimentos sociais, a sociedade
brasileira mudou e reconhece a manobra. Estes movimentos, hoje, são
reconhecidos, legitimados, com canais de interlocução com o governo
federal. Eles têm papel fundamental na ampliação de nossa democracia.
Eles se apresentam para a sociedade e trazem para o plano público e da
política a questão da desigualdade e da injustiça.
Mas os movimentos não
brotam só da insatisfação popular. Para que eles surjam há todo um
trabalho feito por redes de entidades, de associações de moradores, de
sindicatos, de ONGs, fóruns de defesa de direitos, e mesmo pelas
paróquias que ainda são progressistas. É nessas articulações
heterogêneas que os indivíduos se organizam em coletivos, e daí surgem
os movimentos sociais, quando surgem.
Desde o fim dos anos
1970, em plena ditadura, um pequeno grupo de entidades se forma com
apoio e solidariedade internacional. São ONGs que se constituem para
apoiar a organização coletiva e a luta por direitos, nesse momento muito
ligadas à igreja católica, às comunidades de base e à teologia da
libertação. Sua especialidade: educação popular. Desenvolviam também
trabalhos com clubes de mães, com a pastoral operária, com as
associações de moradores. Nos anos 1980 as mudanças são grandes, com a
construção de entidades nacionais, como as centrais sindicais, a Central
de Movimentos Populares, a Confederação Nacional de Associações de
Moradores, e outras. É o momento em que se destacam algumas redes e
fóruns, como o Fórum Nacional da Reforma Urbana e o Fórum Nacional de
Participação Popular.
Em
todas estas redes está presente esse tipo particular de ONGs que se
organiza para a defesa de direitos. Muito do trabalho de sistematização,
de organização do debate público, de elaboração de propostas, conta com
a expertise dessas ONGs, que agora são mais especializadas, justamente
para corresponder à necessidade de ações mais propositivas.
Como
a nossa democracia, assim como o respeito aos direitos, ainda são
processos inacabados em nosso país, esse tipo particular de ONGs
continua dando importantes contribuições até hoje. Muitas delas, não
todas, se reúnem na Associação Brasileira de ONGs – a Abong.
E veio, agora, da
Abong, o alerta de que suas associadas estão em perigo de vida.
Paradoxalmente, a boa imagem do Brasil no exterior, associada à crise na
Europa, levou a cooperação internacional, em grande parte, a suspender o
financiamento dessas ONGs de defesa de direitos no Brasil. Pesquisas
indicam uma redução do financiamento da ordem de 50%, do ano passado
para este.
A democracia
brasileira precisa desses grupos de cidadãos e cidadãs que se organizam
para a defesa de direitos. O seu trabalho, em sua diversidade, é de
interesse público e deve ser valorizado e apoiado pelos cidadãos e pelos
poderes públicos. Essas ONGs guardam a particularidade de ser
produtoras de conhecimento, se envolvem com pesquisas, diagnósticos,
sistematizações, análises, trabalho que é fundamental para dar sentido
propositivo às pressões sociais. Especialmente porque, ao apresentarem
propostas alternativas, vocalizam o dissenso, os conflitos, dão vida ao
sistema político democrático. Os movimentos sociais, as redes de
cidadania, os cidadãos e cidadãs, de uma maneira geral, se beneficiam
com esse trabalho.
Pedir ao governo
federal, com urgência, medidas de financiamento público para essas
entidades é legítimo e necessário. Na Índia, assim como na Suécia e em
outros países, há mais de dez anos, por lei, existe o financiamento
público dos trabalhos dessas ONGs, com total respeito à sua autonomia.
Não se trata de socorrer um grupo de entidades em crise de
financiamento, se trata de tomar decisões políticas que assegurem o
importante papel da sociedade civil brasileira na construção de nossa
democracia.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 10 de outubro de 2010
E a defesa dos direitos?
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