Depois da era das privatizações, governo reassume setor; porém, com modelo antigo
Alexania Rossato
de São Paulo (SP)
O
avanço do capitalismo sobre o território e os recursos naturais
estratégicos, como forma de sair da crise econômica deflagrada em
setembro de 2008, tem se materializado no Brasil também com o aumento da
construção de usinas hidrelétricas. As obras na Amazônia, considerada a
nova fronteira energética, nunca foram tão disputadas e desejadas pelos
senhores da energia e questionadas pelo povo.
Na
avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), comparado aos
governos anteriores, o presidente Lula não promoveu mudanças
estruturais no modelo energético. “O problema central é o atual modelo,
que continua gerando energia para servir a indústria eletrointensiva e
busca garantir as mais altas taxas de lucro em todas as áreas que
compreende o setor elétrico. Transforma a energia em vários negócios,
controlados por corporações transnacionais. O Lula ou não quis, ou teve
medo de romper com esse modelo”, diz Gilberto Cervinski, da coordenação
nacional do MAB.
A retomada do planejamento
estatal do setor pelo governo Lula, depois de ter sido abandonado por
FHC, segue nesse rumo e aponta para a construção de muitas novas
barragens. Aprovado no final de novembro de 2010 pelo Ministério de
Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2019 exibe um
aumento no consumo de energia que corresponde a uma taxa anual média de
crescimento de 5,4%. A oferta de energia elétrica passará de 539,9
terawatt/hora em 2010 para aproximadamente 830 terawatt/hora em 2019,
segundo informações do próprio MME.
Esse montante
desperta o interesse de empresas transnacionais do mundo todo, já que o
Brasil oferece financiamento público através do BNDES, rios abundantes,
mão de obra disponível e consumo garantido, seja pelos consumidores
residenciais, seja pelo comércio ou pela indústria. “O setor elétrico
brasileiro é uma galinha dos ovos de ouro, não há empresa que não queira
vir explorar a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica
no Brasil, as riquezas naturais e as garantias dadas pelo Estado são
infinitamente mais atraentes, se compararmos com outros países”, declara
Cervinski.
Segundo informações das próprias
empresas, os lucros apontados pelos balanços trimestrais estão batendo
recordes: a CPFL Energia ampliou seu lucro em 33,8%; a Light quase
dobrou no trimestre; a Eletrobrás 76,2%, a Tractebel ampliou em 13,4% e a
Eletropaulo elevou seu lucro em 22,7%.
Esses
valores podem ser ampliados no próximo período, pois cerca de 20% da
geração, 74% da transmissão e 33% da distribuição têm seus contratos de
concessão de energia elétrica vencendo a partir de 2012. Quase 100%
dessas concessões hoje são estatais e as renovações envolvem valores
equivalentes a R$ 30 bilhões ao ano. As empresas privadas do setor
elétrico estão pressionando para que o governo leiloe as usinas e as
linhas de transmissão, já os movimentos sociais estão propondo reverter
para o controle estatal o que está sob controle privado, a renovação das
concessões estatais com manutenção do seu controle acionário, além da
criação de uma política de aplicação dos recursos para programas
sociais.
Entraves na política social
Desde
que a maior parte do setor elétrico foi privatizado no início dos anos
1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a política de
tratamento social dos atingidos por barragens tornou-se mais restrita e
violenta. A pressão por direitos por parte dos atingidos, que antes era
dirigida às estatais do setor elétrico, passou a ser feita às empresas
transnacionais que, na maioria das vezes, negam as reivindicações,
deslegitimam a organização e usam da força policial para desmobilização.
Durante o governo Lula, esse quadro não se alterou e muitos atingidos
por barragens foram inclusive presos, como aconteceu no Pará, em Santa
Catarina e em Rondônia, com a deportação dos bolivianos que participavam
dos protestos contra as usinas do rio Madeira.
Uma
das críticas feita pelo MAB é com relação à atuação do MME no
tratamento das questões sociais, e dos órgãos ambientais, sobre os
licenciamentos. Em todas as situações, o Ministério procurou combater as
conquistas dos atingidos, tal como aconteceu com o Relatório da
Comissão Especial sobre as violações dos direitos humanos em barragens. A
mesma coisa pode ser vista nos órgãos ambientais, com um fracionamento
que permitiu licenciamentos irregulares e com a aplicação de
condicionantes que ficam só no papel, como é o caso de Belo Monte; cujas
condicionantes não estão sendo aplicadas e as licenças estão prestes a
serem emitidas.
O relacionamento irregular com os
atingidos por barragens nos oito anos de governo não propiciou avanços
significativos, de mudanças estruturais na condição de vida dos mesmos.
Segundo a avaliação do MAB, as políticas foram focalizadas, atendendo
pontualmente as reivindicações. “Na nossa avaliação, a condução das
políticas de Estado para os atingidos foi inexpressiva, pois não alterou
as condições de vida para melhor, apenas tem concedido alguns
programas, extremamente burocratizados na sua execução. A política de
reassentamentos não avançou em praticamente nada e temos que brigar por
mais cestas básicas por famílias ao ano, isso é uma vergonha para quem
sempre sobreviveu do plantio e da colheita. Enquanto isso, o BNDES
financia a construção de barragens por todo o país, como aconteceu com a
usina de Jirau [no rio Madeira], cujo financiamento de R$ 7,2 bilhões
foi a maior linha de financiamento dada a uma empresa”, critica
Cervinski. (Leia mais na edição 409 do Brasil de Fato, já nas bancas)
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