quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Estado retoma setor energético, mas modelo continua o mesmo

Depois da era das privatizações, governo reassume setor; porém, com modelo antigo



Alexania Rossato
de São Paulo (SP)

O avanço do capitalismo sobre o território e os recursos naturais estratégicos, como forma de sair da crise econômica deflagrada em setembro de 2008, tem se materializado no Brasil também com o aumento da construção de usinas hidrelétricas. As obras na Amazônia, considerada a nova fronteira energética, nunca foram tão disputadas e desejadas pelos senhores da energia e questionadas pelo povo.
Na avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), comparado aos governos anteriores, o presidente Lula não promoveu mudanças estruturais no modelo energético. “O problema central é o atual modelo, que continua gerando energia para servir a indústria eletrointensiva e busca garantir as mais altas taxas de lucro em todas as áreas que compreende o setor elétrico. Transforma a energia em vários negócios, controlados por corporações transnacionais. O Lula ou não quis, ou teve medo de romper com esse modelo”, diz Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB.
A retomada do planejamento estatal do setor pelo governo Lula, depois de ter sido abandonado por FHC, segue nesse rumo e aponta para a construção de muitas novas barragens. Aprovado no final de novembro de 2010 pelo Ministério de Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia 2019 exibe um aumento no consumo de energia que corresponde a uma taxa anual média de crescimento de 5,4%. A oferta de energia elétrica passará de 539,9 terawatt/hora em 2010 para aproximadamente 830 terawatt/hora em 2019, segundo informações do próprio MME.
Esse montante desperta o interesse de empresas transnacionais do mundo todo, já que o Brasil oferece financiamento público através do BNDES, rios abundantes, mão de obra disponível e consumo garantido, seja pelos consumidores residenciais, seja pelo comércio ou pela indústria. “O setor elétrico brasileiro é uma galinha dos ovos de ouro, não há empresa que não queira vir explorar a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no Brasil, as riquezas naturais e as garantias dadas pelo Estado são infinitamente mais atraentes, se compararmos com outros países”, declara Cervinski.
Segundo informações das próprias empresas, os lucros apontados pelos balanços trimestrais estão batendo recordes: a CPFL Energia ampliou seu lucro em 33,8%; a Light quase dobrou no trimestre; a Eletrobrás 76,2%, a Tractebel ampliou em 13,4% e a Eletropaulo elevou seu lucro em 22,7%.
Esses valores podem ser ampliados no próximo período, pois cerca de 20% da geração, 74% da transmissão e 33% da distribuição têm seus contratos de concessão de energia elétrica vencendo a partir de 2012. Quase 100% dessas concessões hoje são estatais e as renovações envolvem valores equivalentes a R$ 30 bilhões ao ano. As empresas privadas do setor elétrico estão pressionando para que o governo leiloe as usinas e as linhas de transmissão, já os movimentos sociais estão propondo reverter para o controle estatal o que está sob controle privado, a renovação das concessões estatais com manutenção do seu controle acionário, além da criação de uma política de aplicação dos recursos para programas sociais.

Entraves na política social
Desde que a maior parte do setor elétrico foi privatizado no início dos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a política de tratamento social dos atingidos por barragens tornou-se mais restrita e violenta. A pressão por direitos por parte dos atingidos, que antes era dirigida às estatais do setor elétrico, passou a ser feita às empresas transnacionais que, na maioria das vezes, negam as reivindicações, deslegitimam a organização e usam da força policial para desmobilização. Durante o governo Lula, esse quadro não se alterou e muitos atingidos por barragens foram inclusive presos, como aconteceu no Pará, em Santa Catarina e em Rondônia, com a deportação dos bolivianos que participavam dos protestos contra as usinas do rio Madeira.
Uma das críticas feita pelo MAB é com relação à atuação do MME no tratamento das questões sociais, e dos órgãos ambientais, sobre os licenciamentos. Em todas as situações, o Ministério procurou combater as conquistas dos atingidos, tal como aconteceu com o Relatório da Comissão Especial sobre as violações dos direitos humanos em barragens. A mesma coisa pode ser vista nos órgãos ambientais, com um fracionamento que permitiu licenciamentos irregulares e com a aplicação de condicionantes que ficam só no papel, como é o caso de Belo Monte; cujas condicionantes não estão sendo aplicadas e as licenças estão prestes a serem emitidas.
O relacionamento irregular com os atingidos por barragens nos oito anos de governo não propiciou avanços significativos, de mudanças estruturais na condição de vida dos mesmos. Segundo a avaliação do MAB, as políticas foram focalizadas, atendendo pontualmente as reivindicações. “Na nossa avaliação, a condução das políticas de Estado para os atingidos foi inexpressiva, pois não alterou as condições de vida para melhor, apenas tem concedido alguns programas, extremamente burocratizados na sua execução. A política de reassentamentos não avançou em praticamente nada e temos que brigar por mais cestas básicas por famílias ao ano, isso é uma vergonha para quem sempre sobreviveu do plantio e da colheita. Enquanto isso, o BNDES financia a construção de barragens por todo o país, como aconteceu com a usina de Jirau [no rio Madeira], cujo financiamento de R$ 7,2 bilhões foi a maior linha de financiamento dada a uma empresa”, critica Cervinski. (Leia mais na edição 409 do Brasil de Fato, já nas bancas)

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