sábado, 11 de dezembro de 2010

Wikileaks: toc toc, está alguém?




Ainda com Wikileaks.
Um pesadelo.

Max do blog Informação Incorreta
O mártir

Não param as notícias nos média: Assange preso, a Suécia quer a extradição, há uma acusação de estupro.
Nos blogues e sites independentes é ainda pior: Wikileaks é a última esperança de quem luta contra o Império do Mal, Assange um mártir.

Poucos são os que param e reflectem.

Reflectem acerca de quê? Acerca dum simples pormenor: Julian Assange está vivo.

Talvez para a maioria dos leitores isso possa parecer como um facto normal, mas não é: se Assange fosse verdadeiramente um perigo para os Estados Unidos e, sobretudo, para Israel, estaria debaixo de dois metros de terra. E não desde agora.

Pelo contrário, Assange é vivo e saudável.
Por enquanto no Reino Unido, onde Scotland Yard teve a cortesia de esperar antes de prende-lo, depois veremos.

Se os militares ingleses tivessem o mesmo respeito quando for altura de capturar os alegados terroristas inimigos do Ocidente, Guantanamo estaria meia vazia.

Mas como é possível duvidar de Wikileaks?
Ao ver Wikileaks e os média em geral que juntam as forças para expor a verdade nua e crua acerca da invasão dos EUA no Iraque, no Afeganistão e, mais recentemente, o que o Departamento de Estado dos EUA pensa acerca dos líderes mundiais? Podemos ter ainda reservas?
Quer dizer, isso é o que está a acontecer, certo?
Uma série de revelações históricas, não é?

Pois não é.

 Velhices

O que acontece é que os média estão a difundir notícias já velhas e incompletas. Só que agora têm uma camada de credibilidade graças ao bom Julian Assange, alto, louro, olhos azuis, um perfeito proto-mártir.

O que verdadeiramente consegue surpreender-me é o facto de sites de notícias alegadamente alternativas estarem a funcionar como um poderos eco para estas mentiras.
Difundem a história de Wikileaks sem algum espírito crítico.

Não vamos fazer nomes, não é simpático: mas falamos de sites que a cada dia podem contar com dezenas de milhares de visitantes. Um movimento impressionante para defender o mártir australiano. Tudo sem parar, sem pensar, sem duvidar, sem perguntar.

Toc toc: está ainda alguém por ai?

O leitor tem dúvidas acerca de quanto afirmado?
Então o leitor faça um favor: abra YouTube e procure alguma coisa acerca das atrocidades dos Estados Unidos no Iraque ou no Afeganistão.
E, uma vez encontrado, olhem para a data de publicação do vídeo. Velhinho, não é?

Pois é.

Os Estados Unidos utilizam esquadras de killer? Olha só a novidade: a notícia tem 7 anos e pode ser encontrada neste link do diário britânico Guardian.
Aliás, na notícia original é presente a informação segundo a qual estes killer são treinados pelos Israelitas.

Washington paga os média do Iraque e do Afeganistão para obter notícias mais favoráveis?
Wow! Quem poderia ter imaginado uma coisa destas?
Talvez o Lincoln Group, que em 2005 ganhou em exclusivo a possibilidade de controlar todos os média do Iraque. Esta revelação é tão perturbadora que está no Wikipedia desde 2005.

Quantos civis foram mortos no Iraque? Milhares? Ohhhhhh...esta sim que é uma revelação aterradora.
Querem uma ainda pior? Visitem Just Foreing Policy, que ainda faz as contas: já ultrapassou 1 milhão e 400 mil vítimas. Na verdade, Wikileaks apoia uma estimativa muito baixa que fica mais próxima das avaliações oficiais.

Mas se Assange ficasse por aqui até não seria mal.
Afinal é bom lembrar o mal da guerra, os sofrimentos envolvidos, o papel longe de estar limpo das "Forças do Bem", Estados Unidos in primis.

O problema nasce quando Wikileaks avança com outro tipo de "revelações".


A CIA agradece. Israel também.

Wikileaks, por exemplo, fornece as "provas"de que o Paquistão está ajudar os Talibãs. O Paquistão e não a CIA, como muitos suspeitam.

Resultado? O seguinte: o New York Times publica um artigo cujo título é
O serviço de inteligência paquistanês ajuda os revoltosos.
E a CIA agradece.

Avança o Guardian:
Wikileaks revela que Irão e Paquistão vendem mísseis aos Talibãs.
E a CIA agradece, outra vez. Menos o Irão que vê confirmado o seu papel de mau da fita no Médio Oriente. Tal como Israel predica.

Doutro lado, que Teheran seja um dos principais objectivos destas "revelações" parece evidente.

Telegraph:
Wikileaks, como o Irão concebeu um novo colete-suicida para Al-Qaeda no Iraque. 
O quê? Mas nem nas fantasias mais selvagens de Tel Avive haveria espaço para notícias como estas.

Ainda o Telegraph: 
WikiLeaks, o Irão obtém da Coreia do Norte mísseis com os quais atingir Europa.
Com certeza. Também Saddam Hussein tinha mísseis assim, lembram? Guardian:
O especialista da Defesa Adam Holloway afirma que o MI6 [o serviço de intelligence britânico, NDT] obteve a informação directamente dum taxista que tinha ouvido falar dois comandantes militares do Iraque acerca das armas.
E não é o caso de sorrir, o nível é o mesmo.
Mesmo na altura em que os Estado Unidos estão empenhados na demonização do Irão e têm um porta-aviões no Mar da China, eis que surge Wikileaks com estas estrondosas "revelações". Maravilhoso.

E Israel? Ah, pois, Israel...

Eis o pensamento da terra de Rei David:
Em Israel, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, disse que reivindicava as revelações de [Wikileaks, NDT] sobre a extensão das preocupações internacionais e árabes sobre o Irão e o seu programa nuclear.
"Israel não foi danificado de alguma forma pelas publicações de Wikileaks", disse Netanyahu.

"Os documentos mostram muitas fontes que apoiam as avaliações de Israel, particularmente acerca do Irão. A nossa região tem sido refém duma narrativa que é o resultado de 60 anos de propaganda que pinta Israel como a maior ameaça. Na verdade, os líderes entendem que esta visão é falsa. Pela primeira vez na história, há um consenso de que o Irão é uma ameaça."
Netanyahu só não disse "Obrigado Julian".
Talvez tinha pressa, esqueceu do pormenor. Mas o sentido é o mesmo.

Pergunto: mas é preciso dizer mais?
E percebem agora porque Julian Assange está vivo e em boa saúde?


Parabéns

Conclusão: Wikileaks foi uma operação bem pouco sofisticada, mas resultou. E afinal é isso que conta.
Por isso é preciso dar os parabéns aos autores. Cujos nomes podem ser intuídos sem grandes esforços cerebrais.

Em breve a poeira irá assentar-se. Os dados acerca dos civis mortos no Iraque serão esquecidos ("é normal, é uma guerra"). E quando alguém afirmar que o Irão é o Reino do Terror, poderá sempre acrescentar "Também Wikileaks disse isso!".
E o circulo será fechado.

Sinceramente, pensava que fosse preciso algo mais.
Esperava que o 11 de Setembro tivesse ensinado alguma coisa, tivesse difundido o habito de não parar perante as aparências mas de ir um pouco além.
No mundo de internet há pessoas que põe em causa tudo ou quase, chegando a imaginar conspirações que envolvem alienígenas, mundos perdidos, Jesús Cristo, os Kennedys e a gripe das aves.

Depois é suficiente um australiano com recortes de jornais para que todos fiquem aniquilados.

Tal como disse: esperava que fosse preciso algo mais.

Culpa minha, peço desculpa.

Nota
Desejo realçar uma das outras poucas vozes que, tal como eu, pararam e tentaram reflectir: Prova Final. Caso tenha esquecido alguém, façam o favor de indicar! Obrigado!!!

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