sábado, 11 de dezembro de 2010

MANIFESTO DA VIA CAMPESINA EM CANCUN

Por Fausto Brignol em seu blog


A mídia dominante, que todos gostam de assistir, principalmente pelas novelas e pelo futebol, ou pela pouca importância que dá aos temas mais momentosos, tratando-os de maneira leve e fluida, como se todas as coisas se arranjassem sem luta, ou pela simples ação dos governantes do mundo, mais uma vez deu pouca importância à Conferência Climática de Cancun. Não devemos culpar os jornalistas que são apenas intermediários dos patrões que os mandam agir dessa maneira, longínqua em relação ao povo e aos problemas do nosso planeta. Eles são muito bem pagos, como os antigos mercenários, e agem como robôs. Na verdade, há uma possibilidade de que, às vezes, eles consigam raciocinar por si mesmos.

     Mas o povo estava alerta em Cancun. Abaixo, a minha tradução do manifesto da Via Campesina.


“MAIS VALE NENHUM ACORDO DO QUE UM MAU ACORDO”

     “Os membros da Via Campesina de mais de 30 países de todo o mundo unimos nossas lutas em Cancun para exigir da Cúpula sobre a Mudança Climática (COP 16), justiça ambiental e respeito à Mãe Terra, para denunciar as ambiciosas intenções dos governos, principalmente do Norte, de comercializar todos os elementos essenciais à vida em benefício das corporações transnacionais e para dar a conhecer as múltiplas soluções para melhorar o clima e frear a devastação ambiental que hoje ameaça muito seriamente a humanidade.

     “Tomando como principal espaço de mobilização o Foro Alternativo Global pela Vida, a Justiça Social e Ambiental, nós realizamos reuniões e assembléias com nossos aliados e uma ação global que denominamos “os milhares de Cancun”, que repercutiu por todo o planeta e até mesmo nas salas do Moon Palace da COP 16. Esta ação de 7 de dezembro teve como expressão de nossa luta uma marcha de milhares de membros da Via Campesina, acompanhada pelos indígenas Maias da península mexicana e nossos milhares de aliados de organizações nacionais e internacionais.

     “A mobilização até Cancun iniciou no dia 28 de novembro através de três caravanas que partiram desde San Luis Potosí, Guadalajara e Acapulco, que passaram pelos territórios mais simbólicos da devastação ambiental, apesar da resistência e das lutas das comunidades afetadas. O esforço das caravanas foi um trabalho conjunto com a Assembléia Nacional de Afetados Ambientais, o Movimento de Libertação Nacional, o Sindicato Mexicano de Eletricistas e centenas de pessoas que nos abriram as portas de sua generosidade e solidariedade. Em 30 de novembro chegamos com nossas caravanas à Cidade do México, celebramos um Foro Internacional e uma marcha, acompanhados de milhares de pessoas e centenas de organizações que também lutam pela justiça social e ambiental.

     “Em nossa jornada até Cancun, outras caravanas, uma de Chiapas, outra de Oaxaca e uma da Guatemala, depois de muitíssimas horas de viagem, uniram-se em Mérida, para celebrar uma cerimônia em Chichen Itzá e finalmente chegar a Cancun em 3 de dezembro para instalarmos o nosso acampamento pela Vida e a Justiça Social e Ambiental. No dia seguinte, 4 de dezembro, abrimos o nosso foro e assim demos inicio à nossa luta em Cancun.

     “Os atuais modelos de comércio e produção estão causando uma destruição no meio ambiente da qual os povos indígenas, camponesas e camponeses somos as principais vítimas. Assim, a nossa mobilização até Cancun e em Cancun foi para dizer aos povos do mundo que necessitamos de uma mudança de paradigma de desenvolvimento e economia.

     “É necessário transcender o pensamento antropocêntrico. Devemos reconstituir a cosmovisão dos nossos povos, que se baseia no pensamento holístico da relação com o cosmos, a mãe terra, o ar, a água e todos os seres viventes. O ser humano não é dono da natureza, mas uma parte do todo que tem vida. Ante esta necessidade de reconstituir o sistema, o clima da mãe terra, denunciamos

1. “Que os governos continuam indiferentes ante o aquecimento do planeta e em vez de debater sobre as mudanças de políticas necessárias para esfriá-lo, debatem sobre o negócio financeiro especulativo, a nova economia verde e a privatização dos bens comuns.

2. “As falsas soluções que o sistema capitalista neoliberal implementa, como a iniciativa REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação); o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), a geoengenharia, representam comercialização dos bens naturais, compra de permissão para contaminar os créditos de carbono, com a promessa de não destruir bosques e plantações no Sul.

3. “A imposição da agricultura industrial, através da implementação de produtos transgênicos, que atenta sobre a Soberania Alimentar.

4. “A energia nuclear, que é muito perigosa e de nenhuma maneira é uma solução.

5. “O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio por facilitar a intervenção das grandes transnacionais em nossos países.

6. “Os impactos que provocam os tratados de livre comércio com os países do Norte e com a União Européia, que não são mais que acordos comerciais que abrem as portas de nossos países às empresas transnacionais para que se adonem dos nossos bens naturais.

7. “A exclusão dos camponeses e dos povos indígenas nas discussões dos temas transcendentais na vida da humanidade e da mãe terra.

8. “A expulsão de companheiras e companheiros do espaço oficial da COP 16 devido à sua oposição aos argumentos dos governos que apelam para um sistema depredador que acabará por exterminar a mãe terra e a humanidade.

     “Não estamos de acordo com a simples idéia de “mitigar” ou nos “adaptarmos” à mudança climática. Por isso, exigimos:

1. “Retomar os princípios do acordo de Cochabamba de 22 de abril de 2010 como um processo que realmente nos leve à redução de emissão de gases que provocam o efeito estufa e para conseguir a justiça social e ambiental.

2. “A Soberania alimentar com base na agricultura camponesa sustentável e agroecológica, posto que a crise alimentar e a crise climática são o mesmo, porque ambas são conseqüência do sistema capitalista.

3. “É necessário mudar os estilos de vida e as relações destrutivas do meio ambiente. Devemos reconstituir a cosmovisão dos nossos povos originários, que se baseia no pensamento holístico e na relação com o cosmos, a mãe terra, o ar, a água e todos os seres viventes.

     “A Via Campesina, como articulação que representa milhões e milhões de famílias camponesas de todo o mundo e preocupados pela recuperação do equilíbrio climático, chama a:

1. “Assumir a responsabilidade coletiva da mãe terra, mudando os padrões de desenvolvimento das estruturas econômicas e o fim das empresas transnacionais.

2. “Reconhecemos governos como o da Bolívia, Tuvalu e alguns mais que tem tido a coragem de resistir ante a imposição dos governos do Norte e das corporações transnacionais e fazemos um chamado para que outros governos se somem à resistência dos povos frente a crise climática.

3. “Obrigar a todos os que contaminam o ambiente a prestar contas pelos desastres e delitos cometidos contra a mãe Natureza. Da mesma forma, obrigá-los a reduzir as emissões de gases no lugar onde são gerados. O que contamina deve deixar de contaminar.

4. “Alertamos aos movimentos sociais do mundo sobre o que acontece no planeta para defender a vida da mãe terra, porque estamos definindo o que será o modelo das próximas gerações.

5. “A ação e a mobilização social das organizações urbanas e camponesas, a inovação, a recuperação das formas ancestrais de vida, devem fazer parte de uma grande luta para salvarmos a mãe terra, que é a casa de todos, contra o grande capital e os maus governantes – esta é a nossa responsabilidade histórica.

6. “Que as políticas de proteção à biodiversidade, soberania alimentar, manejo e administração da água se baseiem nas experiências e administração plena das próprias comunidades.

7. “A uma consulta global aos povos para decidir as políticas e as ações globais para deter a crise climática.

     “Hoje, agora mesmo chamamos a humanidade para atuar imediatamente pela reconstituição da vida de toda a mãe natureza, recorrendo à aplicação do “cosmoviver”.

     “Por isto, desde as quatro esquinas do planeta nos levantamos para dizer:

“- Nenhum dano mais à nossa Mãe Terra!

“- Fim à destruição do planeta!

“- Respeito aos nossos territórios!

“- Nenhuma morte mais aos filhos e filhas da Mãe Terra!

“- Não à criminalização das nossas lutas!

     “Não ao entendimento de Copenhagen. Sim aos princípios de Cochabamba.

     “REDD não! Cochabamba sim!

     “A TERRA NÃO SE VENDE, SE RECUPERA E SE DEFENDE!

     “GLOBALIZEMOS A LUTA, GLOBALIZEMOS A ESPERANÇA.

“Delegação da Via Campesina em Cancun, em 9 de dezembro de 2010.”

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